terça-feira, 22 de dezembro de 2020

Por Marx (Parte II), de Louis Althusser

Editora: Unicamp

ISBN: 978-85-268-1232-1

Opinião: ★★☆☆☆☆

Páginas: 216

Sinopse: Ver Parte I


 

“Mas basta citar esses dois termos para despertar imediatamente a memória das lutas teóricas e práticas conduzidas por Marx e seus discípulos contra esses “desvios”. E para o texto mais do que famoso sobre a máquina a vapor, quantos textos peremptórios contra o economicismo! Abandonemos então essa caricatura, não para opor ao economicismo os troféus de caça das condenações oficiais, mas para examinar que princípios autênticos estão em ação nessas condenações, e no pensamento efetivo de Marx.

“É então decididamente impossível manter, em seu aparente rigor, a ficção da “inversão”. Pois, na verdade, Marx não conservou, “invertendo-os”, os termos do modelo hegeliano da sociedade. Ele substituiu-os por outros, que têm com eles apenas longínquas relações. Ou melhor, ele subverteu a relação que reinava, antes dele, entre esses termos. Em Marx, são ao mesmo tempo os termos e sua relação-que trocam de natureza e de sentido.

Os termos, primeiramente, não são mais os mesmos.

Sem dúvida, Marx fala ainda de “sociedade civil” (em particular nA ideologia alemã: termo que se traduz inexatamente por “sociedade burguesa”), mas é por alusão ao passado, para designar o lugar de suas descobertas, e não para retomar seu conceito. Seria preciso estudar detidamente a formação desse conceito. Ver-se-ia desenhar-se aí, nas formas abstratas da filosofia política, e nas formas mais concretas da economia política do século XVIII, não uma verdadeira teoria da história econômica, nem mesmo uma verdadeira teoria da economia, mas uma descrição e uma fundação dos comportamentos econômicos, em suma, uma espécie de fenomenologia filosófico-econômica. Ora, o que é bastante notável nesse empreendimento, tanto nos filósofos (Locke, Helvétius et alii) quanto nos economistas (Smith, Turgot et alii), é que essa descrição da sociedade civil se efetua como se se tratasse da descrição ( e da fundação) daquilo que Hegel, resumindo perfeitamente seu espírito, chama “o mundo das necessidades”, ou seja, um mundo relacionado imediatamente, como à sua essência interna, às relações de indivíduos definidos por sua vontade particular, seu interesse pessoal, em suma, suas “necessidades”. Quando se sabe que Marx baseou toda a sua concepção da economia política na crítica dessa pressuposição (o homo economicus, e sua abstração jurídica ou moral, o “homem” dos filósofos), presume-se que ele não pôde recuperar um conceito que era seu produto direto. O que importa para Marx não é, com efeito, nem essa descrição (abstrata) dos comportamentos econômicos, nem sua pretensa fundação no mito do homo economicus; é a “anatomia” desse mundo, e a dialética das mutações dessa “anatomia”. É por isso que o conceito de “sociedade civil” (mundo dos comportamentos econômicos individuais e sua origem ideológica) desaparece em Marx. É por isso que a realidade econômica abstrata (que Smith, por exemplo, reencontra nas leis do mercado como resultado de seu esforço de fundação) é ela mesma compreendida por Marx como o efeito de uma realidade mais concreta e mais profunda: o modo de produção de uma formação social determinada. Aí os comportamentos individuais econômicos (que serviam de pretexto a essa fenomenologia econômico-filosófica) são pela primeira vez dimensionados por sua condição de existência. Grau de desenvolvimento das forças produtivas, estado das relações de produção: eis os conceitos fundamentais de Marx doravante. Se a “sociedade civil” lhe indicava bem o lugar (é aqui que é preciso cavar...), é preciso admitir que ela não lhe fornecia nem mesmo a matéria para tal. Mas onde se encontra tudo isso em Hegel? Quanto ao Estado, é demasiado fácil provar que ele não tem mais em Marx o mesmo conteúdo que em Hegel. Não só, é claro, porque o Estado não pode mais ser a “realidade da Ideia”, mas também e acima de tudo porque o Estado é pensado sistematicamente como um instrumento de coerção a serviço da classe dominante dos exploradores. Também aí, sob a “descrição” e a sublimação dos atributos do Estado, Marx descobre um novo conceito, pressentido antes dele desde o século XVIII (Longuet, Rousseau et alii), retomado mesmo por Hegel na obra Filosofia do direito (que fez dele um “fenômeno” da Astúcia da Razão cujo triunfo é o Estado: a oposição da pobreza e da riqueza), e abundantemente utilizado pelos historiadores de 1830: o conceito de classe social, em relação direta com as relações de produção. Essa intervenção de um novo conceito, seu relacionamento com um conceito fundamental da estrutura econômica, eis com o que remanejar da cabeça aos pés a essência do Estado, que doravante não está mais acima dos grupos humanos, mas a serviço da classe dominante; que não tem mais por missão realizar-se na arte, na religião e na filosofia, mas colocar estas a serviço dos interesses da classe dominante, ou melhor, coagi-las a se constituir com base nas ideias e nos temas que ele torna dominantes; que deixa, portanto, de ser a “verdade da” sociedade civil, para se tornar não a “verdade de” outra coisa qualquer, nem mesmo da economia, mas o instrumento de ação e de dominação de uma classe social etc.

No entanto, não são somente os termos que mudam: são suas próprias relações.

Aí não se deveria crer que se trata de uma nova distribuição técnica dos papéis imposta pela multiplicação dos novos termos. Como, efetivamente, se agrupam esses novos termos? De um lado a estrutura (base econômica: forças produtivas e relações de produção); do outro a superestrutura (o Estado e todas as formas jurídicas, políticas e ideológicas). Viu-se que se podia tentar, contudo, manter entre esses dois grupos de categorias a própria relação hegeliana (que Hegel impõe às relações entre a sociedade civil e o Estado): uma relação de essência a fenômeno sublimada no conceito de “verdade de...”. Desse modo, em Hegel, o Estado é a “verdade da” sociedade civil, a qual não é, graças ao jogo da Astúcia da Razão, senão seu próprio fenômeno, realizado nele. Ora, em um Marx, que se rebaixaria assim ao estatuto de um Hobbes ou de um Locke, a sociedade civil poderia ser também apenas a “verdade do” Estado, seu fenômeno, apenas uma Astúcia que a Razão Econômica poria então a serviço de uma classe: a classe dominante. Infelizmente para esse esquema demasiado puro, isso não ocorre. Em Marx, a identidade tácita (fenômeno-essência-verdade-de...) do econômico e do político desaparece em benefício de uma concepção nova da relação das instâncias determinantes no complexo estrutura-superestrutura que constitui a essência de toda formação social. Não resta dúvida que essas relações específicas entre a estrutura e a superestrutura merecem ainda uma elaboração e pesquisas teóricas. Todavia, Marx nos dá as “duas pontas da corrente” e nos diz que é entre elas que é preciso procurar: por um lado, a determinação em última instância pelo modo de produção (econômico); por outro, a autonomia relativa das superestruturas e sua eficácia específica. Por aí ele rompe claramente com o princípio hegeliano da explicação pela consciência de si (a ideologia), mas também com o tema hegeliano fenômeno-essência-verdade-de... Realmente lidamos com uma nova relação entre termos novos.

Escutemos o velho Engels, em 1890, recolocar as coisas no lugar contra os jovens “economistas”, que não compreenderam que se trata efetivamente de uma nova relação.26 A produção é o fator determinante, mas apenas “em última instância”. “Nem Marx nem eu afirmamos mais”. Aquele que “torturar essa frase” para fazê-la dizer que o fator econômico é o único determinante “a transformará em frase vazia, abstrata, absurda”. E explica:

A situação econômica é a base, mas os diversos elementos da superestrutura – as formas políticas da luta de classes e seus resultados –, as constituições estabelecidas uma vez ganha a batalha pela classe vitoriosa etc., as formas jurídicas, e mesmo os reflexos de todas essas lutas reais- no cérebro dos participantes, teorias políticas, jurídicas, filosóficas, concepções religiosas, e seu desenvolvimento ulterior em sistemas dogmáticos, exercem igualmente sua ação nas lutas históricas e, em muitos casos, determinam-lhes de maneira preponderante a forma.

É preciso tomar a palavra “forma” no sentido forte, e fazê-la designar outra coisa que não o formal. Escutemos ainda Engels:

Foram causas históricas e, em última instância, econômicas que formaram igualmente o Estado Prussiano e continuaram a desenvolvê-lo. Mas dificilmente se poderá pretender sem pedantismo que, entre os numerosos pequenos Estados da Alemanha do Norte, era precisamente o Brandemburgo que estava destinado pela necessidade econômica e não por outras ainda (antes de tudo por essa circunstância de que, graças à possessão da Prússia, o Brandemburgo se imiscuía nos negócios poloneses e estava por eles implicado nas relações internacionais que são decisivas igualmente na formação do poderio da Casa da Áustria), a tornar-se a grande potência na qual se encarnou a diferença na economia, na língua, e também, desde a Reforma, na religião entre o Norte e o Sul.27

Eis então as duas pontas da corrente: a economia determina, mas em última instância, com o tempo, diz Engels de bom grado, o curso da história. Mas esse curso “abre seu caminho” através do mundo das formas múltiplas da superestrutura, das tradições locais28 e das circunstâncias internacionais. Deixo de lado neste exame a solução teórica que Engels propõe para o problema da relação entre a determinação em última instância, a econômica, e as determinações próprias impostas pelas superestruturas, as tradições nacionais e os acontecimentos internacionais. Basta-me aqui reter dela o que se deve chamar a acumulação de determinações eficazes (oriundas das superestruturas e das circunstâncias particulares, nacionais e internacionais) sobre a determinação em última instância pelo econômico. É aqui que se pode esclarecer, parece-me, a expressão de contradição sobredeterminada que eu propunha, porque não temos mais agora o fato puro e simples da existência da sobredeterminação, mas porque o relacionamos, no essencial, e mesmo que nosso procedimento seja ainda indicativo, com seu fundamento. Essa sobredeterminação torna-se inevitável, e pensável, assim que se reconhece a existência real, em grande parte específica e autônoma, irredutível, portanto, a um puro fenômeno, das formas da superestrutura e da conjuntura nacional e internacional. É preciso então ir até o fim, e dizer que essa sobredeterminação não se deve às situações aparentemente singulares ou aberrantes da história (por exemplo, da Alemanha), mas que ela é universal, que a dialética econômica nunca joga no estado puro, que nunca se veem na história essas instâncias que são as superestruturas etc. se afastarem respeitosamente quando realizaram sua obra ou se dissiparem como seu puro fenômeno para deixar avançar pela estrada real da dialética sua majestade Economia porque o Tempo teria chegado. Nem no primeiro nem no último instante, a hora solitária da “última instância” jamais chega.

Em suma, a ideia de uma contradição “pura e simples”, e não sobredeterminada, é, como diz Engels da “frase” economicista, “uma frase vazia, abstrata e absurda”. Que ela possa servir de modelo pedagógico, ou melhor, que ela tenha podido, num certo momento preciso da história, servir de meio polêmico e pedagógico, não determina para sempre seu destino. Afinal, os sistemas pedagógicos mudam bastante na história. Seria tempo de fazer esforços para elevar a pedagogia à altura das circunstâncias, ou seja, das necessidades históricas. Mas não há quem não veja que esse esforço pedagógico pressupõe outro, desta vez, puramente teórico. Pois se Marx nos dá princípios gerais e exemplos concretos (O 18 Brumário...; A guerra civil na França etc.), se toda a prática política da história do movimento socialista e comunista constitui um reservatório inesgotável de “protocolos de experiências” concretas, é preciso dizer que a teoria da eficácia específica das superestruturas e outras “circunstâncias” resta em grande parte por elaborar; e antes da teoria de sua eficácia, ou ao mesmo tempo (pois é pela constatação de sua eficácia que se pode atingir sua essência), a teoria da essência própria dos elementos específicos da superestrutura. Essa teoria permanece, tal como o mapa da África antes das grandes explorações, uma área reconhecida nos seus contornos, em suas grandes cordilheiras e seus grandes rios, mas quase sempre, salvo algumas regiões bem desenhadas, desconhecida nos pormenores. Quem, desde Marx e Lenin, verdadeiramente tentou ou prosseguiu a exploração? Só conheço Gramsci.29 Porém, tal tarefa é indispensável para permitir enunciar pelo menos formulações mais precisas do que essa aproximação sobre o caráter, fundamentado antes de tudo na existência e na natureza das superestruturas, da sobredeterminação da contradição marxista.”

29 As tentativas de Lukács, limitadas à história da literatura e da filosofia, parecem-me contaminadas por um hegelianismo vergonhoso: como se ele quisesse ser absolvido por Hegel por ter sido aluno de Simmel e Dilthey. Gramsci tem outra estatura. Os desenvolvimentos e as notas de seus Cadernos do cárcere tocam em todos os problemas fundamentais da história italiana e europeia: econômica, social, política, cultural. Encontram-se aí visões absolutamente originais e às vezes geniais sobre o problema, hoje fundamental, das superestruturas. Encontram-se aí igualmente, como é de praxe quando se trata de verdadeiras descobertas, conceitos novos – por exemplo, o conceito de hegemonia, notável exemplo de um esboço de solução teórica para os problemas da interpenetração do econômico e do político. Infelizmente, quem retomou e prolongou, ao menos na França, o esforço teórico de Gramsci?

 

 

“Uma boa tradução só é concebível com a condição expressa de que o tradutor seja bem mais do que um tradutor: é preciso que seja um homem informado capaz de penetrar não só no pensamento de seu autor, mas também no universo conceitual e histórico de que ele se alimentou.”

 

 

“Dizer que é um problema teórico implica o fato de que não se trata de uma simples dificuldade imaginária, mas de uma dificuldade realmente existente colocada na forma de problema, ou seja, numa forma submetida a condições imperativas: definição do campo de conhecimentos (teóricos) no qual se coloca (se situa) o problema, definição do lugar exato de sua posição e dos conceitos requeridos para colocá-lo.

Unicamente a posição, o exame e a resolução do problema, ou seja, a prática teórica na qual nos vamos empenhar, poderão fornecer a prova de que essas condições são respeitadas.”

 

 

“Por prática em geral entenderemos todo processo de transformação de uma matéria-prima determinada em um produto determinado, transformação efetuada por um trabalho humano determinado, utilizando meios (de “produção”) determinados, Em toda prática assim concebida, o momento ( ou o elemento) determinante do processo não é nem a matéria-prima, nem o produto, mas a prática no sentido estrito: o momento do próprio trabalho de transformação, que emprega, numa estrutura específica, homens, meios e um método técnico de utilização dos meios. Essa definição geral da prática inclui em si a possibilidade da particularidade: existem práticas diferentes, realmente distintas, embora pertencentes organicamente a uma mesma totalidade complexa, A “prática social”, a unidade complexa das práticas existentes numa sociedade determinada, comporta assim um número elevado de práticas distintas. Essa unidade complexa da “prática social” é estruturada, como veremos, de sorte que a prática determinante em última instância é aí a de transformação da natureza (matéria-prima) dada em produtos de uso pela atividade dos homens existentes, trabalhando mediante o emprego metodicamente regulado de meios de produção determinados, no âmbito de relações de produção determinadas. Além da produção, a prática social comporta outros níveis essenciais: a prática política – que, nos partidos marxistas, já não é espontânea, mas organizada baseando-se na teoria científica do materialismo histórico, e que transforma sua matéria-prima, as relações sociais, em um produto determinado (novas relações sociais); a prática ideológica (a ideologia, seja ela religiosa, política, moral, jurídica ou artística, transforma também seu objeto: a “consciência” dos homens); e, por fim, a prática teórica. Nem sempre se leva a sério a existência da ideologia como prática; no entanto, esse reconhecimento prévio é condição indispensável para toda teoria da ideologia. Leva-se ainda mais raramente a sério a existência de uma prática teórica; porém, essa condição prévia é indispensável ao entendimento do que é, para o marxismo, a própria teoria e sua relação com a “prática social”.

Aqui, uma segunda definição. Por teoria, entenderemos, portanto, uma forma específica da prática, pertencente também ela à unidade complexa da “prática social” de uma sociedade humana determinada. A prática teórica encaixa-se na definição geral da prática. Ela trabalha uma matéria-prima (representações, conceitos, fatos) que lhe é dada por outras práticas, sejam elas “empíricas”, “técnicas”, ou “ideológicas”. Em sua forma mais geral, a prática teórica não abrange somente a prática teórica científica, mas igualmente a pré-científica, ou seja, “ideológica” (as formas de “conhecimento” constituindo a pré-história de uma ciência e suas “filosofias”), A prática teórica de uma ciência distingue-se sempre nitidamente da prática teórica ideológica de sua pré-história: tal distinção toma a forma de uma descontinuidade “qualitativa” teórica e histórica, que podemos designar, com Bachelard, pela expressão “corte epistemológico”. Não poderíamos tratar aqui da dialética em ação no advento desse “corte”: ou seja, do trabalho de transformação teórica específico que o instaura em cada caso, que funda uma ciência destacando-a da ideologia de seu passado e revelando esse passado como ideológico. Para nos limitarmos ao ponto essencial, que interessa à nossa análise, colocar-nos-emos além do “corte”, no interior da ciência constituída, e conviremos então quanto às seguintes denominações: chamaremos teoria toda prática teórica de caráter científico. Chamaremos “teoria” (entre aspas) o sistema teórico determinado de uma ciência real (seus conceitos fundamentais, em sua unidade mais ou menos contraditória num momento dado), por exemplo: a teoria da atração universal, a mecânica ondulatória etc. ou ainda a “teoria” do materialismo histórico. Em sua “teoria”, toda ciência determinada reflete na unidade complexa de seus conceitos (unidade, aliás, sempre mais ou menos problemática) os resultados, tornados condições e meios, de sua própria prática teórica. Chamaremos Teoria (com inicial maiúscula) a teoria geral, ou seja, a Teoria da prática em geral, ela mesma elaborada a partir da Teoria das práticas teóricas existentes (das ciências), as quais transformam em “conhecimentos” (verdades científicas) o produto ideológico das práticas “empíricas” (a atividade concreta dos homens) existentes. Essa Teoria é a dialética materialista que não se separa do materialismo dialético.”

 

 

“Mas a Teoria é essencial igualmente à transformação dos domínios nos quais ainda não existe verdadeiramente prática teórica marxista. A questão, na maioria desses domínios, não está “resolvida” como está n’ O capital. A prática teórica marxista da epistemologia, da história das ciências, da história das ideologias, da história da filosofia, da história da arte está em grande parte por constituir. Não que não haja marxistas que trabalhem também nesses domínios e que tenham adquirido aí uma grande experiência real, mas eles não têm atrás de si o equivalente d’O capital ou da prática revolucionária dos marxistas há um século. Sua prática está em grande parte diante deles, por elaborar, se não por fundar, ou seja, por assentar sobre bases teoricamente exatas, a fim de que ela corresponda a um objeto real, não a um objeto presumido ou ideológico, e seja verdadeiramente uma prática teórica, não uma prática técnica. É para esse fim que eles precisam da Teoria, ou seja, da dialética materialista, como do único método que possa antecipar sua prática teórica assinalando suas condições formais. Nesse caso, utilizar a Teoria não equivale a aplicar suas fórmulas (as do materialismo, da dialética) a um conteúdo preexistente. O próprio Lenin censurava Engels e Plekhanov por terem aplicado a dialética de fora aos “exemplos” das ciências da natureza.6 A aplicação exterior de um conceito nunca é o equivalente de uma prática teórica. Essa aplicação não muda em nada a verdade recebida de fora, exceto seu nome, batismo incapaz de produzir qualquer transformação real nas verdades que o recebem. A aplicação das “leis” da dialética a determinado resultado da física, por exemplo, não é uma prática teórica se essa aplicação não muda uma vírgula da estrutura e do desenvolvimento da prática teórica em física; pior ainda, ela pode se transformar em entrave ideológico.

No entanto, e essa tese é essencial ao marxismo, não basta rejeitar o dogmatismo da aplicação das formas da dialética e confiar na espontaneidade das práticas teóricas existentes, pois sabemos que não existe prática teórica pura, ciência totalmente nua, que estaria para sempre em sua história de ciência, preservada por sabe-se lá qual graça de ameaças e ataques do idealismo, ou seja, das ideologias que a assediam; sabemos que não existe ciência “pura” a não ser com a condição de purificá-la incessantemente, ciência livre dentro da necessidade de sua história, a não ser com a condição de libertá-la incessantemente da ideologia que a ocupa, a habita ou a vigia. Essa purificação, essa libertação são adquiridas apenas ao custo de uma incessante luta contra a própria ideologia, ou seja, contra o idealismo, luta cujas razões e cujos objetivos a Teoria (o materialismo dialético) pode esclarecer e guiar como nenhum outro método no mundo. O que dizer então da espontaneidade dessas disciplinas de vanguarda triunfantes; consagradas a interesses pragmáticos precisos; que não são rigorosamente ciências, mas pretendem sê-lo porque empregam métodos “científicos” (definidos, porém, independentemente da especificidade de seu objeto presumido); que pensam ter, como toda verdadeira ciência, um objeto, quando não lidam senão com uma determinada realidade, cuja posse, aliás, várias “ciências” concorrentes disputam: um determinado domínio de fenômenos não constituídos em fatos científicos e, logo, não unificado; disciplinas que não podem, em sua forma atual, constituir verdadeiras práticas teóricas, porque têm, no mais das vezes, apenas a unidade de práticas técnicas (exemplos: a psicossociologia, a sociologia e a própria psicologia em inúmeros de seus ramos).7 A única Teoria capaz de levantar, se não de colocar a questão prévia dos títulos dessas disciplinas, de criticar a ideologia em todos os seus disfarces, inclusive os-disfarces das práticas técnicas em ciências, é a Teoria da prática teórica (em sua distinção da prática ideológica): a dialética materialista, ou materialismo dialético, a concepção da dialética marxista na sua especificidade.

6 Cf. Lenin, Cadernos, p. 220: “Não se pode aplicar a Lógica de Hegel tal e qual nem considerá-la como um dado. É preciso extrair dela os aspectos lógicos (gnosiológicos) após tê-los desembaraçado da mística das ideias; é ainda um grande trabalho”.

Lenin, Cadernos, p. 279: “O acerto desse aspecto do conteúdo da dialética [trata-se da ‘identidade dos contrários’, L. A.] deve ser verificado pela história da ciência. Comumente, não se presta suficiente atenção a esse aspecto da dialética (Plekhanov, por exemplo): a identidade dos contrários é considerada como uma soma de exemplos (‘por exemplo, o grão’.; ‘por exemplo, o comunismo primitivo’. É o que Engels faz também. Mas é ‘para fazer compreender melhor’) e não como lei do conhecimento (e como lei do mundo objetivo)” (as passagens destacadas o são por Lenin).

7 A prática teórica produz conhecimentos, que podem em seguida figurar como meios a serviço dos objetivos de uma prática técnica. Toda prática técnica se define por seus objetivos: tais efeitos definidos a produzir em tal objeto, em tal situação. Os meios dependem dos objetivos. Toda prática técnica utiliza, entre esses meios, conhecimentos, que intervêm como procedimentos: quer sejam conhecimentos emprestados de fora, de ciências existentes: quer sejam “conhecimentos” que a própria prática técnica produz, para cumprir seu fim. Em todos os casos, a relação entre técnica e conhecimento é uma relação exterior, não refletida, radicalmente diferente da relação interior, refletida, existente entre uma ciência e seus conhecimentos. É essa exterioridade que fundamenta a tese de Lenin sobre a necessidade de importar a teoria marxista para a prática política espontânea da classe operária. Deixada a si mesma, uma prática (técnica) espontânea produz somente a “teoria” de que necessita, como o meio de produzir o fim que lhe é designado: essa “teoria” nunca é mais do que a reflexão desse fim, não criticado, não conhecido, em seus meios de realização, ou seja, um subproduto da reflexão do fim da prática técnica sobre tais meios. Uma “teoria” que não questiona o fim do qual ela é o subproduto permanece prisioneira desse fim e das “realidades” que o impuseram como fim. Tal como inúmeros ramos da psicologia e da sociologia, até mesmo da economia, da política, da arte etc. Esse ponto é capital caso se queira identificar o perigo ideológico mais ameaçador: a criação e o reinado de pretensas teorias que não têm nada a ver com a verdadeira teoria, mas que são apenas subprodutos da atividade técnica. A crença na virtude teórica “espontânea” da técnica está na origem de tal ideologia, que constitui a essência do Pensamento Tecnocrático.

 

 

““Num processo simples” diz Mao – “não existe senão um par de contrários; nos processos complexos há mais [...]”, pois “todo processo complexo compreende mais de duas contradições”; mas, então, “em todo processo complexo de desenvolvimento dos fenômenos, existe toda uma série de contradições, entre as quais há sempre uma que é a contradição principal”.31 Já a segunda distinção (o aspecto principal e o aspecto secundário da contradição) apenas reflete, no interior de cada contradição, a complexidade do processo, ou seja, a existência nele de uma pluralidade de contradições das quais uma é dominante; é essa complexidade que é preciso considerar.

No âmago dessas distinções fundamentais, encontramos, portanto, a complexidade do processo. Aí, tocamos ainda num ponto essencial do marxismo: no mesmo ponto central, abordado por outro ângulo. Quando afasta o “processo simples de dois contrários”, Mao parece excluí-lo por razões de fato: ele não diz respeito a seu objeto, a sociedade, que comporta efetivamente uma pluralidade de contradições. Mas não prepararia ele, ao mesmo tempo, a possibilidade pura desse “processo simples de dois contrários”? Poder-se-ia então mesmo perguntar se esse “processo simples de dois contrários” não é o processo originário essencial, do qual os outros, os complexos, não seriam mais do que complicações, ou seja, o fenômeno desenvolvido. Lenin não se inclina nesse sentido, quando declara: “O desdobramento do Uno e o conhecimento de suas partes contraditórias”, já conhecido por Filon... (referência incidental de Lenin), “eis o fundo (uma das ‘essências’, um dos traços, uma das particularidades fundamentais, se não a mais fundamental) da dialética”.32 Nesse Uno cindido em duas partes contraditórias, Lenin não descreveria só um “modelo”, mas a própria “matriz” de toda contradição, a essência originária manifestada por toda contradição, até nas formas da maior complexidade? Não sendo então o complexo senão o desenvolvimento e o fenômeno do simples? A questão é decisiva. Pois esse “processo simples de dois contrários”, onde a Unidade se cinde em duas partes contraditórias, é realmente a própria matriz da contradição hegeliana.

Aí, podemos e devemos verificar mais uma vez nossa interpretação.

Decerto, Mao cita o “processo simples” para mera informação, e não dá nenhum exemplo. Mas nunca lidamos, em toda a sua análise, senão com processos complexos, que fazem intervir, não secundariamente, mas primitivamente, uma estrutura de contradições múltiplas e desiguais; nenhum processo complexo nos é efetivamente dado como o desenvolvimento de um processo simples; nunca, portanto, o complexo como o fenômeno do simples – pelo contrário, como o resultado de um processo complexo ele mesmo. Os processos complexos são então sempre complexidades dadas, cuja redução a simples originários nunca é considerada, nem de fato, nem de direito. Ora, se voltarmos à Introdução...de Marx de 1857, encontramos a mesma exigência, expressa com um extraordinário rigor; não só Marx mostra, refletindo então sobre os conceitos da economia política, que é impossível remontar ao nascimento, à origem do universal simples da “produção”, visto que, “quando falamos de produção, é sempre da produção num estágio determinado do desenvolvimento social que se trata, da produção de indivíduos vivendo em sociedade”,33 ou seja, num todo social estruturado; não só Marx exclui que possamos remontar aquém desse todo complexo (e é uma exclusão de princípio: não é a ignorância que nos impede, mas a essência mesma da produção enquanto tal, seu conceito); não só Marx mostra que toda “categoria simples” supõe a existência do todo estruturado da sociedade,34 mas ainda, e é sem dúvida o mais importante, ele demonstra que, longe de ser originária, a simplicidade é, em condições determinadas, apenas o produto de um processo complexo. É unicamente por essa razão que a simplicidade pode (e ainda num todo complexo!) existir como tal: na forma da existência de tal categoria “simples”. Assim o trabalho: “Ele parece ser uma categoria muito simples. A ideia do trabalho nessa universalidade – como trabalho em geral – é, também ela, das mais antigas... No entanto, concebido do ponto de vista econômico nessa forma simples, o ‘trabalho’ é uma categoria tão moderna quanto as relações que engendram essa abstração simples”35. Da mesma maneira o produtor individual, ou o indivíduo como sujeito elementar de produção, que os mitos do século XVIII imaginavam na origem do desenvolvimento econômico da sociedade, esse cogito econômico, só aparece, em sua própria “aparência”, na sociedade capitalista desenvolvida, ou seja, na sociedade que mais desenvolveu o caráter social da produção. Igualmente a troca, o universal simples por excelência, “não aparece historicamente com todo o seu vigor a não ser nos estados mais desenvolvidos da sociedade. [Essa categoria] não abre absolutamente caminho através de todas as relações econômicas”.36 Logo, a simplicidade não é originária; é, ao contrário, o todo estruturado que designa seu sentido à categoria simples, ou que, ao fim de um longo processo e em condições excepcionais, pode produzir a existência econômica de certas categorias simples.

Em todos os casos, estamos num mundo alheio a Hegel: “Hegel tem razão de começar a filosofia do direito pela posse, constituindo esta a relação jurídica mais simples do sujeito. Mas não existe posse antes de existir a família, ou as relações entre senhores e escravos, que são relações muito mais concretas”.37 A Introdução... não é mais do que uma longa demonstração da tese seguinte: o simples jamais existe senão numa estrutura complexa; a existência universal de uma categoria simples nunca é originária, ela só aparece ao fim de um longo processo histórico) como o produto de uma estrutura social extremamente diferenciada; nunca lidamos portanto, na realidade, com a existência pura da simplicidade, seja ela essência ou categoria, mas com a existência de “concretos”, de seres e de processos complexos e estruturados. É esse princípio fundamental que recusa terminantemente a matriz hegeliana da contradição.

Efetivamente, se tomarmos o modelo hegeliano, não num sentido metafórico, mas na sua essência rigorosa, constatamos que ele requer esse “processo simples de dois contrários”, essa unidade simples se cindindo em dois contrários, que a referência de Lenin ainda evoca. Ê essa unidade originária que constitui a unidade dilacerada dos dois contrários em que ela se aliena, tornando-se outra ao mesmo tempo que permanece ela mesma. Esses dois contrários são a mesma unidade, mas na dualidade, a mesma interioridade, mas na exterioridade; é por isso que eles são, cada um de seu lado, o contraditório e a abstração um do outro, não sendo cada um senão a abstração do outro sem o saber, sendo-o em-si, antes de restaurar sua unidade originária, mas enriquecida pelo seu dilaceramento, por sua alienação, na negação dessa abstração que negava sua unidade anterior: então eles serão de novo Um, tendo reconstituído uma nova “unidade” simples, enriquecida pelo trabalho passado de sua negação, a nova unidade simples de uma totalidade, produto da negação da negação. Vê-se que a implacável lógica desse modelo hegeliano liga rigorosamente entre si os conceitos seguintes: simplicidade, essência, identidade, unidade, negação, cisão, alienação, contrários, abstração, negação da negação, superação (Aufhebung), totalidade, simplicidade etc. A dialética hegeliana está inteiramente aí: ou seja, inteiramente dependente dessa pressuposição radical de uma unidade originária simples, desenvolvendo-se no interior dela mesma pela virtude da negatividade, sem nunca restaurar, em todo seu desenvolvimento, cada vez numa totalidade mais “concreta”, senão essa unidade e essa simplicidade originárias. Os marxistas podem certamente invocar ou utilizar esse modelo, para abreviar, ou como símbolo, por inadvertência ou intencionalmente:38 considerada rigorosamente, a prática teórica do marxismo o exclui, tanto quanto sua prática política. O marxismo o exclui precisamente porque exclui a pressuposição teórica do modelo hegeliano: a de uma unidade simples originária. O que o marxismo recusa é a pretensão filosófica (ideológica) de coincidir exaustivamente com uma “origem radical”, seja qual for a forma (a tabula rasa, ponto zero de um processo; o estado de natureza; o conceito do começo que é, por exemplo, em Hegel, o ser imediatamente idêntico ao nada; a simplicidade que é também em Hegel aquilo pelo que (re)começa indefinidamente todo processo, que restaura sua origem etc.); ele também rejeita a pretensão filosófica hegeliana que se dá essa unidade simples originária (reproduzida em cada momento do processo) que vai produzir em seguida, por seu autodesenvolvimento, toda a complexidade do processo, mas sem nunca aí se perder ela mesma,39 sem nunca perder aí nem sua simplicidade, nem sua unidade, visto que a pluralidade e a complexidade nunca serão mais do que seu próprio “fenômeno”, encarregado de manifestar sua própria essência.40

A exclusão dessa pressuposição não se reduz, lamento-o mais uma vez, à sua “inversão”. Essa pressuposição não é “invertida”, ela é suprimida: realmente suprimida (simplesmente! E não no sentido da Aufhebung que “conserva” o que ela suprime...) e substituída por outra pressuposição teórica, que não tem nada a ver com a primeira. No lugar do mito ideológico de uma filosofia da origem e de seus conceitos orgânicos, o marxismo estabelece em princípio o reconhecimento do dado da estrutura complexa de todo “objeto” concreto, estrutura que comanda o desenvolvimento do objeto, e o desenvolvimento da prática teórica que produz seu conhecimento. Não temos mais uma essência originária, mas um sempre-já-dado, tão longe quanto o conhecimento remonta a seu passado. Não temos mais uma unidade simples, mas uma unidade complexa estruturada. Logo, não temos mais (de qualquer forma que seja) uma unidade simples originária, mas o sempre-já-dado de uma unidade complexa estruturada. Está claro, se for exatamente assim, que a “matriz” da dialética hegeliana está proscrita, e que suas próprias categorias orgânicas, no que estas têm de específico e de positivamente determinado, não lhe podem sobreviver a título teórico, em particular as categorias que “cunham” o tema da unidade simples originária, ou seja, a “cisão” do Uno, a alienação, a abstração (no seu sentido hegeliano) unindo os contrários, a negação da negação, a Aufhebung etc. Não é de espantar, nessas condições, não se encontrar nenhum traço dessas categorias organicamente hegelianas, nem na Introdução... de Marx (1857), nem no texto de Mao Tsé-tung (1937).

Decerto, podem-se invocar algumas dessas categorias num combate ideológico (exemplo: a luta contra Dühring), ou numa exposição geral destinada a ilustrar o sentido de resultados dados; enquanto se ficar nesse nível da luta ideológica, ou da exposição e da ilustração, podem-se utilizar essas categorias, com resultados bem reais na prática (luta) ideológica, na exposição geral de uma concepção. Mas essa última “exposição” (a ilustração das leis da dialética por este ou aquele exemplo) permanece ao abrigo da sanção da prática teórica – pois, como tal, ela não constitui uma verdadeira prática teórica, produzindo conhecimentos novos. Se se tratar, ao contrário, de uma verdadeira prática, transformando realmente seu objeto e produzindo verdadeiros resultados (conhecimentos, uma revolução...), como a prática teórica ou política de Marx, Lenin, entre outros, então a margem de tolerância teórica no tocante a essas categorias desaparece; as próprias categorias desaparecem. Quando se trata de uma verdadeira prática, organicamente constituída e desenvolvida durante anos, e não de uma simples aplicação sem efeitos orgânicos, aplicação que não muda nada em seu objeto (por exemplo, na prática da física), em seu desenvolvimento real; quando se trata da prática de um homem verdadeiramente comprometido numa verdadeira prática, um cientista que se aplica a constituir ou a desenvolver uma ciência, um homem político a desenvolver a luta de classes, então, já não se trata, já não se pode tratar de impor ao objeto categorias ainda que aproximativas. Então as categorias que já não têm nada a dizer calam-se ou são reduzidas ao silêncio. Assim, só nas práticas marxistas realmente constituídas, as categorias hegelianas se calaram há muito tempo. Elas são aí categorias “inencontráveis”. É talvez por isso que alguns recolhem com os cuidados infinitos da devoção que devemos às relíquias únicas de um tempo findo, para expô-las a todos os olhares, as duas únicas frases41 que se encontram em todo O capital, ou seja, em 2.500 páginas in-8º* da edição francesa; é talvez por isso que eles reforçam essas duas frases com uma outra frase, a bem dizer, uma palavra, uma exclamação de Lenin assegurando-nos muito enigmaticamente que, por não ter lido Hegel, meio século não compreendeu nada de Marx... Voltemos a este simples fato: nas práticas marxistas realmente constituídas, não são as categorias hegelianas que estão em uso e em ação; são outras categorias, as da dialética marxista em ação na prática marxista.”

31 Mao Tsé-tung, Sobre a contradição, pp. 45, 55.

32 Lenin, Cadernos, p. 279.

33 Marx, Introdução..., p. 150.

34 Marx, Introdução..., p. 165: “a categoria econômica mais simples [...] nunca pode existir a não ser na forma de relação unilateral e abstrata de um todo concreto, vivo, já dado”.

35 Marx, Introdução..., p. 167.

36 Idem, ibid.

37 Marx, Introdução..., p. 166.

38 Intencionalmente. Por exemplo, Marx querendo dar uma lição à tolice filosófica de seus contemporâneos, “flertando” com a terminologia de Hegel no primeiro livro d’O capital (“kokettieren’’). Ainda mereceríamos a lição?

39 Sua própria morte não é senão a iminência de sua Ressurreição, como a Sexta-Feira Santa a iminência da Glória da Páscoa. São os próprios símbolos de Hegel.

40 Indiquemos, para prevenir qualquer mal-entendido, que é exatamente, e ainda mais, num estado de extraordinária pureza e intransigência, essa “dialética hegeliana” que reina gloriosamente sobre os Manuscritos de 1844 de Marx. Acrescentemos que, para perfazer a demonstração, essa dialética hegeliana é aí rigorosamente “invertida”. É por isso que o rigor desse texto rigoroso não é marxista.

41 Uma frase muito metafórica sobre a negação da negação. Uma outra frase, de que falarei, sobre a transformação da quantidade em qualidade. Engels cita e comenta esses dois textos na primeira parte do Anti-Dühring, capítulos 12 e 13. Uma palavra ainda sobre “a negação da negação”. Decidiu-se agora oficialmente acusar Stalin de tê-la riscado das “leis da dialética”, e mais geralmente de se ter desviado de Hegel, para melhor assentar seu dogmatismo. Sugere-se naturalmente, ao mesmo tempo, que certa volta a Hegel seria salutar. Essas declarações talvez constituam um dia o objeto de uma demonstração. Entrementes, parece-me mais simples reconhecer que a rejeição da “negação da negação” do domínio da dialética marxista pode comprovar um real discernimento teórico de seu autor.

*: In-8º: in-octavo. Tamanho de folha utilizada para impressão que, dobrada, corresponde aproximadamente ao formato A5 atual. (N. do E.)

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