Editora: Boitempo
ISBN: 978-85-7559-184-0
Tradução: João Alexandre Peschanski
Opinião: ★★★★☆
Páginas: 238
Sinopse: Ver Parte
I
“O problema central a ser abordado é bastante claro. Obter crescimento
composto para sempre não é possível, e os problemas que assolaram o mundo nos
últimos trinta anos sinalizam que estamos próximos do limite para o contínuo
acúmulo de capital, que não pode ser transcendido exceto criando-se ficções não
duradouras. Adicione-se a isso o fato de que tantas pessoas no mundo vivem em
condições de extrema pobreza, a degradação ambiental está fora de controle, a
dignidade humana está sendo ofendida em toda parte, enquanto os ricos estão
acumulando mais e mais riqueza para si próprios e as alavancas dos poderes
políticos, institucionais, judiciais, militares e midiáticos estão sob controle
político estrito, porém dogmático, encontrando-se incapazes de fazer algo além
de perpetuar o status quo.
Uma política revolucionária capaz de enfrentar o problema do
interminável acúmulo de capital composto e, finalmente, desligá-lo como o
principal motor da história humana, requer uma compreensão sofisticada de como
ocorre a mudança social. O fracasso dos esforços passados para construir um
socialismo e um comunismo duradouros tem de ser evitado e lições dessa história
extremamente complicada devem ser aprendidas. No entanto, a absoluta
necessidade de um movimento revolucionário anticapitalista coerente também deve
ser reconhecida. O objetivo fundamental desse movimento é assumir o comando
social sobre a produção e distribuição de excedentes.
Vamos dar outra olhada na teoria da coevolução estabelecida no capítulo
5. Será que isso pode ser a base para uma teoria correvolucionária? Um
movimento político pode começar em qualquer lugar (nos processos de trabalho,
em torno de concepções mentais, na relação com a natureza, nas relações
sociais, na concepção de tecnologias e formas de organização revolucionárias,
na vida diária ou nas tentativas de reformar as estruturas institucionais e
administrativas, incluindo a reconfiguração dos poderes do Estado). O truque é
manter o movimento político movendo-se de uma esfera de atividade para outra,
de maneiras que se reforçam mutuamente. Foi assim que o capitalismo surgiu no
feudalismo e é assim que algo radicalmente diferente – que podemos chamar
socialismo, comunismo ou o que for – deve surgir no capitalismo. As tentativas
anteriores de criar uma alternativa comunista ou socialista fracassaram
fatalmente em manter em movimento a dialética entre as diferentes esferas de
atividade e também não abraçaram as imprevisibilidades e incertezas no
movimento dialético entre as esferas. O capitalismo tem sobrevivido
precisamente por manter esse movimento dialético e por aceitar as inevitáveis
tensões, incluindo as crises, que dele resultam. (...)
Mas a primeira regra para um movimento anticapitalista é: nunca confiar
no desdobramento dinâmico de um momento sem calibrar cuidadosamente como as
relações com todos os outros estão se adaptando e reverberando.
Possibilidades futuras viáveis surgem do estado atual das relações entre
as diferentes esferas. Intervenções políticas estratégicas dentro e entre as
esferas podem mover gradualmente a ordem social para um caminho de
desenvolvimento diferente. Isso é o que líderes sábios e instituições
progressistas fazem o tempo todo em situações locais, por isso não há razão
para pensar que haja algo particularmente fantástico ou utópico sobre agir
dessa forma.
Em primeiro lugar, deve ser claramente reconhecido, no entanto, que desenvolvimento
não é o mesmo que crescimento. É possível desenvolver-se de forma diferente nos
campos, por exemplo, das relações sociais, do cotidiano e da relação com a
natureza, sem necessariamente retomar o crescimento ou favorecer o capital. É
falso afirmar que o crescimento é uma condição prévia para a redução da pobreza
e da desigualdade ou que políticas ambientais mais respeitáveis são, como
alimentos orgânicos, um luxo para os ricos.
Em segundo lugar, as transformações no âmbito de cada esfera exigem uma
profunda compreensão da dinâmica interna, por exemplo, dos arranjos
institucionais e das mudanças tecnológicas em relação a todas as outras esferas
de ação. Alianças têm de ser construídas entre e por aqueles que trabalham em
esferas distintas. Isso significa que um movimento anticapitalista tem de ser
muito mais amplo do que os grupos mobilizados em torno de relações sociais ou
sobre questões da vida cotidiana. Hostilidades tradicionais entre, por exemplo,
aqueles com conhecimentos técnicos, científicos e administrativos e os
movimentos de agitação social têm de ser resolvidas e superadas.
Em terceiro lugar, também será necessário enfrentar os impactos e
respostas (incluindo hostilidades políticas) provenientes de outros espaços na
economia global. Diferentes lugares podem se desenvolver de formas diferentes
devido a sua história, cultura, localização e condição político-econômica.
Alguns desenvolvimentos em outros lugares podem ser apoios ou complementos,
enquanto outros podem ser prejudiciais ou mesmo antagônicos. Alguma competição
interterritorial é inevitável, mas não é de todo ruim. Isso depende de sobre o
que é a concorrência – índices de crescimento econômico ou condições de vida no
cotidiano? Berlim, por exemplo, é uma cidade habitável, mas todos os índices
habituais de sucesso econômico inspirados no capitalismo representam-na como um
lugar atrasado. O valor dos terrenos e os preços dos imóveis estão
lamentavelmente baixos, o que significa que as pessoas de poucos recursos podem
encontrar facilmente lugares que não são ruins para viver. Empreendedores são miseráveis.
Quem dera Nova York ou Londres fossem mais como Berlim nesse respeito!
Tem de haver, finalmente, alguns objetivos comuns vagamente acordados.
Algumas normas gerais como guias podem ser elaboradas. Podem incluir o respeito
à natureza, o igualitarismo radical nas relações sociais, arranjos
institucionais com base em alguma compreensão de interesses comuns,
procedimentos administrativos democráticos (em oposição aos esquemas
monetarizados que existem hoje), processos de trabalho organizados pelos produtores
diretos, a vida diária como a exploração livre de novos tipos de relações
sociais e condições de vida, concepções mentais que incidem sobre a
autorrealização a serviço dos outros e inovações tecnológicas e organizacionais
orientadas para a busca do bem comum em vez de apoiar a força militarizada e a
ganância corporativa. Esses poderiam ser os pontos correvolucionários em torno
dos quais a ação social pode convergir e girar. Claro que isso é utópico! Mas e
daí! Não temos como não sê-lo. (...)
O igualitarismo radical também funda uma imensa literatura e a ideia
parece transcender muitas diferenças geográficas e culturais. Nos Estados
Unidos, as pesquisas mostram um profundo apego ao princípio da igualdade como
fundamento adequado para a vida política e como a base para organizar as
relações sociais entre indivíduos e grupos sociais. A extensão dos direitos
civis e políticos a ex-escravos, mulheres, homossexuais e pessoas com
deficiência pode ter levado duzentos anos, mas a visão de progresso nessas
frentes é inegável, assim como a busca contínua pela igualdade não só entre
indivíduos, mas também entre grupos sociais. A maneira pela qual o desprezo por
elites nos EUA se mobiliza politicamente (e muitas vezes é pervertido) deriva
desse igualitarismo.
Embora o princípio de igualitarismo radical possa parecer irrefutável
por si só, problemas surgem da maneira pela qual é articulado com outras
esferas de ação. A definição dos grupos sociais é sempre contestada, por
exemplo. Por mais que o multiculturalismo possa acomodar o ideal de igualdade
entre a maioria dos grupos sociais auto-identificados, permanece o fosso persistente
que cria as maiores dificuldades, a questão de classe. Isso se dá porque a
desigualdade de classe é central para a reprodução do capitalismo. Portanto, a
resposta do poder político existente é ou negar que classes existem ou dizer
que a categoria é tão confusa e complicada que se torna analiticamente inútil (como
se outras categorias como raça e gênero não o fossem). Dessa forma, escapa-se
da questão de classe, negando ou ignorando, tanto na forma hegemônica das
construções intelectuais do mundo (digamos, no campo da economia) ou na
política prática. A consciência de classe é menos discutida, em comparação com
as subjetividades políticas dadas por raça, gênero, etnia, religião,
preferência sexual, idade, escolhas dos consumidores e preferências sociais, e
mais ativamente negada, exceto por alguns curiosos residuais dos ex-tempos e
lugares políticos (como a “velha” Europa).
Claramente, as identidades de classe, como as identidades raciais, são
múltiplas e sobrepostas. Trabalho como operário, mas tenho um fundo de pensão
que investe no mercado de ações e tenho uma casa que estou reformando aos
poucos com meu próprio trabalho e que pretendo vender para alcançar algum ganho
especulativo. Isso faz com que o conceito de classe seja incoerente? Classe é
um papel, não um rótulo que se atribui às pessoas. Assumimos vários papéis o
tempo todo. Não dizemos que é impossível planejar uma cidade decente com base
na análise das relações entre motoristas e pedestres só porque a maioria de nós
desempenha tanto o papel de motorista quanto de pedestre. O papel do
capitalista é usar dinheiro para comandar o trabalho ou os bens dos outros e
usar esse comando para gerar lucro, acumular capital e, assim, aumentar seu
comando sobre a riqueza e o poder. A relação entre os papéis do capital e do
trabalho precisam ser enfrentados e regulados, mesmo dentro do capitalismo. Uma
agenda revolucionária implica tornar a relação verdadeiramente clara em
oposição à oculta e opaca. Conceber uma sociedade sem acumulação de capital não
é diferente em princípio de conceber uma cidade sem carros. Por que não podemos
todos apenas trabalhar lado a lado sem qualquer distinção de classe?
O modo como o igualitarismo radical se articula com outras esferas no
processo co-evolutivo, portanto, complica as coisas ao mesmo tempo que revela
como funciona o capitalismo. Quando a liberdade individual e a autonomia que
esta promete são mediadas pelos arranjos institucionais da propriedade privada
e do mercado, como ocorre na teoria e na prática liberal, o resultado são
enormes desigualdades. Como Marx observou há muito tempo, a teoria liberal dos
direitos individuais que se originou com John Locke, escrevendo no século XVII,
reforça as desigualdades entre uma nova classe de proprietários emergente e uma
classe constituída por aqueles que precisam dispor de sua força de trabalho
para viver. Na teoria neoliberal do filósofo/economista austríaco Friedrich
Hayek, escrita nos anos 1940, a conectividade é fortemente casada: a única
maneira, segundo ele, de proteger o igualitarismo radical e os direitos
individuais em face da violência do Estado (isto é, fascismo e comunismo) é
instalar o inviolável direito à propriedade privada no coração da ordem social.
Essa visão profundamente enraizada tem de ser desafiada diretamente se
quisermos enfrentar a acumulação de capital e a reprodução do poder de classe.
No campo dos arranjos institucionais, por conseguinte, uma concepção inteiramente
nova da propriedade – baseada no sentido comum em vez de nos direitos de
propriedade privada – será necessária para que o igualitarismo radical funcione
de uma maneira radicalmente igualitária. A luta por arranjos institucionais
precisa estar no centro das preocupações políticas.
Isso ocorre porque o igualitarismo radical ao qual o capitalismo se
inscreve no mercado rompe quando nos movemos para dentro do que Marx chamou de
“a morada escondida” da produção. Desaparece no canteiro de obras, nas minas,
nos campos e nas fábricas, nos escritórios e nas lojas. O movimento autonomista
está completamente correto ao insistir, portanto, que a realização do igualitarismo
radical no processo de trabalho é de suma importância para a construção de uma
alternativa anticapitalista. Esquemas de autogestão e auto-organização dos
trabalhadores são pertinentes, particularmente quando entrelaçados com as
outras esferas de maneira democrática. O mesmo acontece quando tentamos
conectar os princípios do igualitarismo radical com a condução da vida diária.
Quando mediado pela propriedade privada e pelo regime de mercado, o
igualitarismo radical produz falta de habitação para os pobres e condomínios
fechados de mau gosto para os ricos. Isso, certamente, não é o que o
igualitarismo radical na vida diária deve significar.
Uma crítica dos processos de trabalho e da vida cotidiana mostra como o
nobre princípio do igualitarismo radical é pobre e degradado sob o capitalismo,
por conta dos arranjos institucionais com os quais se articula. Essa conclusão
não deveria ser surpreendente. A propriedade privada e um Estado dedicado a preservar
e proteger essa forma institucional são pilares fundamentais para a sustentação
do capitalismo, mesmo que o capitalismo dependa de um igualitarismo
empreendedor radical para sobreviver. A Declaração dos Direitos Humanos da ONU
não protege contra resultados desiguais, fazendo com que a distinção entre
direitos civis e políticos, por um lado, e direitos econômicos, por outro lado,
torne-se um campo minado de reivindicações e contestações. Karl Marx escreveu
certa vez a famosa afirmação: “Entre direitos iguais, a força decide”. Goste-se
ou não, a luta de classes torna-se central para a política de igualitarismo
radical.
Devem ser encontrados meios para cortar a ligação entre o igualitarismo
radical e a propriedade privada. Pontes devem ser construídas com as
instituições baseadas, por exemplo, no desenvolvimento de direitos de
propriedade comuns e na gestão democrática. A ênfase deve mudar do
igualitarismo radical para a esfera institucional. Um dos objetivos do direito
à circulação na cidade, para dar um exemplo, é criar um novo bem comum urbano
para deslocar o excesso de privatizações e exclusões (associadas tanto com o
controle do Estado quanto com a propriedade privada) que deixam em geral grande
parte da cidade fora do alcance da maioria das pessoas.
De forma similar, a conectividade entre o igualitarismo radical e a
organização da produção e do funcionamento dos processos de trabalho têm de ser
repensadas no sentido defendido por coletivos de trabalhadores, organizações
autonomistas, cooperativas e várias outras formas coletivas de serviço social.
A luta pelo igualitarismo radical exige também uma re-conceitualização da
relação com a natureza, na medida em que a natureza não é mais vista como “um
grande posto de gasolina”, como o filósofo alemão Martin Heidegger queixou-se
nos anos 1950, mas como uma fonte harmônica de formas de vida a preservar,
nutrir, respeitar e valorizar intrinsecamente. Nossa relação com a natureza não
deve ser guiada pelo objetivo de torná-la uma mercadoria como qualquer outra, nos
mercados de futuros de matérias-primas, minerais, água, créditos de poluição e
assim por diante, nem pela maximização das rendas de apropriação e valores das
terras e recursos, mas pelo reconhecimento de que a natureza é um grande bem
comum a que todos têm igual direito, mas para com a qual todos também têm a mesma
imensa responsabilidade.”
“Karl Marx, embora não estivesse de modo algum inclinado a abraçar o
idealismo filosófico, considerou as ideias como uma força material na história.
Concepções mentais constituem, afinal, um dos sete momentos da sua teoria geral
da mudança correvolucionária. Evoluções autônomas e conflitos internos sobre
quais concepções mentais passariam a ser hegemônicas, portanto, têm um papel
histórico importante a desempenhar. Por essa razão Marx (junto com Engels)
escreveu o Manifesto
Comunista, O capital e inúmeras outras obras. Esses trabalhos
fornecem uma crítica sistemática, ainda que incompleta, do capitalismo e das
tendências de sua crise. Mas, como Marx também insistiu, apenas quando essas
ideias críticas transitassem para os campos dos arranjos institucionais, formas
organizacionais, sistemas de produção, vida cotidiana, relações sociais,
tecnologias e relações com a natureza, o mundo realmente mudaria.
Uma vez que o objetivo de Marx era mudar o mundo e não apenas
entendê-lo, ideias tinham que ser formuladas com certa intenção revolucionária.
Isso significa, inevitavelmente, um conflito com modos de pensamento mais úteis
e fáceis de se conviver para a classe dominante. O fato de as ideias de
oposição de Marx, particularmente nos últimos anos, terem sido alvo de
repetidas repressões e exclusões (sem falar do farto revisionismo e das
distorções) sugere que suas ideias podem ser muito perigosas para serem
toleradas pelas classes dominantes. Ainda que Keynes declarasse repetidamente
que nunca tinha lido Marx, ele foi cercado e influenciado em 1930 por muitas
pessoas (como por seu colega economista Joan Robinson) que leram. Embora muitos
deles se opusessem veementemente aos conceitos fundamentais de Marx e seu modo
dialético de raciocínio, eles estavam bastante conscientes e profundamente
afetados por algumas de suas conclusões e previsões. É justo dizer, penso eu,
que a revolução da teoria keynesiana não poderia ter sido realizada sem a
presença subversiva de Marx, sempre à espreita.
O problema nos dias de hoje é que a maioria das pessoas não tem ideia
de quem foi Keynes e o que ele realmente defendia, e para estas o conhecimento
de Marx é desprezível. A repressão das correntes críticas e radicais do pensamento
ou, para ser mais exato, o confinamento do radicalismo dentro dos limites do
multiculturalismo da escolha cultural criam uma situação lamentável na academia
e fora dela, que equivale em princípio a ter de pedir aos banqueiros
responsáveis pela bagunça que a limpem exatamente com as mesmas ferramentas que
eles usaram para produzi-la. A ampla adesão às ideias pós-modernas e
pós-estruturalistas que celebram o particular em detrimento do pensamento mais
amplo não ajuda. Certamente, o local e o particular são de vital importância, e
teorias que não aceitem, por exemplo, a diferença geográfica são inúteis (como
me esforcei anteriormente para enfatizar). Mas quando esse fato é usado para
excluir qualquer coisa maior do que políticas paroquiais, então, a traição dos
intelectuais e a revogação do seu papel tradicional tornam-se completas. Sua
Majestade a rainha adoraria escutar, estou certo, que um esforço está a caminho
no sentido de por a grande perspectiva em um quadro ornamentado de tal modo que
todos possam vê-la.
A atual população de acadêmicos, intelectuais e especialistas em
ciências sociais e humanidades é, em geral, mal equipada para realizar tal
tarefa coletiva. Poucos parecem predispostos a empreender aquela reflexão
autocrítica incitada por Robert Samuelson. Universidades continuam a promover
os mesmos cursos inúteis sobre a teoria política da escolha racional ou
economia neoclássica, como se nada tivesse acontecido e as faculdades de
administração adicionam um curso ou dois sobre ética dos negócios ou sobre como
ganhar dinheiro a partir da falência de outras pessoas. Afinal, a crise surgiu
da ganância humana e não há nada que possa ser feito sobre isso!
A atual estrutura do conhecimento é claramente disfuncional e
ilegítima. A única esperança é que uma nova geração de estudantes com alto
senso crítico (no sentido amplo de todos aqueles que pretendem conhecer o
mundo) seja capaz de enxergar isso e insista em mudar essa realidade. Isso
aconteceu na década de 1960. Em vários outros pontos críticos da história
movimentos inspirados por estudantes, reconhecendo a disjunção entre o que
acontecia no mundo e o que lhes estava sendo ensinado e transmitido pela mídia,
estiveram dispostos a fazer algo a respeito disso. Há sinais em Teerã a Atenas
e em muitas universidades europeias de tal movimento. Como a nova geração de
estudantes na China vai agir certamente deve ser de grande preocupação nos
corredores do poder político em Pequim.
Um movimento revolucionário juvenil conduzido por estudantes, com todas
as suas evidentes incertezas e problemas, é uma condição necessária, mas não
suficiente, para produzir essa revolução nas concepções mentais que podem nos
levar a uma solução mais racional para os atuais problemas de crescimento
infinito. A primeira lição que precisa aprender é que um capitalismo ético, sem
exploração e socialmente justo que beneficie a todos é impossível. Contradiz a
própria natureza do capital.”
“Qualquer movimento revolucionário tem de criar uma maneira de
despossuir os capitalistas de sua propriedade, riqueza e poderes. Toda a
geografia histórica das despossessões no capitalismo tem sido repleta de
ambivalências e contradições. Embora a violência de classe envolvida no
surgimento do capitalismo possa ser repugnante, o lado positivo da revolução
capitalista foi que despossuiu as instituições feudais arbitrárias (como a
monarquia e a Igreja) e seus poderes, liberou energias criativas, abriu novos
espaços e aproximou as regiões do mundo por meio das relações de troca, abriu a
sociedade a fortes correntes de mudança tecnológica e organizacional, superou
um mundo baseado na superstição e ignorância e substituiu-os com uma ciência
esclarecida com a potencialidade de libertar toda a humanidade das necessidades
materiais e de carências. Nada disso poderia ter ocorrido sem que alguém em
algum lugar fosse despossuído.
Conseguiu tudo isso com um grande custo social e ambiental (sob
bastante crítica nos últimos anos). Foi, no entanto, possível ver acumulação
por despossessão (ou o que Marx chamou de “acumulação primitiva”) como um
estágio necessário, embora feio, pelo qual a ordem social tinha de passar para
chegar a um estado em que o capitalismo e uma alternativa chamada socialismo ou
comunismo pudesse ser possível. Marx não se preocupou muito ou nada com as
formas sociais destruídas pela acumulação original e não argumentou, como
alguns fazem agora, pelo restabelecimento das relações sociais ou formas
produtivas pré-capitalistas. Era para o socialismo e o comunismo serem
construídos sobre os aspectos progressivos do desenvolvimento capitalista.
Esses aspectos progressivos incluíram movimentos pela reforma agrária, o
surgimento de formas democráticas de governo (sempre manchada pelo papel do
poder do dinheiro), a liberdade de informação e expressão (sempre contingente,
mas vital) e a criação de direitos civis e legais.
Embora lutas contra a despossessão possam formar um canteiro de
descontentamento para movimentos insurgentes, o ponto da política revolucionária
não é proteger a ordem antiga, mas atacar diretamente as relações de classe e
formas capitalistas do poder do Estado.
Transformações revolucionárias não podem ser realizadas sem no mínimo a
mudança de nossas ideias, o abandono de nossas crenças mais caras e
preconceitos e de vários confortos diários e direitos, a submissão a um novo
regime diário, a mudança de nossos papéis sociais e políticos, a reavaliação de
nossos direitos, deveres e responsabilidades e a alteração de nosso
comportamento para melhor nos conformarmos com as necessidades coletivas e a
vontade comum. O mundo que nos cerca – nossa geografia – deve ser radicalmente
reformulado, assim como nossas relações sociais, a relação com a natureza e
todas as outras esferas da ação no processo correvolucionário. É compreensível,
até certo ponto, que muitos prefiram uma política de negação a uma política de
confronto ativo com tudo isso.
Também seria reconfortante pensar que tudo isso poderia ser conseguido
pacificamente e de forma voluntária, que nos despossuiríamos a nós mesmos,
ficaríamos nus, de certo modo, sem tudo o que possuímos agora que cria um
obstáculo no caminho da criação de uma ordem social socialmente mais justa e
equilibrada. Mas seria falso imaginar que isso poderia ser assim, que nenhuma
luta ativa estaria envolvida, incluindo certo grau de violência. O capitalismo
veio ao mundo, como Marx certa vez disse, banhado em sangue e fogo. Embora
possa ser possível fazer um trabalho melhor para sair dele do que ficar dentro
dele, as chances de uma passagem puramente pacífica para a terra prometida são
baixas.”
“Existem várias grandes correntes de pensamento conflituosas na
esquerda quanto à forma de abordar os problemas com que hoje nos confrontamos.
Há, acima de tudo, o sectarismo habitual, decorrente da história de ações
radicais e as articulações da teoria política de esquerda. Curiosamente, o
único lugar onde a amnésia não é tão prevalente é dentro da esquerda (as cisões
entre os anarquistas e os marxistas que ocorreu na década de 1870, entre
trotskistas, maoístas e os comunistas ortodoxos, entre os centralizadores que
querem comandar o Estado e os anti-estadistas autonomistas e os anarquistas).
Os argumentos são tão ressentidos e tão turbulentos, que às vezes nos fazem
pensar que um pouco mais de amnésia ajudaria. Mas além dessas seitas
tradicionais revolucionárias e facções políticas, todo o campo de ação política
sofreu uma transformação radical desde a década de 1970. O terreno da luta
política e das possibilidades de política mudou, geográfica e
organizacionalmente.
Existe hoje um vasto número de organizações não governamentais (ONGs)
que desempenham um papel político que era pouco visível antes de meados dos
anos 1970. Financiadas por interesses estatais e privados, muitas vezes
povoadas por pensadores idealistas e organizadores (que constituem um vasto programa
de empregos), e em grande parte dedicadas a questões isoladas (meio ambiente,
pobreza, direitos das mulheres, anti-escravidão e tráfico de trabalho etc.),
elas se abstêm de uma política estritamente capitalista mesmo defendendo ideias
e causas progressistas. Em alguns casos, no entanto, elas são ativamente
neoliberais, defendendo a privatização de funções do Estado de bem-estar social
ou promovendo reformas institucionais para facilitar a integração de populações
marginalizadas no mercado (esquemas de microcrédito e micro-finanças para
populações de baixa renda são um exemplo clássico).
Embora existam muitos praticantes radicais e dedicados no mundo das
ONGs, seu trabalho é na melhor das hipóteses benéfico. Coletivamente, eles têm
um registro irregular de conquistas progressistas, apesar de em certas áreas,
como nos direitos da mulher, saúde e preservação ambiental, ser possível
afirmar que fizeram grandes contribuições para o bem humano. Mas a mudança
revolucionária a partir das ONGs é impossível. Elas são muito limitadas pelas
instâncias políticas e de formulação de políticas dos seus mantenedores. Assim,
por mais que possam apoiar a capacitação local ao ajudar na abertura de espaços
onde as alternativas anticapitalistas se tornam possíveis e até mesmo apoiar a
experimentação com essas alternativas, elas são inócuas para impedir a reabsorção
dessas alternativas para a prática capitalista dominante: elas até mesmo a
encorajam. (...)
Os poderes de auto-organização das pessoas nas situações cotidianas em
que elas vivem têm de ser a base para qualquer alternativa anticapitalista. A
formação de redes horizontais é seu modelo de organização preferido. As
chamadas “economias solidárias” baseadas em trocas, sistemas coletivos e de
produção local são sua forma político-econômica preferida. Eles normalmente se
opõem à ideia de que qualquer direção central possa ser necessária e rejeitam
as relações sociais hierárquicas ou estruturas de poder político hierárquico,
juntamente com os partidos políticos tradicionais. Organizações desse tipo
podem ser encontradas em todos os lugares e em alguns locais atingiram um alto
grau de proeminência política. Alguns deles são radicalmente anticapitalistas
na sua postura e defendem objetivos revolucionários e, em alguns casos, estão
dispostos a defender a sabotagem e outras formas de desordem (as Brigadas
Vermelhas na Itália, o Meinhoff Baader na Alemanha e o Weather Underground nos
Estados Unidos, na década de 1970). Mas a eficácia de todos esses movimentos
(deixando de lado os mais violentos) é limitada pela relutância e pela
incapacidade para elevar proporcionalmente seu ativismo a formas de organização
capazes de enfrentar os problemas globais. A presunção de que a ação local é o
único nível significativo de mudança e que tudo o que cheira a hierarquia é
antirrevolucionário é, na verdade, autodestrutiva quando se trata de questões
maiores. No entanto, esses movimentos estão, inquestionavelmente, fornecendo
uma base ampla para a experimentação com políticas anticapitalistas.”
“Comunistas, asseveraram Marx e Engels em sua concepção original
apresentada no Manifesto
Comunista, não pertencem a partidos políticos. Eles simplesmente
constituem-se em todos os momentos e em todos os lugares como aqueles que
entendem os limites, deficiências e tendências destrutivas da ordem
capitalista, bem como as inúmeras máscaras ideológicas e falsas legitimações
que os capitalistas e seus apologistas (sobretudo nos meios de comunicação)
produzem para perpetuar seu poder de classe. Comunistas são todos aqueles que
trabalham incessantemente para produzir um futuro diferente do que anuncia o
capitalismo. Essa é uma definição interessante. Ainda que o comunismo
institucionalizado tradicional esteja morto e enterrado, há sob essa definição
milhões de comunistas ativos de fato entre nós, dispostos a agir de acordo com
seus entendimentos, prontos para exercer criativamente imperativos
anticapitalistas. Se, como o movimento de globalização alternativa dos anos
1990 declarou, “Um outro mundo é possível”, então por que não dizer também “Um
outro comunismo é possível”? As atuais circunstâncias do desenvolvimento
capitalista requerem algo desse tipo, se realmente desejamos alcançar a mudança
fundamental.
O comunismo é, infelizmente, um termo tão carregado que é difícil
reintroduzi-lo, como agora alguns querem fazer, no discurso político. Nos
Estados Unidos é muito mais difícil do que, digamos, na França, Itália, Brasil
ou até mesmo na Europa central. Mas de certa forma o nome não importa. Talvez
nós devamos apenas definir o movimento, nosso movimento, como anticapitalista
ou chamar-nos de Partido da Indignação, prontos para lutar e derrotar o Partido
de Wall Street e seus acólitos e defensores em todos os lugares, e que assim
seja. A luta pela sobrevivência com justiça não só continua, mas recomeça. Na
medida em que a indignação e o ultraje moral se constroem em torno da economia
da despossessão que de modo tão claro beneficia uma classe capitalista
aparentemente todo-poderosa, movimentos políticos necessariamente tão
diferentes começam a se fundir, transcendendo as barreiras do espaço e do
tempo.
Entender a necessidade política disso exige em primeiro lugar que o
enigma do capital seja desvendado. Uma vez que sua máscara é arrancada e seus
mistérios são postos a nu, é mais fácil ver o que tem de ser feito e por quê, e
como começar a fazê-lo. O capitalismo nunca vai cair por si próprio. Terá de
ser empurrado. A acumulação do capital nunca vai cessar. Terá de ser
interrompida. A classe capitalista nunca vai entregar voluntariamente seu
poder. Terá de ser despossuída.
Fazer o que tem de ser feito exigirá tenacidade e determinação,
paciência e astúcia, juntamente com compromissos políticos firmes, nascidos
fora da indignação moral em relação ao que o crescimento composto explorador
faz com todas as facetas da vida, humana e não apenas, no planeta Terra.
Mobilizações políticas suficientes para tal tarefa ocorreram no passado. Podem
e certamente virão outra vez. Estamos, penso, atrasados.”
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