sábado, 15 de abril de 2023

Clube da luta, de Chuck Palahniuk

Editora: LeYa

ISBN: 978-85-8044-449-0

Tradução: Cassius Medauar

Opinião: ★★★☆☆

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Páginas: 272

Sinopse: Considerado um clássico desde a sua publicação em 1996, Clube da luta é hoje reconhecido como um dos romances mais originais e provocativos de sua década. O humor negro de Chuck Palahniuk narra a história de um jovem funcionário que descobre que sua frustração e ira não podem ser acalmadas com o consumo desenfreado que a mídia oferece. Ele encontra alívio e redenção após horas de luta em pequenos clubes escondidos nos porões de bares da cidade. O clube da luta é idealizado por Tyler Durden, que acredita ter encontrado uma maneira de viver fora dos limites da sociedade e de suas regras sem sentido. Mas o que está por vir de sua mente pode piorar muito daqui para a frente.



“Primeiro Tyler me arruma um emprego de garçom, depois enfia um revólver na minha boca e diz que o primeiro passo para a vida eterna é morrer.”

 

 

“Onde estaria Jesus se ninguém tivesse escrito os evangelhos?”

 

 

“O primeiro clube da luta foi apenas Tyler e eu trocando socos.

Antes, se eu chegasse em casa nervoso, sabendo que minha vida não estava seguindo o plano de cinco anos que tinha traçado, bastava limpar o apartamento ou dar um trato no carro. Um dia eu morreria sem nenhuma cicatriz, mas teria um belo apartamento e um lindo carro. Muito belo mesmo e também muito lindo, até que a poeira se acumulasse neles ou então o novo dono os pegasse. Nada é estático. Até a Mona Lisa está caindo aos pedaços. Desde que o clube da luta começou metade dos meus dentes está mole.

Talvez o autoaperfeiçoamento não seja a resposta.

Tyler nunca conheceu o pai dele.

Talvez a autodestruição seja a resposta.

Tyler e eu ainda vamos juntos ao clube da luta, que fica no porão de um bar depois que ele fecha no sábado à noite, e a cada semana que você vai tem mais gente lá.

Tyler fica embaixo de uma luz bem no meio do porão de concreto escuro, e ele pode ver a luz refletindo em cem pares de olhos no escuro. A primeira coisa que ele grita é:

− A primeira regra do clube da luta é que você não fala sobre o clube da luta.

− A segunda regra do clube da luta é que você não fala sobre o clube da luta – Tyler grita.

Já eu convivi com meu pai por uns seis anos, mas não me lembro de nada. Ele começa uma vida nova com outra família em outra cidade a cada seis anos. Isso não parece muito com ele formando uma família, e sim com ele abrindo uma franquia.

O que você vê no clube da luta é uma geração de homens criados por mulheres.

Tyler fica ali parado embaixo da luz cercado pela escuridão de mais de meia-noite do porão cheio de homens e recita as outras regras: dois homens por luta, uma luta de cada vez, nada de sapatos ou camisas e as lutas duram o quanto tiverem que durar.

− E a sétima regra – Tyler grita −, é que se for sua primeira noite no clube da luta você tem que lutar.

O clube da luta não é como futebol americano na televisão. Você não está assistindo a um bando de homens que não conhece e que estão em alguma parte do mundo batendo uns nos outros ao vivo, mas com dois minutos de atraso na imagem por causa do satélite, comerciais de cerveja a cada dez minutos e uma pausa para a identificação do canal. Depois de ter estado no clube da luta, assistir ao futebol americano é como assistir a um filme pornô quando poderia estar transando de verdade e loucamente.

O clube da luta lhe dá uma razão para ir sempre à academia, para cortar cabelos e unhas bem curtos. Na academia há sempre um monte de caras tentando parecer homens, como se ser homem significasse parecer com o que um escultor ou um diretor de arte dizem que deve ser.”

 

 

“O que acontece no clube da luta não acontece em palavras. Alguns caras precisam de uma luta toda a semana. Nesta semana Tyler diz que serão apenas os primeiros cinquenta caras que passarem pela porta, e só. Não mais do que isso.

Na semana passada eu escolhi um cara e nós dois entramos na lista para uma luta. Ele deve ter tido uma semana ruim, pois prendeu meus braços atrás de minha cabeça e bateu meu rosto contra o chão de concreto até meus dentes cortarem as bochechas, o olho ficar inchado e sangrar, e, depois que eu disse para parar, olhei para baixo e vi metade do meu rosto impresso em sangue no chão.

Tyler ficou em pé ao meu lado e nós dois ficamos olhando para o grande O da minha boca pintado com sangue e a pequena fenda do meu olho olhando para nós lá do chão, e então Tyler diz:

− Legal.

Aperto a mão do outro cara e digo que foi uma ótima luta.

O cara responde:

− Que tal outra na semana que vem?

Tento sorrir por baixo de todos os inchaços e digo: olha só para mim. Que tal no mês que vem?

Você não se sente tão vivo em nenhum outro lugar do jeito que se sente no clube da luta. Quando é você e outro cara sob aquela única luz no meio e todos os outros assistindo. O clube da luta não tem a ver com ganhar ou perder as lutas. E não tem a ver com palavras. Você vê um cara vir aqui pela primeira vez e a bunda dele parece uma massa de pão branco. Quando o vê aqui seis meses depois, ele parece esculpido em madeira maciça. Esse cara acredita que pode lidar com qualquer coisa. Aqui há barulhos e grunhidos igual na academia, mas o clube da luta não tem a ver com ficar bonito. Há gritos histéricos em línguas diferentes igual em uma igreja, e quando acorda no domingo à tarde você se sente salvo.

Depois de minha última luta, o cara que me enfrentou passa um pano no chão enquanto ligo para meu convênio de saúde para liberar minha entrada no pronto-socorro. No hospital, Tyler diz que eu caí.

Às vezes Tyler fala por mim.

Eu fiz isso comigo mesmo.

Lá fora o sol começava a nascer.

Você não fala sobre o clube da luta porque, a não ser durante cinco horas, das duas às sete da manhã do domingo, o clube da luta não existe.

Quando inventamos o clube da luta, nem eu nem Tyler havíamos estado em uma briga. Quem nunca esteve em uma luta pensa várias coisas. Pensa em se machucar, em sobre o que é capaz de fazer com outro homem. Fui o primeiro cara com que Tyler se sentiu seguro o bastante para perguntar sobre isso, quando estávamos bêbados em um bar onde ninguém ligava pra nós, então Tyler falou:

− Quero que me faça um favor. Quero que me de um soco o mais forte que conseguir.

Eu não queria fazer aquilo, mas Tyler me explicou tudo, falando sobre não querer morrer sem cicatrizes, de estar cansado de ver apenas os profissionais lutando e de querer saber mais sobre si mesmo.

E sobre autodestruição.

Naquela época a minha vida parecia completa demais, e talvez tenhamos que quebrar tudo para construir algo melhor em nós mesmos.”

 

 

“Meu pai sempre dizia:

− Case antes do sexo ficar tedioso, senão você nunca se casará.

Minha mãe dizia:

− Nunca compre nada com zíper de náilon.

Eles nunca disseram nada que valesse a pena ser bordado em uma almofada.”

 

 

“Tem um monte de coisas que não queremos saber sobre as pessoas que amamos.”

 

 

“Tenho me comportado muito mal.

Atendo o telefone e é Tyler, que diz:

− Saia agora. Tem uns caras te esperando no estacionamento.

Pergunto que caras.

− Eles estão esperando – Tyler responde.

Sinto cheiro de gasolina em minhas mãos.

Tyler continua:

− Pegue a estrada. Eles têm um carro lá fora. Um Cadillac.

Ainda estou dormindo.

Agora não tenho certeza se Tyler é um sonho.

Ou se sou parte de um sonho dele.”

 

 

“− Se você é homem, é cristão e vive na América, seu pai é o seu modelo de Deus. E se você não conheceu seu pai, se ele desapareceu, morreu ou quase nunca está em casa, no que você acredita em relação a Deus?

Isso tudo é o dogma de Tyler Durden. Rabiscado em pedacinhos de papel enquanto eu dormia e depois entregues a mim para que digitasse e fizesse cópias em meu trabalho. Já li tudo. Provavelmente até o meu chefe leu tudo.

− O que você acaba fazendo – o mecânico continua – é passar a vida procurando um pai e um Deus. O que precisa considerar é a possibilidade de Deus não gostar de você. Pode ser que Deus nos odeie. Isso não é a pior coisa que poderia acontecer.

Tyler achava que conseguir chamar a atenção de Deus sendo mau era melhor que não conseguir atenção nenhuma. Talvez porque seja melhor o ódio de Deus do que a indiferença Dele.

Se você pudesse ser o pior inimigo de Deus ou um nada, o que escolheria?

Somos os filhos do meio de Deus, de acordo com Tyler Durden, e não temos lugar especial na história nem atenção.

A menos que consigamos chamar a atenção de Deus, não teremos a menor chance de danação ou redenção.

O que é pior, o Inferno ou o nada?

Apenas se formos pegos e punidos é que poderemos ser salvos.

− Queime o Louvre – o mecânico diz – e limpe a bunda com a Mona Lisa. Dessa forma, Deus pelo menos saberá nosso nome.

Quanto mais fundo você descer, mais alto voará. Quanto mais longe correr, mais Deus vai o querer de volta.

− Se o filho pródigo nunca tivesse saído de casa, o bezerro cevado ainda estaria vivo.

Não é o suficiente ser apenas mais um dentre os grãos de areia da praia e as estrelas do céu.”

 

 

“− Creiam em mim e vocês morrerão para sempre.”

 

 

“− Eu vejo os homens mais fortes e inteligentes que já viveram – ele diz, o rosto delineado pelas estrelas que aparecem pela janela do motorista. – E esses homens estão enchendo tanques de carros e servindo mesas.

A inclinação da testa, as sobrancelhas, a linha do nariz, os cílios, a curva dos olhos, o contorno plástico da boca, o jeito de falar, tudo delineado em preto pelas estrelas.

− Se pudéssemos colocar esses homens em campos de treinamento e terminar de criá-los.”

 

 

“Pergunto sobre Tyler em todos os lugares para os quais eu vou.

Se eu o encontrar, as doze carteiras de motorista dos meus sacrifícios humanos estarão no meu bolso.

Em cada bar que entro, em todos eles mesmo, vejo caras detonados. Em cada bar eles me abraçam e querem me pagar uma cerveja. É como se eu já soubesse quais bares têm clubes da luta

Pergunto se eles já viram um cara chamado Tyler Durden.

É idiotice perguntar se eles conhecem o clube da luta.

A primeira regra do clube da luta é não falar sobre o clube da luta.

Mas por acaso viram Tyler Durden?

Eles respondem que nunca ouviram falar dele, e me chamam de senhor.

Mas talvez possa encontrá-lo em Chicago, senhor.”

 

 

““Somos os filhos do meio da história, criados pela televisão para acreditar que algum dia seremos milionários, astros de filme ou da música, mas não seremos. E estamos entendendo isso agora – Tyler falou. – Então não venha foder com a gente.”

 

 

“Ah, que besteira. Isto é um sonho. Tyler é uma projeção. Ele é um transtorno dissociativo de identidade. Um estado de fuga psicogênica. Tyler Durden é minha alucinação.

− Que se foda essa merda toda – Tyler fala. – Talvez você seja minha alucinação esquizofrênica.

Eu estava aqui primeiro.

Ele responde:

− Sim, sim, claro. Bom, vamos ver quem estará aqui por último.”

 

 

“Tem um velho ditado que diz que você sempre mata aquilo que ama, bom, a recíproca também é verdadeira.

E a recíproca é muito verdadeira.”

sexta-feira, 14 de abril de 2023

Robinson Crusoé, de Daniel Defoe

Editora: Zahar

ISBN: 978-65-5979-031-9

Tradução: José Roberto O’Shea

Opinião: ★★★☆☆

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Páginas: 352

Sinopse: Misto de livro de aventura, autobiografia espiritual e tributo ao individualismo burguês, Robinson Crusoé continua insuperável, tão original e vívido como há trezentos anos. Edição com tradução, apresentação e notas de José Roberto O’Shea.

“30 de setembro de 1659. Eu, pobre e desgraçado Robinson Crusoé, depois de naufragar em alto-mar durante uma tempestade terrível, cheguei à costa desta ilha desoladora e infeliz, que denominei ‘Ilha do Desespero’, sendo que o restante da tripulação do navio afogou-se, e quase morri.”

Com uma prosa aparentemente despretensiosa, mas repleta de nuances, Daniel Defoe narra a vida atribulada de Crusoé a partir da decisão de abandonar o destino trivial no interior da Inglaterra para se tornar marinheiro. Após várias desventuras e uma crucial estada no Brasil, seu barco naufraga em meio a uma tempestade violenta, a tripulação morre e ele vai parar numa ilha deserta tendo apenas uma faca, um cachimbo e um pouco de tabaco, além de um formidável instinto de sobrevivência. Com disciplina, Crusoé aprende não apenas a construir uma canoa, fazer uma panela e assar pão, mas também a enfrentar seus medos, suas dúvidas e a solidão absoluta. Até que, depois de 24 anos excruciantes, ele descobre uma pegada humana na areia.




Meu pai, homem sábio e circunspecto, deu-me conselhos sérios e excelentes contra o que previu ser meu desígnio. Chamou-me certa manhã em seu quarto, onde padecia de gota,8 e protestou veementemente comigo. Perguntou quais motivos, além de uma simples inclinação errante, teria eu para deixar a casa paterna e meu país natal, onde seria bem-recebido, e onde havia perspectiva de aumentar minha fortuna por meio de dedicação e trabalho, e ter uma vida de conforto e satisfação. Disse-me que somente homens de fortunas arruinadas, por um lado, ou aspirantes a fazer fortuna, por outro, aventuravam-se em viagens ao exterior, para progredirem na vida por meio de empreendimentos e tornarem-se famosos à custa de negócios excêntricos; que essas coisas ou estavam muito acima de mim, ou muito abaixo de mim; que meu nível social era intermediário, ou poderia ser chamado de camada superior do nível mais baixo; condição que ele constatara, por longa experiência, ser a melhor do mundo, a mais adequada à felicidade humana, imune a infortúnios e privações, à labuta e à agrura do segmento laboral da humanidade, sem ser compelida pelo orgulho, pelo luxo, pela cobiça e pela inveja que afetam o segmento mais elevado da humanidade. Disse-me que eu poderia avaliar a felicidade dessa condição de vida com base num fator, a saber, que essa era a situação que todas as demais pessoas invejavam; que reis frequentemente lamentam as consequências desditosas de nascer destinados a realizar grandes feitos, e desejariam ter ocupado o meio dos dois extremos, ou seja, entre os pequenos e os grandes; que o sábio deu seu testemunho disso, como padrão justo de felicidade, quando orou para não ter nem riqueza nem pobreza.9

Ele me pediu que observasse, pois sempre haveria de constatar que as calamidades da vida eram compartilhadas entre os segmentos superiores e inferiores da humanidade, mas que o segmento intermediário sofria menos desastres e não era exposto a tantas vicissitudes; na verdade os que viviam em condição mediana não estavam sujeitos a tantas mazelas e angústias, fosse de corpo ou mente, quanto aqueles que, por uma vida de dissipação, luxo e extravagância, num extremo, ou de trabalho árduo, carências básicas e uma dieta insalubre ou insuficiente, no outro, atraíam mazelas para si mesmos, como consequência natural de seu modo de vida; que a condição intermediária de vida foi calculada para ensejar todo tipo de virtude e todo tipo de satisfação; que a paz e a fartura eram servas da fortuna média; que a temperança, a moderação, o sossego, o bem-estar, a fraternidade, todas as diversões agradáveis e todas as alegrias desejáveis eram bênçãos atinentes à condição mediana de vida; que nesse meio os homens seguiam silenciosa e serenamente pelo mundo, e dele saíam com conforto, sem se importunarem com trabalho braçal nem cerebral, sem serem submetidos a uma vida de escravidão para ganhar o pão de cada dia, nem atormentados por circunstâncias perturbadoras, que privam a alma de paz e o corpo de repouso, nem se enfurecem com o arroubo da inveja, nem anseiam secreta e ardentemente por grandes coisas; mas seguem sob circunstâncias amenas, deslizando suavemente pelo mundo e saboreando sensatamente as doçuras da vida, sem amargor, sentindo-se felizes e aprendendo com a experiência de cada dia a constatar tal fato com crescente sensatez.”

8. Doença geralmente hereditária provocada pelo excesso de ácido úrico no organismo e caracterizada por dolorosos ataques inflamatórios, que ocorrem sobretudo nas articulações.

9. Alusão a Provérbios 30,8: “Afasta de mim a falsidade e a mentira. Não me dês riqueza nem pobreza. Concede-me apenas o meu pedaço de pão”. Todas as traduções de trechos bíblicos foram retiradas da Bíblia Sagrada, edição pastoral (Edições Paulinas).

 

 

Qualquer um pode avaliar a minha situação em meio a tudo aquilo, sendo eu apenas um jovem marujo, que antes tanto se assustara por tão pouco. Mas se puder expressar hoje em dia os pensamentos que tive àquela época, posso dizer que estava dez vezes mais apavorado por causa de minhas antigas convicções, e por haver delas me afastado e chegado às maldosas resoluções tomadas inicialmente, do que por temor à morte em si; e isso, somado ao pavor da tempestade, deixou-me em tal estado que não posso aqui descrever. No entanto, o pior estava por acontecer; a tormenta prosseguiu com tamanha fúria que os próprios marinheiros admitiram jamais terem visto coisa pior. Contávamos com um bom navio, mas estava tão carregado e tão tomado pela água que os marinheiros gritavam constantemente que haveria de soçobrar. Foi minha vantagem, em certa medida, não saber o que significava “soçobrar”, até que perguntei.”

 

 

“Desde aquela época, tenho observado, com frequência, quão incongruente e irracional é o temperamento da humanidade como um todo, especialmente dos jovens, diante de uma constatação que deveria servir para guiá-los, a saber: não têm vergonha de pecar, mas têm vergonha de mostrar arrependimento; não têm vergonha de insistir na ação pela qual, com toda justiça, deveriam ser considerados tolos, mas têm vergonha de retroceder, o que apenas faria com que fossem considerados sensatos.”

 

 

“Abusar da prosperidade é, muitas vezes, causa da maior adversidade.”

 

 

“Com o aumento dos negócios e o enriquecimento, minha cabeça começou a encher-se de projetos e empreendimentos que estavam fora do meu alcance, o que, de fato, costuma ser a causa da ruína dos melhores empreendedores.”

 

 

Aprendi a olhar mais o lado positivo da minha situação, e menos o lado negativo, e a levar em conta o que podia desfrutar, e não o que me faltava, e isso me propiciou tamanho conforto interior que mal posso expressar. E ressalto isso aqui pelo bem dos descontentes, incapazes de aproveitar o que Deus lhes oferece porque veem e desejam algo que Ele não lhes concedeu. Todo o nosso descontentamento diante do que não temos parecia-me resultar da falta de gratidão diante daquilo que temos.”

 

 

Ah, que decisões ridículas os homens tomam quando dominados pelo medo! O temor priva-os das faculdades que a razão oferece para aliviá-los. (...) O receio do perigo é dez mil vezes mais aterrorizante do que o perigo que está diante dos olhos, e o fardo da ansiedade é muito maior do que o mal que nos deixa ansiosos.”

 

 

Que ninguém despreze sinais e avisos misteriosos de perigo que às vezes nos chegam, mesmo quando duvidamos da possibilidade de terem fundamento. Que tais sinais e avisos nos sejam dados, creio que poucos observadores sensíveis possam negar; que sejam revelações de um mundo invisível e uma interação entre espíritos, não podemos duvidar; e se tendem a advertir-nos do perigo, por que não devemos supor que provenham de algum ente querido (se supremo ou inferior e subordinado não vem ao caso) e que sejam advertências oferecidas pelo nosso bem?”

Entre quatro paredes, de Jean-Paul Sartre

Editora: Civilização Brasileira

ISBN: 978-65-5802-063-9

Tradução: Alcione Araújo e Pedro Hussak

Opinião: ★★★☆☆

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Páginas: 142

Sinopse: Neste drama estão todos mortos e, ao contrário do que acreditavam, percebem que o inferno não é uma câmara de tortura, mas uma sala de estar ao estilo do Segundo Império francês. Lá eles irão – eternamente – espionar, provocar, tentar seduzir e, acima de tudo, dilacerar uns aos outros. “O inferno são os outros.” Essa é, certamente, a frase que pontua Entre quatro paredes, peça escrita pelo filósofo existencialista Jean-Paul Sartre em 1944 e publicada no ano seguinte.



“GARCIN: — Você sabe o que as pessoas falam do lado de lá, né?

CRIADO: — Sobre o quê?

GARCIN:— Bem... (Com um gesto vago e amplo.) Sobre tudo isso.

CRIADO: — Como é que você pode acreditar nessas besteiras? Gente que nunca botou os pés aqui. Porque se tivessem vindo...

GARCIN:— É.

Os dois riem.

GARCIN (Ficando sério de repente.):— Cadê as estacas?

CRIADO: — O quê

GARCIN:— As estacas, as grelhas, os foles de couro?

CRIADO: — Você está de brincadeira?

GARCIN (Olhando para ele.):— Não, não. Eu não estou de brincadeira. (Silêncio. Anda pela sala.) Sem espelhos nem janelas, é claro. Nada de quebrar.”

 

 

“GARCIN:— Então você me achou com cara de carrasco? E como é que se reconhecem os carrascos? Você pode me dizer?

INÊS: — Eles parecem estar sempre com medo.

GARCIN:— Medo? Essa foi demais. E de quem? Das suas vítimas?

INÊS: — Sei do que estou falando, eu me olhei num espelho.”

 

 

“INÊS: — Você é muito bonita. Queria ter flores para lhe dar as boas-vindas.

ESTELLE: — Flores? Ah, sim. Eu adorava as flores. Mas aqui não dá, elas iriam murchar: é quente demais. Enfim, o essencial é manter o bom humor, não é mesmo? Você...

INÊS: — Sim, na semana passada. E você?

ESTELLE: — Eu? Ontem. A cerimônia nem acabou ainda. (Ela fala com muita naturalidade, mas como se estivesse vendo o que descreve.) O vento balança o véu da minha irmã. Ela faz o que pode pra chorar. Vamos, vamos, mais um esforço. Pronto! Duas lágrimas, duas lagriminhas brilhando embaixo do crepe de seda. Nossa, Olga Jardet está horrorosa esta manhã. Ela está segurando a minha irmã pelo braço. Não chora por causa do rímel. Acho que no seu lugar eu também... era minha melhor amiga.”

 

 

“ESTELLE: — E, enfim, o que tudo isso significa? Talvez nós nunca tenhamos sido tão vivos. Se for absolutamente necessário dar nome a este... estado de coisas, proponho que nos intitulemos “os ausentes”, seria mais correto. Há quanto tempo você está ausente?

GARCIN:— Mais ou menos um mês.

ESTELLE: — De onde você é?

GARCIN:— Do Rio.

ESTELLE: — E eu, de Paris. (Pausa longa.) Você ainda tem alguém por lá?

GARCIN:— Minha mulher. (Mesmo gesto que Estelle.) Ela foi ao quartel, como todos os dias; não a deixaram entrar. Olha entre as barras da grade. Ela ainda não sabe que eu estou ausente, mas está desconfiando. Agora, está andando. Está toda de preto. Não está chorando; nunca chorava mesmo. Está o maior sol, e ela está toda de preto andando pela rua deserta, com esses grandes olhos de vítima. Ah! Ela me dá nos nervos.”

 

 

“ESTELLE: — Eu não posso suportar que estejam esperando alguma coisa de mim. Me dá logo vontade de fazer tudo ao contrário.”

 

 

“GARCIN:— Se ao menos tivessem me colocado com homens... os homens sabem ficar calados.”

 

 

“INÊS: — Não tenho mais nenhum álibi (...). Estou seca por dentro. Não posso dar nem receber; como é que você quer que eu te ajude? Um galho morto que o fogo vai queimar.”

 

 

“INÊS: — Tudo é uma armadilha. Mas que me importa? Eu também sou uma armadilha.”

 

 

“INÊS: — Somente os atos decidem a respeito do que a gente quis.”

 

 

“GARCIN:— Então, é isto o inferno. Eu não poderia acreditar... Vocês se lembram: enxofre, fornalhas, grelhas... Ah! Que piada. Não precisa de nada disso: o inferno são os Outros.”

A destruição da razão (Parte V), de György Lukács

Editora: Instituto Lukács

Opinião: ★★★★☆

Tradução: Bernard Herman Hess, Rainer Patriota, Ronaldo Vielmi Fortes

Páginas: 794

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Sinopse: Ver Parte I



É sabido que Hegel repudiou duramente o idealismo subjetivo de Kant, em especial a sua negação da cognoscibilidade da “coisa-em-si”. A cognoscibilidade desta constitui um ponto fundamental da sua teoria do conhecimento dialética; pois ela implica a relativização dialética de fenômeno e essência, de fenômeno e coisa-em-si, pois conhecer as qualidades (os modos fenomênicos) da coisa é conhecer ao mesmo tempo a própria coisa, de maneira que o em-si torna-se um para-nós, e, em determinadas condições, um para-si; ignorar esse processo de conhecimento concreto, que vai do fenômeno à essência, da coisa-em-si, é, para Hegel, uma abstração vazia e nula. Os renovadores de Hegel do período imperialista não chegam sequer a apreciar seriamente essa crítica de Hegel a Kant, quanto mais a assimilá-la. Eles continuam aferrados ao ponto de vista do neokantismo adaptado às condições do período imperialista, portanto, continuam separando mecanicamente o fenômeno da essência, negando e desmerecendo a existência e a cognoscibilidade da realidade objetiva.”

 

 

“Na filosofia moderna a dialética de Hegel não é um método entre muitos outros. Tanto em sua gênese quanto em sua essência ela é a continuação – num plano superior – daquelas aspirações espirituais dos melhores pensadores desde o renascimento, para fundamentar filosoficamente o aspecto racional e progressista do desenvolvimento humano. O plano superior alcançado por Hegel nesse sentido surge da nova situação histórica na qual o filósofo capturou idealmente esse aspecto racional e progressista: a situação histórico-social criada pela Revolução Francesa. Isso significa em primeiro lugar que ele capturou a razão em sua essência contraditória, isto é, por oposição à tradição geral do Iluminismo, que com frequência – mas não sempre – concebia a ligação entre razão e vida de um modo excessivamente retilíneo e direto, em contradição com o próprio caminho objetivo do esclarecimento da razão na vida. Os sucessores de Hegel, ao simplificarem e vulgarizarem essa unidade indissociável de razão e contradição, convertendo-a num “panlogismo”, desviam-se do método dialético de Hegel; como vimos com o neo-hegelianismo, a polêmica contra esse desvio se converte na equiparação entre dialética e irracionalismo, portanto, na total falsificação do método hegeliano, de modo que a racionalidade antes meramente vulgarizada agora desaparece completamente.

Em segundo lugar, o método dialético significa uma defesa histórica do progresso. A atitude reacionária contra a Revolução Francesa no plano da visão de mundo fundamenta uma versão do histórico na qual a ideia de progresso deixou de existir e que, em particular, declara como anti-histórica toda transformação social. Ao contrário, o verdadeiro sentido do método dialético hegeliano, brevemente expresso, consiste em demonstrar – numa unidade inseparável com o lugar central da contradição – que os caminhos complexos e desiguais da história revelam precisamente seu caráter racional profundo e que na relação imediata normalmente costuma ficar oculto. Daí que a fundação do materialismo dialético e histórico pôde se unir a Hegel. É claro que com base numa crítica implacável de seu idealismo (com todas as suas consequências metodológicas e de conteúdo), de seu sistema reacionário etc. Mas a profundidade e a multilateralidade dessa crítica, o caráter qualitativamente novo do marxismo em comparação com Hegel, a oposição que o novo método dialético-materialista representa em comparação com a dialética idealista hegeliana, não elimina o fato desse vínculo crítico. O materialismo histórico e dialético é a visão de mundo que expressa sob a forma mais elevada o progresso e a legalidade da história racionalmente formuláveis, a única visão de mundo que pode fundamentar de modo filosoficamente consequente o progresso e a racionalidade.”

 

 

“Nesse solo a falsa oposição entre civilização e cultura pode crescer espontaneamente. Oposição que, formulada conceitualmente, obtém a seguinte forma – objetivamente falsa e que leva a erro: a civilização, isto é, o desenvolvimento técnico-econômico, fomentado pelo capitalismo, avança continuamente, mas esse desdobramento é, em grande medida, desfavorável à cultura (à arte, à filosofia, à vida interior do homem); e essa oposição entre ambas recrudesce cada vez mais a ponto de se tornar uma tensão trágica e insuportável. Percebe-se que a situação fática do desenvolvimento capitalista assinalada por Marx é desfigurada de um modo anticapitalista-romântico, subjetivista-irracional. Que se trata da desfiguração irracionalista de um fato histórico-social, mostra a simples consideração de que cultura e civilização – entendidos corretamente – não podem constituir conceitos opostos. A cultura consiste no conjunto das atividades com as quais o homem suplanta as próprias condições naturais dadas originalmente na natureza, na sociedade e em si mesmo (com razão, fala-se de uma cultura do trabalho, do comportamento humano etc.). A civilização, pelo contrário, é uma expressão abrangente dos períodos históricos posteriores ao momento em que o homem deixou o estágio da barbárie; esse conceito envolve também a cultura e com ele o conjunto da vida social do homem. A colocação de semelhante oposição conceitual, a criação do mito de forças, entidades etc. que se confrontam, não passa de uma deformação ao mesmo tempo abstrata e irracionalista das contradições concretas da cultura do capitalismo (essa contraditoriedade real também está relacionada às forças produtivas materiais; que se pense na aniquilação dessas forças nos momentos de crise, na contraditoriedade da máquina sob o capitalismo em suas relações com o trabalho humano, tal como Marx as expõe etc.).

A deformação irracionalista das condições factuais originárias nasce espontaneamente da situação social dos intelectuais sob o capitalismo. Essa deformação, que os ideólogos do capitalismo desenvolvem e aprofundam, se reproduz espontaneamente. Em parte porque as tendências eventualmente rebeldes do anticapitalismo romântico podem ser canalizadas numa crítica inócua da cultura e, em parte, porque a falsa oposição entre civilização e cultura posta em termos absolutos parece ser, aos olhos de muitos intelectuais, uma arma eficaz contra o socialismo: ao dar continuidade ao desenvolvimento das forças produtivas materiais (mecanização etc.), o socialismo não poderia resolver o conflito entre a civilização e a cultura, mas, longe disso, o perpetuaria – logo, não vale a pena para os intelectuais que sofrem com esse dualismo combater o capitalismo em nome do socialismo.”

 

 

“Como é sabido, em sua sociologia, Max Weber encara a vocação especialmente do líder democrático como um “carisma”, terminologia em que se expressa o caráter irracionalista conceitualmente não refutável do líder, apreendido, pois, de modo irracionalista. E isso era inevitável para Max Weber, pois se – seguindo a metodologia da história de Rickert, para quem só existem fenômenos singulares – nos perguntamos por qual motivo chegaram a converter-se em líderes um Péricles ou um Júlio César, um Cromwell ou um Marat, e ao generalizar sociologicamente as respostas histórico-individuais a esta pergunta, surgirá o conceito de “carisma”, que fixa num pseudoconceito, como algo irracional, nosso assombro incapaz de se tornar um saber. Ao contrário, quando Hegel em seu tempo falava do “indivíduo histórico-universal”, não partia do indivíduo, mas da tarefa colocada pela história a uma época ou a uma nação, considerando como “histórico-universal” o indivíduo que se revelasse capaz de resolvê-la. Hegel era plenamente ciente do componente de casualidade insuperável inerente à questão de o indivíduo ser X ou Y aquele que – dentre todos os que exibiam como possibilidade o necessário grau de consciência e energia para tanto – efetivamente se converte no “indivíduo histórico-universal”. Max Weber, por sua vez, ao colocar o problema precisamente do ponto de vista dessa casualidade insuperável, buscando um “esclarecimento” justamente para isso, tinha de chegar inevitavelmente ao pseudoconceito, em parte abstrato, em parte místico-irracional, de “carisma”.”

 

 

O período imperialista, objetivamente falando, só tem duas saídas: a afirmação do imperialismo com suas guerras mundiais, sua sanha em subjugar e explorar os povos coloniais e as massas do próprio povo, ou a negação prática do sistema imperialista, a rebelião das massas e a destruição do capitalismo monopolista. E se um pensador não se decide, de forma franca e resoluta, a favor ou contra esse sistema, sua vida – quer ele simpatize com o imperialismo e o fascismo, quer os repudie – haverá de definhar num desespero carente de toda perspectiva (por várias vezes temos tido a oportunidade de assinalar o serviço objetivamente positivo que a filosofia do desespero presta ao fascismo).”

 

 

“Como é natural, toda superfície imediata, artificialmente isolada da essência, das leis do movimento, produz necessariamente uma imagem deformada, inclusive da própria superfície enquanto tal.”

 

 

“A demagogia social hitlerista esteve sempre atrelada a um irracionalismo aberto, que culmina no seguinte estado de coisas: as contradições do capitalismo, tidas como insolúveis mediante o emprego de meios normais, abriram caminho para um salto num mito radicalmente irracionalista. A defesa atual – diretamente apologética – do capitalismo, renuncia, aparentemente, ao mito e ao irracionalismo. Pelo contrário: segundo a forma, o modo de exposição, o estilo, trata-se aqui de uma cadeia argumentativa puramente conceitual e científica. Mas só aparentemente, pois o conteúdo dessas construções conceituais é a pura falta de conceito, a construção de conexões não existentes, a negação da legalidade real em função de conexões aparentes, reveladas imediatamente (livres de conceitos) pela imediaticidade da superfície da realidade econômica. Estamos, portanto, diante de uma nova forma de irracionalismo, que se caracteriza por sua aparência de racionalidade.

Porém, não diante de uma forma fundamentalmente nova. Já mostramos a regressão da economia americana (e seus apoiadores europeus) à economia vulgar e, ao mesmo tempo, apontamos para o fato de que todas as tendências anticientíficas da economia atual obtiveram um crescimento correspondente às condições da apologética direta do capitalismo no período imperialista. Portanto, aquelas tendências do irracionalismo reveladas por Marx como imanentes à antiga economia vulgar continuam presentes na economia vulgar de hoje, porém, numa escala muito maior, de modo que o incremento da quantidade se transforma aqui numa nova qualidade: o irracionalismo implícito da antiga economia vulgar se converte agora num irracionalismo explícito. Uma vez que as palavras de Marx referentes a isso trazem uma exposição ampla e fundamental dos problemas com os quais deparamos aqui, vemo-nos obrigados a citá-las na íntegra: “No entanto, as mediações das formas irracionais, em que se apresentam e se condensam em termos práticos determinadas relações econômicas, não interessam nem um pouco aos portadores práticos destas relações em seus comércios e trocas; uma vez que estão acostumados a se mover no interior delas, seu entendimento não encontra nenhum impulso nesse sentido. Para eles, uma contradição flagrante não tem nada de misterioso. Sentem-se tão à vontade quanto um peixe dentro d’água em relação a essas formas fenomênicas alienadas de toda a conexão interna, isoladas em si mesmas e desprovidas de qualquer refinamento. Poderíamos dizer o mesmo que Hegel diz a propósito de certas fórmulas matemáticas, a saber, que aquilo que o senso comum considera irracional é o racional e o que para ele é racional, é a própria irracionalidade”.”

 

 

“Podemos constatar aqui, como já era o caso na ideologia hitlerista, que o pensamento burguês do período imperialista se vê obrigado a reconhecer tacitamente sua derrota na luta espiritual com o materialismo histórico, uma vez que, embora combatendo-o publicamente com maior veemência, só está em condições de lhe opor uma contraideologia com ajuda do próprio adversário e submetida a uma distorção arbitrária, construindo assim uma contraideologia que não passa de uma caricatura feita de retalhos distorcidos do materialismo histórico. Tal foi o procedimento adotado na construção do “socialismo” de Hitler; e assim também foram feitos os enxertos na teoria dos managers de Burnham (os capitalistas se tornam dispensáveis para a produção etc.); assim, aparece em Schmitt a prioridade da base econômica frente à soberania política. Ora, aqui é a mesma coisa: a concepção marxista da missão histórica do capitalismo na criação de um mercado mundial único e de uma economia mundial é apresentada de uma forma caricata, pela qual tudo é posto de cabeça para baixo e toda a verdade se transforma em mentira.”

 

 

“Um dos traços essenciais do hitlerismo consistia em fazer com que pessoas em si inócuas e medíocres e, às vezes, de boa disposição, se convertessem, por meio de manobras insidiosas, em corresponsáveis, em cúmplices e até em copartícipes ativos de crimes espantosos e de atos desumanos bárbaros. É evidente que sem uma “pedagogia social” desse tipo jamais teriam sido possíveis coisas como Auschwitz, por exemplo. A especialidade do desenvolvimento americano consiste em que sempre existiram nos Estados Unidos elementos de tais tendências, no Sul desde a abolição da escravidão. A passagem de uma acumulação em parte originária ao período do capitalismo monopolista facilitou e estimulou essa trajetória social; e a isso é preciso acrescentar a nuance especificamente sulista, onde o regime de exploração mais retardatário e anacrônico (a escravidão) teve desde o primeiro momento um caráter capitalista mais ou menos marcado. O resultado foi que certos elementos sociais que só ocorrem na acumulação originária se transferiram com as correspondentes mudanças para o capitalismo imperialista. Ocorre ainda uma especificidade particular de que tudo isso se manifeste e se desenrole sob a forma de uma democracia burguesa prototípica; os Estados Unidos não conhecem nem o feudalismo nem a monarquia absoluta ao modo europeu. Outro importante componente do hitlerismo, a teoria das raças e a discriminação racial também atuam ali, sobretudo no sul, vindo a se estender mais tarde por todo o país, numa época em que estas, na Europa, não passavam de uma concepção privada de mundo de alguns outsiders extremos da reação; já vimos como Gobineau, quando ninguém lhe dava atenção, encontrou seus primeiros leitores entusiastas no sul dos Estados Unidos. À medida que o imperialismo americano vai se convertendo na potência reacionária dominante no mundo, essas tendências se generalizam com maior vigor, colocando-se – de modo mais consciente e sistemático do que em Hitler, se é que isso é possível – a serviço da agressão, da guerra imperialista, a serviço das condutas bárbaras empregadas nas guerras já desencadeadas (como no caso da Coreia). E todos sabem como os democratas honestos dos Estados Unidos vêm travando uma luta até agora inglória contra estas tendências.

Outro aspecto desse quadro é que nunca nem em parte alguma se viu semelhante rede, semelhante sistema de “elos transversais” entre o gangsterismo aberto e o aparato oficial dos estados e municípios como nos Estados Unidos. (O professor H. H. Wilson publicou uma enquete do National Opinion Research Center, do ano de 1944, em que cinco de cada sete americanos consultados consideram que todos os políticos estão corrompidos). Também nesse ponto se confirma uma indignação consistente por parte dos homens simples e honestos. Mas eles não podem fazer muita coisa, principalmente porque são, o tempo todo, ludibriados pelo monopólio da publicidade, pelo poder da imprensa dominada por esses trustes e pelo aparato dos dois grandes partidos. É muito provável, por exemplo, que, em 1952, a última vitória do candidato republicano tenha sido parcialmente causada pela rejeição espontânea dos homens comuns à corrupção dos democratas. Nesse sentido, pode-se prever com bastante segurança que em alguns anos uma revolta semelhante venha a ocorrer contra a corrupção dos republicanos; o caso do vice-presidente Nixon, que, para a sua felicidade, permanece encoberto, lança uma luz reveladora sobre o fato de que entre os republicanos se constata a mesma corrupção que grassa entre os democratas. E para ilustrar essa corrupção entre os democratas com um exemplo, recorde-se o caso O"Dwyers. Em Neuen Züricher Zeitung, um periódico contra o qual não se pode levantar a acusação de antiamericanismo, pode-se ler o seguinte: “A nomeação de O"Dwyers como embaixador no México atendeu exclusivamente à necessidade de possibilitar a fuga do prefeito de Nova York, antes que o escândalo vergonhoso de sua administração viesse à tona. O território americano ficou tão perigoso para esse ex-policial de Nova York, que ele prefere passar o resto de sua vida no México, e, de fato, como “consultor” de um escritório de advocacia. Truman só aceitou o retorno de O’Dwyers, como ele próprio diz, ‘com hesitação e em caloroso agradecimento aos serviços prestados’. Mas O"Dwyers ainda vai representar os Estados Unidos da América junto com outros delegados especiais na posse a ocorrer dentro de poucos dias do novo presidente mexicano Ruiz Cortines”. No momento em que escrevemos estas páginas, parece estar a ponto de explodir o caso MacCarran. E este caso talvez seja, como sintoma, ainda mais interessante, uma vez que se trata de um homem estreitamente vinculado às organizações de gângsteres e que se faz passar por um paladino do “autêntico americanismo” e um purificador contra as tendências antiamericanas. O caso MacCarran é, a sua maneira, uma concentração simbólica do que ocorre nos círculos dominantes dos instigadores da guerra, assim como, em seu tempo, o capitão Köpenick – muito mais inocente, decerto – pôde ser considerado como um símbolo da Alemanha guilhermina.

Esse tipo de mistura de corrupção, gangsterismo, delinquência e terror político era também característica do regime de Hitler. Recordemos aquela conversa de Rauschning com o Führer, em que este afirmava como algo positivo a corrupção da elite dominante, na medida em que isso obrigava seus membros, no caso em que suas corrupções fossem descobertas, a prestar uma obediência incondicional. Esse motivo também desempenha um papel importante na corrupção hoje dominante. Quando se desmascara publicamente um desses casos de corrupção, fica revelado que já havia um grande número de pessoas iniciadas no segredo, mas que tinham suas razões para calar. Porém, os “elos transversais” com o mundo dos gângsteres apresenta ainda a vantagem “política” de que, em casos difíceis, se possa sempre contar com organizações terroristas dispostas a intimidar e, se necessário, eliminar os elementos comprometedores. Em tempos “normais” de paz, isso funciona como um sucedâneo daquilo que na guerra é obtido por meio da disciplina militar. “O medo é a motivação do homem do século XX” diz o general Cummings, aquele personagem de Mailer que já conhecemos. E para fomentar esse medo, existe o aparato cada vez mais reforçado da polícia secreta, existem as torturas legalmente autorizadas dos interrogatórios policiais etc. Tudo isso naturalmente encontra sua expressão mais concentrada no exército. “Onde melhor funciona o exército é ali onde cada um teme aquele que lhe é superior e despreza aquele que lhe é inferior”, diz o já citado general Cummings. A atmosfera de medo generalizado que assim se cria não está em contradição com o problema da liberação dos instintos a que acabamos de fazer referência. Pelo contrário, essa liberação é absolutamente necessária, não apenas contra o inimigo interno, como também contra o externo. Basta que – também como nos tempos de Hitler – os instintos sejam devidamente canalizados, colocados na direção desejada. A atitude dos estratos dominantes ante o gangsterismo constitui, nesse sentido – moral-espiritual e organizacional – um elo nada desprezível.

Nesse capítulo da liberação dos instintos, do gangsterismo e da corrupção espiritual e moral, encontra-se presente também o forte papel que se confere aos renegados na luta contra o comunismo, e que nunca foi tão grande quanto hoje. É óbvio que o fenômeno por si mesmo não é completamente novo. Já conhecíamos, do entreguerras, a atividade internacional de propaganda e provocação de Trotsky; havia então os diferentes Eastmans, Doriots etc. Hoje, no entanto, não apenas os holofotes da publicidade destacam agentes vulgares da polícia do tipo Kravchenko, etc., como também escritores festejados, como Dos Passos, Silone, Koestler, Malraux, políticos importantes como Ernst Reuxer, publicistas como Burnham e outros, procedem do campo dos renegados do comunismo.

E aqui emerge naturalmente a seguinte questão: o que torna o desprezo pelo movimento comunista tão valioso aos olhos dos instigadores da guerra? Já falamos a respeito do fato de que o vazio e a pobreza de ideias da ideologia imperialista fazem necessariamente com que ela se aproprie – sob formas distorcidas – de conteúdos marxistas, ao mesmo tempo que procura explorar detalhes caricaturais na luta contra o próprio marxismo. E nessa questão os renegados são experts. (Basta ver como os monopólios são abordados e descritos por Burnham, em contraste com um Lippmann ou um Röpke). Fica claro que o estudo do marxismo, por mais superficial que seja, oferece uma grande vantagem frente à formação universitária burguesa, especialmente no campo da economia e da política. E aqui é preciso dizer que a imensa maioria dos renegados que conquistaram certa fama atuaram apenas momentaneamente no movimento comunista e, ademais, em sua periferia. Como afirma o renegado Borkenau, somente Silone e Reuxer chegaram a ser funcionários efetivos do Partido Comunista (sobre as diferenças de talento, não vale a pena entrar em detalhes aqui, embora Silone, por exemplo, fosse, em sua época de comunista, um realista digno de consideração, ao passo que Koestler, com seus famosos romances sociopsicológicos, continue sendo o mesmo jornalista superficial de antigamente). A isso é preciso acrescentar a “autenticidade” de suas revelações acerca do comunismo, cujo valor de propaganda os imperialistas valorizam, independentemente de se o renegado em questão, devido a sua posição altamente periférica no movimento, estava realmente em condições de se informar sobre as situações. Uma vez que a propaganda anticomunista decaiu, conforme dissemos, ao baixo nível dos Kravchenko, toda mentira e toda calúnia – e as informações de segunda são apenas ornamentos que não mudam a coisa-em-si – são boas para ela. Além disso, os renegados são considerados pessoas especialmente dignas de crédito pela simples razão de que não há para eles nenhum caminho de volta. Burnham se expressa sobre isso, dizendo que eles são mais imunes ao envenenamento ideológico do comunismo do que aqueles que nunca passaram por essa experiência de transição; seu “não” ao comunismo é mais apaixonado do que o dos demais. Seu ódio, seu sentimento de vingança, seu ressentimento, são emoções altamente valiosas no campo da propaganda anticomunista. E tudo isso explica por que – apesar do grau extremamente modesto de seus conhecimentos e de seus talentos – eles são convertidos da noite para o dia em figuras de liderança da luta ideológica contra o comunismo. Isso é mais uma prova do baixo nível a que chegou a ideologia burguesa.

Dessa situação e do reconhecimento da inferioridade espiritual e moral de seus patronos atuais brotam a soberba e a arrogância dos renegados. Crossman relata uma conversa com Koestler em que este lhe diz: “Nós, que fomos comunistas, somos os únicos dentre vocês que sabemos o que realmente ocorre”. E Silone, com sua arrogância, chega a afirmar que “a última batalha será travada entre comunistas e ex-comunistas”. O que naturalmente não passa de uma piada ruim, cujo único valor consiste em demonstrar que Silone esqueceu o que qualquer um aprende num curso elementar de introdução. Essa piada sem graça é bastante significativa, pois ressalta um aspecto da atitude moral-espiritual dos renegados. O outro aspecto é uma nova nuança, um novo incremento da psicologia e da moral dos decadentes. É onde se mostra o motivo decisivo da importância que essas pessoas possuem para a burguesia atual. Ela só pode se servir de gângsteres e de pessoas com deficiência moral. Para isso, os renegados são o melhor material humano de que se pode dispor, pois constantemente vem à tona o fundamento desfigurado e decadente de sua essência anímica, exageradamente compensado pela soberba. “O verdadeiro ex-comunista – afirma Crossman – jamais pode voltar a ser uma personalidade sadia”. E Koestler confirma esse diagnóstico, fazendo com que um personagem – um poeta ex-comunista – se expresse nos seguintes termos a respeito de si mesmo: “Existe uma poesia lírica e uma sacra; existe também uma poesia do amor e uma poesia da rebelião; mas não existe poesia dos apóstatas”.

Essa psicologia do renegado, embora, à primeira vista, seja uma criação extrema de outsider, consiste, no entanto, em um tipo revelador de todo esse período. O caráter intimamente mentiroso decisivo que se expressa aqui sob a forma de um cinismo hipócrita atravessa todos os fenômenos internos e externos da vida. Como a luta contra o comunismo não pode e não deve de modo algum expressar o seu verdadeiro conteúdo, qual seja, a luta para dar continuidade à exploração contra os esforços em contrário, toda a base da controvérsia ideológica não passa de um campo de mentiras: a luta da “liberdade” contra a “opressão”; uma mentira aberta proclamada de forma cínica. E dessa falácia fundamental do “mundo livre” se segue, obrigatoriamente, todo o método de Kravchenko.

Suas consequências se tornam patentes em todos os campos da cultura. A tentativa de forçar administrativamente a hegemonia cultural dos Estados Unidos não se dirige somente ao campo diretamente político. Às vezes, se considera a direção ideológica americana como uma questão universal; outras vezes, desempenham também um papel decisivo os interesses materiais dos editores, dos produtores americanos de cinema etc. Um cinema tão desenvolvido como o italiano e o francês têm que travar, em seus próprios países, uma luta desesperada pela existência frente à concorrência injusta e subsidiada com recursos estatais dos Estados Unidos. Os livros progressistas franceses precisam se proteger por meio de um movimento organizado de massa contra a difusão massiva da péssima literatura de detetive, dos Digest etc. Enquanto a propaganda americana da Guerra Fria pretende salvar a cultura europeia do “totalitarismo oriental”, a verdadeira cultura europeia mantém uma luta de vida ou morte pelo direito de existir frente às agências do “século americano”.

Tal é a situação externa. E a interna? Temos falado de uma série de problemas decisivos da cultura. Só queremos destacar aqui, por fim, outro que, apesar de só interessar realmente a uma camada relativamente exígua da intelectualidade, constitui o motivo comum que une entre si intelectuais bastante divergentes e os insere nas tendências ideológicas da concepção de “mundo livre”. Já nos referimos ao direito ao não conformismo. Mas isso não passa de uma ilusão. O aparato editorial, cinematográfico, jornalístico etc. do capitalismo monopolista reduz extraordinariamente o campo de ação real desse não conformismo, sobretudo nas condições da Guerra Fria. E, na verdade, dentro de cada caso preestabelecido, são toleradas e até exigidas certas nuanças pessoais. Porém, tão logo se produza uma divergência real em questões de conteúdo essencial, intervêm o aparato da publicidade, impondo um silêncio de morte (recorde-se do enterro de Paul Éluard, o necrológio sobre ele), que pode chegar a ponto da perseguição aberta (Chaplin). Os defensores do não conformismo devem se colocar a questão: que tipo de não conformismo é efetivamente permitido no “mundo livre”? Sartre, por exemplo, foi um herói da “liberdade de pensamento” quando escreveu contra o comunismo; desde que, em 1952, integrou o Congresso dos Povos pela Paz, celebrado em Viena, se converteu num sujeito desprezível para o “mundo livre”. À pergunta “conforme com quem e com o quê?” o mundo livre dá uma resposta categórica: se pode (e se deve) professar audaciosamente seu não conformismo, pronunciando-se, seja nos Estados Unidos, seja na Alemanha de Adenauer etc. contra a União Soviética e contra o socialismo. Há inclusive liberdade para empregar à vontade todo tipo de argumento. Mas isso desde que se marche em conformidade com o capitalismo monopolista e com sua política imperialista de agressão: só aqueles que se conformam com isso são reconhecidos e respeitados como “não conformistas” adequados.

Mas a problemática do não conformismo vai muito além. Já dizia Lênin em sua obra Empiriocriticismo que as distintas nuanças professorais da teoria do conhecimento, nuanças individuais defendidas e atacadas, se pulverizam a ponto da indistinção quando contemplados pelo prisma da questão realmente decisiva da teoria do conhecimento: idealismo ou materialismo? Isso se aplica cada vez mais aos problemas ideológicos do presente. Quem dirigir sua atenção para as questões decisivas da visão de mundo perceberá, no caos à primeira vista imenso das nuanças individuais que constituem o panorama da filosofia de nossa época, uma monotonia espantosamente conformista: nesse sentido, já vimos o quão perto se encontram, por exemplo, Wittgenstein e Heidegger, que nunca exerceram influência nenhuma um sobre o outro. A mesma coisa ocorre na condição da ética, na concepção da história, nas posições relativas à sociedade, na estética. E, naturalmente, também na literatura e nas artes.

E são justamente as tendências mais individualistas, mas radicalmente não conformistas que trazem consigo esse nivelamento radical, pois, objetivamente (e, portanto, também artisticamente), a “riqueza real do indivíduo depende inteiramente de suas relações reais” (Marx). Quanto mais a nova arte se empenha em colocar no centro de sua criação a personalidade voltada para si mesma, dissociada da sociedade, das relações sociais, maior vai se tornando, a ponto da indiferenciação, a semelhança entre todas as figuras, que, externamente, são tão – extraordinariamente – diferentes, pois, objetivamente (e, portanto, também artisticamente) o mundo das relações humanas culturalmente desdobradas é incomparavelmente mais rico e variado do que o simples e desnudo mundo dos instintos, razão pela qual uma arte que faz desse mundo, com exclusivismo quase dogmático, seu tema central, marcha forçosamente para a monotonia, para a nivelamento. O coito entre Dido e Eneas não se diferencia muito da união carnal de Romeu e Julieta, no entanto, a diferença dos sentimentos eróticos culturalmente condicionados criou individualidades autênticas que não morrem jamais. O abstracionismo não fraternal da maioria dos não conformistas de hoje engendrou assim um nivelamento desumano de suas criações. À uniformização que mencionamos mais acima, imposta no exterior pelos órgãos do capitalismo monopolista, une-se aqui – involuntariamente – a uniformização provocada interiormente. Ernst Fischer tinha razão quando disse no Congresso da Paz de Wroslaw que as modernas individualidades não conformistas são tão parecidas entre si quanto um ovo com outro.

Toda essa estrutura, o nivelamento da personalidade, sua uniformidade, sua normatização, que é tanto maior quanto mais ruidosa e intempestivamente se proclama o não conformismo, seu reflexo na criação e na recepção artística, é uma farsa objetiva que brota necessariamente do solo do capitalismo monopolista; e, subjetivamente, trata-se, com muita frequência, de um autoengano, de uma fraude contra si mesmo. Tal é o caráter geral desse “mundo livre” de hoje, assim como sob Hitler. Com a diferença de que ali, para uns, a farsa vinha camuflada sob o véu colorido dos mitos, ao passo que outros acreditavam que a demagogia e a tirania hitlerista (e não a essência do capitalismo monopolista avançado, do qual Hitler era um mero agente) constituíam o único obstáculo, cuja eliminação traria consigo o advento da beatífica era do individualismo não conformista. O véu caiu, a embriaguez passou. Hoje todo mundo pode se dar conta de que a apologética extraída à força do sistema capitalista, e, de fato, em sua forma atual, agressiva e beligerante, é apenas o pressuposto para um não conformismo tolerado. O campo de ação para o movimento livre é, nesse mundo, cada vez mais estreito, e o conteúdo prescrito e que se obriga a proclamar, cada vez mais pobre e mentiroso. Parece incrível, mas é verdade. A ideologia da guerra fria trouxe consigo uma perda de nível, inclusive em relação ao tempo de Hitler. Para se convencer disso basta comparar um Hans Grimm com um Koestler ou um Rosenberg com um Burnham.

As causas desse fenômeno já foram discutidas aqui. Trata-se do colapso da apologética indireta, que podia pelo menos simular a aparência falsa de uma união com o povo. Por mais que labutem, os braintrusts de hoje seriam incapazes de encontrar, em sua luta contra o comunismo, uma nova forma que pudesse entusiasmar realmente o povo. A falsidade se torna cada vez maior e seu modo fenomênico cada vez menos tentador e atrativo. Hitler ainda pôde reunir tudo o que de reacionário havia em 150 anos de desenvolvimento irracionalista, levando o irracionalismo para os salões e para as ruas. A obrigação, socialmente condicionada, de praticar a apologética direta faz com que isso hoje também seja impossível.”

 

 

“Não há visão de mundo inocente.”