domingo, 17 de março de 2013

As melhores histórias da mitologia nórdica, de A. S. Franchini e Carmen Seganfredo

Editora: Artes & Ofícios

ISBN: 978-85-7421-103-9

Opinião: ★★★☆☆

Páginas: 328

Sinopse: As Melhores Histórias da Mitologia Nórdica reúne num único volume as principais lendas relativas à mitologia dos povos que habitaram nos tempos pré-cristãos os atuais países escandinavos (Noruega Suécia e Dinamarca) além da gélida Islândia. Este conjunto de mitos também teve especial desenvolvimento na Alemanha que foi a grande divulgadora da cultura dos nórdicos. Com a expansão das navegações vikings esta difusão alcançou os povos de língua inglesa e deixou sua marca na própria denominação dos dias da semana destes países (Thursday por exemplo é o “dia de Thor” e Friday “dia de Freya”.)

Fonte de inspiração para as mais variadas áreas a mitologia nórdica influenciou uma legião de artistas na criação de suas próprias obras tal como o escritor inglês J. R. R. Tolkien e o argentino Jorge Luís Borges. Também o compositor alemão Richard Wagner utilizou as lendas vikings para compor a famosa tetralogia operística O Anel dos Nibelungos que apresentamos sob a forma romanceada de uma pequena novela na segunda parte deste volume. Nestas histórias não faltam ação romance e até a presença de uma insuspeita veia cômica já que a maioria dos personagens transitam pelo grotesco numa profusão de anões gigantes e elfos. Eis aqui uma das principais “raízes” das modernas sagas de RPG.



“Se Lóki era imprevidente a ponto de se meter a todo instante em enrascadas, não era menos hábil em se safar destas mesmas situações.”

 

 

“Vamos comer, que o resto é sofrer.”

 

 

“É sabido, que os ciúmes dos amantes, não raro, excedem aos dos próprios maridos.”

 

 

“Sif era a encantadora esposa de Thor, embora este não fosse o seu primeiro marido; antes, ela já fora casada com um gigante anônimo, cujo nome se perdeu na noite dos tempos. Sif era dona de muitos encantos, mas, de todos eles, nenhum impressionava mais do que a sua dourada cabeleira. De fato, descendo do alto como uma ondulante cascata de ouro, os fios resplandecentes percorriam os vales, montanhas e planícies do seu corpo inteiro até alcançar-lhe os pés num desaguar majestoso.

Certa manhã, entretanto, a deusa acordou, sentindo uma ausência inquietante em sua cabeça. Suas próprias ideias pareciam ter se evaporado, pois não conseguia perceber o que a afligia. Então, após ter-se erguido, levou, instintivamente, as mãos à sua cabeleira para jogá-la para trás. Mas seus dedos encontraram apenas o vazio, deslizando por uma superfície inteiramente lisa, sensação inédita que ela não soube interpretar direito.

– Mas, o que é isto? – disse, horrorizada, ao tomar rapidamente um espelho.

– Oh, não!... Onde estão os meus lindos cabelos?!

Um grito de terror atroou o palácio de Thor, que, até então, não havia percebido nada, uma vez que ainda dormia profundamente. Acordado, entretanto, pelo grito da esposa, abriu os olhos e se deparou com uma estranha dentro do seu próprio quarto.

– Quem é você, bruxa careca? – disse ele, como se ainda estivesse imerso em seus pesadelos. – Desapareça já da minha frente!...

Thor já ia dar um tremendo murro naquela diaba calva, quando percebeu que se tratava de sua pobre esposa.”

 

 

“Não adiantava Frigga retorquir que Geirrod era um patife e que adquirira sua posição à custa de um odioso crime: ela bem sabia que um passado vil se dilui, facilmente, diante de um presente magnífico.”

 

 

“Odin e Loki estavam passeando, certa feita, por uma inóspita região. O primeiro adorava vagar por toda a parte, muitas vezes, recorrendo ao disfarce de andarilho, e, se devia a algo o fato de ser considerado o mais sábio dos deuses, era, justamente, à sua inesgotável curiosidade.

– A curiosidade é o que diferencia o homem superior do medíocre – dizia ele a Loki, tentando instruí-lo. – Na verdade, há apenas duas classes de homens: os despertos e os adormecidos; os primeiros são aqueles que já acordaram do sono bruto da indiferença, no qual os outros ainda estão miseravelmente imersos. Um sono imbecilizante, que os faz crer que a vida se resume à meia dúzia de funções orgânicas, exceto a mais nobre: a de usar os seus próprios cérebros para criar algo de belo, que os torne felizes como um deus. E isto – arrematou Odin – somente alguém dotado de curiosidade pode fazer, ou seja, alguém desperto.

Loki, que ainda estava na classe intermediária dos sonâmbulos, começou a sentir um sono que ameaçava transportá-lo de volta ao reino dos adormecidos. Mas, foi salvo pela fome – a madrasta comum de todos –, que o obrigou a interromper a prédica de Odin.

– Tudo isto é muito bonito, mas estou com uma fome dos diabos – disse ele, que já estava tomando uma coloração esverdeada.”

 

 

“Todas as valquírias sabem da grave missão que hoje pesa sobre Brunhilde e da qual somente ela, a predileta de Wotan (Odin), poderia ter sido encarregada. Mas, embora conscientes desta predileção, nenhuma delas chega a devotar a Brunhilde qualquer sentimento de inveja ou de animosidade. Na verdade, elas preferem manter-se assim, à parte, livres da influência altiva e dominadora do pai, pois sabem que, se por um lado, ele dedica a Brunhilde a parte maior da sua atenção – e de sua afeição –, também não é menos verdade, que lhe dedica a parte pior deste afeto: o sentimento de posse e domínio, um sentimento capaz de arruinar qualquer relacionamento pessoal ou divino.”

 

 

“Refúgios, contudo, dependendo das circunstâncias, podem chegar a ser até locais amenos e aprazíveis, observadas as condições, é claro, da ausência do perseguidor e a possibilidade remota de que este venha a descobri-los. Depende também da ferocidade daquele que nos persegue; se for algo realmente terrível que está em nosso encalço, então, uma simples, mas segura toca, nos haverá sempre de parecer um local de idílio. Um canto mais ou menos confortável para dormir; três ou quatro utensílios para se haver com o manejo da natureza e uma certeza, minimamente razoável, de segurança podem ser o bastante para tornar uma existência até apetecível ou, quando menos, suportável, nestes lares improvisados.”

 

 

“O anão, entretanto – e é bem triste ter que fazer tal revelação –, como todo ser que um dia se viu oprimido, guardara em si algo do opressor.”

 

 

“– E o que é a prudência, rapazinho, senão uma forma mitigada do medo? Sim, não passa de um medo suavizado, mas sempre o bom e velho medo! Um homem que ignora o medo, desconhece a sensação mais intensa e frenética que uma alma pode sentir; sem ele, uma aventura, por mais prosaica que seja, não terá jamais sabor nem valor algum! (...) O medo, meu jovem, é como um tempero, uma sensação que nos impele para trás e para diante, ao mesmo tempo; um vacilar frenético das entranhas e um desejo ainda maior de dar outro passo – só mais um – (oh! e quanto nos custa, então!) –, mesmo que ele signifique a nossa própria a ruína, a nossa própria destruição, a nossa própria morte!

– Para que poluir a coragem com este sentimento baixo? Não, anão, tenho a certeza que, no dia em que for apresentado a este sentimento, terei perdido aquele que é o apanágio de toda alma verdadeiramente livre e nobre: o total destemor!

– Destemor!... Coragem!... Não, você nem sequer pode saber direito o que seja o destemor e a coragem, pois como poderá conhecê-los sem antes ter conhecido o medo? Como pode conhecer o amor, sem antes ter conhecido o ódio? O dia, quem nunca esteve nas trevas? Conhece, então, o verdadeiro prazer, aquele que nunca sentiu em sua carne o punhal aguçado da dor?”

 

 

“Quem ignora que é no seio das famílias que os rancores e as disputas brotam com maior facilidade?”

 

 

“– Com mulheres, parece que é assim que as coisas funcionam: se com sorrisos, não lhes fazemos as vontades, elas passam logo às carrancas; e se mesmo estas não produzem o resultado almejado, descem logo aos impropérios!”

sexta-feira, 15 de março de 2013

João Goulart: uma biografia – Jorge Ferreira

Editora: Civilização Brasileira
ISBN: 978-85-200-1056-3
Opinião: ★★★★☆
Páginas: 714
Sinopse: João Goulart foi, sem dúvida, o principal herdeiro do carisma de Getúlio Vargas, a grande figura da História do Brasil do século XX. Seu nome liga-se fortemente à República que se estabelece no pós-1946, durante a qual constrói sua carreira política como parlamentar e como liderança de uma das maiores organizações do sistema partidário que então se consolida: o Partido Trabalhista Brasileiro. Contudo, pode-se dizer que, na memória política nacional, o nome de Jango, quando é lembrado, o é muito mais por ter protagonizado os últimos momentos dessa fase da vida política brasileira do que por qualquer outra razão. Jango tornou-se, por excelência, o presidente deposto pelo movimento civil e militar de 1964, que inaugurou mais de vinte anos de autoritarismo no Brasil.
Um fato histórico tão determinante para a trajetória desse presidente da República que praticamente tudo que ele fez no passado pré-64 ou no decurso posterior de sua vida, até porque morreu no exílio, ficou como encapsulado nesse acontecimento: uma espécie de síntese de sua vida, demarcada por sua deposição do poder, em geral analisada como um desdobramento das ações de seu governo, globalmente avaliado como um equívoco político. Tornar complexa esta versão historiográfica já tão compartilhada, e relativizar os julgamentos de valor que ela constrói sobre a figura de Jango, talvez seja uma das principais contribuições de João Goulart: Uma Biografia. Uma, pois há outras.
Em função de uma pesquisa minuciosa, que recorre com destaque à imprensa e às entrevistas de História Oral, Jorge Ferreira tece um rico panorama da Terceira República brasileira, sem cair nas duas armadilhas que assombram seus praticantes: a dos elogios, que a tornam uma hagiografia; e a da narrativa excessivamente factual, pontuada por um certo voyeurismo, danosa ao trabalho do historiador.



Em outubro de 2008, com o título “pequena explicação”, escrevi aqui no blog:
(...) Só gostaria de salientar que as partes dos livros de não-ficção, especialmente os dois últimos, foram bem maiores do que o normal, assim como muitos dos que possivelmente virão por aí, porque não gostaria de me esquecer das ideias que tinha absorvido – o que fatalmente ocorrerá com o andar dos anos – e não poder relê-las com maior precisão. (...)
Daí a necessidade de textos maiores nos livros de não-ficção, o que não implica que sejam melhores ou piores. Apenas gostaria de levar os principais conceitos comigo – se é que isto é possível – mesmo nos livros deste calibre.”

Como exemplo, a postagem anterior a esta, do livro 1968: o ano que não terminou, foi bem longa – e o livro não tem trezentas páginas. Esta biografia do Jango tem mais de setecentas páginas.
Destarte, seria inconveniente referenciar todos os trechos que julgo importantes, pois a postagem tomaria um tamanho enorme, inconveniente para um blog.
Até anotei os trechos que gostaria de destacar, mas não será possível trazê-los para cá. Também não julguei conveniente postar só um ou outro, deixando outras partes igualmente importantes para trás.
Fica a dívida.