Editora: Crítica
ISBN: 978-85-4221-019-4
Tradução: Renato Marques
Opinião: ★★★★☆
Páginas: 400
Sinopse: Ver Parte
I
“Os
partidos Republicano e Democrata deram uma guinada à direita durante o período
neoliberal da geração passada. Os democratas do mainstream são agora o
que costumávamos chamar de “republicanos moderados”. Enquanto isso, o Partido
Republicano desgarrou-se do espectro, tornando-se o que os respeitados
analistas políticos conservadores Thomas Mann e Norman Ornstein chamam de uma
“insurgência radical” que praticamente abandonou a política parlamentar normal.
Com a guinada à direita, a dedicação do Partido Republicano à riqueza e ao
privilégio tornou-se tão extremada que suas efetivas políticas não foram
capazes de atrair eleitores, de modo que agora tem de buscar uma nova base
popular, mobilizada em outros setores: cristãos evangélicos aguardando a
Segunda Vinda de Jesus,[6] nativistas que temem que “eles” estejam roubando de
nós o nosso país, racistas estagnados[7], pessoas com queixas reais que confundem
suas causas[8] e outros que, como eles, são presas fáceis de demagogos que
podem tornar-se uma insurgência radical.”
6. Os evangélicos dominam esmagadoramente a
primeira convenção primária Republicana em Iowa. As sondagens lá realizadas
demonstram que dos prováveis eleitores republicanos, “de seis a cada dez dizem
que a mudança climática é um embuste, uma enganação. Mais da metade desejam
deportações em massa de imigrantes ilegais. Seis em cada dez aboliriam o
Imposto de Renda da Pessoa Física” (desse modo fornecendo um gigantesco
presente aos super-ricos e ao setor corporativo). Trip Gabriel, “Ted
Cruz Surges Past Donald Trump to Lead in Iowa Poll”, The New York Times,
12 de dezembro de 2015.
7. Os sociólogos Rory McVeigh e David Cunningham
constataram que um significativo previsor dos atuais padrões de voto
Republicano no Sul é a existência prévia de uma forte ramificação da Ku Klux
Klan na década de 1960. Bill Schaller, “Ku Klux Klan’s Lasting Legacy
on the U.S. Political System”, Brandeis Now, 4 de dezembro de 2014. https://www.brandeis.edu/now/2014/december/cunningham-kkk-impact.html.
8. Shawn Donnan e Sam Fleming, “America’s
Middle-Class Meltdown: Fifth of US Adults Live in or near to Poverty”, Financial
Times (Londres), 11 de dezembro de 2015.
“Quando
perguntamos “Quem comanda o mundo?”, adotamos a convenção padrão que, nas
questões mundiais, os atores são os Estados, principalmente as grandes potências,
e avaliamos suas decisões e as relações entre eles. Isso não é errado. Mas
seria bom termos em mente que esse nível de abstração pode ser extremamente
enganoso.
Os Estados, é claro, têm estruturas internas
complexas, e as escolhas e decisões das lideranças políticas são influenciadas
pelas concentrações internas de poder, ao passo que a população em geral é
quase sempre marginalizada. Isso é verdadeiro até mesmo quando se aplica às
sociedades mais democráticas, e obviamente às outras. Não somos capazes de
chegar a uma compreensão realista acerca de quem comanda o mundo enquanto
ignorarmos “os mestres da humanidade”, como Adam Smith os chamou: no tempo
dele, os comerciantes e industriais da Inglaterra; na nossa época,
conglomerados multinacionais, gigantescas instituições financeiras, impérios de
varejo. Ainda seguindo Smith, é sensato prestar atenção à “vil máxima” à qual
se dedicavam “os mestres da humanidade”: “Tudo para nós e nada para os outros”
– uma doutrina conhecida como amarga e incessante guerra de classes, quase
sempre unilateral, em detrimento do povo do país de origem e do mundo.”
“Os desafios hoje: o mundo islâmico
Voltemos as atenções para a terceira região de
preocupações de maior envergadura, o (em larga medida) mundo islâmico, também
cenário da Guerra Global Contra o Terror (Global War on Terror – GWOT, na sigla
em inglês), que George W. Bush declarou em 2001, após o ataque terrorista de 11
de Setembro. Para ser mais exato, declarou novamente. A Guerra Global
contra o Terror foi originalmente declarada pelo governo Reagan logo ao chegar
à Casa Branca, com a retórica febril acerca de uma “praga disseminada por depravados
adversários da própria civilização” (na definição de Reagan) e uma “volta à
barbárie na era moderna” (palavras de George Shultz, secretário de Estado de
Reagan). A Guerra Global Contra o Terror original foi discretamente retirada da
história. Logo transformou-se em uma assassina e destrutiva guerra terrorista
que assolou a América Central, o sul da África e o Oriente Médio, com nefastas
repercussões que chegam até o presente, inclusive levando os Estados Unidos a
ser condenados pela Corte Mundial (o que Washington desprezou). Em todo caso,
não é a história certa para a história, por isso foi varrida do mapa.
O sucesso da versão Bush-Obama da Guerra Global
Contra o Terror pode ser avaliada numa inspeção direta. Quando a guerra foi
declarada, os alvos terroristas foram confinados a um pequeno rincão do
Afeganistão tribal. Contaram com proteção dos afegãos, que em sua maioria não
gostavam deles ou os desprezavam, sob o código tribal de hospitalidade – algo
que desnorteou os norte-americanos quando os camponeses pobres se recusaram “a
entregar Osama bin Laden pela astronômica quantia – para eles, é claro – de 25
milhões de dólares”.[19]
Há boas razões para acreditar que uma ação policial
bem orquestrada, ou mesmo negociações diplomáticas sérias com o Talibã,
poderiam ter colocado os suspeitos dos crimes de 11 de Setembro em mãos
norte-americanas para julgamento e condenação. Mas essas opções foram
descartadas da mesa de negociações. Em vez disso, a escolha, fruto de reflexão,
foi a violência em larga escala – não com o objetivo de derrubar o Talibã (isso
veio mais tarde), mas de deixar claro o desprezo dos Estados Unidos pelas
ofertas preliminares do Talibã de possível extradição de Bin Laden. Até que
ponto essas ofertas eram sérias não sabemos, uma vez que a possibilidade de
investigá-las jamais foi cogitada. Ou talvez os EUA estivessem apenas
determinados a “tentar mostrar sua força, marcar uma vitória e apavorar o mundo
inteiro. Eles não se preocupam com o sofrimento dos afegãos ou quantas pessoas
vamos perder”.
Essa foi a avaliação do respeitadíssimo líder
anti-Talibã Abdul Haq, um dos muitos oposicionistas que condenaram a campanha
de bombardeio iniciada pelos EUA em outubro de 2001 como “um grande retrocesso”
aos seus esforços no sentido de derrubar o Talibã a partir de dentro, objetivo
que ele considerava possível e ao seu alcance. A opinião de Abdul Haq é
corroborada por Richard A. Clarke, presidente do Grupo de Segurança
Contraterrorismo da Casa Branca no governo do presidente George W. Bush, quando
foram feitos os planos para atacar o Afeganistão. De acordo com a descrição de
Clarke, na reunião em que, informado de que o ataque violaria o direito
internacional, o presidente berrou na estreita sala de conferências: “Eu não
dou a mínima para o que dizem os advogados internacionais, nós vamos chutar
alguns traseiros”. O ataque também foi ferozmente rejeitado pelas mais
importantes organizações de ajuda humanitária atuando no Afeganistão, as quais
alertaram que milhões de pessoas estavam à beira da inanição e as consequências
poderiam ser horrendas.[20]
As consequências para os pobres afegãos, anos
depois, mal precisam de comentário.
O alvo seguinte dos golpes da marreta
anglo-americana foi o Iraque. A invasão comandada pelos EUA e pelo Reino Unido,
sem pretexto plausível, é o maior crime do século XXI. A invasão resultou na
morte de centenas de milhares de pessoas em um país onde a sociedade civil já
havia sido devastada por sanções americanas e britânicas consideradas
“genocidas” pelos dois renomados diplomatas internacionais que as
administraram, e que por essa razão renunciaram em protesto.[21] A invasão
também gerou milhões de refugiados, destruiu quase que totalmente o país e
promoveu um conflito sectário que agora está despedaçando o Iraque e toda a região.
É um fato surpreendente sobre a nossa cultura intelectual e moral que nos
círculos informados e esclarecidos a invasão possa ser chamada,
eufemisticamente, de “a libertação do Iraque”.[22]
Pesquisas do Pentágono e do Ministério da Defesa
britânico revelaram que apenas 3% dos iraquianos consideram legítimo o papel de
segurança dos Estados Unidos em sua vizinhança, menos de 1% acreditava que as
forças da “coalização” (EUA-Reino Unido) eram boas para a sua segurança, 80%
opunham-se à presença das forças de coalizão no país, e a maioria apoiava
ataques contra as tropas da coalizão. O Afeganistão foi destruído além da
possibilidade de uma pesquisa de sondagem digna de confiança, mas há indícios
de que algo semelhante pode ser igualmente verdadeiro lá. No Iraque, os Estados
Unidos sofreram uma severa derrota, abandonando seus objetivos de guerra
oficiais e deixando o país sob a influência do único vencedor, o Irã.[23]
A marreta também foi brandida e massacres ocorreram
em outros lugares, em especial na Líbia, onde as três potências imperiais
tradicionais (Inglaterra, França e Estados Unidos) asseguraram a aprovação da
Resolução 1973 do Conselho de Segurança e a violaram, tornando-se a força aérea
dos rebeldes. O efeito foi minar a possibilidade de um acordo pacífico e
negociado; elevar o número de baixas (por, pelo menos, um fator de dez, de
acordo com o cientista político Alan Kuperman); deixar a Líbia em ruínas, nas
mãos de milícias em guerra; e, mais recentemente, propiciar ao Estado Islâmico
uma base que o grupo pode usar para propagar o terror além. As propostas
diplomáticas bastante sensatas apresentadas pela União Africana, aceitas em
princípio pelo líbio Muammar Kadhafi, foram ignoradas pelo triunvirato
imperial, conforme os comentários do especialista em África Alex de Waal. Um
enorme fluxo de armas e jihadistas espalhou terror e violência da África
Ocidental (agora o campeão mundial de assassinatos terroristas) ao Levante* –,
abrindo um funil para a fuga de refugiados da África para a Europa.[24]
Mais um triunfo da “intervenção humanitária”, que,
conforme revela o longo e medonho registro histórico, nada tem de incomum ou
extraordinário, remontando às origens modernas desse tipo de ação, quatro
séculos atrás.
Os custos da violência
Em suma, a marreta da GWOT espalhou o terror
jihadista de um minúsculo canto do Afeganistão para a maior parte do mundo, da
África através do Levante e sul da Ásia para o sudeste asiático. A campanha
antiterror incitou ataques na Europa e nos Estados Unidos. A invasão do Iraque contribuiu
de maneira substancial para esse processo, como as agências de inteligência
haviam previsto. Os especialistas em terrorismo Peter Bergen e Paul Cruickshank
estimam que a Guerra do Iraque “gerou um atordoante aumento de sete vezes na
taxa anual de ataques jihadistas fatais, equivalendo a centenas de ataques
terroristas adicionais e milhares de vidas civis perdidas; mesmo excluindo-se o
terrorismo no Iraque e no Afeganistão, os ataques fatais no restante do mundo
aumentaram em mais de um terço”. Outros exercícios foram igualmente
produtivos.[25]
Um grupo de importantíssimas organizações de
direitos humanos – Médicos pela Responsabilidade Social (Physicians for Social
Responsibility, EUA), Médicos pela Sobrevivência Global (Physicians for Global
Survival, Canadá) e Médicos Internacionais para a Prevenção da Guerra Nuclear
(International Physicians for the Prevention of Nuclear War, Alemanha) –
realizaram um estudo que procurou “fornecer um cálculo o mais realista possível
da contagem total de corpos nas três principais zonas de guerra [Iraque,
Afeganistão e Paquistão] durante doze anos de ‘guerra ao terrorismo’”,
incluindo uma abrangente análise dos “principais estudos e dados publicados
sobre o número de vítimas nesses países”, juntamente com informações adicionais
sobre as ações militares. De acordo com a “estimativa conservadora” do estudo,
essas guerras mataram cerca de 1,3 milhão de pessoas, número total que “poderia
ser superior a 2 milhões”.[26] Uma busca em bancos de dados feita pelo
pesquisador independente David Peterson dias após a publicação do relatório não
encontrou nenhuma menção ao referido estudo. Quem se importa?
Em termos mais gerais, estudos realizados pelo
Instituto de Pesquisa Sobre a Paz Internacional de Oslo mostram que dois terços
das mortes em conflitos na região foram produzidos em disputas internas, em que
forasteiros impuseram suas soluções. Nesses conflitos, 98% das vítimas fatais
foram produzidas somente depois que forasteiros entraram com seu poderio
militar na disputa doméstica. Na Síria, o número de mortes em conflitos diretos
mais que triplicou depois que o Ocidente lançou ataques aéreos contra o Estado
Islâmico e após a CIA iniciar sua interferência militar indireta na guerra[27]
– interferência que atraiu os russos à medida que avançados mísseis antitanques
norte-americanos foram dizimando as forças de seu aliado Bashar al-Assad. As
primeiras indicações são de que o bombardeio russo está tendo as habituais
consequências.
As evidências analisadas pelo cientista político Timo
Kivimäki indicam que as “guerras de proteção [travadas por ‘coalizões de
voluntários’] tornaram-se a principal fonte de violência no mundo, contribuindo
com mais de 50% do total de vítimas fatais de conflitos”. Além disso, em muitos
desses casos, incluindo a Síria, conforme Kivimäki analisa, houve oportunidades
para acordos diplomáticos que acabaram sendo ignoradas. Como já discutido em
outro lugar, isso também tem sido verdade em outras situações horríveis,
incluindo os Balcãs no início da década de 1990, a primeira Guerra do Golfo e,
é claro, as guerras da Indochina, o pior crime desde a Segunda Guerra Mundial.
No caso do Iraque, a questão nem sequer vem à baila. Certamente há algumas
lições aqui.
As consequências gerais de recorrer ao uso da
marreta contra sociedades vulneráveis não são nenhuma surpresa. O meticuloso
estudo de William Polk sobre as insurgências, o já citado Violent politics,
deveria ser uma leitura essencial para todos os que querem entender os
conflitos de hoje, e para os estrategistas de políticas, supondo que eles se
preocupam com consequências humanas e não meramente com poder e dominação. Polk
revela um padrão que tem sido reproduzido repetidas vezes. Os invasores –
talvez alardeando os mais benevolentes motivos – são malquistos pela população,
que os detesta e lhes desobedece, a princípio de pequenas formas, o que suscita
uma resposta vigorosa e violenta, e aumenta a oposição, as hostilidades e o
apoio à resistência. O ciclo de violência se intensifica até que os invasores
se retiram – ou alcança seus propósitos por meio de algo que pode se aproximar
do genocídio.
A campanha mundial de assassinatos por meio de drones
empreendida por Obama, uma extraordinária inovação no terrorismo global, exibe
os mesmos padrões. A julgar pela maioria dos relatos, a campanha está gerando
terroristas mais rapidamente do que vem matando os suspeitos de um dia agirem
com a intenção de prejudicar os Estados Unidos – a impressionante contribuição
de um advogado constitucional por ocasião do aniversário de oitocentos anos da
Magna Carta, que estabeleceu as bases para o princípio da presunção de
inocência, que é o fundamento da lei civilizada.
Outra característica típica de intervenções desse
tipo é a convicção de que a insurgência será esmagada por meio da eliminação de
seus líderes. Porém, quando esse esforço é bem-sucedido, o líder que sai de
cena é substituído por alguém mais jovem, mais determinado, mais brutal e mais
eficiente. Polk cita muitos exemplos. Em seu importante estudo Kill chain
(Mortes em cadeia, em tradução livre), o historiador militar Andrew Cockburn
analisou campanhas norte-americanas para matar “chefões” das drogas, e no
decorrer de um longo período de tempo depois do terrorismo, e constatou os
mesmos resultados. Pode-se esperar, com razoável dose de confiança, que o
padrão será mantido. Não restam dúvidas de que neste exato momento os
estrategistas norte-americanos estão buscando maneiras de assassinar o “califa
do Estado Islâmico” Abu Bakr al-Baghdadi, ferrenho rival do líder da Al-Qaeda
Ayman al-Zawahiri. O provável resultado dessa façanha é prognosticado pelo
destacado estudioso acadêmico do terrorismo Bruce Hoffman, membro-sênior do
Centro de Combate ao Terrorismo da Academia Militar do EUA. Ele prevê que “a
morte de Al-Baghdadi pavimentaria o caminho para uma aproximação [com a
Al-Qaeda], produzindo uma inaudita combinação de forças de uma aliança
terrorista sem precedentes em alcance, tamanho, ambição e recursos”.[28]
Polk cita um tratado sobre conflitos armados de
autoria de Henry Jomini, influenciado pela derrota de Napoleão nas mãos de
guerrilheiros espanhóis e que se tornou um manual para gerações de cadetes da
Academia Militar de West Point. Jomini observou que essas intervenções de
grandes potências resultam em “guerras de opinião” e quase sempre “guerras
nacionais”, se não já de início, logo em seguida, no decurso da luta, segundo a
dinâmica que Polk descreve. Jomini conclui que “os comandantes de exércitos
regulares são imprudentes de se envolver em tais guerras, porque vão
perdê-las”, e ao fim até mesmo os aparentes sucessos serão efêmeros.[29]
Cuidadosos estudos sobre a Al-Qaeda e o ISIS têm
mostrado que os Estados Unidos e seus aliados estão seguindo sua estratégia com
alguma precisão. Seu objetivo é “arrastar o Ocidente o mais profunda e
ativamente possível lamaçal adentro” e “envolver e enfraquecer os Estados
Unidos e o Ocidente numa série de prolongados empreendimentos no exterior” em
que minarão suas próprias sociedades, desperdiçarão seus recursos e aumentarão
o nível de violência, desencadeando as dinâmicas que Polk analisa.
Scott Atran, um dos mais perspicazes pesquisadores
sobre os movimentos jihadistas, calcula que “os ataques de 11 de Setembro
custaram entre 400 e 500 mil dólares para ser executados, ao passo que a
resposta militar e de segurança dos EUA e seus aliados é da ordem de 10 milhões
de vezes essa cifra. Numa base que leva em conta a relação custo/benefício,
esse violento movimento tem sido um estrondoso sucesso, muito além do que Bin
Laden imaginava, e o êxito está aumentando cada vez mais. Aqui reside a medida
completa da guerra assimétrica em estilo jiu-jítsu. Afinal, quem poderia
afirmar que estamos em situação melhor que antes, ou quem há de alegar que o
perigo global está em declínio?”. E se continuarmos a empunhar a marreta,
seguindo o roteiro jihadista, o provável efeito é o jihadismo ainda mais
violento, com apelo amplo. O registro histórico, Atran aconselha, “deve
inspirar uma mudança drástica em nossas contraestratégias”.[30]”
19. William Polk, Violent Politics: A
History of Insurgency, Terrorism and Guerrilla War from the American Revolution
to Iraq (Nova York: Harper-Collins, 2007), 191
20. Richard A. Clarke, Against All
Enemies: Inside America’s War on Terror (Nova York: Free Press, 2004). Para
discussão, ver o especialista em direito internacional Francis A. Boyle, “From
2001 Until Today: The Afghanistan War Was and Is Illegal”, 9 de janeiro de
2016, http://www.larsschall.com/2016/01/09/from-2001-until-today-the-afghanistan-war-was-and-is-illegal/. Para
material de análise crítica e fontes, ver Noam Chomsky, Hegemony or
Survival: America’s Quest for Global Dominance (Nova York: Henry Holt,
2003), capítulo 8.
21. See H. C. van Sponeck, A Different
Kind of War: The UN Sanctions Regime in Iraq (Nova York: Berghahn, 2006). Estudo
de importância crucial, que praticamente não recebe menção nos Estados Unidos e
no Reino Unido. Tecnicamente, as sanções foram aplicadas pela ONU, mas são
descritas como sanções dos EUA e do Reino Unido, e são um crime principalmente
de Clinton.
22. Brian Katulis, Siwar al-Assad e William
Morris, “One Year Later: Assessing the Coalition Campaign against ISIS”, Middle
East Policy 22, nº 4 (inverno de 2015).
23. Timo Kivimäki, “First Do No Harm: Do Air
Raids Protect Civilians?”, Middle East Journal 22, nº 4 (inverno de
2015). Ver também Chomsky, Hopes and Prospects, 241.
24. Alan Kuperman, “Obama’s Libya Debacle”, Foreign
Affairs 94, nº 2 (março/abril de 2015); Alex de Waal, “African Roles in the
Libyan Conflict of 2011”, International Affairs 89, nº 2 (2013): 365-79.
25. Peter Bergen e Paul Cruickshank, “The
Iraq Effect: War Has Increased Terrorism Sevenfold Worldwide”, Mother Jones,
1º de março de 2007.
26. Physicians for Social Responsibility,
“Body Count: Casualty Figures After 10 Years of the ‘War on Terror,’ Iraq,
Afghanistan, Pakistan”, março de 2015, http://www.psr.org/assets/pdfs/body-count.pdf.
27. Kivimäki, “First Do No Harm”.
28. Andrew Cockburn, Kill Chain: The Rise
of the High-Tech Assassins (Nova York: Henry Holt, 2015); Bruce Hoffman,
“ISIS Is Here: Return of the Jihadi”, National Interest,
janeiro/fevereiro de 2016.
29. Polk, Violent Politics, 33-34.
30. Scott Atran, “ISIS Is a Revolution”, Aeon,
15 de dezembro de 2015, https://aeon.co/essays/why-isis-has-the-potential-to-be-a-world-altering-revolution;
Hoffman, “ISIS Is Here”.
“Há
países que geram refugiados por causa da violência em larga escala, como os
Estados Unidos, seguidos pela Inglaterra e a França. Há países que aceitam
receber um grande contingente de refugiados, incluindo aqueles que fogem da
violência ocidental, caso do Líbano (o campeão, per capita), a Jordânia
e a Síria antes de implodir, entre outros na região. E, parcialmente
sobrepostos, há países que tanto geram refugiados e se recusam a acolhê-los,
não só os do Oriente Médio, mas também do “quintal” dos Estados Unidos ao sul
da fronteira. Uma imagem estranha, dolorosa de contemplar.
Um retrato honesto localizaria a geração de
refugiados em algum lugar anterior no passado histórico. O jornalista Robert
Fisk, veterano correspondente no Oriente Médio, relata que um dos primeiros
vídeos produzidos pelo ISIS “mostrava uma escavadeira pondo abaixo um baluarte
de areia que até então tinha demarcado a fronteira entre Iraque e Síria.
Enquanto a máquina destruía a barricada de terra, a câmera, com um movimento
para obter efeito panorâmico, mostrava um cartaz escrito à mão caído na areia.
“Fim do Sykes-Picot”, lia-se.
Para as pessoas da região, o acordo Sykes-Picot é o
próprio símbolo do cinismo e da brutalidade do imperialismo ocidental. Ao
conspirarem em segredo durante a Primeira Guerra Mundial, os diplomatas Mark
Sykes, britânico, e François Georges-Picot, francês, retalharam e partilharam
entre si vastas áreas da região, fragmentando-as em Estados artificiais para
satisfazer a seus próprios objetivos imperiais, com absoluto desprezo pelos
interesses dos povos que lá vivem e em violação às promessas feitas em tempo de
guerra para induzir os árabes a se juntarem ao esforço de guerra Aliado. O
acordo espelhava as práticas dos Estados europeus que devastaram a África de
maneira similar. O acordo secreto “transformou o que tinham sido províncias
relativamente calmas do Império Otomano em alguns dos Estados menos estáveis e
internacionalmente mais explosivos do mundo”.[34]
Desde então, repetidas intervenções ocidentais no
Oriente Médio e na África exacerbaram tensões, conflitos e distúrbios que
despedaçaram as sociedades. O resultado final é uma “crise de refugiados” que o
Ocidente inocente mal consegue suportar. A Alemanha emergiu como a consciência
da Europa, a princípio (mas não por muito tempo) aceitando acolher quase 1
milhão de refugiados – em um dos países mais ricos do mundo, com uma população
de 80 milhões de habitantes. Em contraste, o Líbano, um país pobre, absorveu
por volta de 1,5 milhão de refugiados sírios, que agora compõem um quarto de
sua população, além de meio milhão de refugiados palestinos – registrados na
UNRWA, agência das Nações Unidas que dá assistência a refugiados da Palestina
–, em sua maioria vítimas das políticas israelenses.
A Europa também está gemendo sob o fardo dos
refugiados dos países que os europeus devastaram na África – não sem a ajuda
dos EUA, como os congoleses e os angolanos, entre outros, podem atestar. A
Europa agora está tentando subornar a Turquia (com mais de 2 milhões de
refugiados sírios) para distanciar das fronteiras europeias aqueles que fogem
dos horrores da Síria, assim como Obama vem pressionando o México para manter
as fronteiras norte-americanas livres dos desgraçados que buscam escapar das
consequências da Guerra Global Contra o Terror de Reagan juntamente com as
pessoas que procuram escapar dos desastres mais recentes, incluindo um golpe
militar em Honduras que Obama praticamente sozinho legitimou e criou uma das
piores câmaras de terror na região.[35]
As palavras mal dão conta de traduzir a resposta
dos EUA à crise dos refugiados da Síria, pelo menos as palavras em que eu
consigo pensar.
Quando retornamos à pergunta inicial, “Quem comanda
o mundo?”, talvez queiramos formular outra pergunta: “Quais princípios e
valores regem o mundo?”. Essa pergunta deveria ser a mais importante nas mentes
dos cidadãos dos Estados ricos e poderosos, que desfrutam um extraordinário
legado de liberdade, privilégio e oportunidade – graças às lutas daqueles que
vieram antes deles – e agora se veem diante de escolhas fatídicas a respeito de
como responder a desafios de grande importância humana.”
34. Ayse Tekdal Fildis, “The Troubles in
Syria: Spawned by French Divide and Rule”, Middle East Policy 18, nº 4
(Winter 2011), citado por Anne Joyce, editorial, Middle East Policy 22,
nº 4 (inverno de 2015).
35. Sobre a sórdida história da política de
imigração dos EUA, ver Aviva Chomsky, Undocumented: How Immigration Became
Illegal (Boston: Beacon Press, 2014).
“É difícil encontrar palavras para expressar o fato
de que os humanos estão enfrentando a questão mais importante de sua história –
se é que a vida humana organizada sobreviverá minimamente da forma como a
conhecemos –, e a resposta da humanidade a ela é acelerar ainda mais sua
corrida rumo ao desastre. A mesma constatação vale para a outra ameaça de
grandes proporções à sobrevivência humana, o perigo de destruição nuclear, que
vem pairando sobre nossas cabeças há setenta anos e que agora está
recrudescendo.
De modo análogo, é igualmente difícil encontrar
palavras que deem conta de captar o fato absolutamente espantoso de que,
durante a colossal cobertura do cômico espetáculo eleitoral, a iminente
catástrofe climática e o perigo nuclear receberam pouco mais que menções en
passant. Pelo menos eu não sei o que dizer, faltam-me palavras adequadas.
Embora Hillary Clinton tenha recebido uma clara
pluralidade de votos – o resultado eleitoral tendo sido enviesado por
peculiaridades do sistema político estadunidense –, é importante reconhecer o
veemente e fervoroso apoio que Trump recebeu dos raivosos e descontentes,
notadamente eleitores brancos sem educação universitária, a classe operária e a
classe média baixa. Houve inúmeros fatores, mas um deles é que esses grupos são
vítimas das políticas neoliberais da geração passada, as diretrizes políticas
descritas em detalhes por Alan Greenspan, presidente do Federal Reserve – FED,
o banco central dos Estados Unidos –, em depoimento ao Congresso (Greenspan era
reverenciado por seus admiradores como “Santo Alan” até que a milagrosa
economia dos EUA que ele supervisionava teve um colapso em 2007-2008, ameaçando
derrubar a reboque toda a economia mundial). Conforme Greenspan explicou
durante seus dias de glória, o sucesso de suas políticas de gestão econômica baseava-se
em larga medida na “maior insegurança para o trabalhador”. Trabalhadores
intimidados não exigiriam aumento de salários nem benefícios, mas aceitariam de
bom grado padrões de vida mais baixos em troca da mera possibilidade da
manutenção do emprego. De acordo com critérios neoliberais, isso contribuía
para um “desempenho econômico favorável [...] e bastante saudável e benéfico”.1
De alguma forma, os trabalhadores que foram cobaias
desse experimento de teoria econômica não estão felizes com os resultados. Não
estão enlevados, por exemplo, com o fato de que, em 2007, no pico do milagre
neoliberal antes do desastre financeiro, os salários reais – corrigidos pela
inflação – dos trabalhadores comuns eram mais baixos que a remuneração em 1979,
quando o experimento estava apenas em seu estágio incipiente.2 Os
salários reais dos trabalhadores do sexo masculino estão nos níveis da década
de 1960, ao passo que lucros espetaculares foram para os bolsos dos
pouquíssimos que ocupam o topo da cadeia – nem mesmo o 1%, mas uma fração do
1%.3 Isso não é resultado de mérito nem de realização ou tampouco de
forças do mercado, mas fundamentalmente de decisões políticas deliberadas.
Um exame detido do salário mínimo nos Estados
Unidos ilustra o que vem acontecendo. Ao longo dos períodos de alto crescimento
nas décadas de 1950 e 1960, o salário mínimo – que estabelece piso ou base para
outros salários – seguiu o rastro da produtividade. Isso chegou ao fim com o
início da doutrina neoliberal. Desde então, o salário mínimo real, já corrigido
pela inflação, diminuiu. Tivessem as tendências anteriores continuado e, a essa
altura, estaria provavelmente perto de 20 dólares por hora. Hoje, ao contrário,
considera-se uma revolução política propor um aumento para 15 dólares.4
Para os trabalhadores, há uma enorme diferença
entre o trabalho estável numa fábrica, com salários e benefícios negociados por
sindicatos e garantidos por contrato, como ocorria em anos anteriores, e um
emprego temporário com pouca segurança em alguma atividade na área de serviços.
Além da perda de salários, de benefícios e de segurança, há perda de dignidade,
de esperança acerca do futuro, da sensação de que este é um mundo ao qual a
pessoa pertence e no qual exerce um papel relevante, que vale a pena.
A raiva é compreensível. Pesquisas de boca de urna
revelaram que o intenso apoio dado a Trump foi inspirado pela crença de que ele
representava a mudança, ao passo que Hillary Clinton era vista como a candidata
que perpetuaria o desolador status quo. Muitos apoiadores de Trump
haviam votado em Barack Obama em 2008, acreditando em sua mensagem de
“esperança e mudança”. Desiludidos pelo fracasso das promessas, agora dão
atenção à retórica de Trump sobre como ele vai “fazer os EUA serem grandes de
novo”. Entretanto, os partidários de Trump se enganam ao acreditar que ele
cumprirá suas promessas grandiloquentes e remediará a calamitosa situação dos
que nele creem: uma mera olhadela para as propostas fiscais e escolhas pessoais
de Trump demonstra que esse resultado é improvável. Mas é compreensível que as
consequências de planos que são anunciados de forma vaga e indireta nem sempre
sejam claras para pessoas que vivem numa sociedade atomizada, em isolamento
umas das outras, desprovidas de sindicatos e de outras associações capazes de
propiciar meios de educar e organizar. Essa é uma diferença crucial entre os
desesperados trabalhadores de hoje e as atitudes geralmente esperançosas de
muitos trabalhadores da década de 1930, que foram submetidos a coerção e coação
muito mais vigorosas durante a Grande Depressão.
O Partido Democrata abandonou qualquer preocupação
real com os trabalhadores na década de 1970; os democratas foram arregimentados
nas fileiras dos ferozes inimigos de classe dos trabalhadores, e pelo menos
fingem falar sua língua – Ronald Reagan com seu estilo folclórico, contando
piadinhas enquanto mascava balas de goma; George W. Bush com sua imagem
cuidadosamente cultivada de sujeito comum que qualquer pessoa poderia encontrar
em um bar, exibindo seu gosto por cortar lenha em seu rancho sob calor de 38
graus. E agora há Trump, que dá voz a pessoas que perderam o emprego e também o
senso de autoestima, e que criticam duramente um governo que, a seu ver – não
sem boa dose de razão –, aniquilou suas vidas.”
1. Alan Greenspan,
“The Revolution in Information Technology”, comentários durante a Conferência
sobre a Nova Economia do Boston College, Boston, Massachusetts, 6 de março de
2000, https://www.federalreserve.gov/boarddocs/speeches/2000/20000306.htm; e Alan Greenspan, “Performance of the U.S.
Economy”, depoimento à Comissão Mista de Economia, Congresso dos Estados
Unidos, Washington, D.C., 20 de março de 1997, https://www.federalreserve.gov/boarddocs/testimony/1997/199703202.htm.
2.
Lawrence Mishel, Elise Gould, e Josh Bivens, “Wage Stagnation in Nine Charts”,
Instituto de Política Econômica, 6 de janeiro de 2015, http://www.epi.org/publication/charting-wage-stagnation/.
3.
Lawrence Mishel e Colin Gordon, “Real Hourly Wage Growth: The Last Generation”,
Instituto de Política Econômica, 10 de outubro de 2012, http://www.epi.org/blog/real-hourly-wage-growth-last-generation/.
4. John Schmitt, “The Minimum Wage is Too Damn Low” [O salário mínimo
muito baixo], relatório do Centro para Pesquisas Econômicas e Políticas, março
de 2012, http://cepr.net/documents/publications/min-wage1-2012-03.pdf.
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