segunda-feira, 21 de dezembro de 2020

Quem manda no mundo? (Parte III), de Noam Chomsky

Editora: Crítica

ISBN: 978-85-4221-019-4

Tradução: Renato Marques

Opinião: ★★★★☆

Páginas: 400

Sinopse: Ver Parte I



Os partidos Republicano e Democrata deram uma guinada à direita durante o período neoliberal da geração passada. Os democratas do mainstream são agora o que costumávamos chamar de “republicanos moderados”. Enquanto isso, o Partido Republicano desgarrou-se do espectro, tornando-se o que os respeitados analistas políticos conservadores Thomas Mann e Norman Ornstein chamam de uma “insurgência radical” que praticamente abandonou a política parlamentar normal. Com a guinada à direita, a dedicação do Partido Republicano à riqueza e ao privilégio tornou-se tão extremada que suas efetivas políticas não foram capazes de atrair eleitores, de modo que agora tem de buscar uma nova base popular, mobilizada em outros setores: cristãos evangélicos aguardando a Segunda Vinda de Jesus,[6] nativistas que temem que “eles” estejam roubando de nós o nosso país, racistas estagnados[7], pessoas com queixas reais que confundem suas causas[8] e outros que, como eles, são presas fáceis de demagogos que podem tornar-se uma insurgência radical.”

6. Os evangélicos dominam esmagadoramente a primeira convenção primária Republicana em Iowa. As sondagens lá realizadas demonstram que dos prováveis eleitores republicanos, “de seis a cada dez dizem que a mudança climática é um embuste, uma enganação. Mais da metade desejam deportações em massa de imigrantes ilegais. Seis em cada dez aboliriam o Imposto de Renda da Pessoa Física” (desse modo fornecendo um gigantesco presente aos super-ricos e ao setor corporativo). Trip Gabriel, “Ted Cruz Surges Past Donald Trump to Lead in Iowa Poll”, The New York Times, 12 de dezembro de 2015.

7. Os sociólogos Rory McVeigh e David Cunningham constataram que um significativo previsor dos atuais padrões de voto Republicano no Sul é a existência prévia de uma forte ramificação da Ku Klux Klan na década de 1960. Bill Schaller, “Ku Klux Klan’s Lasting Legacy on the U.S. Political System”, Brandeis Now, 4 de dezembro de 2014. https://www.brandeis.edu/now/2014/december/cunningham-kkk-impact.html.

8. Shawn Donnan e Sam Fleming, “America’s Middle-Class Meltdown: Fifth of US Adults Live in or near to Poverty”, Financial Times (Londres), 11 de dezembro de 2015.

 

 

Quando perguntamos “Quem comanda o mundo?”, adotamos a convenção padrão que, nas questões mundiais, os atores são os Estados, principalmente as grandes potências, e avaliamos suas decisões e as relações entre eles. Isso não é errado. Mas seria bom termos em mente que esse nível de abstração pode ser extremamente enganoso.

Os Estados, é claro, têm estruturas internas complexas, e as escolhas e decisões das lideranças políticas são influenciadas pelas concentrações internas de poder, ao passo que a população em geral é quase sempre marginalizada. Isso é verdadeiro até mesmo quando se aplica às sociedades mais democráticas, e obviamente às outras. Não somos capazes de chegar a uma compreensão realista acerca de quem comanda o mundo enquanto ignorarmos “os mestres da humanidade”, como Adam Smith os chamou: no tempo dele, os comerciantes e industriais da Inglaterra; na nossa época, conglomerados multinacionais, gigantescas instituições financeiras, impérios de varejo. Ainda seguindo Smith, é sensato prestar atenção à “vil máxima” à qual se dedicavam “os mestres da humanidade”: “Tudo para nós e nada para os outros” – uma doutrina conhecida como amarga e incessante guerra de classes, quase sempre unilateral, em detrimento do povo do país de origem e do mundo.”

 

 

Os desafios hoje: o mundo islâmico

Voltemos as atenções para a terceira região de preocupações de maior envergadura, o (em larga medida) mundo islâmico, também cenário da Guerra Global Contra o Terror (Global War on Terror – GWOT, na sigla em inglês), que George W. Bush declarou em 2001, após o ataque terrorista de 11 de Setembro. Para ser mais exato, declarou novamente. A Guerra Global contra o Terror foi originalmente declarada pelo governo Reagan logo ao chegar à Casa Branca, com a retórica febril acerca de uma “praga disseminada por depravados adversários da própria civilização” (na definição de Reagan) e uma “volta à barbárie na era moderna” (palavras de George Shultz, secretário de Estado de Reagan). A Guerra Global Contra o Terror original foi discretamente retirada da história. Logo transformou-se em uma assassina e destrutiva guerra terrorista que assolou a América Central, o sul da África e o Oriente Médio, com nefastas repercussões que chegam até o presente, inclusive levando os Estados Unidos a ser condenados pela Corte Mundial (o que Washington desprezou). Em todo caso, não é a história certa para a história, por isso foi varrida do mapa.

O sucesso da versão Bush-Obama da Guerra Global Contra o Terror pode ser avaliada numa inspeção direta. Quando a guerra foi declarada, os alvos terroristas foram confinados a um pequeno rincão do Afeganistão tribal. Contaram com proteção dos afegãos, que em sua maioria não gostavam deles ou os desprezavam, sob o código tribal de hospitalidade – algo que desnorteou os norte-americanos quando os camponeses pobres se recusaram “a entregar Osama bin Laden pela astronômica quantia – para eles, é claro – de 25 milhões de dólares”.[19]

Há boas razões para acreditar que uma ação policial bem orquestrada, ou mesmo negociações diplomáticas sérias com o Talibã, poderiam ter colocado os suspeitos dos crimes de 11 de Setembro em mãos norte-americanas para julgamento e condenação. Mas essas opções foram descartadas da mesa de negociações. Em vez disso, a escolha, fruto de reflexão, foi a violência em larga escala – não com o objetivo de derrubar o Talibã (isso veio mais tarde), mas de deixar claro o desprezo dos Estados Unidos pelas ofertas preliminares do Talibã de possível extradição de Bin Laden. Até que ponto essas ofertas eram sérias não sabemos, uma vez que a possibilidade de investigá-las jamais foi cogitada. Ou talvez os EUA estivessem apenas determinados a “tentar mostrar sua força, marcar uma vitória e apavorar o mundo inteiro. Eles não se preocupam com o sofrimento dos afegãos ou quantas pessoas vamos perder”.

Essa foi a avaliação do respeitadíssimo líder anti-Talibã Abdul Haq, um dos muitos oposicionistas que condenaram a campanha de bombardeio iniciada pelos EUA em outubro de 2001 como “um grande retrocesso” aos seus esforços no sentido de derrubar o Talibã a partir de dentro, objetivo que ele considerava possível e ao seu alcance. A opinião de Abdul Haq é corroborada por Richard A. Clarke, presidente do Grupo de Segurança Contraterrorismo da Casa Branca no governo do presidente George W. Bush, quando foram feitos os planos para atacar o Afeganistão. De acordo com a descrição de Clarke, na reunião em que, informado de que o ataque violaria o direito internacional, o presidente berrou na estreita sala de conferências: “Eu não dou a mínima para o que dizem os advogados internacionais, nós vamos chutar alguns traseiros”. O ataque também foi ferozmente rejeitado pelas mais importantes organizações de ajuda humanitária atuando no Afeganistão, as quais alertaram que milhões de pessoas estavam à beira da inanição e as consequências poderiam ser horrendas.[20]

As consequências para os pobres afegãos, anos depois, mal precisam de comentário.

O alvo seguinte dos golpes da marreta anglo-americana foi o Iraque. A invasão comandada pelos EUA e pelo Reino Unido, sem pretexto plausível, é o maior crime do século XXI. A invasão resultou na morte de centenas de milhares de pessoas em um país onde a sociedade civil já havia sido devastada por sanções americanas e britânicas consideradas “genocidas” pelos dois renomados diplomatas internacionais que as administraram, e que por essa razão renunciaram em protesto.[21] A invasão também gerou milhões de refugiados, destruiu quase que totalmente o país e promoveu um conflito sectário que agora está despedaçando o Iraque e toda a região. É um fato surpreendente sobre a nossa cultura intelectual e moral que nos círculos informados e esclarecidos a invasão possa ser chamada, eufemisticamente, de “a libertação do Iraque”.[22]

Pesquisas do Pentágono e do Ministério da Defesa britânico revelaram que apenas 3% dos iraquianos consideram legítimo o papel de segurança dos Estados Unidos em sua vizinhança, menos de 1% acreditava que as forças da “coalização” (EUA-Reino Unido) eram boas para a sua segurança, 80% opunham-se à presença das forças de coalizão no país, e a maioria apoiava ataques contra as tropas da coalizão. O Afeganistão foi destruído além da possibilidade de uma pesquisa de sondagem digna de confiança, mas há indícios de que algo semelhante pode ser igualmente verdadeiro lá. No Iraque, os Estados Unidos sofreram uma severa derrota, abandonando seus objetivos de guerra oficiais e deixando o país sob a influência do único vencedor, o Irã.[23]

A marreta também foi brandida e massacres ocorreram em outros lugares, em especial na Líbia, onde as três potências imperiais tradicionais (Inglaterra, França e Estados Unidos) asseguraram a aprovação da Resolução 1973 do Conselho de Segurança e a violaram, tornando-se a força aérea dos rebeldes. O efeito foi minar a possibilidade de um acordo pacífico e negociado; elevar o número de baixas (por, pelo menos, um fator de dez, de acordo com o cientista político Alan Kuperman); deixar a Líbia em ruínas, nas mãos de milícias em guerra; e, mais recentemente, propiciar ao Estado Islâmico uma base que o grupo pode usar para propagar o terror além. As propostas diplomáticas bastante sensatas apresentadas pela União Africana, aceitas em princípio pelo líbio Muammar Kadhafi, foram ignoradas pelo triunvirato imperial, conforme os comentários do especialista em África Alex de Waal. Um enorme fluxo de armas e jihadistas espalhou terror e violência da África Ocidental (agora o campeão mundial de assassinatos terroristas) ao Levante* –, abrindo um funil para a fuga de refugiados da África para a Europa.[24]

Mais um triunfo da “intervenção humanitária”, que, conforme revela o longo e medonho registro histórico, nada tem de incomum ou extraordinário, remontando às origens modernas desse tipo de ação, quatro séculos atrás.

 

Os custos da violência

Em suma, a marreta da GWOT espalhou o terror jihadista de um minúsculo canto do Afeganistão para a maior parte do mundo, da África através do Levante e sul da Ásia para o sudeste asiático. A campanha antiterror incitou ataques na Europa e nos Estados Unidos. A invasão do Iraque contribuiu de maneira substancial para esse processo, como as agências de inteligência haviam previsto. Os especialistas em terrorismo Peter Bergen e Paul Cruickshank estimam que a Guerra do Iraque “gerou um atordoante aumento de sete vezes na taxa anual de ataques jihadistas fatais, equivalendo a centenas de ataques terroristas adicionais e milhares de vidas civis perdidas; mesmo excluindo-se o terrorismo no Iraque e no Afeganistão, os ataques fatais no restante do mundo aumentaram em mais de um terço”. Outros exercícios foram igualmente produtivos.[25]

Um grupo de importantíssimas organizações de direitos humanos – Médicos pela Responsabilidade Social (Physicians for Social Responsibility, EUA), Médicos pela Sobrevivência Global (Physicians for Global Survival, Canadá) e Médicos Internacionais para a Prevenção da Guerra Nuclear (International Physicians for the Prevention of Nuclear War, Alemanha) – realizaram um estudo que procurou “fornecer um cálculo o mais realista possível da contagem total de corpos nas três principais zonas de guerra [Iraque, Afeganistão e Paquistão] durante doze anos de ‘guerra ao terrorismo’”, incluindo uma abrangente análise dos “principais estudos e dados publicados sobre o número de vítimas nesses países”, juntamente com informações adicionais sobre as ações militares. De acordo com a “estimativa conservadora” do estudo, essas guerras mataram cerca de 1,3 milhão de pessoas, número total que “poderia ser superior a 2 milhões”.[26] Uma busca em bancos de dados feita pelo pesquisador independente David Peterson dias após a publicação do relatório não encontrou nenhuma menção ao referido estudo. Quem se importa?

Em termos mais gerais, estudos realizados pelo Instituto de Pesquisa Sobre a Paz Internacional de Oslo mostram que dois terços das mortes em conflitos na região foram produzidos em disputas internas, em que forasteiros impuseram suas soluções. Nesses conflitos, 98% das vítimas fatais foram produzidas somente depois que forasteiros entraram com seu poderio militar na disputa doméstica. Na Síria, o número de mortes em conflitos diretos mais que triplicou depois que o Ocidente lançou ataques aéreos contra o Estado Islâmico e após a CIA iniciar sua interferência militar indireta na guerra[27] – interferência que atraiu os russos à medida que avançados mísseis antitanques norte-americanos foram dizimando as forças de seu aliado Bashar al-Assad. As primeiras indicações são de que o bombardeio russo está tendo as habituais consequências.

As evidências analisadas pelo cientista político Timo Kivimäki indicam que as “guerras de proteção [travadas por ‘coalizões de voluntários’] tornaram-se a principal fonte de violência no mundo, contribuindo com mais de 50% do total de vítimas fatais de conflitos”. Além disso, em muitos desses casos, incluindo a Síria, conforme Kivimäki analisa, houve oportunidades para acordos diplomáticos que acabaram sendo ignoradas. Como já discutido em outro lugar, isso também tem sido verdade em outras situações horríveis, incluindo os Balcãs no início da década de 1990, a primeira Guerra do Golfo e, é claro, as guerras da Indochina, o pior crime desde a Segunda Guerra Mundial. No caso do Iraque, a questão nem sequer vem à baila. Certamente há algumas lições aqui.

As consequências gerais de recorrer ao uso da marreta contra sociedades vulneráveis não são nenhuma surpresa. O meticuloso estudo de William Polk sobre as insurgências, o já citado Violent politics, deveria ser uma leitura essencial para todos os que querem entender os conflitos de hoje, e para os estrategistas de políticas, supondo que eles se preocupam com consequências humanas e não meramente com poder e dominação. Polk revela um padrão que tem sido reproduzido repetidas vezes. Os invasores – talvez alardeando os mais benevolentes motivos – são malquistos pela população, que os detesta e lhes desobedece, a princípio de pequenas formas, o que suscita uma resposta vigorosa e violenta, e aumenta a oposição, as hostilidades e o apoio à resistência. O ciclo de violência se intensifica até que os invasores se retiram – ou alcança seus propósitos por meio de algo que pode se aproximar do genocídio.

A campanha mundial de assassinatos por meio de drones empreendida por Obama, uma extraordinária inovação no terrorismo global, exibe os mesmos padrões. A julgar pela maioria dos relatos, a campanha está gerando terroristas mais rapidamente do que vem matando os suspeitos de um dia agirem com a intenção de prejudicar os Estados Unidos – a impressionante contribuição de um advogado constitucional por ocasião do aniversário de oitocentos anos da Magna Carta, que estabeleceu as bases para o princípio da presunção de inocência, que é o fundamento da lei civilizada.

Outra característica típica de intervenções desse tipo é a convicção de que a insurgência será esmagada por meio da eliminação de seus líderes. Porém, quando esse esforço é bem-sucedido, o líder que sai de cena é substituído por alguém mais jovem, mais determinado, mais brutal e mais eficiente. Polk cita muitos exemplos. Em seu importante estudo Kill chain (Mortes em cadeia, em tradução livre), o historiador militar Andrew Cockburn analisou campanhas norte-americanas para matar “chefões” das drogas, e no decorrer de um longo período de tempo depois do terrorismo, e constatou os mesmos resultados. Pode-se esperar, com razoável dose de confiança, que o padrão será mantido. Não restam dúvidas de que neste exato momento os estrategistas norte-americanos estão buscando maneiras de assassinar o “califa do Estado Islâmico” Abu Bakr al-Baghdadi, ferrenho rival do líder da Al-Qaeda Ayman al-Zawahiri. O provável resultado dessa façanha é prognosticado pelo destacado estudioso acadêmico do terrorismo Bruce Hoffman, membro-sênior do Centro de Combate ao Terrorismo da Academia Militar do EUA. Ele prevê que “a morte de Al-Baghdadi pavimentaria o caminho para uma aproximação [com a Al-Qaeda], produzindo uma inaudita combinação de forças de uma aliança terrorista sem precedentes em alcance, tamanho, ambição e recursos”.[28]

Polk cita um tratado sobre conflitos armados de autoria de Henry Jomini, influenciado pela derrota de Napoleão nas mãos de guerrilheiros espanhóis e que se tornou um manual para gerações de cadetes da Academia Militar de West Point. Jomini observou que essas intervenções de grandes potências resultam em “guerras de opinião” e quase sempre “guerras nacionais”, se não já de início, logo em seguida, no decurso da luta, segundo a dinâmica que Polk descreve. Jomini conclui que “os comandantes de exércitos regulares são imprudentes de se envolver em tais guerras, porque vão perdê-las”, e ao fim até mesmo os aparentes sucessos serão efêmeros.[29]

Cuidadosos estudos sobre a Al-Qaeda e o ISIS têm mostrado que os Estados Unidos e seus aliados estão seguindo sua estratégia com alguma precisão. Seu objetivo é “arrastar o Ocidente o mais profunda e ativamente possível lamaçal adentro” e “envolver e enfraquecer os Estados Unidos e o Ocidente numa série de prolongados empreendimentos no exterior” em que minarão suas próprias sociedades, desperdiçarão seus recursos e aumentarão o nível de violência, desencadeando as dinâmicas que Polk analisa.

Scott Atran, um dos mais perspicazes pesquisadores sobre os movimentos jihadistas, calcula que “os ataques de 11 de Setembro custaram entre 400 e 500 mil dólares para ser executados, ao passo que a resposta militar e de segurança dos EUA e seus aliados é da ordem de 10 milhões de vezes essa cifra. Numa base que leva em conta a relação custo/benefício, esse violento movimento tem sido um estrondoso sucesso, muito além do que Bin Laden imaginava, e o êxito está aumentando cada vez mais. Aqui reside a medida completa da guerra assimétrica em estilo jiu-jítsu. Afinal, quem poderia afirmar que estamos em situação melhor que antes, ou quem há de alegar que o perigo global está em declínio?”. E se continuarmos a empunhar a marreta, seguindo o roteiro jihadista, o provável efeito é o jihadismo ainda mais violento, com apelo amplo. O registro histórico, Atran aconselha, “deve inspirar uma mudança drástica em nossas contraestratégias”.[30]”

19. William Polk, Violent Politics: A History of Insurgency, Terrorism and Guerrilla War from the American Revolution to Iraq (Nova York: Harper-Collins, 2007), 191

20. Richard A. Clarke, Against All Enemies: Inside America’s War on Terror (Nova York: Free Press, 2004). Para discussão, ver o especialista em direito internacional Francis A. Boyle, “From 2001 Until Today: The Afghanistan War Was and Is Illegal”, 9 de janeiro de 2016, http://www.larsschall.com/2016/01/09/from-2001-until-today-the-afghanistan-war-was-and-is-illegal/. Para material de análise crítica e fontes, ver Noam Chomsky, Hegemony or Survival: America’s Quest for Global Dominance (Nova York: Henry Holt, 2003), capítulo 8.

21. See H. C. van Sponeck, A Different Kind of War: The UN Sanctions Regime in Iraq (Nova York: Berghahn, 2006). Estudo de importância crucial, que praticamente não recebe menção nos Estados Unidos e no Reino Unido. Tecnicamente, as sanções foram aplicadas pela ONU, mas são descritas como sanções dos EUA e do Reino Unido, e são um crime principalmente de Clinton.

22. Brian Katulis, Siwar al-Assad e William Morris, “One Year Later: Assessing the Coalition Campaign against ISIS”, Middle East Policy 22, nº 4 (inverno de 2015).

23. Timo Kivimäki, “First Do No Harm: Do Air Raids Protect Civilians?”, Middle East Journal 22, nº 4 (inverno de 2015). Ver também Chomsky, Hopes and Prospects, 241.

24. Alan Kuperman, “Obama’s Libya Debacle”, Foreign Affairs 94, nº 2 (março/abril de 2015); Alex de Waal, “African Roles in the Libyan Conflict of 2011”, International Affairs 89, nº 2 (2013): 365-79.

25. Peter Bergen e Paul Cruickshank, “The Iraq Effect: War Has Increased Terrorism Sevenfold Worldwide”, Mother Jones, 1º de março de 2007.

26. Physicians for Social Responsibility, “Body Count: Casualty Figures After 10 Years of the ‘War on Terror,’ Iraq, Afghanistan, Pakistan”, março de 2015, http://www.psr.org/assets/pdfs/body-count.pdf.

27. Kivimäki, “First Do No Harm”.

28. Andrew Cockburn, Kill Chain: The Rise of the High-Tech Assassins (Nova York: Henry Holt, 2015); Bruce Hoffman, “ISIS Is Here: Return of the Jihadi”, National Interest, janeiro/fevereiro de 2016.

29. Polk, Violent Politics, 33-34.

30. Scott Atran, “ISIS Is a Revolution”, Aeon, 15 de dezembro de 2015, https://aeon.co/essays/why-isis-has-the-potential-to-be-a-world-altering-revolution; Hoffman, “ISIS Is Here”.

 

 

Há países que geram refugiados por causa da violência em larga escala, como os Estados Unidos, seguidos pela Inglaterra e a França. Há países que aceitam receber um grande contingente de refugiados, incluindo aqueles que fogem da violência ocidental, caso do Líbano (o campeão, per capita), a Jordânia e a Síria antes de implodir, entre outros na região. E, parcialmente sobrepostos, há países que tanto geram refugiados e se recusam a acolhê-los, não só os do Oriente Médio, mas também do “quintal” dos Estados Unidos ao sul da fronteira. Uma imagem estranha, dolorosa de contemplar.

Um retrato honesto localizaria a geração de refugiados em algum lugar anterior no passado histórico. O jornalista Robert Fisk, veterano correspondente no Oriente Médio, relata que um dos primeiros vídeos produzidos pelo ISIS “mostrava uma escavadeira pondo abaixo um baluarte de areia que até então tinha demarcado a fronteira entre Iraque e Síria. Enquanto a máquina destruía a barricada de terra, a câmera, com um movimento para obter efeito panorâmico, mostrava um cartaz escrito à mão caído na areia. “Fim do Sykes-Picot”, lia-se.

Para as pessoas da região, o acordo Sykes-Picot é o próprio símbolo do cinismo e da brutalidade do imperialismo ocidental. Ao conspirarem em segredo durante a Primeira Guerra Mundial, os diplomatas Mark Sykes, britânico, e François Georges-Picot, francês, retalharam e partilharam entre si vastas áreas da região, fragmentando-as em Estados artificiais para satisfazer a seus próprios objetivos imperiais, com absoluto desprezo pelos interesses dos povos que lá vivem e em violação às promessas feitas em tempo de guerra para induzir os árabes a se juntarem ao esforço de guerra Aliado. O acordo espelhava as práticas dos Estados europeus que devastaram a África de maneira similar. O acordo secreto “transformou o que tinham sido províncias relativamente calmas do Império Otomano em alguns dos Estados menos estáveis e internacionalmente mais explosivos do mundo”.[34]

Desde então, repetidas intervenções ocidentais no Oriente Médio e na África exacerbaram tensões, conflitos e distúrbios que despedaçaram as sociedades. O resultado final é uma “crise de refugiados” que o Ocidente inocente mal consegue suportar. A Alemanha emergiu como a consciência da Europa, a princípio (mas não por muito tempo) aceitando acolher quase 1 milhão de refugiados – em um dos países mais ricos do mundo, com uma população de 80 milhões de habitantes. Em contraste, o Líbano, um país pobre, absorveu por volta de 1,5 milhão de refugiados sírios, que agora compõem um quarto de sua população, além de meio milhão de refugiados palestinos – registrados na UNRWA, agência das Nações Unidas que dá assistência a refugiados da Palestina –, em sua maioria vítimas das políticas israelenses.

A Europa também está gemendo sob o fardo dos refugiados dos países que os europeus devastaram na África – não sem a ajuda dos EUA, como os congoleses e os angolanos, entre outros, podem atestar. A Europa agora está tentando subornar a Turquia (com mais de 2 milhões de refugiados sírios) para distanciar das fronteiras europeias aqueles que fogem dos horrores da Síria, assim como Obama vem pressionando o México para manter as fronteiras norte-americanas livres dos desgraçados que buscam escapar das consequências da Guerra Global Contra o Terror de Reagan juntamente com as pessoas que procuram escapar dos desastres mais recentes, incluindo um golpe militar em Honduras que Obama praticamente sozinho legitimou e criou uma das piores câmaras de terror na região.[35]

As palavras mal dão conta de traduzir a resposta dos EUA à crise dos refugiados da Síria, pelo menos as palavras em que eu consigo pensar.

Quando retornamos à pergunta inicial, “Quem comanda o mundo?”, talvez queiramos formular outra pergunta: “Quais princípios e valores regem o mundo?”. Essa pergunta deveria ser a mais importante nas mentes dos cidadãos dos Estados ricos e poderosos, que desfrutam um extraordinário legado de liberdade, privilégio e oportunidade – graças às lutas daqueles que vieram antes deles – e agora se veem diante de escolhas fatídicas a respeito de como responder a desafios de grande importância humana.”

34. Ayse Tekdal Fildis, “The Troubles in Syria: Spawned by French Divide and Rule”, Middle East Policy 18, nº 4 (Winter 2011), citado por Anne Joyce, editorial, Middle East Policy 22, nº 4 (inverno de 2015).

35. Sobre a sórdida história da política de imigração dos EUA, ver Aviva Chomsky, Undocumented: How Immigration Became Illegal (Boston: Beacon Press, 2014).

 

 

“É difícil encontrar palavras para expressar o fato de que os humanos estão enfrentando a questão mais importante de sua história – se é que a vida humana organizada sobreviverá minimamente da forma como a conhecemos –, e a resposta da humanidade a ela é acelerar ainda mais sua corrida rumo ao desastre. A mesma constatação vale para a outra ameaça de grandes proporções à sobrevivência humana, o perigo de destruição nuclear, que vem pairando sobre nossas cabeças há setenta anos e que agora está recrudescendo.

De modo análogo, é igualmente difícil encontrar palavras que deem conta de captar o fato absolutamente espantoso de que, durante a colossal cobertura do cômico espetáculo eleitoral, a iminente catástrofe climática e o perigo nuclear receberam pouco mais que menções en passant. Pelo menos eu não sei o que dizer, faltam-me palavras adequadas.

Embora Hillary Clinton tenha recebido uma clara pluralidade de votos – o resultado eleitoral tendo sido enviesado por peculiaridades do sistema político estadunidense –, é importante reconhecer o veemente e fervoroso apoio que Trump recebeu dos raivosos e descontentes, notadamente eleitores brancos sem educação universitária, a classe operária e a classe média baixa. Houve inúmeros fatores, mas um deles é que esses grupos são vítimas das políticas neoliberais da geração passada, as diretrizes políticas descritas em detalhes por Alan Greenspan, presidente do Federal Reserve – FED, o banco central dos Estados Unidos –, em depoimento ao Congresso (Greenspan era reverenciado por seus admiradores como “Santo Alan” até que a milagrosa economia dos EUA que ele supervisionava teve um colapso em 2007-2008, ameaçando derrubar a reboque toda a economia mundial). Conforme Greenspan explicou durante seus dias de glória, o sucesso de suas políticas de gestão econômica baseava-se em larga medida na “maior insegurança para o trabalhador”. Trabalhadores intimidados não exigiriam aumento de salários nem benefícios, mas aceitariam de bom grado padrões de vida mais baixos em troca da mera possibilidade da manutenção do emprego. De acordo com critérios neoliberais, isso contribuía para um “desempenho econômico favorável [...] e bastante saudável e benéfico”.1

De alguma forma, os trabalhadores que foram cobaias desse experimento de teoria econômica não estão felizes com os resultados. Não estão enlevados, por exemplo, com o fato de que, em 2007, no pico do milagre neoliberal antes do desastre financeiro, os salários reais – corrigidos pela inflação – dos trabalhadores comuns eram mais baixos que a remuneração em 1979, quando o experimento estava apenas em seu estágio incipiente.2 Os salários reais dos trabalhadores do sexo masculino estão nos níveis da década de 1960, ao passo que lucros espetaculares foram para os bolsos dos pouquíssimos que ocupam o topo da cadeia – nem mesmo o 1%, mas uma fração do 1%.3 Isso não é resultado de mérito nem de realização ou tampouco de forças do mercado, mas fundamentalmente de decisões políticas deliberadas.

Um exame detido do salário mínimo nos Estados Unidos ilustra o que vem acontecendo. Ao longo dos períodos de alto crescimento nas décadas de 1950 e 1960, o salário mínimo – que estabelece piso ou base para outros salários – seguiu o rastro da produtividade. Isso chegou ao fim com o início da doutrina neoliberal. Desde então, o salário mínimo real, já corrigido pela inflação, diminuiu. Tivessem as tendências anteriores continuado e, a essa altura, estaria provavelmente perto de 20 dólares por hora. Hoje, ao contrário, considera-se uma revolução política propor um aumento para 15 dólares.4

Para os trabalhadores, há uma enorme diferença entre o trabalho estável numa fábrica, com salários e benefícios negociados por sindicatos e garantidos por contrato, como ocorria em anos anteriores, e um emprego temporário com pouca segurança em alguma atividade na área de serviços. Além da perda de salários, de benefícios e de segurança, há perda de dignidade, de esperança acerca do futuro, da sensação de que este é um mundo ao qual a pessoa pertence e no qual exerce um papel relevante, que vale a pena.

A raiva é compreensível. Pesquisas de boca de urna revelaram que o intenso apoio dado a Trump foi inspirado pela crença de que ele representava a mudança, ao passo que Hillary Clinton era vista como a candidata que perpetuaria o desolador status quo. Muitos apoiadores de Trump haviam votado em Barack Obama em 2008, acreditando em sua mensagem de “esperança e mudança”. Desiludidos pelo fracasso das promessas, agora dão atenção à retórica de Trump sobre como ele vai “fazer os EUA serem grandes de novo”. Entretanto, os partidários de Trump se enganam ao acreditar que ele cumprirá suas promessas grandiloquentes e remediará a calamitosa situação dos que nele creem: uma mera olhadela para as propostas fiscais e escolhas pessoais de Trump demonstra que esse resultado é improvável. Mas é compreensível que as consequências de planos que são anunciados de forma vaga e indireta nem sempre sejam claras para pessoas que vivem numa sociedade atomizada, em isolamento umas das outras, desprovidas de sindicatos e de outras associações capazes de propiciar meios de educar e organizar. Essa é uma diferença crucial entre os desesperados trabalhadores de hoje e as atitudes geralmente esperançosas de muitos trabalhadores da década de 1930, que foram submetidos a coerção e coação muito mais vigorosas durante a Grande Depressão.

O Partido Democrata abandonou qualquer preocupação real com os trabalhadores na década de 1970; os democratas foram arregimentados nas fileiras dos ferozes inimigos de classe dos trabalhadores, e pelo menos fingem falar sua língua – Ronald Reagan com seu estilo folclórico, contando piadinhas enquanto mascava balas de goma; George W. Bush com sua imagem cuidadosamente cultivada de sujeito comum que qualquer pessoa poderia encontrar em um bar, exibindo seu gosto por cortar lenha em seu rancho sob calor de 38 graus. E agora há Trump, que dá voz a pessoas que perderam o emprego e também o senso de autoestima, e que criticam duramente um governo que, a seu ver – não sem boa dose de razão –, aniquilou suas vidas.”

1. Alan Greenspan, “The Revolution in Information Technology”, comentários durante a Conferência sobre a Nova Economia do Boston College, Boston, Massachusetts, 6 de março de 2000, https://www.federalreserve.gov/boarddocs/speeches/2000/20000306.htm; e Alan Greenspan, “Performance of the U.S. Economy”, depoimento à Comissão Mista de Economia, Congresso dos Estados Unidos, Washington, D.C., 20 de março de 1997, https://www.federalreserve.gov/boarddocs/testimony/1997/199703202.htm.

2. Lawrence Mishel, Elise Gould, e Josh Bivens, “Wage Stagnation in Nine Charts”, Instituto de Política Econômica, 6 de janeiro de 2015, http://www.epi.org/publication/charting-wage-stagnation/.

3. Lawrence Mishel e Colin Gordon, “Real Hourly Wage Growth: The Last Generation”, Instituto de Política Econômica, 10 de outubro de 2012, http://www.epi.org/blog/real-hourly-wage-growth-last-generation/.

4. John Schmitt, “The Minimum Wage is Too Damn Low” [O salário mínimo muito baixo], relatório do Centro para Pesquisas Econômicas e Políticas, março de 2012, http://cepr.net/documents/publications/min-wage1-2012-03.pdf.

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