quinta-feira, 24 de abril de 2014

A Torre Negra: O Pistoleiro, de Stephen King

Editora: Objetiva

ISBN: 978-85-730-2603-0

Tradução: Mário Molina

Opinião: ★★★☆☆

Páginas: 224

Sinopse: Este livro é o primeiro dos sete volumes de série A Torre Negra, obra mais ambiciosa do escritor Stephen King. O Pistoleiro apresenta ao leitor o fascinante personagem de Roland Deschain, último descendente do clã de Gilead, e derradeiro representante de uma linhagem de implacáveis pistoleiros desaparecida desde que o Mundo Médio onde viviam “seguiu adiante”. Para evitar a completa destruição desse mundo já vazio e moribundo, Roland precisa alcançar a Torre Negra, eixo do qual depende todo o tempo e todo o espaço, e verdadeira obsessão para Roland, seu Cálice Sagrado, sua única razão de viver. O pistoleiro acredita que um misterioso personagem, a quem se refere como o homem de preto, conhece e pode revelar segredos capazes de ajudá-lo em sua busca pela Torre Negra, e por isso o persegue sem descanso. Pelo caminho, encontra pessoas que pertencem a seu ka-tet – ou seja, cujo destino está irremediavelmente ligado ao seu. Entre eles estão Alice, uma mulher que Roland encontra na desolada cidade de Tull, e Jake Chambers, um menino que foi transportado para o mundo de Roland depois de morrer em circunstâncias trágicas na Nova York de 1977. Mas o pistoleiro não conseguirá chegar sozinho ao fim da jornada que lhe foi predestinada. Na verdade, sua aventura se estenderá para outros mundos muito além do Mundo Médio, levando-o a realidades que ele jamais sonhara existir. Inteiramente revista pelo autor, esta primeira edição brasileira de O Pistoleiro traz também prefácio e introdução inéditos de King.


 

“Só Deus faz as coisas certas logo da primeira vez.”

 

 

“Você não verá o que não estiver procurando.”

 

“Os aglomerados tinham degenerado em habitações isoladas, em geral ocupadas por leprosos ou loucos. Achou que os loucos eram melhor companhia. Um lhe dera uma bússola Silva de aço inox e mandou que ele a entregasse ao Homem Jesus. O pistoleiro aceitou-a com ar grave. Se O visse, entregar-lhe-ia a bússola. Não contava que isto fosse acontecer, mas tudo era possível.”

 

 

“Talvez a virtude esteja sempre além de seu alcance.”

 

 

“O pistoleiro sentiu uma grande, horrível sede em algum buraco profundamente desconhecido do corpo, uma sede que nenhum gole de água ou vinho poderia abrandar. Mundos tremiam, alguns dentro do alcance de seus dedos e, de uma forma instintiva, ele lutava para não ser corrompido, sabendo no fundo frio de sua mente que tal luta era e sempre seria vã. No fim, havia apenas o ka (destino). Era meio-dia. Ele ergueu os olhos, deixando a enevoada, instável luz do dia brilhar pela última vez sobre o sol extremamente vulnerável de sua própria virtude. Ninguém jamais realmente paga pela traição em prata, pensou. O preço de qualquer traição sempre é devido em carne.”

 

 

“Conseguimos nos introduzir num dos velhos balcões, justo aqueles que estariam inseguros e estavam condenados. Mas éramos garotos, e garotos serão sempre garotos, por isso fomos lá. Para nós, era tudo perigoso, e daí? Não tínhamos sido feitos para viver para sempre? Achávamos que sim, mesmo quando conversávamos entre nós sobre nossas mortes gloriosas.”

 

 

“Ninguém se importa, nas conferências do supremo, se você empenha sua alma ou parte logo para vendê-la.”

 

 

“Só iguais falam a verdade, é assim que penso. Amigos e amantes mentem sem parar, presos na teia do respeito. Como é cansativo!”

domingo, 20 de abril de 2014

As Novelas de Torquemada - Benito Pérez Galdós

Editora: Paz e Terra
ISBN: 999-90-035-7542-8
Tradução: Cláudia Schilling
Opinião: ★★★★★
Páginas: 504
Sinopse: Considerado o “Honoré de Balzac” da literatura espanhola por sua obra monumental que, à maneira de Comédia Humana, retrata a vida na Espanha moderna e contemporânea através das 46 novelas dos Episodios Nacionales, Benito Peráz Galdós é praticamente desconhecido no Brasil.
Em As novelas de Torquemada, o personagem principal distancia-se pelo menos quatro séculos daquele terrível inquisidor geral da Espanha, que no século XV deportou milhares de judeus e mandou para a fogueira outros tantos hereges. Usurário, agiota e pequeno burguês, o D. Francisco Torquemada destas páginas é até pior que o primeiro. Metaforicamente ele usa e abusa dos métodos e da mesma falta de escrúpulos. Em nome da vertiginosa ascensão social, D. Francisco converte-se em marquês, aristocrata e senador por meio de especulações financeiras, podendo para isso ‘queimar’ e arruinar qualquer um que se coloque em seu caminho.



“Nunca é tarde para fazer o bem.”


“Ah misericórdia! Lindo anzol sem isca para ser engolido pelos tontos.”


“A vida é muito curta. A gente morre quando pensa que ainda está nascendo. Deveriam dar-nos tempo para emendar nossos erros...”


“Estou pensando que a morte é um bem, porquê se vivêssemos sempre e não houvesse enterros nem funerais, que comeriam os ministros do Senhor?”


“Mas o bom Donoso também começara a gemer sob o jugo de um destino adverso. Não tinha filhos, mas sim esposa, que era sem dúvida alguma a mulher mais doente da criação. No longo inventário de doenças que afligem a mísera Humanidade, não se conhece nenhuma que não a tenha atacado, sendo o seu corpo um caso patológico digno de estudo da parte de todos os facultativos do mundo. Mais do que doente, a boa senhora era uma escola de Medicina. Os nervos, o estômago, a cabeça, as extremidades, o coração, o fígado, os olhos, o couro cabeludo, tudo naquela infeliz mártir estava revolucionado. Com tantos achaques sofridos por tempo indefinido sem que se vissem sinais de remédio, a senhora de Donoso chegou a formar um caráter especial de pessoa soberanamente enferma, orgulhosa de sua péssima saúde. De tal modo que acreditava exercer o monopólio do sofrimento físico, que protestava quando lhe diziam que poderia existir alguém tão doente quanto ela. E se se falava de alguma pessoa que padecia de tal dor ou mal, não querendo ser menos que ninguém, ela se declarava atacada da mesma coisa, porém em grau superior. Falar de suas enfermidades, descrevê-las com morosa prolixidade, como se se deleitasse com seu próprio sofrimento, era para ela um desabafo facilmente perdoado por todos que tinham a infelicidade de ouvi-la; e os da família davam corda para que se abrisse, com aquele vago traço de volúpia que punha no relato de suas fisgadas, angústias, náuseas, insônias, câimbras e dores de barriga. Seu marido, que a amava profundamente e que há quarenta anos tinha em sua casa aquela recopilação de toda a Patologia interna, desde os tempos de Galeno até nossos dias, terminou por assimilar o orgulho hipocrático de sua doente metade, e não achava nenhuma graça em que se falasse de padecimentos não conhecidos por sua Justa, ou que nem remotamente fossem parecidos com os de Justa.”


“Finalmente cedi porque, como diz muito bem diz nosso bom amigo Donoso, viver é ceder. Aceitei um pouquinho do que era proposto, e a senhora cedia um ápice, ou dois ápices nas suas pretensões... O justo médio, vulgo prudência. As senhoras Águilas não poderão dizer que não tentei fazer-lhes o gosto, desmentindo-me, como se diz. Para contentar minha querida esposa e a senhora, privo-me de comer em mangas de camisa, o que era muito do meu gosto em dias de calor. Empenharam-se depois em trazer-me uma cozinheira de doze duros. Que barbaridade! Nem que fôssemos arcebispos! Pois cedi em admitir a que temos, oito durões, que embora realmente faça primores estaria bem paga com 100 reais. Para que minha senhora e a irmã de minha senhora não se alvorocem, deixei de comer salpicão na última hora da noite, antes de me deitar, porquê, reconheço, não fica bem que o cheiro de cebola me preceda, abrindo-me caminho como um batedor. E reassumindo: cedi também com o lacaiozinho, esse para recados e limpar minha roupa, embora, a bem da verdade, para evitar reprimendas ao pobre rapaz, alguns dias limpe não só minha roupa mas também a dele. Mas enfim, tudo corre bem com o garoto, que se não me engano, não presta serviços em consonância com o que consome. Eu observo tudo, minha senhora; costumo dar uma volta pela cozinha enquanto a servidão, vulgo criados, está comendo, e vi que esse anjo de Deus engole a ração de sete, além de prejudicar a família ao cortejar as criadas da casa e de toda a vizinhança. Enfim, vocês o querem, que assim seja. Agora adoto esta atitude para que não me digam que sou a intransigência personificada, e para ser capaz de negar-me agora, como me nego, a derrubar tabiques, etecetera..., que isso de estragar a propriedade vai contra a lógica, contra o bom senso e contra a conveniência de próprios e estranhos.”


“Na hora do almoço, dom Francisco voltou da rua e surpreendeu a cunhada com os olhos brilhantes, suspirando e triste.
– O que está acontecendo? – perguntou-lhe, alarmadíssimo.
 – Isso nos faltava... Asseguro-lhe meu amigo, que Deus quer submeter-me a provas demasiado duras... Rafael está doente, muito doente.
– Mas se esta manhã estava rindo como um doido.
– Precisamente... Esse é o sintoma.
– Rir-se... Sintoma de doença! Puxa vida, cada dia a gente descobre coisas estranhas neste novo regime instituído por vocês. Sempre vi doentes chorando, ou porque sentisse dor, ou por falta de respiração, ou por não poderem extravasar por algum lugar... Mas não sabia que os doentes morriam de rir.
– O melhor – indicou Fidela ocupando seu lugar à mesa e olhando o marido com rosto sereno aprazível – seria chamar um médico especialista em doenças nervosas... E quanto antes, melhor...
– Especialista! – exclamou Torquemada, perdendo repentinamente o apetite. – Quer dizer, uma sumidade, um daqueles médicos que depois de deixar teu irmão pior do que estava, cobra uns emolumentos fantásticos.
– Não podemos consentir que essa neurose se desenvolva – disse Cruz ocupando seu lugar.
– Essa quê?... Ah!, já sei, a neurose mentirogis... Olhe, Cruz, o que meu genro não fizer não será feito por nenhum facultativo desses que se exibem roubando o gênero humano, depois de encherem de cadáveres os nossos clássicos cemitérios.
– Não chateies, querido Tor – interrompeu docemente Fidela. – É preciso chamar um especialista, dois especialistas e até mesmo três.
– Com um é suficiente – manifestou Cruz.
– Não, será melhor trazer para cá um rebanho de doutores – acrescentou dom Francisco, recuperando o apetite. – E logo que acabarem de receitar, todos nós iremos para os asilos de El Pardo.
– O senhor é o próprio exagero, meu senhor – disse-lhe Cruz festivamente.
– E a senhora, o maquiavelismo em pessoa, ou personificado... E, entre parênteses, minhas senhoras, essa cozinheira de oito duros poderá ser a oitava maravilha, mas eu não gosto. Esses rins parecem queimados.
– Mas estão deliciosos!
– Romualda os preparava melhor e vocês a despediram porque se penteava na cozinha... Enfim, resigno-me a essa ordem de coisas, e transigiremos...
– Transação – disse Fidela, passando a mão pelo ombro do marido.
– Em vez de chamar os três especialistas...
– Três, nada menos? É melhor que digas as três pragas do Faraó, e o gafanhoto médico-farmacêutico.
– Pois em vez de chamar o especialista, levaremos Rafael a Paris para ser examinado por Charcot.
– E quem é esse aproveitador? – perguntou Torquemada após engolir o pedaço de carne que, ao ouvir Charcot, tinha ficado atravessado em sua garganta, sem ir para cima nem para baixo.
– Não é um aproveitador. É o primeiro sábio da Europa em enfermidades cerebrais.
– Pois eu – afirmou o tacanho, batendo na mesa com o cabo do garfo –, eu digo ao primeiro sábio da Europa que vá plantar batatas... E que se quiser doentes ricos, que vá receitar à grande porquíssima de sua mãe.
– Homem, que coisas dizes!... – manifestou Fidela com doce severidade e carinho. – Francisco, pelo amor de deus... Olha, bobinho, com a viagem a Paris matamos dois pássaros com um só tiro.
– Mas eu não quero matar pássaros com um tiro, nem com dois.
– Levaremos Rafael para ser visto por Charcot.
– Se fosse apenas vê-lo... então mandaremos o seu retrato...
– Estou dizendo que assim curaremos Rafael e ao mesmo tempo verás Paris, que nunca viste.
– Não me faz nenhuma falta.
– Não? Não achas terrível ter de dizer, quando se fala de grandes cidades: “Pois é, senhores, só conheço Madrid... e Villafranca del Bierzo?” Não te faças de inculto, pois não o és. Paris! Se tu a visses, o círculo de tuas ideias se ampliaria.
– O círculo de minhas ideias – disse Torquemada recolhendo avidamente a frase, que lhe pareceu bonita e ficou gravada em seu arquivo de locuções – não é uma manga estreita para que alguém o alargue. Cada um em seu círculo e Deus no de todos.
– E uma vez em Paris – acrescentou a esposa, com vontade de provocar docemente o marido – não voltaríamos sem dar uma espiadinha na Bélgica ou no Reno.
– Sim, estamos para espiadinhas...
– Mas é baratíssimo... E também iríamos à Suíça.
– Sim, e às ventas de Alcorcón.
– Ou faríamos a excursão do Palatinado bávaro, de Baden até a Floresta Negra.
– Sim e até a floresta branca; e depois daríamos uma passadinha pelo Polo Norte e pela Patagônia, e voltaríamos para casa pela Ursa Maior. E ao chegar aqui eu teria de pedir um emprego nas obras da Prefeitura para sustentar a família ou ajuda à Previdência Social...
As duas damas celebraram com francas risadas este discurso e Cruz terminou com a contenda da forma mais razoável:
– Essa história da viagem é uma brincadeira da Fidela para assustar o senhor, dom Francisco. Não precisamos acudir a Charcot. Os tempos não permitem gastos de viagem e consultas com eminências europeias! O que Rafael precisa principalmente é distração, tomar muito ar, passear longe do infernal ruído destas ruas...
– Vamos, falando de dinheiro, minha senhora, isso é outra indireta para a carruagem. No fim terei de aceitar o veículo.
– Mas não falamos nada do veículo – observou Fidela, meio sério e meio risonha.
– Passear longe!... Sim, Rafael vai se curar com os sacolejos da berlinda. Tudo bem, comecem a correr, e não parem até Móstoles.
– O senhor – disse Cruz com o tom de autoridade que não admitia réplica das poucas vezes em que o utilizava, especialmente se era acompanhado pela vibração do lábio – o senhor comprará o carro, e não por nós ou por nosso irmão, senhor dom Francisco, disso pode ter certeza, mas pelo senhor mesmo. É indecoroso que ande feito um aguadeiro por essas ruas um homem do seu crédito e respeitabilidade.
– Ah!... Ah!... Minha amiga – exclamou dom Francisco em voz muito alta e em tom que tanto tinha de festivo quanto de leviano. – A senhora não me engana com esse discurso. Sejamos justos: eu sou um homem humilde, não uma entidade, como diz a senhora. Fora entidades e bíblias... Com essa lisonja, o que a senhora quer é dar pábulo aos gastos. Eu só dou pábulo à economia, e por isso tenho um pedaço de pão. Mas com a atitude das senhoras, logo teremos de pedi-lo emprestado, e olhe lá... Dívidas na minha casa!... Oh! Nunca... Se a falência, vulgo miséria, vier, a senhora, Crucita, terá a culpa... Quer dizer que carro! Pois haverá carro, não para mim, que sei ganhar a santíssima rosca andando como São Francisco, meu padroeiro, mas para as senhoras, afim de terem tudo que for compatível com sua nova entidade...
– Mas eu não pedi...
– Como não? Se tem a lábia de um frade! Se não há nenhum dia em que não me vem com indiretas! Derrubar tabiques, derrubar a metade da casa para fazer salões... E a costureira e o alfaiate e o tapeceiro e o armazeneiro e a bíblia em pasta... Pois agora, com essa história de que o irmãozinho está com vontade de rir, vou ter de chorar, e todos choraremos. Já estou vendo uma série não interrompida de caprichos, e portanto de novos gastos. É preciso distrai-lo; e como ele gosta tanto de música, teremos de trazer para cá a orquestra do Teatro Real, e aquele zangão que mostra com uma varinha o que se deve tocar – risadas. – É preciso trazer um facultativo. Pois que venha toda a São Carlos e chovam honorários... É preciso convidar Juan, Pedro e Diego, os amigões que vêm fazer-lhe companhia, uns poetas, outros dançarinos. Pois aí já vão doze ou catorze consumições e um monte de pratos extraordinários para que criem barriga antes da época esses para...
A palavra ficou pela metade, pois por ser de recente aquisição, não podia ser pronunciada sem certa precaução e estudo.
– Parasitas – disse Fidela.”


“Cruz mandava e mandaria sempre, fosse qual fosse o rebanho que apascentasse, mandava porque desde o nascimento o Céu lhe enviara energias poderosas, e porque ao lutar contra o destino durante longos anos de miséria, aquelas energias tinham se temperado e revigorado até se tornarem colossais, irresistíveis. Era o governo, a diplomacia, a administração, o dogma, a força armada e a força moral, e contra essa soma de autoridades ou princípios nada podiam os infelizes que caíam sob seu domínio.
Finalmente a senhora retirou-se do escritório de dom Francisco com ar ditatorial, e o outro permaneceu lá exercendo, com grave detrimento dos tapetes, o direito dos pontapés, desabafando com erupção de termos soezes.
– Maldita para sempre seja tua alma de mil demônios!... Recristo, a esse passo logo ficarei desnudo. Bíblia, porque me deixei trazer a este elemento e por que não rompi o cabresto quando percebi a situação!... E não podem dizer, isto nunca, que me comporto mal, que as deixo passar fome... Isso não, atenção!... Fome, nunca. Economia, sempre... Mas esta senhora, mais soberba que Napoleão, por que não deixa que eu governe a casa como eu achar melhor e segundo minha própria lógica? Maldita, e como manda e como me domina e me deixa sem vontade, meramente embruxado!... Não sei o que tem essa criatura que me deixa asfixiado; quero respirar pela defesa de meu interesse e não posso, e ela me faz virar criança!... E agora quer me engabelar com a história de que haverá sucessão! Que engraçado! Nunca duvidei disso, com mil pares de diabos! É o meu filho que está voltando, por vontade minha e decreto do santo Altíssimo, do Baixíssimo ou de quem for!... Déspota, mandona, grã-vizira e capitã-geral de todo o governo do mundo, qualquer dia eu recobro o sentido, me desenfeitiço e pego uma estaca... – puxando os cabelos. – Mas como poderei pegar uma estaca, pobre de mim, se tenho medo dela e quando vejo que o seu lábio está tremendo, vou me esconder embaixo da mesa! A estaca que eu pegar será a vara de São José, porque sou um bendito e só sirvo para combinar o algarismo e tirar dinheiro debaixo das pedras... Esse talento ninguém me tira... Mas ela me ganha no mando e em inventar razões que me deixam sem palavras... Nunca vi fêmea igual, nem creio que haja outra sob o sol... Mas com quem me casei, com Fidela ou com Cruz, ou com as duas ao mesmo tempo? Porque se uma é propriamente minha mulher... Com respeito... A outra é a minha tirana... E de tirania e mulherio, tudo junto, compõem-se essa endiabrada máquina do matrimônio... Enfim, sigamos para a frente e vivamos para ganhar o santíssimo dinheiro, que guardarei onde não possa ser farejado pelas minhas ilustres, respeitadas, aristocráticas... consortes.”


“Do sublime ao ridículo há apenas um passo.”


“Não ligo para hierarquias nem respeitabilidades, sejam as que forem, porque ante a verdade não há cabeça que não deva se humilhar.”

quarta-feira, 9 de abril de 2014

Os escrúpulos de Maigret – Georges Simenon

Editora: L&PM
ISBN: 978-85-254-1877-7
Tradução: Paulo Neves
Opinião: ★★★☆☆
Páginas: 192
Sinopse: Em Os escrúpulos de Maigret, o inspetor da polícia francesa depara-se com um dos casos mais difíceis de sua carreira: sem um cadáver ou um motivo, Maigret investiga um crime que ainda está para acontecer.
Xavier Marton – o educado vendedor da seção de brinquedos do Grande Magazine do Louvre – pede ajuda a Maigret. Ele está convicto de que sua mulher pretende envenená-lo. Pouco tempo depois, a própria esposa de Xavier procura Maigret para informar que é a sua vida que corre perigo.
Na dúvida se ambos são lunáticos, manipuladores ou vítimas, resta ao inspetor investigar os dois suspeitos. Ao observar a relação do casal, Maigret penetra em um curioso caso sobre o casamento e as circunstâncias que levam uma relação ao fim.


“Mesmo assim a perda da saúde por conta do envelhecimento o atormentava, ou, mais exatamente, o deixava melancólico.
Primeiro ele, no ano anterior, com repouso completo de três semanas. Sua mulher, agora. Isto significava que eles muito suavemente haviam atingido a idade dos pequenos aborrecimentos, dos pequenos reparos necessários, um pouco como os automóveis que, depois de certo tempo, precisam dar uma passada quase todas as semanas na oficina.
Só que, para os automóveis, compram-se peças de reposição. Pode-se até mesmo instalar um novo motor.”


“O conhecimento é o bem mais precioso do homem.”


“Há dias assim, em que se faz tudo errado com a melhor boa vontade do mundo.”


“Os psicopatas se encerram num mundo próprio, num mundo de sonho que tem mais importância para eles do que a realidade.”


“As mulheres têm antenas.”


“Há uma maneira de fazer as perguntas que torna difícil responder a elas.”

terça-feira, 8 de abril de 2014

Um defeito de cor – Ana Maria Gonçalves

Editora: Record
ISBN: 978-8501-0717-50
Opinião: ★★★☆☆
Páginas: 952
Sinopse: Fascinante história de uma africana idosa, cega e à beira da morte, que viaja da África para o Brasil em busca do filho perdido há décadas. Ao longo da travessia, ela vai contando sua vida, marcada por mortes, estupros, violência e escravidão. Inserido em um contexto histórico importante na formação do povo brasileiro e narrado de uma maneira original e pungente, na qual os fatos históricos estão imersos no cotidiano e na vida dos personagens. Um Defeito de Cor, de Ana Maria Gonçalves, é um belo romance histórico, de leitura voraz, que prende a atenção do leitor da primeira à última página. Uma saga brasileira que poderia ser comparada ao clássico norte-americano sobre a escravidão, Raízes.



(Provérbios africanos)

“Uma chama não perde nada ao acender outra chama.”


“A borboleta que esbarra em espinhos rasga as próprias asas.”


“O Hoje é o irmão mais velho do Amanhã, e a Garoa é a irmã mais velha da Chuva.”


“Aquele que tenta sacudir o tronco de uma árvore sacode somente a si mesmo.”


“Só quando uma árvore cai alcançamos todos os seus galhos.”


“Se alguém corre através de um espinheiro, ou persegue uma cobra ou foge dela”.


“A sola do pé conhece toda a sujeira da estrada.”


“A espada não poupa o próprio ferreiro.”


“Quando não souberes para onde ir, olha para trás e saiba pelo menos de onde vens.”


“Mesmo o leito seco de um rio ainda guarda o seu nome.”


“Exu matou um pássaro ontem com a pedra que jogou hoje.”

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“Amigo é como um vizinho quando Deus está distraído.”


“A Policarpa me contou muitas histórias sobre Oxum, Oxum Docô, cultuada em sua terra e que é amiga da Iyàmí-Ajé, a “minha Mãe Feiticeira” e senhora dos pássaros, sobre quem eu já tinha ouvido a minha avó falar. A Policarpa disse que quando os orixás chegaram à terra, eles se reuniam para resolver todos os problemas, mas nunca convidavam as mulheres para as assembleias. Oxum se aborreceu quando ficou sabendo disso e começou a tramar vingança contra os homens. Como ela é o orixá da fertilidade e da prosperidade, fez com que todas as mulheres ficassem estéreis e todos os projetos dos homens dessem errado. Quando perceberam o que estava acontecendo, eles se desesperaram e foram consultar Olodumaré, que logo perguntou se Oxum estava sendo convidada para as assembleias. Eles responderam que não, e então Olodumaré disse que, enquanto ela não frequentasse as reuniões, as coisas continuariam dando errado. Convidada, Oxum só aceitou depois de muito insistirem. Implorarem talvez seja a palavra certa, e então todas as mulheres voltaram a ser fecundas e todos os planos frutificaram. É por isso que Oxum é muito importante, porque ela, rainha das águas doces, fertiliza a terra e o ventre das mulheres, fazendo com que brotem todas as riquezas.”


“Na chegada à casa, a banda continuou tocando do lado de fora, para que o espírito do moribundo acreditasse que havia um concerto de anjos tocando para ele, fazendo com que as portas do céu se abrissem para bem recebê-lo. Os padres acreditavam que assim a alma ia embora mais depressa, aliviando o sofrimento do doente. Depois dessa negociação com a alma aconteceu a salvação e a encomendação, e, no caso do sinhô José Carlos, a defesa. Sobre a salvação e a encomendação, a Esméria contou que, primeiro, o moribundo beijava a Santa Cruz e reconhecia Deus como seu único Senhor e Salvador, e em nome dele se arrependia de todos os pecados dos quais se lembrava. Os que tinha esquecido, ou mesmo os que não sabia serem pecados, eram purificados com o ato de passar os santos óleos sobre a boca, o nariz, os olhos, as orelhas e as mãos do moribundo, já que é por intermédio dessas partes do corpo que uma pessoa pode pecar. E só então, livre de todos os pecados, o moribundo pode receber a hóstia, para que a alma suba aos céus acompanhada do corpo e do sangue do Cristo dos brancos. Isso tudo foi a Esméria que me contou naquele dia; sobre a defesa, para que a alma fosse logo descansar no reino dos céus, eu aprendi mais tarde, quando trabalhei na casa do padre Heinz, um estrangeiro que tinha muitos livros e, entre eles, um chamado método de ajudar a bem morrer. Esse livro explica que a hora da morte, para um católico, é a hora na qual acontece uma grande guerra e a alma precisa ser defendida como se estivesse em um tribunal. Os padres são os instrutores militares e os advogados, capazes de salvar almas que tinham pecado uma vida inteira, ou então, caso não fossem bons defensores, de arruinar o futuro de almas que podiam ser consideradas quase santas na Terra. São os padres que orientam as almas, dizendo como elas devem agir para vencer as forças do mal que, na hora da morte, tentam levá-las para o inferno. As mais poderosas armas do cristão, segundo o livro, são os sacramentos, que fortalecem e deixam a alma mais esperta que o mais cruel dos inimigos, o mais ardiloso deles, o mais demoníaco. Só bem preparada e fortalecida, a alma pronta para desencarnar pode vencer esse inimigo, protegida por um poderoso e invencível exército de anjos comandado pelo arcanjo Gabriel. Como instrutor militar, o padre se vale dos sacramentos, e como advogado usa as palavras, porque não basta afastar o demônio, também é preciso fazer com que a alma seja aceita por Deus. Como na maioria das vezes o doente não está em condições de fazer a própria defesa, é o padre quem deve falar de suas boas ações e aos seus bons sentimentos. Eu nunca soube quem teve a difícil tarefa de interceder pelo sinhô José Carlos, mas não deve ter sido fácil sem o uso de omissões e mentiras frente Àquele que tudo vê.”


“À noite, sozinha com o meu filho, a Esméria me orientava a colocá-lo no peito, mesmo que não saísse nada. E foi assim que fiz, sendo que certo dia o leite brotou. Ainda me lembro daquele momento mágico, pois nada no mundo se compara a dar algo de nós para um filho.”


“Quem tem amigos tem todo o resto que merece ter.”


“Se cada pessoa cuidasse com devoção das que estão próximas a ela, tudo seria melhor.”


“Depois do enterro do meu filho primogênito, voltei para casa com a sensação de ter deixado uma parte muito importante de mim em algum lugar de onde eu nunca mais conseguiria recuperá-la.”


“Muitos africanos, principalmente os iorubás, veem a morte, do jeito que a Mãezinha me contou naquele dia. O corpo, esse que a gente toca e vê, é chamado de ara, e quando morremos ele volta a se fundir com a natureza. Mas há também o corpo que não vemos, dividido em quatro partes. A primeira é o emi, o sopro vital que é criado por Oxalá e que depois de abandonar nosso corpo volta para as forças controladas por ele, para depois ser usado em outro corpo. A segunda parte é o orí, a cabeça, onde está nosso destino e que morre junto com o ara, porque cada pessoa tem um destino, ninguém herda o destino do outro. A terceira parte é o orixá, a nossa identidade, que define os nossos defeitos e as nossas origens, qualidades, forças e fraquezas, e que é uma parte muito pequenina do orixá geral, para quem retorna depois da morte do nosso corpo. E por último existe o egum, que é como se fosse a nossa memória de passagem pelo ayê, pela terra, o nosso espírito que volta para o Orum e que depois pode retornar, nascendo geralmente dentro da mesma família, por muitas e muitas gerações. São esses espíritos que, de certa maneira, podemos comparar ao que a minha avó chamava de vodum, e que, por serem espíritos importantes para uma família ou um povo, devem ser sempre lembrados e cultuados. Eu já sabia um pouco de tudo isso, mas foi bom a Mãezinha explicar desde o início, porque ficou mais fácil entender o que viria em seguida.

Eguns e egunguns 

Com palavras muito bem escolhidas e voz tranquila, a Mãezinha parecia receber inspiração especial ao falar de uma força que nós, mulheres, temos à disposição e devemos aprender a usar. Ela contou que, quando o mundo foi criado, Olodumaré, o Deus Supremo, mandou três divindades à terra: Ogum, o senhor do ferro, Obarixá, o senhor da criação dos homens, e Oduá, a única mulher e a única que não tinha poderes. Por causa disso, Oduá foi se queixar a Olodumaré e recebeu dele o poder do pássaro contido em uma cabaça, o que fez dela uma lyá Won, a nossa mãe suprema, a mãe de todas as coisas e para toda a eternidade, a que dá continuidade a tudo que existe ou venha a existir. Olodumaré disse a Oduá que, a partir de então, o homem nunca mais poderia fazer nada sem a colaboração da mulher. Com o poder dos pássaros, as mulheres receberam de graça e de nascimento o axé, que é uma energia que os homens têm que cativar. Não me lembro direito da explicação para este poder estar desde sempre com as mulheres, mas acho que está relacionado ao ninho, representado pela cabaça, ou ao ovo, gerado pelo pássaro. Só sei que, por meio dele, as mulheres passaram a ser as que geram, as que fertilizam, as donas da barriga, que é por onde circula toda a energia e a vida do corpo, através do sangue. É por isso que as mulheres têm as regras, porque o grande poder feminino segue o rastro do sangue. Olodumaré também alertou Oduá que esse era um poder muito grande, maior do que qualquer outro, e que por isso deveria ser usado com cuidado. Mas Oduá abusou, o que fez com que Obarixá fosse se queixar a Olodumaré, preocupado e humilhado com o poder concedido às mulheres. Olodumaré fez o jogo do Ifá para Obarixá e o ensinou a conquistar e vencer Oduá, usando a astúcia e fazendo sacrifícios e oferendas. Ele seguiu os conselhos e conseguiu se casar com Oduá depois de tê-la enganado, fazendo com que comesse uma de suas quizilas (Quizila: Tabu que os orixás têm em relação a certos alimentos). Com o passar do tempo, Obarixá conquistou a confiança de Oduá e descobriu de onde vinha grande parte do seu poder, o culto aos eguns. Ela também mostrou a roupa especial dos eguns e deixou que ele, em segredo, participasse dos cultos. O que Oduá não sabia era que tudo isso fazia parte dos planos de Obarixá, que aproveitou um dia em que ela saiu de casa para modificar e vestir a roupa de egum, chamado então de egungum, e foi assim vestido para a cidade. Quando viu a roupa de egungum andando e falando, Oduá percebeu que tinha sido enganada e reconheceu que merecia ser castigada pelo descuido. Ela então prestou homenagem à esperteza de Obarixá e mandou que o pássaro pousasse sobre ele, para que ele tivesse o poder de transformar em realidade tudo o que dissessem as suas palavras. Depois disso, Oduá nunca mais participou do culto aos egunguns, permitido somente para homens, e ficou com o culto às íydmis. Os eguns masculinos são os egunguns e os femininos são as lyámis. Os egunguns são cultuados separadamente, e somente pelos homens, como um castigo ao abuso e ao descuido de Oduá. Mas, como uma homenagem às mulheres, os homens vestem roupas de mulher. Toda íydmi, ou íydmi agbd, (ydmi agbd: minha mãe ancestral) é cultuada na pessoa de íydmi òsòròngd, que também é chamada de iyãnla, (Iyãnla: A Grande Mãe), e para isso as mulheres se unem nas sociedades gelédés. A Mãezinha fazia parte de uma delas, ali mesmo na ilha. Íydmi Òsòròngd também pode ser chamada de Íyemònjd-Òdud, a dona dos mares, a dona das águas que nutrem e fecundam a terra, o grande útero do mundo. Você sabia que Xangô é também um egungum? Acho que só no Brasil ele é tratado como orixá, mas na verdade é um grande ancestral do povo iorubá, um dos mais importantes reis de que já se ouviu falar em toda a África. Naquele baú, a Mãezinha guardava também bonitas máscaras feitas de madeira e enfeitadas com entalhes de penas ou penas verdadeiras. Algumas delas tinham só a parte da frente e outras cobriam toda a cabeça, como um saco que se enfiava até o pescoço, e eram bastante pesadas. Não experimentei, mas dava para perceber que não era nada confortável vestir aquilo. Enquanto me mostrava as máscaras, a Mãezinha contou que as mulheres das sociedades gelédés são chamadas de feiticeiras, por causa das sete lyámis que foram enviadas ao ayê por Olodumaré. Essas iydmis têm a capacidade de se transformar em pássaros, e o som emitido por um desses pássaros é que dá nome à sociedade: òsòrongà. Quando as sete feiticeiras foram mandadas à terra, pousaram sobre seis árvores, sendo que três escolheram árvores do bem e três escolheram árvores do mal. Restou apenas uma, que ficava voando de um lado para o outro, entre o bem e o mal. Devemos estar sempre de bem com elas, prestando homenagens, para que não nos queiram mal, pois o feitiço das iydmis é extremamente poderoso, ninguém pode com elas. A minha avó conhecia o poder desses pássaros, porque naquela tarde, sob o iroco, ela se referiu às sombras deles, dizendo que eram de mau agouro. A Mãezinha confirmou que a sombra das lyámis é fatal, e que se uma delas passar sobre a nossa cabeça, pode ser que ainda nos salvemos, e somente a força das mulheres pode amenizar o poder das iydmis, porque somente as mulheres têm o axé natural, que vem do nosso ventre, dos nossos seios e das nossas regras. Mas se por acaso, alguma das iydmis pousar sobre a nossa cabeça, não há salvação, pois nenhum axé é tão poderoso quanto a força delas. Quando se fala no nome delas, quem está de pé tem que fazer uma reverência, e quem não está tem que se levantar imediatamente, para não correr o risco de elas se vingarem pela falta de respeito. A Mãezinha disse que em São Salvador havia um lugar sagrado para o culto gelédé, e me lembrei de já ter visto algumas pessoas caminharem por lá com as mãos sobre as cabeças, provavelmente com medo das sombras. É um lugar chamado Dendezeiros do Bonfim, onde provavelmente ainda existe um grande iroco, sob o qual as pessoas evitavam passar durante a noite, principalmente à meia-noite, quando é ainda mais forte o poder das iydmis, assim como ao meio-dia. Quando ela soube que eu era do Daomé, disse que muitas pessoas da minha terra se reuniam em um lugar chamado Bogum, que provavelmente era um jeito de dizer "vodum". Eu sabia que ficava na Federação e era frequentado sobretudo pelos mais velhos como eu, que cultuavam o vodum Zogbo.”


“As crianças esquecem com facilidade, têm a vida toda para repovoar a memória com lembranças boas, e por isso não têm muita necessidade de lamentar as más recordações.”


“Acho que essa é até uma palavra melhor que tristeza, a palavra conformismo, porque é uma palavra que acaba com os sonhos das pessoas.”


(...) “Ele dizia que um verdadeiro artista precisava saber contemplar, que a natureza era a dona de toda a arte, apenas emprestada aos homens.”


“Duas ou três semanas antes da partida eu já tinha começado a chorar escondida pela casa, à noite, quando todos estavam dormindo e eu me levantava para olhar os ibêjis (gêmeos) em suas camas. Eu não sabia por quanto tempo meus filhos ficariam fora, e o padre Borghero calculava cinco anos, no mínimo. Durante todos esses anos eles não voltariam para casa, por causa da distância e do tempo que perderiam indo de um lado para outro, e eu tinha certeza de que voltariam muito diferentes. Não apenas na aparência, mas voltariam adultos, e me tratariam como adultos. Eu achava que isso era bom, gostava da ideia de eles se tornarem adultos independentes, mas tinha medo de que mudassem a ponto de eu não reconhecê-los. Sempre mudamos, mas quando estamos perto de alguém, a pessoa vai se acostumando com a gente, com o que estamos nos tornando, e aprendendo a gostar daquela nova pessoa. De longe isso não acontece.”