Editora: Vozes
ISBN: 85-326-0687-3
Tradução: Paulo
Meneses
Opinião: ★★★☆☆
Páginas: 272
Sinopse: Este
livro assinalou, em 1807, um marco no trabalho de Hegel, que começou a publicar
sua primeira tentativa de construir um Sistema de Filosofia, com a
Fenomenologia do Espírito, onde a fenomenologia desempenha uma função
fundamental: a introdução à Ciência. A intenção do autor é articular com o fio
de um discurso científico - ou com a necessidade de uma lógica - as figuras do
sujeito ou da consciência que se desenham no horizonte do seu afrontamento com
o mundo objetivo.
“2 - Do mesmo modo, a determinação das
relações que uma obra filosófica julga ter com outras sobre o mesmo objeto
introduz um interesse estranho e obscurece o que importa ao conhecimento da
verdade. Com a mesma rigidez com que a opinião comum se prende à oposição entre
o verdadeiro e o falso, costuma também cobrar, ante um sistema filosófico dado,
uma atitude de aprovação ou de rejeição. Acha que qualquer esclarecimento a
respeito do sistema só pode ser uma ou outra. Não concebe a diversidade dos
sistemas filosóficos como desenvolvimento progressivo da verdade, mas só vê na
diversidade a contradição.
O botão desaparece no desabrochar da flor, e
poderia dizer-se que a flor o refuta; do mesmo modo que o fruto faz a flor
parecer um falso ser-aí da planta, pondo-se como sua verdade em lugar da flor:
essas formas não só se distinguem, mas também se repelem como incompatíveis
entre si. Porém, ao mesmo tempo, sua natureza fluida faz delas momentos da
unidade orgânica, na qual, longe de se contradizerem, todos são igualmente
necessários. É essa igual necessidade que constitui unicamente a vida do todo.
Mas a contradição de um sistema filosófico não costuma conceber-se desse modo;
além disso, a consciência que apreende essa contradição não sabe geralmente
libertá-la - ou mantê-la livre - de sua unilateralidade; nem sabe reconhecer no
que aparece sob a forma de luta e contradição contra si mesmo, momentos
mutuamente necessários.”
“3 - (...) Com efeito, a Coisa mesma não se
esgota em seu fim, mas em sua atualização; nem o resultado é
o todo efetivo, mas sim o resultado junto com o seu vir-a-ser. O fim
para si é o universal sem vida, como a tendência é o mero impulso ainda carente
de sua efetividade; o resultado nu é o cadáver que deixou atrás de si a tendência.
Igualmente, a diversidade é, antes, o limite da Coisa: está ali
onde a Coisa deixa de ser; ou é o que a mesma não é.
Essa preocupação com o fim ou os resultados,
como também com as diversidades e apreciações dos mesmos, é, pois, uma tarefa
mais fácil do que talvez pareça. Com efeito, tal modo de agir, em vez de se
ocupar com a Coisa mesma, passa sempre por cima. Em vez de nela demorar-se e
esquecer a si mesmo, prende-se sempre a algo distinto; prefere ficar em si
mesmo a estar na Coisa e a abandonar-se a ela. Nada mais fácil do que julgar o
que tem conteúdo e solidez; apreendê-lo é mais difícil; e o que há de mais
difícil é produzir sua exposição, que unifica a ambos.
4 - O começo da cultura e do esforço para emergir
da imediatez da vida substancial deve consistir sempre em adquirir
conhecimentos de princípios e pontos de vista universais. Trata-se
inicialmente de um esforço para chegar ao pensamento da Coisa em
geral e também para defendê-la ou refutá-la com razões, captando a
plenitude concreta e rica segundo suas determinidades, e sabendo dar uma
informação ordenada e um juízo sério a seu respeito. Mas esse começo da cultura
deve, desde logo, dar lugar à seriedade da vida plena que se adentra na
experiência da Coisa mesma. Quando enfim o rigor do conceito tiver penetrado na
profundeza da Coisa, então tal conhecimento e apreciação terão na conversa o
lugar que lhes corresponde.”
“7 - Tomando a manifestação dessa exigência
em seu contexto mais geral e no nível em que presentemente se encontra o
espírito consciente-de-si, vemos que esse foi além da vida substancial
que antes levava no elemento do pensamento; além dessa imediatez de sua fé,
além da satisfação e segurança da certeza que a consciência possuía devido à
sua reconciliação com a essência e a presença universal dela - interior e
exterior. O espírito não só foi além - passando ao outro extremo da reflexão,
carente de substância, de si sobre si mesmo - mas ultrapassou também isso. Não
somente está perdida para ele sua vida essencial; está também consciente dessa
perda e da finitude que é seu conteúdo. Como o filho pródigo, rejeitando os
restos da comida, confessando sua abjeção e maldizendo-a, o espírito agora
exige da filosofia não tanto o saber do que ele é, quanto resgatar, por
meio dela, aquela substancialidade e densidade do ser que tinha perdido.
Para atender a essa necessidade, não deve
apenas descerrar o enclausuramento da substância, e elevá-la à
consciência-de-si, ou reconduzir a consciência caótica à ordem pensada e à
simplicidade do conceito; deve, sobretudo, misturar as distinções do
pensamento, reprimir o conceito que diferencia, restaurar o sentimento da
essência, garantir não tanto a perspicácia quanto a edificação. O
belo, o sagrado, a religião, o amor são a isca requerida para despertar o
prazer de mordiscar. Não é o conceito, mas o êxtase, não é a necessidade fria e
metódica da Coisa que deve constituir a força que sustém e transmite a riqueza
da substância, mas sim o entusiasmo abrasador.
8 - Corresponde a tal exigência o esforço
tenso e impaciente, de um zelo quase em chamas, para retirar os homens do
afundamento no sensível, no vulgar e no singular, e dirigir seu olhar para as
estrelas; como se os homens, de todo esquecidos do divino, estivessem a ponto
de contentar-se com pó e água, como os vermes. Outrora tinham um céu dotado de
vastos tesouros de pensamentos e imagens. A significação de tudo que existe
estava no fio de luz que o unia ao céu; então, em vez de permanecer neste
mundo presente, o olhar deslizava além, rumo à essência divina: a uma presença
no além - se assim se pode dizer.”
“12 - (...) Quando queremos ver um carvalho
na robustez de seu tronco, na expansão de seus ramos, na massa de sua folhagem,
não nos damos por satisfeitos se em seu lugar nos mostram uma bolota. Assim a
ciência, que é a coroa de um mundo do espírito, não está completa no seu
começo. O começo do novo espírito é o produto de uma ampla transformação de
múltiplas formas de cultura, o prêmio de um itinerário muito complexo, e também
de um esforço e de uma fadiga multiformes. Esse começo é o todo, que retomou a
si mesmo de sua sucessão no tempo e de sua extensão no espaço; é o conceito que
veio a ser conceito simples do todo. Mas a efetividade desse todo
simples consiste em que aquelas figuras, que se tornaram momentos, de novo se
desenvolvem e se dão nova figuração; mas no seu novo elemento, e no sentido que
resultou do processo.”
“18 - Aliás, a substância viva é o ser, que
na verdade é sujeito, ou - o que significa o mesmo - que é na verdade
efetivo, mas só à medida que é o movimento do pôr-se-a-si-mesmo, ou a mediação consigo
mesmo do tomar-se-outro. Como sujeito, é a negatividade pura e simples,
e justamente por isso é o fracionamento do simples ou a duplicação
oponente, que é de novo a negação dessa diversidade indiferente e de seu
oposto. Só essa igualdade reinstaurando-se, ou só a reflexão em si mesmo
no seu ser-Outro, é que são o verdadeiro; e não uma unidade originária enquanto
tal, ou uma unidade imediata enquanto tal. O verdadeiro é o vir-a-ser de
si mesmo, o círculo que pressupõe seu fim como sua meta, que o tem como
princípio, e que só é efetivo mediante sua atualização e seu fim.
19 - Assim, a vida de Deus e o conhecimento
divino bem que podem exprimir-se como um jogo de amor consigo mesmo; mas é uma
ideia que baixa ao nível da edificação e até da insipidez quando lhe falta o
sério, a dor, a paciência e o trabalho do negativo. Decerto, a vida de Deus é,
em si, tranquila igualdade e unidade consigo mesma; não lida seriamente com o
ser Outro e a alienação, nem tampouco com o superar dessa alienação. Mas esse em
si divino é a universalidade abstrata, que não leva em conta sua natureza
de ser-para-si e, portanto, o movimento da forma em geral. Uma vez que
foi enunciada a igualdade da forma com a essência, por isso mesmo é um engano
acreditar que o conhecimento pode se contentar com o Em si ou a essência, e
dispensar a forma - como se o princípio absoluto da intuição absoluta pudesse
tornar supérfluos a atualização progressiva da essência e o desenvolvimento da
forma. Justamente por ser a forma tão essencial à essência quanto essa é
essencial a si mesma, não se pode apreender e exprimir a essência como essência
apenas, isto é, como substância imediata ou pura auto intuição do divino. Deve
exprimir-se igualmente como forma e em toda a riqueza da forma
desenvolvida, pois só assim a essência é captada e expressa como algo efetivo.
20 - O verdadeiro é o todo. Mas o todo é somente
a essência que se implementa através de seu desenvolvimento. Sobre o absoluto,
deve-se dizer que é essencialmente resultado; que só no fim é
o que é na verdade. Sua natureza consiste justo nisso: em ser algo efetivo, em
ser sujeito ou vir-a-ser-de-si-mesmo. Embora pareça contraditório conceber o
absoluto essencialmente como resultado, um pouco de reflexão basta para
dissipar esse semblante de contradição. O começo, o princípio ou o absoluto -
como de início se enuncia imediatamente - são apenas o universal. Se digo:
"todos os animais", essas palavras não podem valer por uma
zoologia. Do mesmo modo, as palavras "divino", "absoluto", "eterno"
etc. não exprimem o que nelas se contém; - de fato, tais palavras só exprimem a
intuição como algo imediato. A passagem - que é mais que uma palavra dessas -
contém um tomar-se Outro que deve ser retomado, e é uma mediação; mesmo
que seja apenas passagem a outra proposição. Mas o que horroriza é essa
mediação: como se fazer uso dela fosse abandonar o conhecimento absoluto - a
não ser para dizer que a mediação não é nada de absoluto e que não tem lugar no
absoluto.
21 - Na verdade, esse horror se origina da
ignorância a respeito da natureza da mediação e do próprio conhecimento
absoluto. Com efeito, a mediação não é outra coisa senão a igualdade consigo
mesmo semovente, ou a reflexão sobre si mesmo, o momento do Eu para si essente,
a negatividade pura ou reduzida à sua pura abstração, o simples vir-a-ser.
O Eu, ou o vir a ser em geral - esse mediatizar -, justamente por causa de sua
simplicidade, é a imediatez que vem a ser, e o imediato mesmo.
É portanto um desconhecer da razão o que se
faz quando a reflexão é excluída do verdadeiro e não é compreendida como um
momento positivo do absoluto. É a reflexão que faz do verdadeiro um resultado,
mas que ao mesmo tempo suprassume essa oposição ao seu vir a ser; pois esse vir
a ser é igualmente simples, e não difere por isso da forma do verdadeiro, que
consiste em mostrar-se como simples no resultado - ou melhor, que é justamente
esse Ser retornado à simplicidade.”
“24 - Entre as várias consequências
decorrentes do que foi dito, pode-se ressaltar esta: que o saber só é efetivo -
e só pode ser exposto - como ciência ou como sistema. Outra consequência
é que, uma assim chamada proposição fundamental (ou princípio) da filosofia, se
é verdadeira, já por isso é também falsa, enquanto é somente proposição
fundamental ou princípio. Por isso é fácil refutá-la. A refutação consiste em
indicar-lhe a falha. Mas é falha por ser universal apenas, ou princípio; por
ser o começo.
Se a refutação for radical, nesse caso é
tomada e desenvolvida do próprio princípio, e não estabeleci da através de
asserções opostas ou palpites aduzidos de fora. Assim, a refutação seria
propriamente seu desenvolvimento e, desse modo, o preenchimento de suas lacunas
- caso aí não se desconheça, focalizando exclusivamente seu agir negativo,
sem levar em conta também seu progresso e resultado segundo seu aspecto positivo.
Em sentido inverso, a atualização positiva,
propriamente dita, do começo, é ao mesmo tempo um comportar-se negativo a
seu respeito - quer dizer, a respeito de sua forma unilateral de ser só imediatamente,
ou de ser fim. A atualização pode assim ser igualmente tomada como
refutação do que constitui o fundamento do sistema; porém, é mais
correto considerá-la como um indício de que o fundamento ou o princípio
do sistema é de fato só o seu começo
25 - O que está
expresso na representação, que exprime o absoluto como espírito, é que o
verdadeiro só é efetivo como sistema, ou que a substância é essencialmente
sujeito. Eis o conceito mais elevado que pertence aos tempos modernos e à sua
religião. Só o espiritual é o efetivo: é a essência ou o em-si-essente:
o relacionado consigo e o determinado; o ser-outro e o
ser-para-si, e o que nessa determinidade ou em seu ser-fora-de-si permanece
em si mesmo - enfim, o ser espiritual é em-si-e-para-si.
Porém, esse ser-em-si-e-para-si é,
primeiro, para nós ou em-si: é a substância espiritual. E deve
ser isso também para si mesmo, deve ser o saber do espiritual e o saber
de si como espírito. Quer dizer: deve ser para si como objeto, mas ao
mesmo tempo, imediatamente, como objeto suprassumido e refletido em si. Somente
para nós ele é-para-si, enquanto seu conteúdo espiritual é produzido por
ele mesmo. Porém, enquanto é para si também para si mesmo, então é esse
autoproduzir-se, o puro conceito; é também para ele o elemento objetivo, no
qual tem seu ser-aí e desse modo é, para si mesmo, objeto refletido em si no
seu ser-aí.
O espírito, que se sabe desenvolvido assim
como espírito, é a ciência. A ciência é a efetividade do espírito, o
reino que ele para si mesmo constrói em seu próprio elemento.
26 - O puro reconhecer-se-a-si-mesmo no
absoluto ser-outro, esse éter como tal, é o fundamento e o solo da
ciência, ou do saber em sua universalidade. O começo da filosofia faz a
pressuposição ou exigência de que a consciência se encontre nesse elemento. Mas
esse elemento só alcança sua perfeição e transparência pelo movimento de seu
vir-a-ser. É a pura espiritualidade como o universal, que tem o modo da
imediatez simples. Esse simples, quando tem como tal a existência, é o
solo da ciência, que é o pensar, o qual só está no espírito. Porque esse
elemento, essa imediatez do espírito é, em geral, o substancial do espírito, é
a essencialidade transfigurada, a reflexão que é simples ela mesma, a
imediatez tal como é para si, o ser que é reflexão sobre si mesmo”
“28 - (...) O singular deve também percorrer
os degraus de formação cultural do espírito universal, conforme seu conteúdo;
porém, como figuras já depositadas pelo espírito, como plataformas de um
caminho já preparada e aplainado. Desse modo, vemos conhecimentos, que em
antigas épocas ocupavam o espírito maduro dos homens, serem rebaixados a
exercícios - ou mesmo a jogos de meninos; assim pode reconhecer-se no progresso
pedagógico, copiada como em silhuetas, a história do espírito do mundo. Esse
ser-aí passado é propriedade já adquirida do espírito universal e,
aparecendo-lhe assim exteriormente, constitui sua natureza inorgânica. Conforme
esse ponto de vista, a formação cultural considerada a partir do indivíduo
consiste em adquirir o que lhe é apresentado, consumindo em si mesmo sua
natureza inorgânica e apropriando-se dela. Vista porém do ângulo do espírito
universal, enquanto é a substância, a formação cultural consiste apenas em que
essa substância se dá a sua consciência de si, e em si produz seu vir a ser- e
sua reflexão.”
“29 - A ciência apresenta esse movimento de
formação cultural em sua atualização e necessidade, como também apresenta em
sua configuração o que já desceu ao nível de momento e propriedade do espírito.
A meta final desse movimento é a intuição espiritual do que é o saber. A
impaciência exige o impossível, ou seja, a obtenção do fim sem os meios. De um
lado, há que suportar as longas distâncias desse caminho, porque cada
momento é necessário. De outro lado, há que demorar-se em cada momento,
pois cada um deles é uma figura individual completa, e assim cada momento só é
considerado absolutamente enquanto sua determinidade for vista como todo ou
concreto, ou o todo for visto na peculiaridade dessa determinação.
A substância do indivíduo, o próprio espírito
do mundo, teve a paciência de percorrer essas formas na longa extensão do tempo
e de empreender o gigantesco trabalho da história mundial, plasmando nela, em
cada forma, na medida de sua capacidade, a totalidade de seu conteúdo; e nem
poderia o espírito do mundo com menor trabalho obter a consciência sobre si
mesmo. É por isso que o indivíduo, pela natureza da Coisa, não pode apreender
sua substância com menos esforço. Todavia, ao mesmo tempo tem fadiga menor,
porque a tarefa em si já está cumprida, o conteúdo já é a efetividade
reduzida à possibilidade. A imediatez foi obtida à força, a configuração foi
reduzida à sua abreviatura, à simples determinação de pensamento.”
Sendo já um pensado, o conteúdo é propriedade
da substância; já não é o ser-aí na forma do ser-em-si, porém é
somente o que - não sendo mais simplesmente o originário nem o imerso no
ser-aí, mas o Em-si rememorado - deve ser convertido na forma do ser-para-si.
Convém examinar mais de perto a natureza desse agir.”
“32 - (...) A morte - se assim quisermos
chamar essa inefetividade - é a coisa mais terrível; e suster o que está morto
requer a força máxima. A beleza sem força detesta o entendimento porque lhe
cobra o que não tem condições de cumprir. Porém não é a vida que se atemoriza
ante a morte e se conserva intacta da devastação, mas é a vida que suporta a
morte e nela se conserva, que é a vida do espírito. O espírito só alcança sua
verdade na medida em que se encontra a si mesmo no dilaceramento absoluto. Ele
não é essa potência como o positivo que se afasta do negativo - como ao dizer
de alguma coisa que é nula ou falsa, liquidamos com ela e passamos a outro
assunto. Ao contrário, o espírito só é essa potência enquanto encara
diretamente o negativo e se demora junto dele. Esse demorar-se é o poder mágico
que converte o negativo em ser. Trata-se do mesmo poder que acima se denominou
sujeito, e que ao dar, em seu elemento, ser-aí à determinidade, suprassume a
imediatez abstrata, quer dizer, a imediatez que é apenas essente em geral.
Portanto, o sujeito é a substância verdadeira, o ser ou a imediatez - que não
tem fora de si a mediação, mas é a mediação mesma.”
“36 - O ser-aí imediato do espírito - a consciência
- tem os dois momentos: o do saber e o da objetividade, negativo em relação
ao saber. Quando nesse elemento o espírito se desenvolve e expõe seus momentos,
essa oposição recai neles, e então surgem todos como figuras da consciência. A
ciência desse itinerário é a ciência da experiência que faz a
consciência; a substância é tratada tal como ela e seu movimento são objetos da
consciência. A consciência nada sabe, nada concebe, que não esteja em sua
experiência, pois o que está na experiência é só a substância espiritual, e em
verdade, como objeto de seu próprio Si. O espírito, porém, se torna
objeto, pois é esse movimento de tornar-se um Outro - isto é, objeto
de seu Si - e de suprassumir esse ser-outro. Experiência é justamente o
nome desse movimento em que o imediato, o não-experimentado, ou seja, o
abstrato - quer do ser sensível, quer do Simples apenas pensado - se aliena e
depois retorna a si dessa alienação; e por isso - como é também propriedade da
consciência - somente então é exposto em sua efetividade e verdade.
37 - A desigualdade que se estabelece na consciência
entre o Eu e a substância - que é seu objeto - é a diferença entre eles, o negativo
em geral. Pode considerar-se como falha dos dois, mas é sua alma, ou
seja, é o que os move. Foi por isso que alguns dos antigos conceberam o vazio
como o motor. De fato, o que conceberam foi o motor como o negativo, mas
ainda não o negativo como o Si. Ora, se esse negativo aparece primeiro como
desigualdade do Eu em relação ao objeto, é do mesmo modo desigualdade da
substância consigo mesma. O que parece ocorrer fora dela - ser uma atividade
dirigida contra ela - é o seu próprio agir; e ela se mostra assim ser
essencialmente sujeito.
Quando a substância tiver revelado isso
completamente, o espírito terá tornado seu ser-aí igual à sua essência: então é
objeto para si mesmo tal como ele é; e foi superado o elemento abstrato da
imediatez e da separação entre o saber e a verdade. O ser está absolutamente
mediatizado: é conteúdo substancial que também, imediatamente, é propriedade do
Eu; tem a forma do Si, ou seja, é o conceito.
Neste ponto se encerra a Fenomenologia do
Espírito. O que o espírito nela se prepara é o elemento do saber. Agora se
expandem nesse elemento os momentos do espírito na forma da simplicidade,
que sabe seu objeto como a si mesma. Esses momentos já não incidem na oposição
entre o ser e o saber, separadamente; mas ficam na simplicidade do saber - são
o verdadeiro na forma do verdadeiro, e sua diversidade é só diversidade de
conteúdo. Seu movimento, que nesse elemento se organiza em um todo, é a Lógica
ou Filosofia Especulativa.”
“40 - O dogmatismo - esse modo de
pensar no saber e no estudo da filosofia - não é outra coisa senão a opinião de
que o verdadeiro consiste numa proposição que é um resultado fixo, ou ainda,
que é imediatamente conhecida. A questões como estas - Quando nasceu César? Que
estádio era e quanto media? - deve-se dar uma resposta nítida. Do mesmo
modo, é rigorosamente verdadeiro que no triângulo retângulo o quadrado da
hipotenusa é igual à soma dos quadrados dos catetos. Mas a natureza de tal
verdade (como a chamam) é diferente da natureza das verdades filosóficas.”
“42 - (...) O nascer interior, ou o vir a ser
da substância, é inseparavelmente transitar para o exterior ou para o ser-aí; é
ser para Outro. Inversamente, o vir a ser do ser-aí é o recuperar a si mesmo na
essência. O movimento é assim o duplo processo e vir a ser do todo; de modo que
cada momento põe ao mesmo tempo o outro, e por isso cada qual tem em si, como
dois aspectos, ambos os momentos; e eles, conjuntamente, constituem o todo,
enquanto se dissolvem a si mesmos e se fazem momentos seus.”
“47 - (...) Na totalidade do
movimento, compreendido como estado de repouso, o que nele se diferencia e se
dá um ser-aí particular é conservado como algo que se rememora, cujo
ser-aí é o saber de si mesmo; como esse saber é também imediatamente ser-aí.
48 - Talvez pareça necessário indicar antes
os pontos principais do método desse movimento, ou da ciência. Mas seu
conceito já se encontra no que foi dito, e sua apresentação autêntica pertence
à Lógica, ou melhor, é a própria Lógica. Pois o método não é outra coisa que a
estrutura do todo, apresentada em sua pura essencialidade. Porém, quanto às
opiniões em voga até agora sobre o método, devemos ter consciência de que
também o sistema das representações relativas ao método filosófico pertence a
uma cultura desaparecida. Isso pode soar um tanto arrogante ou revolucionário -
um tom de que me sinto bem distante. Porém deve-se observar que a opinião
corrente já acha pelo menos antiquado todo o aparato científico oferecido pela
matemática - explicações, divisões, axiomas, séries de teoremas e suas
demonstrações, princípios com suas demonstrações e conclusões. Embora sua
inutilidade não seja claramente entendida, contudo se faz pouco uso, ou nenhum,
desse método: se não é em si desaprovado, também não é estimado. Ora, devemos
ter essa pressuposição a respeito do excelente: de que seja aplicado e se faça
amar.
Mas não é difícil perceber que essa maneira
de proceder - expor uma proposição, defendê-la com argumentos, refutar o seu
oposto com razões - não é a forma como a verdade pode manifestar-se. A verdade
é seu próprio movimento dentro de si mesma; mas aquele método é o conhecer que
é exterior à matéria. Por isso, como já anotamos, é próprio da matemática e
deve-se-lhe deixar, pois tem como princípio a relação de grandeza - relação
carente de conceito -, e tem como matéria o espaço morto e o Uno igualmente
morto. Mas esse método pode continuar a ser utilizado, de maneira mais livre -
quer dizer, mais misturado com capricho e contingência - na vida cotidiana, na
conversação e na informação histórica, que ficam mais na curiosidade que no
conhecimento. Também um prefácio é mais ou menos isso.”
“55 - (...) Precisamente pelo motivo de ser
determinado como espécie, o ser-aí é pensamento simples: o "nous", a
simplicidade, é a substância. Graças à sua simplicidade e igualdade consigo
mesma, a substância aparece como firme e estável. Porém essa igualdade consigo
mesma é também negatividade, e por isso aquele ser-aí fixo procede à sua
própria dissolução. A determinidade, de início, aparenta ser apenas porque se
refere a Outro; e seu movimento, imposto por uma potência estranha. Mas
o que está precisamente contido naquela simplicidade do pensar é que a
determinidade tem em si mesma o seu ser-outro e que é automovimento; pois tal simplicidade
é o pensamento que a si mesmo se move e se diferencia: é a própria
interioridade, o puro conceito. Portanto, a inteligibilidade é,
desse modo, um vir-a-ser; e enquanto é esse vir-a-ser, é a racionalidade.
56 - A natureza do que é está em ser, no seu próprio
ser, seu conceito: nisso consiste a necessidade lógica em geral. Só ela
é o racional ou o ritmo do todo orgânico: é tanto o saber do conteúdo
quanto o conteúdo é conceito e essência; ou seja, só a necessidade lógica é o especulativo.
A figura concreta, movendo-se a si mesma, faz de si uma determinidade
simples; com isso se eleva à forma lógica e é, em sua essencialidade. Seu
ser-aí concreto é apenas esse movimento, e é ser-aí lógico, imediatamente. É,
pois, inútil aplicar de fora o formalismo ao conteúdo concreto; pois esse
conteúdo é nele mesmo o passar ao formalismo. Mas então o formalismo deixa de
ser formalismo, porque a forma é o vir a ser inato do próprio conteúdo
concreto.”
“59 - Na atitude raciocinante, dois aspectos
devem ser ressaltados - aspectos segundo os quais o pensamento conceitual é o
seu oposto. De uma parte, o procedimento raciocinante se comporta negativamente
em relação ao conteúdo apreendido; sabe refutá-lo e reduzi-lo a nada. Essa
intelecção de que o conteúdo não é assim é algo puramente negativo: é o
ponto terminal que a si mesmo não ultrapassa rumo a novo conteúdo, mas para ter
de novo um conteúdo, deve arranjar outra coisa, seja donde for. É a
reflexão no Eu vazio, a vaidade do seu saber.
Essa vaidade não exprime apenas que esse
conteúdo é vão, mas também que é vã essa intelecção, por ser o negativo que não
enxerga em si o positivo. Por conseguinte, uma vez que não ganha como conteúdo
sua negatividade, essa reflexão, em geral, não está na Coisa, mas passa sempre
além dela; desse modo, com a afirmação do vazio, se afigura estar sempre mais
avançada que uma intelecção rica-de-conteúdo. Ao contrário, como já foi
mostrado, no pensar conceituai o negativo pertence ao conteúdo mesmo e - seja como
seu movimento imanente e sua determinação, seja como sua totalidade -
é o positivo. O que surge desse movimento, apreendido como resultado, é o
negativo determinado e portanto é igualmente um conteúdo positivo.
60 - Tendo porém em vista que o pensamento
raciocinante tem um conteúdo, constituído por representações ou por pensamentos
- ou por uma mescla de ambos -, ele possui outro aspecto que lhe dificulta o
conceber. Sua natureza característica está estreitamente vinculada à essência
da ideia indicada acima, ou melhor, a exprime tal qual se manifesta como o
movimento que é o apreender pensante.
No seu comportamento negativo, que acabamos
de ver, o próprio pensar raciocinante é o Si ao qual o conteúdo retoma; porém,
no seu conhecer positivo, o Si é um sujeito representado, com o qual o
conteúdo se relaciona como acidente e predicado. Esse sujeito constitui a base
à qual o predicado está preso, e sobre a qual o movimento vai e vem. No
pensamento conceitual o sujeito comporta-se de outra maneira. Enquanto o conceito
é o próprio Si do objeto, que se apresenta como seu vir a ser, não é um
sujeito inerte que sustenha imóvel os acidentes; mas é o conceito que se move,
e que retoma em si suas determinações.
Nesse movimento subverte-se até aquele
sujeito inerte: penetra nas diferenças e no conteúdo, e em vez de ficar frente
a frente com a determinidade, antes a constitui: isto é, constitui o conteúdo
diferenciado como também o seu movimento. Assim, a base firme, que o raciocinar
tinha no sujeito inerte, vacila; e é somente esse movimento que se torna o
objeto.
O sujeito, que implementa seu conteúdo, deixa
de passar além dele, e não pode ter mais outros predicados e acidentes.
Inversamente, a dispersão do conteúdo é, por isso, reunida sob o Si: o conteúdo
não é o universal que, livre do sujeito, pudesse convir a muitos. Assim o
conteúdo já não é, na realidade, o predicado do sujeito, mas é a substância: é
a essência ou o conceito do objeto do qual se fala. O pensar representativo tem
essa natureza de percorrer acidentes e predicados; e com razão os ultrapassa, por
serem apenas predicados e acidentes. Mas agora é freado em seu curso, pois o
que na proposição tem a forma de um predicado é a substância mesma: sofre o que
se pode representar como um contrachoque. Tendo começado do sujeito, como se
esse ficasse no fundamento em repouso, descobre que - enquanto o predicado é
antes a substância - o sujeito passou para o predicado, e por isso foi
suprassumido; e enquanto o que parece ser predicado se tornou uma massa inteira
e independente, o pensamento já não pode vaguear livremente por aí, mas fica
retido por esse lastro.
Aliás, o sujeito é, de início, posto como o
Si fixo e objetivo, donde o movimento necessário passa à variedade das
determinações ou dos predicados. Aqui entra, no lugar daquele sujeito, o
próprio Eu que sabe - vínculo dos predicados com o sujeito que é seu suporte.
Mas enquanto o primeiro sujeito entra nas determinações mesmas e é sua alma, o
segundo sujeito - isto é, o Eu que sabe - encontra ainda no predicado aquele
primeiro sujeito, quando julgava já ter liquidado com ele, e queria retomar a
si mesmo para além dele. Em vez de ser o agente no movimento do predicado -
como o raciocinar sobre qual predicado deve ser atribuído ao sujeito - deve,
antes, haver-se com o Si do conteúdo; não deve ser para si, mas em união com
ele.
61 - Formalmente pode exprimir-se assim o que
foi dito: a natureza do juízo e da proposição em geral - que em si inclui a
diferença entre sujeito e predicado - é destruída pela proposição especulativa;
e a proposição da identidade, em que a primeira se transforma, contém o
contrachoque na relação sujeito-predicado.
O conflito entre a forma de uma proposição em
geral e a unidade do conceito que a destrói é semelhante ao que ocorre no ritmo
entre o metro e o acento. O ritmo resulta do balanceamento dos dois e de sua
unificação. Assim também, na proposição filosófica, a identidade do sujeito e
do predicado não deve anular sua diferença expressa pela forma da proposição;
mas antes, sua unidade deve surgir como uma harmonia. A forma da proposição é a
manifestação do sentido determinado ou do acento, o qual diferencia o conteúdo
que o preenche; porém a unidade em que esse acento expira está em que o
predicado exprima a substância e em que o próprio sujeito incida no universal.
62 - Para esclarecer com exemplos o que vai
dito, na proposição "Deus é o ser" o predicado é o ser: tem
uma significação substancial na qual o sujeito se dissolve. Aqui "ser"
não deve ser predicado, mas a essência; por isso parece que, mediante a posição
da proposição, Deus deixa de ser o que é - a saber, sujeito fixo. O pensar, em
vez de progredir na passagem do sujeito ao predicado, se sente, com a perda do
sujeito, antes freado e relançado ao pensamento do sujeito, pois esse lhe faz
falta. Ou seja: o próprio predicado sendo expresso como um sujeito, como o ser,
como a essência que esgota a natureza do sujeito, o pensar encontra
também o sujeito imediatamente no predicado. Então, o pensar está ainda nas
profundezas do conteúdo, ou, ao menos, tem presente a exigência de nele se
aprofundar; em lugar de manter a livre posição do raciocinar que no predicado
vai para si mesmo.
Assim, quando se diz: "o efetivo é o
universal", o efetivo, como sujeito, some no seu predicado. O
universal não deve ter somente a significação do predicado, de modo que a
proposição exprima que o efetivo seja universal - mas o universal deve exprimir
a essência do efetivo. Perde assim o pensar seu firme solo objetivo, que tinha
no sujeito, quando estando no predicado é recambiado ao sujeito, e no predicado
não é a si que retoma, e sim ao sujeito do conteúdo.”
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