Editora: Companhia das Letras
ISBN: 978-85-716-4606-3
Tradução: Rosaura Eichenberg
Opinião: ★★★★☆
Páginas: 448
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Sinopse: Ver Parte I
“Assim, o que é um pulsar? Um pulsar é o estado
final de uma estrela maciça, um sol encolhido até o tamanho de uma cidade, que não
é mantido, como as outras estrelas, pela pressão de gás, nem pela degeneração dos
elétrons, mas por forças nucleares. É, em certo sentido, um núcleo atômico de mais
ou menos dezesseis quilômetros de extensão.”
“Eu ficaria muito feliz se os advogados dos discos
voadores e os que acreditam em abduções por extraterrestres tivessem razão e houvesse
evidências reais de vida extraterrestre para examinarmos. No entanto, eles nos pedem
que tenhamos fé.”
“Meus pais morreram há anos. Eu era muito ligado
a eles. Ainda sinto uma saudade terrível. Sei que sempre sentirei. Desejo acreditar
que sua essência, suas personalidades, o que eu tanto amava neles, ainda existe
– real e verdadeiramente – em algum lugar. Não pediria muito, apenas cinco ou dez
minutos por ano, para lhes contar sobre os netos, pô-los ao corrente das últimas
novidades, lembrar-lhes que eu os amo. Uma parte minha – por mais infantil que pareça
– se pergunta como é que estarão. “Está tudo bem?”, desejo perguntar. As últimas
palavras que me vi dizendo a meu pai, na hora de sua morte, foram: “Tome cuidado”.
Às vezes sonho que estou falando com meus pais,
e de repente – ainda imerso na elaboração do sonho – sou tomado pela consciência
esmagadora de que eles não morreram de verdade, de que tudo não passou de um erro
horrível. Ora, ali estão eles, vivos e bem de saúde, meu pai fazendo piadas inteligentes,
minha mãe muito séria me aconselhando a usar uma manta porque está frio. Quando
acordo, passo de novo por um processo abreviado de luto. Evidentemente, existe algo
dentro de mim que está pronto a acreditar na vida após a morte. E que não está nem
um pouco interessado em saber se há alguma evidência séria que confirme tal coisa.
Por isso, não rio da mulher que visita o túmulo
do marido e conversa com ele de vez em quando, talvez no aniversário de sua morte.
Não é difícil de compreender. E se tenho dificuldades com o status ontológico daquele
com quem ela está falando, não faz mal. Não é isso que importa. O que importa é
que os seres humanos são humanos. Mais de um terço dos adultos norte-americanos
acreditam que em algum nível estabeleceram contato com os mortos. O número parece
ter dado um pulo de 15% entre 1977 e 1988. Um quarto dos norte-americanos acredita
em reencarnação.
Mas isso não significa que estou disposto a aceitar
as pretensões de um “médium”, que afirma canalizar os espíritos dos seres amados
que partiram, quando tenho consciência de que neste campo abunda a fraude. Sei o
quanto desejo acreditar que meus pais só abandonaram os cascos de seus corpos, como
insetos ou cobras na muda, e partiram para outro lugar. Compreendo que esses sentimentos
poderiam me tornar uma presa fácil até para um trapaceiro pouco inteligente, de
pessoas normais que desconhecem suas mentes inconscientes, ou dos que sofrem de
uma desordem psiquiátrica dissociativa. Relutantemente, ponho em ação algumas reservas
de ceticismo.
Como é, pergunto a mim mesmo, que os canalizadores
nunca nos dão informações verificáveis que são inacessíveis por outros meios? Por
que Alexandre, o Grande, nunca nos informa sobre a localização exata de sua tumba,
Fermat sobre o seu último teorema, James Wilkes Booth sobre a conspiração do assassinato
de Lincoln, Hermann Göering sobre o incêndio do Reichstag? Por que Sófocles, Demócrito
e Aristarco não ditam as suas obras perdidas? Não querem que as gerações futuras
conheçam as suas obras-primas?
Se fosse anunciada alguma evidência real de vida
após a morte, desejaria muito examiná-la; mas teria de ser uma evidência real científica,
e não meramente anedótica.”
“J. Z. Knight, do estado de Washington, afirma
estar em contato com um ser de 35.000 anos de idade chamado “Ramtha”.
Vamos supor que Ramtha pudesse ser interrogado.
Poderíamos verificar se ele é quem afirma ser? Como é que ele sabe que viveu há
35 mil anos, mesmo aproximadamente? Que calendário emprega? Quem está tomando nota
dos milênios intermediários? Trinta e cinco mil mais ou menos o quê? Como é que
eram as coisas há 35 mil anos? Ou Ramtha tem realmente essa idade, e nesse caso
vamos descobrir alguma coisa sobre esse período, ou é uma fraude e ele (ou melhor,
ela) vai se trair.
Onde é que Ramtha vivia? (Sei que fala inglês
com sotaque hindu, mas onde é que falavam assim há 35 mil anos?) Como era o clima?
O que Ramtha comia? (Os arqueólogos têm alguma noção do que as pessoas comiam nessa
época.) Quais eram as línguas autóctones, e qual era a estrutura social? Com quem
Ramtha vivia – com a mulher, mulheres, filhos, netos? Qual era o ciclo de vida,
a taxa de mortalidade infantil, a expectativa de vida? Eles tinham controle populacional?
Que roupas vestiam? Como elas eram fabricadas? Quais eram os predadores mais perigosos?
Os instrumentos e as estratégias de caça e pesca? Armas? Sexismo endêmico? Xenofobia
e etnocentrismo? E, se Ramtha descendia da “elevada civilização” de Atlântida, onde
estão os detalhes linguísticos, tecnológicos, históricos e de outra natureza? Como
era sua escrita? Que responda. Em lugar disso, a única coisa que recebemos são homilias
banais.”
“Um armador estava prestes a mandar para o mar
um navio de emigrantes. Ele sabia que o navio estava velho, e que não tinha sido
construído com grande esmero; que vira muitos mares e climas, e com frequência necessitara
de reparos. Ficou em dúvida de que possivelmente não estivesse em condições de navegar.
Essas dúvidas lhe oprimiam a mente e o deixavam infeliz. Ele chegou a pensar que
o navio talvez tivesse de ser totalmente revisado e reparado, ainda que isso lhe
custasse grandes despesas. No entanto, antes que a embarcação partisse, conseguiu
superar essas reflexões melancólicas. Disse para si mesmo que o navio passara por
muitas viagens e resistira a muitas tempestades em segurança, que era infundado
supor que não voltaria a salvo também dessa viagem. Ele confiaria em Deus, que não
podia deixar de proteger todas essas famílias infelizes que estavam abandonando
a sua terra natal em busca de dias melhores em outro lugar. Tiraria de sua cabeça
todas as suspeitas mesquinhas sobre a honestidade dos construtores e empreiteiros.
Dessa forma, ele adquiriu uma convicção sincera e confortável de que o seu navio
era totalmente seguro e capaz de resistir às intempéries; assistiu à sua partida
de coração leve e cheio de votos bondosos para o sucesso dos exilados naquele que
seria o seu novo lar no estrangeiro; e embolsou o dinheiro do seguro, quando o navio
afundou no meio do oceano, e não se soube de nada mais.
O que devemos dizer desse homem? Sem dúvida, o
seguinte: que ele foi de fato culpado da morte desses homens. Admite-se que ele
acreditava sinceramente nas boas condições de seu navio; mas a sinceridade de sua
convicção não o ajuda de modo algum, porque ele não tinha o direito de acreditar
na evidência que estava diante de si. Não adquirira a sua opinião conquistando-a
honestamente pela investigação paciente, mas reprimindo as suas dúvidas...”
(William K. Clifford,
The ethics of belief (A ética da fé), 1874)
“Produtos típicos da pseudociência e da superstição
– essa não é uma lista abrangente, mas apenas representativa – são a astrologia;
o Triângulo das Bermudas; o Pé Grande e o monstro do lago Ness; os fantasmas; o
“mau-olhado”; as “auras” multicoloridas, semelhantes a halos, que supostamente circundam
a cabeça de todas as pessoas (as cores são personalizadas); a percepção extra-sensorial
(ESP), o que inclui a telepatia, a predição, a telecinese e a “visão remota” de
lugares distantes; a crença de que 13 é um número de “azar” (razão pela qual muitos
hotéis e edifícios comerciais na América do Norte passam diretamente do 12º. para
o 14º. andar – por que correr o risco?); estátuas que sangram; a convicção de que
andar com uma pata de coelho traz boa sorte; as varinhas adivinhas, a rabdomancia
e a hidroscopia (feitiços de água); a “comunicação facilitada” no autismo; a crença
de que as lâminas de barbear ficam mais afiadas quando mantidas dentro de pequenas
pirâmides de papelão, e outros dogmas da “piramidologia”; os telefonemas dos mortos
(nenhum deles a cobrar); as profecias de Nostradamus; a noção de que o número de
crimes aumenta com a lua cheia; a quiromancia; a numerologia e a criptologia; os
cometas, as folhas do chá e os partos de seres “monstruosos” como prodígios que
anunciam eventos futuros (além de adivinhações correntes em épocas mais primitivas,
realizadas pela observação das entranhas, da fumaça, das formas das chamas, das
sombras e dos excrementos; pela escuta de estômagos borbulhantes e até, durante
um breve período, pelo exame das tábuas de logaritmos); a “fotografia” de eventos
passados, como a crucificação de Jesus; um elefante russo que fala fluentemente;
“sensitivos” que, depois de terem os olhos cuidadosamente vendados, leem livros
com as pontas dos dedos; Edgar Cayce (que predisse que na década 60 o continente
“perdido” de Atlântida “apareceria”) e outros “profetas”, adormecidos e acordados;
a charlatanice das dietas; as experiências fora-do-corpo (por exemplo, a quase-morte)
interpretadas como acontecimentos reais no mundo externo; a fraude dos que curam
pela fé; as mesas Ouija; a vida emocional dos gerânios, revelada pelo uso intrépido
de um “detector de mentiras”; a água que recorda as moléculas que costumavam ser
nela dissolvidas; a leitura do caráter pelas feições faciais ou pelos galos na cabeça;
a confusão do “centésimo macaco” e outras afirmações que confirmam tudo o que uma
pequena fração de nossa espécie quer que seja verdade; os seres humanos que se incendeiam
espontaneamente e ficam chamuscados; grande parte dos biorritmos; as máquinas de
movimento perpétuo, que prometem suprimentos ilimitados de energia (mas, por uma
ou outra razão, são mantidas à distância do exame cuidadoso de um cético); as predições
sistematicamente ineptas de Jeane Dixon (que em 1953 “predisse” uma invasão soviética
do Irã, e em 1965 que a URSS venceria os Estados Unidos, colocando o primeiro ser
humano sobre a Lua) e de outros “médiuns” profissionais; a predição das Testemunhas
de Jeová de que o mundo terminaria em 1917, e muitas profecias semelhantes; a dianética
e a cientologia; Carlos Castañeda e a “feitiçaria”; as afirmações de que foram encontrados
os restos da arca de Noé; o “Horror de Amityville” e outras assombrações; e os relatos
de que um pequeno brontossauro anda esmagando as árvores da floresta tropical da
República do Congo no presente.”
“Muitas doenças não psicogênicas podem ser pelo
menos amenizadas pelo pensamento positivo, (...) sobretudo para gripes, ansiedade,
depressão, dor e sintomas que podem ser gerados pela mente. É concebível que as
endorfinas – as pequenas proteínas do cérebro que têm efeitos semelhantes aos da
morfina – possam ser produzidas pela convicção. Dentro de limites restritos, a esperança,
ao que parece, pode ser transformada em bioquímica. (...)
Depois de ouvir muitas histórias de seus pacientes
sobre alegadas curas pela fé, um médico de Minnesota chamado William Nolen passou
um ano e meio tentando rastrear os casos mais notáveis. Ele revelou muitos casos
de fraude, tendo inclusive desmascarado pela primeira vez na América do Norte uma
“cirurgia mediúnica”. Mas não encontrou nenhum caso de cura de uma doença orgânica
séria. Não havia nenhum caso de cura de pedras na vesícula ou de artrite reumatóide,
por exemplo, muito menos de câncer ou doença cardiovascular. Quando o baço de uma
criança é partido, observou Nolen, basta fazer uma simples operação cirúrgica, e
a criança se recupera totalmente. Mas se levarem a criança a alguém que cura pela
fé, ela morre em um dia. A conclusão do dr. Nolen: “Quando os que curam [pela fé]
tratam de doenças orgânicas graves, são responsáveis por incalculáveis angústias
e infelicidade [...]. Os curandeiros transformam-se em assassinos”.”
“Se a oração funciona, por que Deus não consegue
curar o câncer ou repor um membro amputado? Por que tanto sofrimento evitável, que
Deus poderia impedir com facilidade? E, afinal, por que se tem que rezar a Deus?
Ele não já sabe as curas que precisam ser realizadas?”
“A mente pode causar certas enfermidades,
até doenças fatais. Quando pacientes de olhos vendados são induzidos a acreditar
que estão sendo tocados por uma folha de trepadeira ou arbustos venenosos, desenvolvem
uma dermatite de contato feia e vermelha. A cura pela fé pode caracteristicamente
ajudar esse tipo de doenças placebo ou mediadas pela mente: algumas dores nas costas
e nos joelhos, dores de cabeça, gagueira, úlceras, estresse, febre de feno, asma,
paralisia e cegueira histéricas, falsa gravidez (com interrupção das menstruações
e inchaço abdominal). São todas doenças em que o estado de espírito pode desempenhar
um papel-chave. Nas curas da alta Idade Média associadas com as aparições da Virgem
Maria, a maior parte era de curas repentinas e pouco duradouras de paralisias parciais
ou do corpo inteiro, que são plausivelmente psicogênicas. Além disso, afirmava-se
por toda parte que só os crentes devotos podiam ser curados. Não causa surpresa
que recorrer a um estado de espírito chamado fé possa aliviar sintomas causados,
pelo menos em parte, por outro estado de espírito que talvez não seja muito diferente.
Mas há mais uma coisa: o festival da Lua Cheia
do Equinócio de Outono é um feriado importante nas comunidades chinesas tradicionais
dos Estados Unidos. Verificou-se que, na semana anterior ao festival, a taxa de
mortalidade na comunidade cai em 35%. Na semana seguinte, a taxa de mortalidade
dá um pulo de 35%. Grupos de controle formados por pessoas que não são chinesas
não acusam esse efeito. Poder-se-ia pensar que os suicídios são responsáveis pela
diferença, mas somente são contadas as mortes por causas naturais. Poder-se-ia pensar
que o estresse ou os excessos na alimentação seriam a causa, mas isso não explicaria
a queda na taxa de mortalidade antes da lua cheia do equinócio de outono. O maior
efeito se verifica entre as pessoas com doenças cardiovasculares, que são reconhecidamente
influenciadas pelo estresse. O câncer apresentou um efeito menor. Depois de estudos
mais pormenorizados, revelou-se que as flutuações na taxa de mortalidade ocorriam
exclusivamente entre mulheres de 75 anos ou mais velhas. O festival da Lua Cheia
do Equinócio de Outono é presidido pelas mulheres mais velhas das casas. Elas conseguiam
protelar a morte por uma ou duas semanas para desempenhar o seu papel na cerimônia.
Um efeito semelhante é verificado entre os homens judeus nas semanas ao redor da
Páscoa – uma cerimônia em que os homens mais velhos desempenham o papel principal
– e o mesmo acontece, por toda parte, com aniversários, formaturas e festas afins.
Num estudo mais controverso, psiquiatras da Universidade
de Stanford dividiram 86 mulheres com câncer de mama metastático em dois grupos:
no primeiro, elas eram encorajadas a examinar o seu medo da morte e a tomar conta
de suas vidas, enquanto no outro não recebiam nenhum apoio psiquiátrico especial.
Para surpresa dos pesquisadores, o grupo que recebeu apoio não só experimentou menos
dor, mas também viveu mais tempo – em média, dezoito meses mais.”
“Uma das lições mais tristes da história é a seguinte:
se formos enganados por muito tempo, a nossa tendência é rejeitar qualquer evidência
do logro. Já não nos interessamos em descobrir a verdade. O engano nos aprisionou.
É simplesmente doloroso demais admitir, mesmo para nós mesmos, que fomos enganados.
Se deixarmos que um charlatão tenha poder sobre nós, quase nunca conseguiremos recuperar
nossa independência. Por isso, os antigos logros tendem a persistir, enquanto surgem
outros novos.”
“Com frequência a ignorância engendra mais confiança
que o conhecimento: são os que sabem pouco, e não os que sabem muito, os que asseveram
positivamente que este ou aquele problema nunca será resolvido pela ciência.” (Charles
Darwin, A descendência do homem – 1871)
“Será a Eucaristia, como a Igreja ensina, muito
mais do que uma metáfora fecunda, na realidade a carne de Jesus Cristo, ou será
– química, microscopicamente e de outras maneiras – apenas uma hóstia que o padre
dá ao fiel? O mundo será destruído ao final do ciclo venusiano de 52 anos, a menos
que seres humanos sejam sacrificados aos deuses? O judeu que por acaso não foi circuncidado
leva uma vida pior do que seus colegas de religião que aceitam a antiga aliança
pela qual Deus exige um pedaço do prepúcio de todo fiel masculino? Existem seres
humanos povoando inumeráveis outros planetas, como ensinam os Santos dos Últimos
Dias? Um cientista louco criou os brancos a partir dos negros, como afirma a Nação
do Islã? O Sol realmente não nasceria se não se praticasse o rito de sacrifício
hindu (o que o Satapatha Brâmanenos assegura que aconteceria)?
Podemos formar alguma ideia das raízes humanas
da oração examinando as preces de religiões e culturas pouco familiares. Por exemplo,
eis o que está escrito numa inscrição cuneiforme sobre um selo cilíndrico babilônio
do segundo milênio a.C: “Oh, Ninlil, Senhora das Terras, em teu leito nupcial, na
morada de teu prazer, interceda por mim junto a Enlil, o teu amado. [Assinado] Mili-Shipak,
Shatammu de Ninmah”.
Já faz muito tempo que existiu um Shatammu em
Ninmah, ou até mesmo uma Ninmah. Apesar do fato de Enlil e Ninlil terem sido deuses
importantes – pessoas em todo o mundo ocidental civilizado lhes dirigiram preces
durante 2 mil anos –, o pobre Mili-Shipak estava na realidade orando para um fantasma,
para um produto socialmente tolerado de sua imaginação? E, nesse caso, que dizer
de nós? Ou isso é blasfêmia, uma questão proibida – como era com certeza entre os
cultuadores de Enlil?
A oração funciona realmente? Quais?
Em certa categoria de oração, pede-se a Deus que
intervenha na história humana ou corrija alguma injustiça, real ou imaginada, ou
uma calamidade natural – por exemplo, quando um bispo do oeste norte-americano reza
para que Deus aja e acabe com uma seca devastadora. Por que é preciso rezar? Deus
não sabia da seca? Não tinha consciência de que era uma ameaça aos paroquianos do
bispo? O que fica subentendido sobre as limitações de uma divindade supostamente
onipotente e onisciente? O bispo pediu que seus discípulos também rezassem. Deus
fica mais inclinado a intervir quando muitos oram pedindo misericórdia ou justiça
do que quando apenas alguns rezam? Ou considere-se o seguinte pedido, publicado em The Prayer and Action
Weekly News: Iowa’s Weekly Christian Information Source em 1994:
Você pode se juntar a mim nesta prece para que
Deus destrua pelo fogo o planejamento familiar em Des Moines, de tal modo que ninguém
possa confundir a ação com um incêndio humano, de tal modo que os investigadores
imparciais terão de atribuir o fogo a causas milagrosas (inexplicáveis) e os cristãos
terão de atribuir a catástrofe à Mão de Deus?
Já discutimos a cura pela fé. Que dizer da longevidade
através da oração? O estatístico vitoriano Francis Galton afirmava que – sendo iguais
outras condições – os monarcas britânicos deviam ter vida muito longa, porque milhões
de pessoas em todo o mundo entoavam diariamente o mantra sincero “Deus salve a rainha”
(ou o rei). Entretanto, ele mostrava que, se havia alguma diferença, era que eles
viviam tanto quanto os outros membros da classe aristocrática rica e mimada. Dezenas
de milhões de pessoas em conjunto desejavam publicamente (embora não fosse exatamente
uma prece) que Mao Zedong vivesse “por 10 mil anos”. Quase todo mundo no antigo
Egito pedia aos deuses que o faraó vivesse “para sempre”. Essas preces coletivas
falharam. O seu fracasso constitui um dado.”
“Sem dúvida, muitas religiões – consagradas à
reverência, ao temor, à ética, ao ritual, à comunidade, à família, à caridade e
à justiça política e econômica – não são de forma alguma questionadas, mas antes
enaltecidas pelas descobertas da ciência. Não há necessariamente conflito entre
a ciência e a religião. Em certo nível, elas partilham papéis semelhantes e harmoniosos,
e uma precisa da outra. O debate aberto e vigoroso, até mesmo a consagração da dúvida,
é uma tradição cristã que remonta a Areopagitica de John Milton (1644). Parte
do cristianismo e do judaísmo oficiais adota, e até antecipou, ao menos uma parcela
da humildade, autocrítica, debate racional e questionamento da sabedoria recebida
que o melhor da ciência oferece. Mas outras seitas, às vezes chamadas conservadoras
ou fundamentalistas – e hoje elas parecem estar em ascensão, enquanto as religiões
oficiais se mantêm quase inaudíveis e invisíveis –, optaram por tomar posição a
respeito de questões sujeitas à refutação, e por isso têm algo a temer da ciência.
As tradições religiosas são com frequência tão
ricas e variadas que oferecem uma ampla oportunidade de renovação e revisão, sobretudo
quando seus livros sagrados podem ser interpretados metafórica e alegoricamente.”
“Segundo meu ponto de vista, as consequências
de uma guerra nuclear global se tornaram muito mais perigosas com a invenção da
bomba de hidrogênio, porque as explosões das armas termonucleares no ar são muito
mais competentes para incendiar cidades, gerando enormes quantidades de fumaça,
resfriando e escurecendo a Terra, e induzindo um inverno nuclear em escala global.
Esse foi talvez o debate científico mais controverso em que estive envolvido (aproximadamente
entre 1983-1990). Grande parte da discussão tinha motivações políticas. As implicações
estratégicas do inverno nuclear eram perturbadoras para aqueles que abraçavam uma
política de retaliação maciça com o objetivo de impedir um ataque nuclear, ou para
aqueles que desejavam preservar a opção de um primeiro ataque maciço. Em qualquer
um dos casos, as consequências ambientais provocariam a autodestruição de qualquer
nação que lançasse um grande número de armas termonucleares, mesmo sem reação do
adversário. Um segmento importante da política estratégica durante décadas e a razão
para acumular dezenas de milhares de armas nucleares tornaram-se de repente muito
menos dignas de crédito.
Os declínios da temperatura global previstos no
trabalho científico original sobre o inverno nuclear (1983) eram de 15 a 20°C; as
estimativas atuais são de 10 a 15°C. Os dois valores estão em harmonia, considerando-se
as incertezas irredutíveis nos cálculos. Os dois declínios de temperatura são muito
maiores que a diferença entre as temperaturas globais atuais e as da última era
glacial. Uma equipe internacional de duzentos cientistas tem avaliado as consequências
a longo prazo da guerra termonuclear global, e eles chegaram à conclusão de que,
com o inverno nuclear, a civilização global e a maioria das pessoas na Terra – inclusive
as que vivem longe da zona-alvo na meia latitude norte – estariam a perigo, principalmente
por não ter o que comer. Se algum dia ocorrer a guerra nuclear em grande escala,
tendo cidades como alvo, o trabalho de Edward Teller e seus colegas nos Estados
Unidos (e da equipe congênere chefiada por Andrei Sakharov na União Soviética) poderá
ser responsável pelo fim do futuro humano. A bomba de hidrogênio é de longe a arma
mais terrível já inventada.”
“Considerem-se as principais religiões oficiais.
Em Miquéias, recebemos ordens de agir com justiça e amar a misericórdia; no Êxodo,
somos proibidos de cometer homicídio; no Levítico, a ordem é amar o nosso próximo
como a nós mesmos; e, nos Evangelhos, somos instados a amar nossos inimigos; Entretanto,
pensem nos rios de sangue derramado pelos seguidores ardorosos dos livros em que
se encontram incrustadas essas exortações bem intencionadas.
Em Josué e na segunda metade de Números, celebra-se
o assassinato em massa de homens, mulheres, crianças e animais domésticos em inúmeras
cidades por toda a terra de Canaã. Jericó é arrasada num kherem, uma “guerra
santa”. A única justificativa oferecida para essa matança é a afirmação dos homicidas
de que, em troca da circuncisão de seus filhos e da adoção de um conjunto particular
de rituais, os seus ancestrais teriam recebido há muito tempo a promessa de que
a terra era sua. Não se consegue tirar da Sagrada Escritura nem um vestígio de sentimento
de culpa, nem um resmungo de inquietação patriarcal ou divina com essas campanhas
de extermínio. Em vez disso, Josué “destruiu tudo o que respirava, como o Senhor
Deus de Israel havia ordenado” (Josué, 10:40). E esses acontecimentos não são incidentais,
mas centrais na narração do Velho Testamento. Histórias semelhantes de assassinatos
em massa (e, no caso dos amalecitas, genocídio) podem ser encontrados nos livros
de Saul, Ester, e em outros lugares da Bíblia, sem que apareça nenhuma angústia
de dúvida moral. Tudo isso certamente perturbou os teólogos liberais de eras posteriores.
Diz-se adequadamente que o diabo pode “citar as
Escrituras para justificar seus fins”. A Bíblia está cheia de tantas histórias de
moral contraditória que toda geração encontra nela justificativa para quase todas
as ações que propõe – de incesto, escravidão e homicídio em massa ao amor mais refinado,
coragem e abnegação. E essa desordem moral de múltipla personalidade não se restringe
ao judaísmo e ao cristianismo. Pode-se encontrá-la profundamente entranhada no Islã,
na tradição hindu, e certamente em quase todas as religiões do mundo. Talvez não
sejam os cientistas, mas as pessoas que são moralmente ambíguas.”
“Mesmo quando é aplicado com sensibilidade, o
ceticismo científico pode parecer arrogante, dogmático, cruel, e sem consideração
para com os sentimentos e as crenças profundamente arraigadas dos outros. E deve-se
dizer que alguns cientistas e céticos diligentes aplicam essa ferramenta como se
fosse um instrumento grosseiro, com pouca finura. Às vezes é como se a conclusão
cética viesse em primeiro lugar, como se as afirmações fossem rejeitadas antes do
exame da evidência, e não depois. Todos nós acalentamos as nossas crenças. Em certo
grau, elas definem o nosso eu. Quando aparece alguém que desafia o nosso sistema
de crenças, declarando que sua base não é suficientemente boa – ou que, como Sócrates,
faz perguntas embaraçosas em que não tínhamos pensado, ou demonstra que varremos
para baixo do tapete pressupostos subjacentes de importância capital –, tal fato
se torna muito mais do que uma busca do conhecimento. Nós o sentimos como um ataque
pessoal. (...)
Pela forma como o ceticismo é às vezes aplicado
a questões de interesse público, há uma tendência para apequenar os opositores,
tratá-los com ar de superioridade, ignorar o fato de que, iludidos ou não, os adeptos
da superstição e da pseudociência são seres humanos como sentimentos reais que,
como os céticos, tentam compreender como o mundo funciona e qual poderia ser o nosso
papel nele. Em muitos casos, seus motivos se harmonizam com a ciência. Se a sua
cultura não lhes deu todas as ferramentas necessárias para levar adiante essa grande
busca, vamos moderar as nossas críticas com bondade. Nenhum de nós nasce plenamente
equipado.”
“Muitas críticas válidas à astrologia podem ser
formuladas em algumas frases: por exemplo, a sua aceitação da precessão dos equinócios
ao anunciar uma “Era de Aquário” e a sua rejeição da precessão dos equinócios ao
traçar os horóscopos; o fato de negligenciar a refração atmosférica; a sua lista
de objetos celestes supostamente significativos, que se limita sobretudo àqueles
vistos a olho nu que eram conhecidos de Ptolomeu no século II e ignora uma enorme
variedade de novos objetos astronômicos descobertos desde então (onde está a astrologia
dos asteroides próximos da Terra?); exigências inconsistentes de informações detalhadas
sobre a hora do nascimento em relação à longitude e à latitude do lugar onde ocorreu;
o fato de não conseguir passar no teste dos gêmeos idênticos; as grandes diferenças
nos horóscopos traçados para os mesmos dados de nascimento por astrólogos diferentes;
e a ausência de uma correlação comprovada entre os horóscopos e alguns testes psicológicos,
como o Inventário da Personalidade Polifásica de Minnesota.”
“Dos adultos norte-americanos, 63% não sabem que
o último dinossauro morreu antes que o primeiro ser humano aparecesse; 75% não sabem
que os antibióticos matam as bactérias, mas não matam os vírus; 57% não sabem que
“os elétrons são menores que os átomos”. As pesquisas de opinião mostram que aproximadamente
metade dos adultos norte-americanos não sabe que a Terra gira ao redor do Sol e
leva um ano para fazer a translação em torno dele. Nas minhas classes de graduação
na Universidade Cornell, sou capaz de encontrar estudantes inteligentes que não
sabem que as estrelas se levantam e se põem à noite, nem tampouco que o Sol é uma
estrela.”
“Sem dúvida, há necessidade de empregar o bom
senso na questão da divulgação. É importante não mistificar, nem falar com ar de
superioridade. Ao tentar estimular o interesse do público, os cientistas têm ido
às vezes longe demais – por exemplo, ao tirar conclusões religiosas injustificadas.
O astrônomo George Smoot descreveu sua descoberta de pequenas irregularidades na
radiação de rádio que restou do Big Bang como “a visão da face de Deus”. O físico
Leon Lederman, laureado com o Nobel, descreveu o bóson de Higgs, um tijolo hipotético
de matéria, como “a partícula de Deus”, e deu esse título a um de seus livros. (Na
minha opinião, todas as partículas são de Deus.) Se o bóson de Higgs não existe,
a hipótese de Deus é falsa? O físico Frank Tipler propõe que em futuro remoto os
computadores vão provar a existência de Deus e operar a ressurreição de nossos corpos.”
“Durante 99% do período de existência dos seres
humanos, ninguém sabia ler ou escrever. A grande invenção ainda não fora criada.
À exceção da experiência em primeira mão, quase tudo o que conhecíamos era transmitido
oralmente. Como no brinquedo infantil “telefone sem fio”, durante dezenas e centenas
de gerações, as informações foram lentamente distorcidas e perdidas.
Os livros mudaram tudo isso. Passíveis de serem
adquiridos a um preço barato, eles nos possibilitam interrogar o passado com alto
grau de precisão; estabelecer comunicação com a sabedoria de nossa espécie; compreender
o ponto de vista de outros, e não apenas o dos que estão no poder; considerar –
com os melhores professores – as ideias extraídas a duras penas da Natureza pelas
maiores inteligências que já existiram em todo o planeta e em toda a nossa história.
Permitem que pessoas há muito tempo mortas falem dentro de nossas cabeças. Os livros
podem nos acompanhar por toda parte. Pacientes quando custamos a compreender, eles
nos deixam rever as partes difíceis quantas vezes desejarmos, e jamais criticam
nossos lapsos. Os livros são essenciais para compreender o mundo e participar de
uma sociedade democrática.”
“Minha esposa Ann Druyan e eu somos de famílias
que conheceram a pobreza aflitiva. Mas nossos pais foram leitores apaixonados. Uma
de nossas avós aprendeu a ler porque o pai, agricultor de subsistência, negociou
um saco de cebolas com um professor itinerante. Ela leu pelos cem anos seguintes.
As escolas públicas de Nova York tinham martelado na cabeça de nossos pais a importância
da higiene pessoal e a teoria de que as doenças são causadas por germes. Eles seguiam
as recomendações sobre nutrição infantil do Departamento de Agricultura dos Estados
Unidos como se elas tivessem sido entregues no monte Sinai. O livro do governo sobre
saúde infantil que tínhamos fora colado várias vezes, quando as páginas caíam. Os
cantos estavam estragados. Os principais conselhos foram sublinhados. Era consultado
em toda crise médica. Por certo tempo, meus pais pararam de fumar – um dos poucos
prazeres que lhes era acessível nos anos da Depressão – para que os filhos pequenos
pudessem ter vitaminas e suplementos minerais. Ann e eu tivemos muita sorte.”
“Em pesquisas de opinião feitas nos Estados Unidos
no início dos anos 90, dois terços de todos os adultos não tinham ideia do que fosse
a “superinfovia”; 42% não sabiam onde se encontra o Japão; e 38% ignoravam o termo
“holocausto”. Mas a porcentagem subia a 90 e tantos para quem tinha ouvido falar
dos casos criminais de Menendez, Bobbitt e O. J. Simpson; 99% sabiam que o cantor
Michael Jackson teria molestado sexualmente um menino. Os Estados Unidos podem ser
a nação com a melhor indústria de entretenimento na Terra, mas o preço pago é muito
alto.”
“Ubi dubium ibi libertas: Onde há dúvida,
há liberdade.” (Provérbio latino)
“Não é função de nosso governo impedir que o cidadão
cometa um engano; é função do cidadão , impedir que o governo cometa um engano”.
(Robert H. Jackson, juiz da Suprema Corte de Justiça dos Estados Unidos, 1950)
“Em seu famoso livrinho Sobre a liberdade,
o filósofo inglês John Stuart Mill afirmava que silenciar uma opinião é “um mal
peculiar”. Se a opinião é correta, somos roubados da “oportunidade de trocar o erro
pela verdade”; e, se está errada, somos privados de uma compreensão mais profunda
da verdade em “sua colisão com o erro”. Se conhecemos apenas o nosso lado da argumentação,
mal sabemos sequer esse pouco; ele se torna desgastado, logo aprendido de cor, não
testado, uma verdade pálida e sem vida.
Mill também escreveu: “Se a sociedade deixa um
número considerável de seus membros crescer como simples crianças, incapazes de
agir sob influência da racionalidade, a culpa é da própria sociedade”. Thomas Jefferson
expressou a mesma ideia de forma ainda mais vigorosa: “Se uma nação espera ser simultaneamente,
num estado de civilização, ignorante e livre, espera o que nunca foi e nunca será”.
Numa carta a Madison, ele deu continuidade a esse pensamento: “Uma sociedade que
negocia um pouco de liberdade por um pouco de ordem vai perder ambas, e não merece
nenhuma das duas”.”
“A Declaração de Direitos desatrelou a religião
do Estado, em parte porque muitas religiões estavam impregnadas de um espírito absolutista
– cada uma convencida de que só ela tinha o monopólio da verdade e, assim, ansiosa
para que o Estado impusesse essa verdade aos outros. Muitas vezes, os líderes e
os praticantes das religiões absolutistas eram incapazes de perceber qualquer meio-termo
ou de reconhecer que a verdade poderia se apoiar em doutrinas aparentemente contraditórias
e abraçá-las.
Os idealizadores da Declaração de Direitos tinham
diante dos olhos o exemplo da Inglaterra, onde o crime eclesiástico da heresia e
o crime secular da traição haviam se tornado quase indistinguíveis. Muitos dos primeiros
colonos vieram para os Estados Unidos fugindo da perseguição religiosa, embora alguns
deles ficassem bastante contentes em perseguir outras pessoas por causa de suas
crenças. Os fundadores de nossa nação reconheceram que uma união entre o governo
e religião tende a destruir o governo e a degradar a religião.”
“Não adianta termos direitos, se não os usamos
– o direito à liberdade de expressão quando ninguém contradiz o governo; à liberdade
da imprensa quando ninguém está disposto a fazer as perguntas difíceis; o direito
de reunião quando não há protestos; o sufrágio universal quando menos da metade
do eleitorado vota; a separação da Igreja e do Estado quando o muro entre eles não
passa por uma manutenção regular. Pelo desuso, eles podem se tornar nada mais que
objetos votivos, palavreado patriótico. Os direitos e as liberdades ou se usam ou
se perdem.”
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