Editora: Edições 70
ISBN: 978-97-2441-346-4
Tradução: Antônio Pinto de Carvalho
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Opinião: ★★★☆☆
Páginas: 256
Sinopse: Ver Parte
I
“O
caráter especial de toda a filosofia deve ser concebido de acordo com estas
determinações, para que a estas determinações se faça plena justiça. Não
devemos pedir-lhe, nem esperar dela mais do que atualmente ela dá, nem procurar
nela a satisfação que podemos encontrar num ulterior desenvolvimento do
conhecimento. Não devemos alimentar a pretensão de encontrar presentes na
filosofia antiga os problemas da nossa consciência e os interesses do nosso mundo,
visto que tais questões pressupõem um determinado desenvolvimento do
pensamento. Desta maneira, toda a filosofia, precisamente por ser expressão dum
especial grau de desenvolvimento, pertence ao seu tempo e está circunscrita aos
seus próprios limites. O individual é filho do seu povo, do seu mundo, cuja
substância ele manifesta na sua forma; pois o singular procura expandir-se,
nunca consegue sair fora do seu tempo mais do que aquele que se arrisca a sair
da sua pele, visto pertencer ao único espírito universal que é a sua substância
e a sua própria existência. Como subtrair-se a esta exigência do momento, que
ele é o mesmo espírito universal compreendido na filosofia pensante? Esta
filosofia é o pensamento do próprio espírito, e daí o seu conteúdo é determinado
e substancial. Toda filosofia é do seu próprio tempo, um elo na corrente do
desenvolvimento espiritual, e assim não pode satisfazer senão aos interesses
pertencentes ao seu tempo particular. Por este motivo, a filosofia antiga não é
capaz de apagar as exigências dum espírito em que vive um mais profundo
conceito.
O que
o espírito procura na filosofia é o conceito que constitui a íntima
determinação e a raiz do seu ser, considerado como objeto do seu pensamento. O
espírito quer reconhecer-se a si próprio; mas nas filosofias antigas a Ideia
não assume este caráter determinado. Por este motivo as filosofias de Platão e
de Aristóteles, e dum modo geral todas as filosofias, são sempre vivas e
presentes nos seus princípios fundamentais; mas a filosofia que superou aquele
momento já não pode tomar a forma da filosofia platônica e aristotélica, nem é
possível que nos contentemos com aquelas filosofias, nem que as revivamos; de
sorte que, em nossos dias, não pode haver platônicos, nem aristotélicos, nem
estoicos. Para nos contentarmos com essas filosofias, seria necessário descer a
um momento já ultrapassado do desenvolvimento do espírito, o qual,
desentorpecido por uma cultura mais rica e mais profunda, alcançou maior
compreensão de si mesmo. Mas é empresa desesperada e igualmente absurda, como a
de um homem em idade madura que pretendesse voltar ao ponto de vista da
juventude, ou do jovem que se empenhasse em retroceder à idade de rapaz ou de
criança, embora seja verdade que o homem, o jovem e a criança constituem sempre
um único e idêntico indivíduo. (...) As múmias colocadas entre seres vivos não
podem permanecer.”
“Diz
Aristóteles que o homem começa a filosofar depois de ter provido às
necessidades da vida (Metafísica, 1, 2). Visto a filosofia ser atividade livre,
não egoística, e sobrevir com o desaparecimento das angústias e necessidades, o
espírito deve estar temperado, elevado e revigorado em si mesmo. Importa que as
paixões se encontrem amortecidas, e que a consciência tenha progredido ao ponto
de poder pensar o universal. Pelo que, a filosofia pode considerar-se uma
espécie de luxo, se por luxo entendemos aqueles gozos e ocupações que não
concernem às primeiras urgentes necessidades exteriores enquanto tais. Deste
ponto de vista, a filosofia é, sem dúvida, supérflua. Mas a dificuldade está em
saber o que é o necessário e o supérfluo: do ponto de vista do espírito, a
filosofia é o que há de mais indispensável.”
“c)
A filosofia como pensamento do próprio tempo
A
filosofia desponta num determinado momento de desenvolvimento da cultura.
Contudo, os homens não criam uma filosofia ao acaso: é sempre uma determinada
filosofia que surge no seio dum povo, e a determinação do ponto de vista do
pensamento é idêntica à que se apodera de todas as demais manifestações
históricas do espírito desse povo, está em íntima relação com elas e delas
constitui o fundamento. Deste modo, a forma particular duma filosofia é
sincrônica com uma constituição particular do povo, onde ela aparece, com as
suas instituições, com as suas formas de governo, com a sua moralidade, com a
sua vida social, com as atitudes, hábitos e preferências, com as suas
tentativas e produtos científicos, com a sua religião, com os seus êxitos
militares, com todas as circunstâncias externas, não menos que com a decadência
dos Estados em que este princípio particular impusera a sua supremacia, e com a
formação e progresso de novos Estados, nos quais surge e se desenvolve um
princípio mais alto. Sempre que o espírito alcançou determinado grau da sua
autoconsciência, elabora e faz penetrar este princípio em toda a riqueza das
suas múltiplas relações. Este rico espírito dum povo é um organismo, semelhante
a uma catedral que, composta de numerosas abóbadas, naves, colonadas e
vestíbulos, é sempre manifestação dum todo, duma unidade, cujas partes se
coadunam para um fim. A filosofia é uma forma destes múltiplos aspectos. E qual
é essa forma? É a flor excelsa, o conceito do espírito na sua totalidade, a
consciência e essência espiritual de todo o conjunto, o espírito do tempo como
espírito presente e que se pensa a si próprio. Este todo multíplice reflete-se
nela como num único foco, no conceito que se conhece a si mesmo. A filosofia
que é necessária ao cristianismo não podia ser fundada em Roma, porque todas as
várias e múltiplas formas da unidade total, que era o império romano, eram já
expressão da única e idêntica determinação delas. As relações que medeiam entre
história política, formas do Estado, arte e religião, e a filosofia, não se
devem ao fato de serem aquelas a causa da filosofia, como esta, por seu turno,
não é causa daquelas; tanto uma como as outras têm conjuntamente a mesma raiz
comum: o espírito do tempo. É sempre um determinado modo de ser, um determinado
caráter, que invade todas as diversas partes e se manifesta tanto nas formas
políticas como nas demais formas culturais, fundindo num todo as várias partes;
e estas, por sua vez, não contêm coisa alguma de heterogêneo à condição
fundamental dele, pois que podem aparecer diversas e acidentais, embora se
afigure que muitas delas se contradizem mutuamente. Este grau determinado saiu,
pois, dum precedente. Todavia, não nos propomos mostrar como é que o espírito
dum tempo imprime a sua atualidade inteira e governa as vicissitudes da
história segundo o seu princípio, nem explicar toda esta construção. Semelhante
tarefa cabe a quem quisesse escrever a história filosófica do mundo em geral.
Nós apenas tratamos das formas que imprimem o princípio do espírito num
elemento espiritual afim da filosofia. Tal é a posição da filosofia entre as
várias formas; donde se segue ser ela idêntica ao seu tempo. Mas, se a
filosofia, pelo que respeita ao seu conteúdo, não sai fora do seu tempo,
ultrapassa-o pelo que respeita à forma enquanto, como pensamento e conhecimento
do espírito substancial do seu tempo, faz dele objeto de si própria. Enquanto a
filosofia está no espírito do seu tempo, este é o seu conteúdo determinado;
mas, simultaneamente, como saber, pelo fato de o ter situado em frente de si
(como problema), já o ultrapassou; mas este progresso limita-se à forma, visto
que na realidade não possui outro conteúdo. Este conhecimento é evidentemente a
atualidade do espírito, o autoconhecimento do espírito, o qual faltava
anteriormente; deste modo, a diferença formal é igualmente uma diferença real e
atual. Por meio do conhecimento o espírito põe uma distinção entre conhecimento
e aquilo que ele é; e este conhecimento é precisamente o que produz novas
formas de desenvolvimento.”
“A
cultura consiste nas ideias gerais enquanto imagens generalizadas e nos fins
práticos dentro do âmbito de determinados poderes espirituais que regulam a
consciência e a vida. A nossa consciência contém estas representações e
valoriza-as como determinações últimas pelas quais se move como que ab
interno para ordenar e ligar, sem as conhecer nem tomar por objeto, nem se
interessar pelas suas considerações. Sirva de exemplo o modo como toda a
consciência lança mão e se vale, nos juízos, da abstrata determinação de
pensamento como a do Ser: o sol está no céu; a uva é madura, e assim até o
infinito. Numa cultura mais elevada, estão do mesmo modo implícitas as relações
de causa e efeito, de força e de manifestação, etc. O inteiro saber e todas as
representações da consciência são compenetrados e governados por tal
metafísica, que é a rede em que aparece tomada toda a matéria concreta que
ocupa o gênero humano na ação e nos impulsos. Mas este tecido e os seus nós, na
nossa consciência ordinária, estão imersos, no múltiplo material que contém os
nossos interesses, os nossos objetivos, de que somos conscientes, e que temos
diante de nossos olhos.”
“A
religião e mais precisamente os teólogos ignoram a filosofia só para não serem
contraditos na sua maneira arbitrária de raciocinar. Parece, portanto, que a
religião pretende que o homem se abstenha de pensar nos objetos universais e da
filosofia, que afinal se reduzem a sabedoria humana, a operações humanas,
contrapondo a razão humana à razão divina. Assim, como é costume, distingue-se
o ensinamento divino e a lei do mero saber humano e da invenção, compreendendo
nesta expressão tudo quanto procede da consciência, da inteligência ou da
vontade do homem, em antítese com o conhecimento de Deus, com as coisas que
participam do divino, mercê da divina revelação. Mas tal depreciação do humano,
expressa nesta oposição, vai além de todas as medidas pois implica a concepção
que, se o homem é induzido a admirar a sabedoria de Deus na natureza, a
celebrar como obra de Deus o trigo, as montanhas, os cedros do Líbano na sua
pompa, o canto das aves, a maravilhosa habilidade e os instintos domésticos dos
animais, e procura referir à sabedoria, à bondade e até à justiça de Deus
também as coisas humanas — já não encontra Deus nas instituições e nas leis
humanas, nem nas operações oriundas da vontade do homem, nem no processo do
mundo; mas encontra-o unicamente nos destinos humanos, isto é, em tudo o que
está fora do saber e do livre arbítrio do homem. Assim, tudo quanto é exterior
e acidental é exaltado como obra de Deus, e a parte substancial, que lança as
raízes na vontade e na consciência, é considerada obra do homem. A concordância
entre as relações externas, acontecimentos e circunstâncias, e os fins do homem
em geral pertence a uma esfera superior, mas unicamente porque são fins humanos
e não naturais, como aqueles, aos quais tal concordância se não refere (por
exemplo, o pássaro que encontra o alimento para viver). Se devemos submeter
todas as coisas às leis naturais, e se nestas leis vemos Deus senhor da
natureza: que coisa é então a livre vontade? Não tem esta o domínio sobre as
coisas espirituais, ou então, enquanto espiritual, não é senhora na região do
espírito? E este domínio nas regiões espirituais não representa acaso um posto
mais elevado do que o domínio nas regiões naturais? Esta admiração de Deus
revelando-se nas coisas naturais como tais, nas plantas, nos animais, em
oposição ao que é humano, estará tão longe da religião dos antigos egípcios que
exaltavam o conhecimento do que é divino pelo íbis ou pelos cães? Que diferença
da deplorável condição dos antigos índios, que tinham e têm ainda por divinos
as vacas e os macacos! E enquanto proveem escrupulosamente à nutrição destes
animais, toleram que os homens sofram fome, e julgariam cometer um delito se
esconjurassem as angústias da fome dos seus semelhantes servindo-se da carne
daqueles animais como de alimento.
Tal
concepção revela a crença de que as ações humanas relativas à natureza são não
divinas; e enquanto as obras da natureza são divinas, aquilo que o homem produz
é não divino. Mas os produtos da razão humana merecem ser estimados pelo menos
tanto como a natureza; de contrário, praticamos contra a razão uma injustiça
maior do que a permitida. Se, de fato, a vida e a ação dos animais é divina, a
ação humana deve ocupar um lugar muito mais elevado e merece ser chamada divina
num sentido muito mais nobre. A preeminência do pensamento humano impõe-se ao
nosso reconhecimento. Diz Cristo (Mt. 6, 26-30): Olhai as aves do céu (entre as
quais devemos contar o íbis), as quais não semeiam nem ceifam nem enceleiram, e
vosso pai celestial as alimenta: não sois vós mais do que elas? A superioridade
do homem, imagem de Deus, sobre os animais e sobre as plantas, é implícita e
explicitamente admitida; mas, quando se trata de investigar onde é que o
elemento divino deve ser descoberto e entrevisto, descura-se precisamente aquilo
que constitui a superioridade do homem, e atenta-se apenas nas coisas
inferiores. De modo idêntico, no que concerne ao conhecimento de Deus, é digno
de notar que Cristo situa o conhecimento dele e a fé nele, não na admiração dos
seres naturais, nem nas maravilhas do poder de Deus sobre elas, nem nos sinais
e milagres, mas no testemunho do espírito. O espírito supera infinitamente a
natureza: nele, muito mais do que na natureza, se manifesta a divindade.”
“Na
genuína religião, onde se revela o pensamento infinito, o espírito absoluto,
este se torna manifesto no coração, na consciência representativa, no intelecto
daquilo que é finito. A religião não se revela unicamente a toda espécie de
cultura (o evangelho deve ser pregado ao povo), mas deve, enquanto religião e,
por isso, expressamente dirigida ao coração e ao sentimento, entrar na esfera
da subjetividade, e por consequência na região de ordens finitas de
representações. Na consciência perceptiva e reflexiva sobre as percepções o
homem dispõe, pelas relações por sua natureza especulativas sobre o absoluto,
unicamente de relações finitas que lhe servem num sentido próprio ou num
sentido simbólico para compreender e exprimir as relações do infinito. Todavia,
na religião, enquanto primeiríssima e imediata revelação de Deus, a forma de
representação e do pensamento finito e reflexivo não pode ser a única forma
pela qual Deus dá existência a si mesmo na consciência; mas deve revelar-se
nesta forma, por ser a única compreensível à consciência religiosa.”
“A
filosofia começa no momento em que o universal é concebido como o Ser que tudo
abarca, ou então no qual o Ser é compreendido de modo universal: a saber,
quando surge o pensamento que se pensa a si mesmo, o pensamento do pensar.
Quando é que isto aconteceu? Quando começou? Eis o aspecto histórico da
questão. O pensamento deve ser por si mesmo, deve realizar a sua liberdade,
deve separar-se da natureza passando da dispersão à contemplação; deve
livremente entrar em si mesmo e chegar assim à consciência da sua liberdade.
Como verdadeiro princípio da filosofia deve-se considerar o momento, em que o
absoluto já não é representação, e o sentimento livre não pensa somente o
absoluto, mas apreende a ideia do absoluto: quer dizer, quando o pensamento
reconhece o ser (que também pode ser o próprio pensamento) como a essência das
coisas, como a totalidade absoluta e a essência imanente do todo.
Assim
o simples ser incorpóreo que os hebreus pensaram como Deus (já que toda a
religião é pensamento) não é um objeto da filosofia, ao passo que o são, por
exemplo, as afirmações: A essência ou o princípio das coisas é a água, ou o
fogo, ou o pensamento.
Esta
definição genérica do pensamento que se põe a si mesmo é definição abstrata;
constitui ela o princípio da filosofia, e isto implica um fato histórico, a
figura concreta dum povo cujo conceito geral seja constituído por aquela
indicação. Se dissermos que, para a filosofia se manifestar, é necessário a
consciência da liberdade, o povo onde a filosofia tem início deve possuir este
princípio como base; um povo que possua esta consciência da liberdade funda a
sua existência sobre tal princípio, pelo qual a legislação e toda a
constituição do povo tem a sua base unicamente no conceito que o espírito forma
de si mesmo, nas categorias que tem. Praticamente, equivale a dizer que nesse
povo floresce efetiva liberdade, a liberdade política; esta nasce somente onde
o indivíduo por si se conhece como indivíduo, e sabe que é alguma coisa de
universal e essencial; onde o indivíduo sabe que possui valor infinito, e onde
o sujeito tenha alcançado a consciência da personalidade e quer por conseguinte
valer simplesmente por si mesmo. Portanto, o livre pensamento filosófico tem
este nexo com a liberdade prática, que, como o pensamento filosófico se põe
como pensamento do objeto absoluto, universal e substancial, assim a liberdade,
enquanto se pensa, atribui-se a determinação da universalidade. Pensar em geral
quer dizer dar a uma coisa forma de universalidade, pela qual o pensamento em
primeiro lugar toma por seu objeto o universal, ou então determina o concreto,
a singularidade das coisas naturais, que se encontram na consciência sensível,
como o universal, como o pensamento objetivo; em segundo lugar, é necessário
que, perante tudo quanto eu reconheço e compreendo como universalidade objetiva
e infinita, eu mesmo, do ponto de vista da objetividade, lhe permaneça
contraposto.
Por
este nexo genérico entre liberdade política e liberdade do pensamento, a
filosofia manifesta-se na história só onde e na medida em que se formam
constituições livres. Assim como o espírito se deve destacar da sua vontade
natural e da sua dispersão na matéria, quando quer filosofar, assim não o pode
fazer na forma com que se inicia o espírito universal, anterior ao grau desta
separação. O primeiro grau da unidade do espírito com a natureza, o qual, por
ser imediato, não é o estado verdadeiro e perfeito, é, em geral, o modo de ser
oriental; a filosofia começa, portanto, só com o mundo grego.”
“O
filosofar grego é ingênuo, porque não toma ainda em consideração o contraste
entre o ser e o pensar, mas parte do pressuposto inconsciente de que também o
pensamento seja o ser. É certo que se encontram igualmente fases da filosofia
grega que aparentemente se põem do mesmo ponto de vista da filosofia cristã. A
filosofia sofística, a neoacadêmica e a cética, enquanto sustentam a doutrina
de que a verdade não é cognoscível, poderiam parecer estarem de acordo com as
mais recentes filosofias da subjetividade nisto, em que todas as determinações
do pensamento seriam apenas subjetivas de sorte que nada se pode decidir acerca
da sua objetividade. Existe, porém, uma diferença radical. Nas antigas
filosofias, que dizem não conhecemos senão as aparências, tudo fica dito nesta
afirmação. Em geral, nas relações práticas a Nova Academia e os céticos
admitiam que se pudesse agir de acordo com a justiça, a moralidade e a razão,
adotando as aparências como norma e regra de vida. Mas enquanto assim se
assenta como base o aparente, não se afirma ao mesmo tempo que há igualmente um
saber do que verdadeiramente é, como fazem os idealistas meramente subjetivos
dos tempos recentes, os quais metem depois no plano de fundo um por si, algo
que está para além, a noção do qual não se adquire de maneira pensante e
compreendente; esta diversa noção deles é um saber imediato, uma fé, uma visão,
um desejo daquele Além, como acontece com Jacobi. Os filósofos antigos não
sentem nostalgias desta espécie, mas, ao invés, encontram perfeita satisfação e
repouso naquela certeza que ao saber não oferece senão o aparente. Deve-se,
portanto, a este respeito, ter bem presente o ponto de vista; de outra maneira,
da igualdade dos resultados somos levados a encontrar nas antigas filosofias a
definição da subjetividade moderna. Dada a ingenuidade do filosofar antigo, o
aparente constituía o seu inteiro domínio, para o qual não existiam as dúvidas
relativas ao pensamento do objetivo.
O
contraste flagrante, os dois termos do qual em tempos recentes foram postos em
relação recíproca como totalidade, apresenta igualmente a forma do contraste
entre razão e fé, entre a compreensão própria e individual e a verdade
objetiva, a qual deve ser acolhida, mesmo quando não seja fruto da razão
individual, ou até mesmo, com a renúncia, a esta razão; entre a fé no sentido
eclesiástico e a fé no sentido moderno, isto é, duma relação da razão em face
duma revelação interna, que se chama certeza imediata, intuição, instinto, ou
seja, sentimento que encontramos em nós. O contraste entre este saber que deve
ainda desenvolver-se e o saber que já se desenvolveu suscita interesse
especial; em ambos é posta a unidade do pensar ou da subjetividade com a
verdade ou objetividade; só que na primeira fórmula se diz que o homem natural
tem noção do vero como o crê de maneira imediata, ao passo que na segunda
fórmula, sendo posta também a unidade do saber com a verdade, o sujeito
eleva-se de maneira imediata acima da consciência sensível e conquista a
verdade apenas mediante o pensar.
A
meta final consiste no pensar o absoluto como espírito, como universal, que,
como virtualidade infinita do conceito, liberta de si, na sua realidade,
livremente, as suas determinações, ensimesma-se e confunde-se com estas, de
modo que estas mesmas podem proceder igualmente por conta própria e até
combater-se alternativamente; todavia, de modo que estas totalidades sejam uma
só, e não apenas em si (o que seria a nossa reflexão), mas idênticas por si;
pelo que as determinações da sua diferença são por si mesmas somente ideias.
Se, portanto, o ponto de partida da história da filosofia pode ser expresso com
dizer que Deus se concebe como universalidade imediata não ainda desenvolvida,
e a meta da filosofia, o apreender, através do trabalho de três mil e
quinhentos anos do lento espírito mundial, o absoluto como espírito, tal meta é
ainda a do nosso tempo; assim consegue facilmente passar duma determinação à
outra, demonstrando as deficiências da primeira; mas no decurso da história
isto torna-se difícil.”
“Depois
da fantástica filosofia oriental da subjetividade (a qual não chega à
inteligência, e, por conseguinte, a nada de consistente), a luz do pensamento
surge na Grécia.
1. A
filosofia antiga pensou a Ideia absoluta, e a realização ou realidade dela
consistiu em compreender o mundo atualmente presente e considerado como é em si
e por si. Esta filosofia não toma como ponto de partida propriamente a Ideia,
mas o objetivo como um dado, e o transforma na Ideia: o Ser de Parmênides.
2. O
pensamento abstrato, o notis passa a ser conhecido como essência universal, não
como pensamento subjetivo. Eis o universal de Platão.
3.
Com Aristóteles surge o conceito, livre, sem prejuízos, como pensamento
compreendente que percorre e espiritualiza todas as formações do universo.
4.
Estóicos, epicúreos e céticos fazem valer o conceito como sujeito, o seu ser em
si e devir por si: na sua abstrata separação, portanto, não como forma livre e
concreta, mas sim como universalidade abstrata e puramente formal.
5. Os
neoplatônicos fazem ver como o pensamento da totalidade, o mundo inteligível, é
a Ideia concreta. Este princípio exprime a idealidade em geral de toda a
realidade, mas não a ideia consciente de si: somente enquanto aquela ideia
ocultava em si o princípio da subjetividade e da individualidade, se pode dizer
que Deus como espírito se encontrava realmente na autoconsciência.
6. A
Idade Moderna teve por missão compreender esta Ideia como Espírito, como ideia
consciente de si. Mas para passar da Ideia consciente à consciência de si da
Ideia, era necessária a oposição infinita e que a Ideia chegasse à consciência
do seu absoluto contraste. Deste modo a filosofia completava a intelectualidade
do mundo; e o espírito, pensando o ser objetivo, gerou um mundo espiritual como
um objeto por sua natureza existente para além da realidade presente. Foi esta
a primeira criação do espírito. O seu trabalho consistia a partir de agora em
reconduzir este além à realidade da autoconsciência. O resultado foi que a
autoconsciência se pensa a si mesma, e o pensamento absoluto ficou sendo
reconhecido como a autoconsciência que se pensa a si mesma. Sobre o precedente
contraste se fez valer o pensamento puro com Descartes. A autoconsciência
pensa-se agora, em primeiro lugar, como consciência: nela está contida toda a realidade
objetiva, e a relação positiva e intuitiva da sua realidade à outra. Ser e
pensar são para Espinosa opostos e idênticos. Espinosa alcança a intuição
substancial, mas o conhecer é ainda exterior à substância. Entretanto, para
superar a subjetividade do pensamento, estabelece-se o princípio da
conciliação, partindo puramente do pensamento, como se certifica na atividade
representativa das mônadas em Leibniz.
7. Em
segundo lugar, a autoconsciência pensa-se como autoconsciência: neste ponto,
ela é por si, mas ainda por si em relação negativa a outro, isto é, a
subjetividade infinita: parte como crítica do pensamento, em Kant; parte, como
esforço para o concreto, em Fichte. A forma infinita, na sua pureza absoluta,
declara-se como autoconsciência que é Eu.
8.
Este fulgor invade a substância espiritual, e torna o absoluto conteúdo
idêntico à absoluta forma: a substância identifica-se com o conhecer. Assim a
autoconsciência reconhece, em terceiro lugar, a sua relação positiva como
negação de si, e a sua relação negativa como posição de si, ou seja, estas
opostas atividades como a própria atividade; ou ainda, por outras palavras, o
pensamento puro ou o puro ser como coincidência, e esta como contraste, de si
consigo mesmo.
Eis a
intuição fundamental. Mas, para esta ser verdadeiramente intelectual,
requer-se que não seja imediatamente aquele intuir que se diz do eterno e
divino, mas um conhecer absolutamente. Pelo contrário, o princípio, aqui, é
este intuir que não se conhece a si próprio; e dele, como dum pressuposto
absoluto, se parte: ele é tal só intuitivamente, como conhecer imediato, não
como autoconhecer, ou seja, não conhece nada, e aquilo que intui não é
conhecido. Deste modo, poderão obter-se ao sumo, pensamentos, nunca verdadeiros
e próprios conhecimentos. Conhecimento é intuição intelectual com as seguintes
condições:
a)
Que, malgrado a divisão de todo o oposto ao outro, toda a realidade externa se
conheça como a interior. E se assim vier a ser conhecida, segundo a sua
essência, tal qual é realmente, então se mostra não como estável, mas como
aquilo cuja essência própria é o movimento da ultrapassagem. Este ponto de
vista heraclitiano ou cético, de que nada é firme, deve ser provado em todas as
coisas; e assim, nesta consciência de que a essência de cada coisa é
determinação e, por isso, o seu contrário, manifesta-se a unidade do conceito
com o seu contrário.
b)
Todavia, é também necessário conhecer esta unidade na sua realidade; esta,
enquanto é uma tal identidade, deve, precisamente por isso, passar para o seu
contrário, ou seja, fazer-se outro para se realizar. Assim, através dela
própria, produz-se o seu oposto.
c)
Acerca da oposição, temos de dizer, por seu turno, que ela não é de modo
absoluto, se o absoluto é a essência, o eterno, etc. Todavia, note-se que
também este é uma abstração, na qual está compreendido dum ponto de vista
unilateral, e que a sua oposição tem apenas o valor de um ideal; na realidade,
a oposição é a forma como momento essencial do movimento do absoluto. Este não
está em repouso, aquela não é o conceito que nunca para. Pelo contrário, a
Ideia, na sua irrequietabilidade, está em repouso e em si satisfeita.
Deste
modo, o puro pensamento chegou à oposição do subjetivo e do objetivo: a
verdadeira conciliação da oposição consiste em entender como esta oposição,
levada ao ponto extremo, se resolve, de sorte que os opostos, como diz
Schelling, sejam em si idênticos. Mas não basta afirmar isto, se não se
acrescenta que a vida eterna é propriamente este produzir eternamente a oposição
e eternamente conciliá-la. Possuir o oposto na unidade e a unidade na oposição,
eis o saber absoluto; e a ciência consiste precisamente em conhecer esta
unidade, no seu pleno desenvolvimento, através dele mesmo.”
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