Editora: Geração Editorial
ISBN: 978-85-6150-136-5
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Opinião: ★★★★☆
Páginas: 208
Sinopse: Ver Parte I
“Só agora, conversando
naquela tarde paulistana com o governador maranhense Jackson Lago, descubro que
por trás da tragédia de Manoel da Conceição, e de um milhão de maranhenses enxotados
de sua terra, também está o clã dos Sarney. (...) Podemos, sem culpa alguma na consciência,
pôr na conta de quase meio século de domínio absoluto da família Sarney sobre o
Maranhão:
• média de escolaridade em anos
de estudo: 3,6 – a menor do país;
• das 100 cidades brasileiras com
menor renda per capita, 83 são maranhenses;
• mortalidade infantil, taxa por
mil crianças nascidas vivas, em 2004, era de 43,6 – vice-campeão, perdia apenas
para Alagoas.
Jackson também não
disse, mas terra é pouco para Sarney. O autor de O Dono do Mar é também...
o dono do mar. Parece outro episódio de realismo fantástico. A ilha de Curupu, nome
que quer dizer Cacique Cabelo de Velha, no município de Raposa, perto de São Luís,
aonde só se chega de barco ou avião, tem uma cidade linda e 15 praias maravilhosas,
tudo terreno da Marinha. Poderia ser um polo turístico extraordinário, mas quem
é que se arrisca a pleitear a abertura de qualquer negócio nas praias do neocoronel?
Na sua reserva ambiental privada, que ele afirma que recebeu como herança?
Todas as 15 praias
de Curupu, não por coincidência, ficam nos 38 por cento que Sarney detém em Raposa,
cerca de 2.500 hectares, maior que a ilha de Skorpios do bilionário Aristóteles
Onassis, na Grécia, ou a do cirurgião plástico Ivo Pitanguy, em Angra dos Reis.
Seus 25 mil outros viventes que dividam entre si os 62 por cento restantes, de preferência
sem vista para o mar. O Ministério do Turismo sabe de tudo isso, mas se faz de joão-sem-braço.
Enquanto isso, a raposa de Raposa diz que fez em Curupu uma casa à sua imagem e
semelhança, bem simples, adequada a um intelectual de hábitos espartanos. Na verdade
é uma mansão, à qual se junta outra luxuosa mesmo, projeto do arquiteto Sérgio Bernardes
para o casal Roseana-Jorge Murad. Coisa para acabar de uma vez por todas com aquela
história de que, no Maranhão, a família Sarney só não era dona do mar. Terra, para
Sarney, é pouco. Aliás, não se conhece outro caso de ex-presidente dono de ilha.
Nem ex-presidente dono de castelo medieval.”
“Das heranças malditas
da ditadura, a mais pervertida delas está nas concessões de rádio e televisão. A
partir da segunda metade da década de 1960, os militares passaram a cassar concessões
de grupos de empresários nacionalistas e progressistas – a TV Excelsior foi um exemplo,
pertencia à família Simonsen, que também perdeu a companhia aérea Panair do Brasil,
celebrizada em versos de Milton Nascimento e Fernando Brant:
“Descobri que minha
arma é o que a memória guarda dos tempos da Panair.”
A Panair morreu para
a Varig tomar conta do mercado aéreo. A Excelsior morreu para a Globo se tornar
a campeã de audiência. A distribuição de concessões inaugurada pela ditadura chegou
ao paroxismo quando Sarney se viu aboletado na cadeira de presidente da República.
Para garantir cinco anos de mandato, e não quatro como estava “combinado” ele se
mancomunou com Antonio Carlos Magalhães, seu ministro das Comunicações, e a dupla
distribuiu nada menos que 1.091 concessões de rádio e televisão. Destas, 165 “compraram”
parlamentares; e 257 eles distribuíram na reta final da aprovação da Constituição
de 1988. Não é exagero dizer que ali os coronéis plantaram seara para colher frutos
por décadas a fio.
Nem é exagero debitar
na conta da dupla de coronéis a programação idiota e fabricante de idiotas que temos
neste país, dado o nível de “políticos” que ganharam concessões – dispostos à imoralidade
de trocar rádio e tevê por apoio a mais um ano de Sarney. São todos do mesmo saco,
os grandes responsáveis pela “máquina de fazer doido”, o jornalismo emasculado e
engomadinho, a picaretagem em nome de Cristo, a cafetinagem do Filho de Deus – “esta
televisão” escreveu João Antônio, “que vai transformando ignorantes em idiotas”.
O historiador Wagner
Cabral da Costa localiza o momento exato em que Sarney dá o pulo-do-gato na onça:
“Em 1991, Edison
Lobão ganha a eleição para o governo e logo faz o acordo para comprar a TV Difusora
com sobras de campanha. E o que eles devem ter arrecadado no segundo turno para
ganhar as eleições deve ter sido extraordinário. Lobão 'perde' a concessão da Globo,
fica tranquilo com o SBT, que era de Sarney. Assim se consuma um troca-troca, pois
a TV Mirante do Sarney passa a retransmitir a Rede Globo.”
Lobão e Sarney passariam
a dominar, com o SBT e a Globo, todas as telinhas do Maranhão. Através dos anos,
Sarney se gabaria de que tal concessão lhe foi concedida depois que ele saiu da
Presidência da República. O fato é que, a partir dali, quem decidiria o que o maranhense
iria ver todo dia na televisão seriam dois “netinhos da ditadura”: Fernando Sarney,
chefe de uma quadrilha segundo a Polícia Federal; e Edison Lobão Filho, o Edinho
Trinta, “por causa das taxas que cobrava para realizar transações do governo do
pai dele para liberar pagamentos, etc. e tal”, como diz o historiador Wagner.”
“Ex-jornalista, ministro
aos 72 anos, natural da cidade maranhense de Mirador, Edson Lobão formou-se em Direito.
Na imprensa, chegou ao auge quando assumiu a sucursal da Globo em Brasília. Foi
colega de jornalistas respeitados como Tarcísio e Haroldo Holanda, João Emílio Falcão,
Ari Cunha e Gilberto Amaral no Correio Braziliense. Quando precisavam de
alguém para fazer um “trabalho sujo”, rejeitado por qualquer jornalista que merecesse
este nome, o superintendente dos Diários e Emissoras Associadas em Brasília, Edilson
Cid Varela, gritava:
“Manda pro Lobão!”
Um publicitário superinformado
define:
“Se Don Corleone,
na interpretação magnífica de Marlon Brando, tivesse conhecido o Lobão, faria dele
seu lugar-tenente. O Lobão é de uma frieza glacial. Vai ser fiel ao Sarney até o
velório. Mas, antes da missa do sétimo dia, já toma o poder dos meninos, o que não
é difícil. Além disso, o Edinho odeia o Jorginho Murad, pois concorrem na mesma
faixa, digamos, o mercado do percentual.”
Corajoso, atrevido,
tornou-se ministro peitando Dilma Rousseff, a poderosa ministra, chefe da Casa
Civil e menina dos olhos do presidente Lula como candidata à sua sucessão, e
apesar de ainda outro dia estar filiado ao seu PFL velho de guerra, do qual se desfez
para entrar no PMDB e se credenciar ao cargo, sempre pelas mãos do padrinho Sarney.
Quando foi nomeado
ministro, o filho – seu suplente – demorou a assumir o lugar no Senado: estava esquiando
em Aspen, o “paraíso gelado” nos Estados Unidos. Com seu rosto talhado em pedra.
Lobão se manteve calado em meio ao tiroteio que apontava as maracutaias do filho.
Não abriu a boca. Afinal, era o ápice de sua carreira.
Edinho Trinta, menino
mimado de dona Nice, herdou dos pais, entre outros negócios, a representação da
cervejaria Schincariol no Maranhão, que ele botou no nome de uma doméstica-laranja
quando o Fisco bateu com punhos de ferro em sua porta. Por falar em Nice, deputada
federal pelo ex-PFL, um amigo do casal fala duas coisas:
“A Nice é cem vezes melhor que o Lobão. O poder
e a fortuna não tiraram a humanidade dela. Foi secretária de Ação Social no governo
dele. Nunca votou contra aposentados e trabalhadores. Já o Lobão topa qualquer parada.
Ele é inabalável, frio. Se acertar na loteria e ganhar um milhão de dólares, se
ficar com ódio, se for beijado por um neto querido, mantém a expressão inalterada,
a mesma expressão facial. É um homem despido de qualquer emoção.”
Edson Lobão carregará
também para sempre a fama de delator e de cão fiel dos mandachuvas da ditadura.”
“A união com Murad,
iniciada em 1976, quando Roseana Sarney era uma gatinha de 22 anos, ia mal. Os comentários,
tanto sobre incursões do marido no mundo dos negócios como sobre desavenças conjugais,
eram cada vez mais frequentes. (...)
Logo após, quando o
governo do sogro já fazia água e os sucessivos pacotes econômicos afundavam um a
um, Roseana resolveu partir. Na verdade, a saúde não estava boa, o casamento tinha
acabado e ela havia reencontrado um grande amor da adolescência. Embora mais tarde,
de todas as maneiras, seus assessores e companheiros de lides políticas tentassem
omitir, Roseana viveu com Carlos Henrique Abreu Mendes.
Essa separação de Roseana
e Jorginho também foi bancada com dinheiro público. Quer ver como?
O empresário Ornar
Fontana, dono da Transbrasil, cercado por um bando de picaretas conhecidos do mercado
do lobby em Brasília, alguns ligados ao PFL, pleiteava colossal empréstimo,
coisa de 40 milhões de dólares, no Banco do Brasil. Inadimplente histórico, o velho
e legendário comandante encontrou todas as travas possíveis para a concessão de
tal crédito. Aí seus lobistas tiveram a ideia de levar o pedido a Jorge Murad.
Em Brasília, não é
segredo: a assinatura de um desquite amigável, sem escândalos, bem como a aceitação
tácita de uma relação que já existia entre a ainda esposa Roseana e o secretário
de Moreira Franco, Carlos Henrique Abreu Mendes, ficaram condicionados à liberação
do crédito a uma empresa tecnicamente falida, como era o caso da Transbrasil. O
empréstimo saiu. O que terá dado Fontana a Murad em troca de tão decisivo apoio?
Comenta-se que algo em torno de 10 por cento de simpatia, amizade e gratidão.”
É DURA A VIDA
DE UM SEM-TOGA
O clã começou a puxar
o tapete sob os pés de Jackson Lago tão logo as urnas se abriram no fim de outubro
de 2006, dando-lhe a vitória. A gente não pode esquecer que Jackson, três vezes
prefeito de São Luís, que concentra um terço do eleitorado maranhense, teve ali
66% dos votos na eleição de 2006. Em Imperatriz, região tocantina, ele recebeu nada
menos que 76%, três quartos do eleitorado. Nesses dois lugares a eleição teve sabor
plebiscitário: o povo queria mesmo se livrar da sarna Sarney.
Imediatamente, os derrotados
chamaram seus advogados e entraram com processo de cassação do vencedor, por “abuso
do poder”, tal como “beneficiar-se de convênios do Estado com prefeituras durante
o período eleitoral” e “comprar votos”.
O Sistema Mirante não
deu sossego a Jackson um só dia, durante os dois anos seguintes à sua posse em 1º
de janeiro de 2007. Um bombardeio, uma campanha de intimidação e de preparação do
povo para a volta “inevitável” de Roseana, como explica o historiador Wagner Cabral
da Costa:
“Desde janeiro de 2007, sistematicamente os meios
de comunicação da família diziam ‘cuidado, o processo dele está sendo julgado pelo
Supremo’. Ou seja, a imagem de Sarney no Maranhão é a do homem que precisa ser temido.
É um grande fantasma. Alguns colegas meus diziam na época da campanha que as pessoas
não votavam em outros candidatos por medo. A imagem do medo estava colocada.”
O grupo dos vencedores
festejava com Jackson “o fim da oligarquia” sem atentar para um detalhe fundamental:
diante dos Sarney, eles não passavam de uns pobres-diabos, um grupo de sem-toga.
Falta uma semana para
o Natal de 2008. Os juízes do Tribunal Superior Eleitoral, TSE, votam pela segunda
vez a cassação de Jackson Lago. A turma de Roseana se reúne nos jardins da mansão
de Sarney na Praia do Calhau. A decisão é considerada o “presente de Natal” de Roseana.
Começa a votação, e o ministro Eros Grau, relator do processo, pronuncia-se a favor
da cassação de Jackson. Ouve-se um grito nos jardins:
“Essa toga é nossa!”
Rojões espoucam. Perto
da aposentadoria, Eros Grau sonha naquele momento com uma cadeira na Academia Brasileira
de Letras, como lhe prometeu José Sarney. Serve também uma vaga na Corte de Haia.
Poderá então morar no apartamento que tem em Paris, decorado logo no vestíbulo com
uma escultura em tamanho natural que representa ele e a mulher caracterizados como
Adão e Eva no paraíso.
O presente de Natal
acabou adiado porque um juiz pediu vistas do processo. Então, no meio de março de
2009, enquanto Jackson e seus correligionários sofriam um suspense com a votação
final que se aproximava, o pai de Roseana rumava para o Amapá, a propósito das comemorações
do 19 de março, dia do padroeiro do Estado, São José. E a pessoa com quem Sarney
ia encontrar-se em Macapá para um amigável café-da-manhã, lá no meio do planeta,
nem em sonho toparia manter um encontro com Jackson Lago.
Tratava-se do presidente
do Supremo Tribunal Federal, o empresário Gilmar Mendes, um dos três donos do Instituto
Brasiliense de Direito Público, IDP. Os outros dois sócios eram Paulo Gustavo Gonet
Branco, procurador regional da República, e Inocêncio Mártires Coelho, último procurador-geral
da República da ditadura, nomeado pelo general João Baptista Figueiredo. Faziam
parte da turma de professores do IDP vários colegas de Gilmar no Supremo, entre
eles Carlos Alberto Direito, Carlos Ayres Brito, Eros Grau, Marco Aurélio Mello,
Carmem Lúcia Rocha.
Na política nacional,
difícil é a vida de um sem-toga. Jackson Lago, enfim seria vítima do golpe judiciário,
esbulho consumado em 15 de abril de 2009. Essa expressão – golpe judiciário – usada
pelo advogado Francisco Rezek durante toda a defesa de Lago, deixou Sarney espumando.
Depois do julgamento, o velho coronel mandou uma carta irada ao ex-presidente do
TSE. Dizia que o advogado lhe “devia” a indicação para o Supremo, aos 39 anos, durante
o governo de João Figueiredo, usando a condição de presidente do PDS, e que não
admitia “tamanho insulto”. Rezek respondeu que nada lhe devia e que isso não era
verdade.
Este é um capítulo
rosa-choque, mas cabe aqui abrir parênteses e falar de um “cabra macho”.
CORONEL CHICO
NÃO LHE CHEGARIA AOS
PÉS
A carta enviada a Rezek
revela que Sarney guarda ranços do coronelismo dos tempos de Chico Heráclio. A partir
de Limoeiro, Chico Heráclio fez valer sua influência em Pernambuco, e também na
Paraíba, nas décadas de 1950 e 60. O coronel pernambucano pelo menos era ostensivo.
Costumava dizer que “oposição e sapato branco só é bonito nos outros”. Quando comparecia
aos julgamentos, juiz e jurados ficavam de olho na gravata dele. Se vermelha, tinham
de condenar o réu. Se verde, o sujeito estava absolvido. Mas, e se fosse amarela
a gravata? Aí, tudo bem, julgassem como quisessem: o coronel só estava ali a passeio.
Pode ser lenda, pode não ser. Sarney tem saudade daqueles tempos. Não precisava
ter. Ele vai além, ele é pós-Chico Heráclio.
Francisco Rezek também
ironizou, durante o julgamento de Jackson Lago, a celeridade incomum do processo.
O vice-procurador eleitoral Francisco Xavier Filho mereceria o epíteto de The
Flash: leu os volumes com 15 mil páginas em apenas 16 dias. Dá coisa de uma
página por minuto, isso se não dormisse, não comesse, sequer fosse ao banheiro.
E encampou a tese da acusação. Num parecer de 15 páginas, recomendou a cassação
do governador e do vice, e a posse de Roseana e João Alberto de Souza, o Carcará.
Entrementes, Sarney
livrou-se de um processo que pedia a cassação dele e do governador do Amapá, Waldez
Góes. A decisão do ministro Fernando Gonçalves, do mesmo TSE, entrou para a história.
Fernando Gonçalves sustou o processo, por conta própria, por falta de custas para
extração de fotocópias. Leia o despacho, se duvidar, no Diário da Justiça de
6 de abril de 2009.
Chico Heráclio tinha
era muito a aprender com o pai de Roseana.
ELEONORA GOSTA
QUE SE ENROSCA
Tão difícil quanto
a vida de um sem-toga é a vida de um sem-mídia. Quando Jackson Lago entrou com recurso
no Supremo Tribunal Federal e afirmou que aguardaria a decisão da Corte em palácio,
de onde só sairia “arrastado”, O Globo o acusou de promover “uma quartelada”
– transformando o golpeado em golpista. O mesmo O Globo em que, paradoxalmente
a colunista Miriam Leitão chamou de “grotesca” a decisão da Justiça Eleitoral de
cassar o vencedor e, em vez de dar posse ao vice, entregar o cargo à perdedora Roseana
– Miriam comparou a situação com o impeachment de Fernando Collor em 1992:
quem assumiu foi seu vice Itamar Franco, e não o perdedor Luiz Inácio Lula da Silva.
A Folha de S.
Paulo já tinha feito melhor por Roseana. No dia 7 de dezembro de 2008, a
edição de domingo publicou uma chamada no ponto mais nobre da primeira página –
o canto esquerdo no alto. “Uma bomba na cabeça” dizia o título. O textinho acrescentava:
“A senadora Roseana Sarney, 55, fala sobre o diagnóstico
de aneurisma cerebral e se prepara para sua 21ª cirurgia.”
Para disfarçar o objetivo
político ali embutido, a editora-executiva Eleonora de Lucena jogou o material para
a seção Saúde, onde Roseana posa sorridente em foto que toma a página de alto a
baixo. A “reportagem”, de Amarílis Lage, levanta a bola de Roseana, mostrada como
“corajosa”.
Mas é o caso de perguntar:
como pode alguém que está com “uma bomba na cabeça” esbaldar-se no carnaval? Pois
foi no camarote do governo fluminense que Roseana sambou madrugada afora, ao lado
do irmão Fernando, o procurado pela Polícia, causando – segundo notas nos jornais
– constrangimento ao presidente Lula, que ali estava como convidado do governador.
Eleonora de Lucena
tem um quê pela família de José Sarney, prata da casa, dono da coluna da página
2 da Folha às sextas-feiras. Em 2002, quando crescia a candidatura de Roseana
a presidente da República, a editora-executiva vetou reportagem feita por um enviado
especial ao Maranhão. Contava em detalhes o episódio, aqui neste capítulo narrado,
em que Jorge Murad, depositário infiel, acabou preso.
“Isso é machismo”,
justificou a jornalista.
Eleonora pôde mostrar
seus préstimos novamente quando a barra ficou pesada para o clã, com a divulgação
dos crimes de Fernando Sarney, descobertos pela Polícia Federal na Operação Boi-Barrica,
em outubro de 2008. O jornal até publicou a transcrição das fitas que a Polícia
gravou e o conteúdo da investigação. Mas a reportagem que aprofundava o impacto
da operação policial no seio do clã, escrita pela enviada especial Elvira Lobato,
Eleonora enfiou numa gaveta e lá a esqueceu.
Graças a Eleonora,
o pai de Roseana ganhou um palco inestimável em 26 de agosto de 2008. Eleonora tem
faro para o timing. A Polícia Federal fechava o cerco a Fernando Sarney e
podia meter-lhe as algemas a qualquer momento. Para o pai, com a autoestima abalada,
não podia vir em melhor momento a Sabatina Folha, tendo como atração “o senador
José Sarney”, no sofisticado Pátio Higienópolis, sob a escolta de recepcionistas
selecionadas com esmero. Na sua insaciável busca de limpeza da própria biografia,
Sarney teve um refresco naquela manhã.”
“O governo Sarney (1985-1990)
tentou salvar-se do naufrágio segurando-se no Plano Cruzado (o Cruzado substituiu
o Cruzeiro). É um plano eleitoreiro de impacto com base na inflação zero, baixado
em fevereiro de 1986. Surgiram os “fiscais do Sarney”, figuras do povo que acreditavam
no tabelamento de preços imposto pelo governo trapalhão. Eles saíam pelos estabelecimentos
com o broche de identificação, “Sou fiscal do Sarney”, a denunciar diante das câmeras
de tevê quem aumentava preços. E afundou-se o governicho de vez no Plano Cruzado
II, seis dias depois de o governo faturar a maior vitória eleitoral da história
da República, em 15 de novembro: elegeu 21 de 23 governadores. Com salários congelados
durante nove meses, o povo foi obrigado a arcar com os seguintes aumentos num só
dia:
• 60% na gasolina;
• 120% nos telefones e energia;
• 100% nas bebidas;
• 80% nos automóveis;
• 45% a 100% nos cigarros;
Veio reação. Com o
Plano Cruzado II, em 21 de novembro de 1986, explode manifestação em Brasília, o
Badernaço. No dia 27 houve saques, depredações e incêndios. Atônito, Sarney mandou
os tanques Urutus para as ruas. Acuado, recorreu ao Exército para fazer o trajeto
entre o Palácio do Planalto e a Catedral. Ajoelhou, tinha que rezar.
As manifestações contra
o velho coronel começaram desde a decretação do chamado Cruzadinho, em fins de julho
de 1986, quando houve aumento de preços de carros e combustíveis em 30%, enquanto
o governo alardeava a tal inflação zero. Também se pode dizer que o governo Sarney
acabou em 25 de junho de 1987, quando uma multidão enfurecida abordou o ônibus do
presidente no Paço Imperial, na Praça XV, centro do Rio, gritando:
“Sarney, salafrário, está roubando o meu salário!”
“Sarney, ladrão, Pinochet do Maranhão.”
Arrebentaram a janela
do lado em que se encontrava Sarney, ferindo-o levemente na mão. O governo federal
passou a acusar o ex-governador do Rio, Leonel Brizola, pelo “atentado”. O partido
de Brizola, PDT, junto com o PT e a CUT, Central Única dos Trabalhadores, tinham
organizado a manifestação.
Logo, o “entulho autoritário”
da ditadura em peso foi desenterrado. Sarney, com apoio do PMDB, valeu-se da Lei
de Segurança Nacional para invadir residências e prender gente sem mandado judicial.
A Rede Globo responsabilizou Brizola pelo episódio em editorial do jornal Nacional.
O Globo aproveitou para pedir a cassação do ex-governador do Rio de
Janeiro em editorial no alto da primeira página intitulado A Opção pelo Crime.
Os fatos soterraram
a encenação. No 1° de julho de 1987, uma semana depois do incidente, o centro do
Rio virou chamas e restos: 60 ônibus incendiados e 100 com vidraças e carrocerias
destruídas. As passagens de ônibus subiram 49%, em pleno congelamento de três meses,
decretado 19 dias antes por Sarney, em novo pacote, agora chamado Plano Bresser.
Uma massa enfurecida, 30 mil pessoas, fez o estrago. A polícia prendeu cem. No fim
da tarde o preço das passagens voltou ao que era antes.”
“Dos 56 cargos federais
existentes no Maranhão durante os dois mandatos de Luiz Inácio Lula da Silva na
Presidência da República, entre 2003 e 2009, 54 pertenciam à “cota” de José Sarney.
O partido do presidente da República, Partido dos Trabalhadores, conseguiu nomear
apenas dois. Não precisava ser analista político para concluir que Lula era como
que refém de Sarney e seus honoráveis. Bastava lembrar o episódio em que a ministra
chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, vetou Lobão para o Ministério das Minas e Energia.
Sarney anunciou por todos os quadrantes, por todas as mídias, que entrava “em férias”,
ao que Roseana declarou que acompanharia papai, ao que toda a base parlamentar obediente
a Sarney sinalizou que se tratava de férias coletivas. Ou seja, o parlamento parava,
a máquina administrativa emperraria – cairia o sistema, como se diz em informática.
No 2 de fevereiro de
2009, ao chegar ao máximo cargo do Congresso, Sarney controlava também áreas do
Ministério dos Transportes, dominava a energia de ponta a ponta, preparava-se para,
com ajuda de suas togas, derrubar o governador eleito pelo povo maranhense e pôr
no cargo a própria filha, que havia perdido as eleições de 2006 para Jackson Lago.”
UM MARANHÃO
PARA CADA UM
O Caso Lunus não era
nada, um passeio na floresta encantada, comparado ao impacto devastador do relatório
divulgado na imprensa em 4 de outubro de 2008. Só num país como o Brasil Sarney
poderia chegar aonde chegou naquele 2 de fevereiro de 2009, agora com um filho metido
em falcatruas de toda ordem. A nova investigação começou a partir de uma movimentação
“atípica”, de 2 milhões de reais em dinheiro vivo, comunicada ao Ministério Público
pelo Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras). A bolada entrou nas
contas de seu filho Fernando Sarney e da mulher dele, Teresa Cristina Murad Sarney,
às vésperas do segundo turno das eleições de 2006, para o governo do Maranhão. Roseana
Sarney, agora no PMDB de papai José Sarney, tentava voltar ao Palácio dos Leões.
Acabaria derrotada por Jackson Lago, pedetista histórico, num dos resultados mais
espetaculares daquelas eleições.
O clã ficou tão desconcertado,
desesperado mesmo, que Edison Lobão, já no segundo mês da gestão Jackson Lago, propôs
no Senado um plebiscito no Maranhão para criar o Maranhão do Sul, capital Imperatriz,
segunda maior cidade do Estado, onde Roseana também perdeu. A paixão é tanta, que
queriam criar dois Maranhões. Da estapafúrdia proposta, nem a Folha de S. Paulo
gostou, ela que dá uma coluna semanal ao velho senador.
UMA BOQUINHA
PARA O TIO GAGUINHO
Aqueles “atípicos”
2 milhões deveriam turbinar a campanha de Roseana. E a quem as togas cassarão, dois
anos depois, por “abuso de poder econômico”? O vencedor das eleições, o módico Jackson
Lago. Roseana volta, e com ela personagens que vão e vêm, tal qual nos filmes eternamente
repetidos nas sessões da tarde da televisão. Gaguinho é um deles.
No centro histórico
de São Luís, dois do povo conversam:
“Qual a pior coisa do Maranhão?”
“A família Sarney.”
“Qual a melhor coisa do Maranhão?”
“Ser da família Sarney.”
ÀS FAVAS A
INCONSTITUCIONALIDADE
No centro histórico
de São Luís, ergue-se uma edificação do século 17, palco de sermões do Padre Antônio
Vieira, um dos maiores oradores em língua portuguesa, autor dos Sermões e
de um opúsculo chamado – mais uma vez não se trata de piada pronta –A Arte de
Furtar.
Em 1990, o governador
Epitácio Cafeteira deixa o cargo para disputar o Senado. Seu vice, João Alberto,
assume. E toma a iniciativa que Sarney espera: promove a doação do Convento das
Mercês ao ex-presidente, mediante escritura registrada no cartório de um parente
da família Sarney. Dez anos depois, a área, com 6.500 metros quadrados, tombada
pelo Patrimônio Histórico, por outro tipo de manobra se transforma, de Fundação
da Memória República, em Fundação José Sarney. Será futuramente, apregoa o senador,
um Memorial da República. A historiadora Maria de Fátima Gonçalves, autora de Reinvenção
do Maranhão Dinástico, recorreu ao acervo ali oferecido. Não encontrou referência
alguma que a ajudasse.
“Guardam almanaques, folhetos e enciclopédias
dos mais variados assuntos”, diz
Maria de Fátima, “esoterismo, literatura de autoajuda, livros didáticos dos antigos
cursos primários de São Luís.”
E, acredite, lhe passaram
também desenhos que os filhos de Sarney faziam quando eram crianças. Do genial Padre
Antônio Vieira, você não encontrará nada ali. Em compensação, numa ala do pátio
central vai deparar com um busto do “escritor” José Sarney, com um versinho do próprio:
Maranhão
Minha terra
Minha paixão
Ele acha isso tão bacana,
que inscreveu na página dos editoriais de seu jornal.
No andar superior,
há três salas reservadas a uma exposição sobre o Brasil, os ciclos históricos, e
duas salas para objetos, documentos e fotos de momentos protagonizados por Sarney
ou parentes dele. A curadoria assina um texto em que exalta o “ilustre maranhense”,
como literato criador de personagens “imortais” como Antão Cristório e Saraminda,
e como político “destacado em recente pesquisa como um dos melhores presidentes
da República em toda sua história já secular”.
Como se vê, a única
coisa em comum com um convento é a pobreza franciscana, nos textos e no acervo à
disposição dos visitantes.
Na verdade, toda essa
prosopopeia camufla a verdadeira natureza da imponente edificação. O Convento das
Mercês transformou-se em mais uma mina de dinheiro do clã. Do estacionamento às
instalações, o que vier eles aceitam: convenções, aniversários, seminários, casamentos,
batizados. Sem contar que os sucessivos governos sarneyzistas sempre contribuíram
com quantias generosas, ora a título de reformas, ora certas participações não bem
explicadas.
Mas o grande acontecimento
é o São João Fora de Época, isto sim é que é um negócio rendoso – patrocinado por
empresas do porte da Petrobras, Vale do Rio Doce, Abyara. Não adianta nem pensar
em menos de 500 mil por cota de participação.
Estive no Convento
depois de uma festa dessas. A beleza que a gente vê nas fotografias não existe.
A grama pisada, sujeira, garrafas PET, restos de comida para todo lado. O sinal
de religiosidade que avistei foi, num desvão, um engradado de refrigerantes “made
in Maranhão”, da famosa marca Jesus.
Em 2005, o deputado
estadual Aderson Lago conseguiu aprovar na Assembleia projeto de lei que restituiria
o Convento ao Patrimônio Público. O ministro do Supremo Marco Aurélio de Mello,
toga indicada por seu primo Fernando Collor de Mello quando presidente no início
da década de 1990, nem leu os argumentos que mostravam a inconstitucionalidade da
doação do prédio histórico aos Sarney. Mandou tocar em frente.
“João e Janete Capiberibe
foram igualmente vítimas do golpe judiciário denunciado por Francisco Rezek no caso
Jackson Lago. (...) O casal Capiberibe acusa Sarney de ter armado a cassação de
seus mandatos no Amapá, ele senador, ela deputada federal. Os dois, eleitos pelo
PSB, Partido Socialista Brasileiro, tinham currículo político invejável, forjado
na luta contra a ditadura.
Os métodos para derrubar
João e Janete foram os habituais. O PMDB entrou com processo no TSE pedindo a cassação
do mandato deles no início de 2004, acusando-os de comprar votos. As provas se desvaneceram.
Havia duas mulheres, que disseram ter recebido 26 reais e 50 centavos para votar
em João e Janete. Elas negaram tudo em depoimento à Polícia Federal e admitiram
que tentaram extorquir o casal. Também foram apreendidos 150 mil reais e uma lista
com supostos eleitores, mas o casal alegou que era um cadastro de militantes de
boca de urna.
Num desdobramento muito
parecido com o caso de Jackson, os advogados do casal ainda conseguiram que eles
permanecessem no Congresso, apesar de cassados pelo TSE – o Tribunal Regional Eleitoral
do Amapá os considerou inocentes; o Ministério Público estadual acompanhou todo
o processo e não fez denúncia alguma. Mesmo assim, em 22 de setembro de 2005 o STF
arquivou a liminar. E cassou o mandato dos maiores adversários de Sarney no Amapá,
Estado tão desgraçado, que tem como maior atração uma linha imaginária, a Linha
do Equador, e como líder-mor um coronel infelizmente real.”
“Colunista da página
2 da Folha, escrevendo sexta sim, outra também, Sarney vê na primeira fila
da plateia Otávio Frias Filho, diretor de redação do jornal, e pensa que com o velho
Frias seria mais fácil segurar notícias e manchetes desfavoráveis quando tudo explodir.
Faz esforço para parecer seguro diante da plateia, malabarismos retóricos para “provar”
que foi o presidente da transição democrática, que abriu caminho para o Plano Real
e a estabilidade econômica do país, e mais, sem sua atuação no Planalto um metalúrgico
jamais chegaria à Presidência da República. Tudo isso para, no final, na hora de
correr para o abraço, ter que ouvir de um aposentado que se ergueu e, com voz firme
e sem ironia alguma, a sério, proclamou:
“O senhor foi o
melhor presidente que a ‘revolução’ teve!”
Numa frase, o desastrado
admirador acabou com um ano de seus esforços de limpeza da biografia.”
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