Editora: Nova Cultural
ISBN: 978-85-1300-852-2
Consultoria: João Paulo Gomes Monteiro
Tradução: Leonel Vallandro
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Opinião: ★★☆☆☆
Páginas: 352
Sinopse: Ver Parte
I
“Quando lanço ao fogo um pedaço de lenha
seca, meu espírito se vê obrigado imediatamente a conceber que ela aviva em vez
de extinguir a chama. Esta transição do pensamento da causa ao efeito não se
baseia na razão. Sua origem deriva completamente do hábito e da experiência.
Visto que a transição se origina de um objeto presente aos sentidos, este
incorpora à ideia ou à concepção da chama mais força e vivacidade do que
qualquer devaneio vago e flutuante da imaginação. Esta ideia nasce
imediatamente. E o pensamento converge instantaneamente para a ideia,
transferindo-lhe toda a força conceptual que deriva da impressão presente aos
sentidos. Se uma espada estiver apontada para o meu peito, as ideias de
ferimento e dor que a acompanham não me atingem com mais força do que se me
apresentam um copo de vinho, e mesmo supondo que por acaso esta ideia surgisse
após o aparecimento do último objeto? Mas, o que é que causa uma concepção tão
forte, senão unicamente a presença de um objeto, e a transição costumeira para
a ideia de outro objeto, que nos acostumamos a juntar com a primeira? Eis toda
operação do espírito em todas as nossas conclusões referentes às questões de
fato e de existência; e já é uma satisfação encontrar algumas analogias que podem
explicá-la. A transição a partir de um objeto presente dá, em todos os casos,
força e solidez à ideia com a qual está relacionado.”
“Podemos definir uma causa como um objeto seguido por outro, de tal forma
que todos os objetos semelhantes ao primeiro são seguidos de objetos
semelhantes ao segundo. Ou, em outras palavras: se o primeiro objeto não houvesse existido, o segundo nunca haveria
existido. A aparição de uma causa sempre faz convergir o espírito, por uma
transição costumeira, à ideia do efeito. Disto também temos experiência.
Podemos, pois, de acordo com esta experiência, formular uma outra definição de
causa e denominá-la um objeto seguido por outro e cuja aparição faz convergir o
pensamento sempre para aquele outro.
A ideia de poder é tão relativa como a de causa: ambas dizem respeito a um
efeito ou a um outro evento unido constantemente ao primeiro. Quando
consideramos a circunstância desconhecida de um objeto, que fixa e determina o
grau e a quantidade de seu efeito, denominamo-la seu poder. E é do consenso
geral entre os filósofos que o efeito é a medida do poder.”
“Toda ideia é copiada de uma impressão ou de
uma sensação precedentes; se não podemos localizar a impressão, podemos
assegurar-nos de que não há ideia. Em todos os casos isolados da atividade dos
corpos ou espíritos, não há nada que produza uma impressão, nem, por
conseguinte, que possa sugerir uma ideia de poder ou de conexão necessária. Mas
quando aparecem vários casos uniformes, e o mesmo objeto é sempre seguido pelo
mesmo evento, então começamos a admitir a noção de causa e de conexão. Nós sentimos então um novo sentimento, ou
nova impressão, ou seja, uma conexão costumeira no pensamento ou na imaginação
entre um objeto e o seu acompanhante habitual; e este sentimento é a origem da
ideia que procuramos. (...) Em todos os raciocínios abstratos há um ponto de
vista que, se afortunadamente o alcançamos, nos ilustra mais acerca do assunto
que mediante toda a eloquência do mundo. Devemos aspirar a este ponto de vista
e reservar os floreios da retórica para oportunidade mais adequada.”
“O predomínio da doutrina da liberdade pode
ser explicado por outra causa, ou seja, uma falsa sensação ou aparente
experiência de liberdade ou indiferença que temos ou que podemos ter em muitos
de nossos atos. A necessidade de uma ação da matéria ou do espírito não é,
propriamente falando, uma qualidade no agente, mas em qualquer ser pensante e
inteligente que pode considerar a ação, e ela consiste principalmente nas
determinações de seus pensamentos para inferir a existência desta ação a partir
de alguns objetos precedentes. De modo que a liberdade, quando oposta à
necessidade, não é senão a ausência desta determinação e a presença de certo
abandono ou indiferença que sentimos ao passar ou não passar da ideia de um
objeto à de outro que o sucede. Podemos, assim, observar que, mesmo ao refletir sobre os atos humanos,
raramente sentimos esse abandono ou indiferença, mas somos geralmente capazes
de inferi-los de seus motivos e das disposições de quem os realiza; sem dúvida,
ao realizar estes mesmos atos,
notamos frequentemente algo parecido a isto. E, como é fácil confundir todos os
objetos semelhantes, isto tem sido usado como prova demonstrativa e mesmo
intuitiva da liberdade humana. Sentimos que nossos atos estão sujeitos à nossa
vontade na maioria dos casos e imaginamos que sentimos a vontade como não
subordinada a nenhuma coisa porque, quando por afirmação contrária somos
provocados a tratar de fazê-lo, sentimos que ela se move facilmente em todas as
direções e produz uma imagem de si mesma (ou uma veleidade, como tem sido denominada nas escolas), embora sem
decidir para que lado ela se dirige. Esta imagem ou débil movimento nesse
momento poderia (estamos persuadidos disto) haver chegado a ser a própria
coisa, porque, se isto fosse negado, veríamos, numa segunda tentativa, que
agora pode chegar a sê-lo. Não consideramos que o fantástico desejo de mostrar
a liberdade é aqui o motivo de nossas ações. Parece certo que, qualquer que
seja a maneira pela qual sentimos em nós a liberdade, um espectador pode
geralmente inferir nossos atos de nossos motivos e do nosso caráter, e mesmo
quando não pode conclui geralmente que poderia se conhecesse perfeitamente
todas as circunstâncias de nossa situação e temperamento e as fontes mais
secretas de nossa disposição. Esta é, portanto, a verdadeira essência da
necessidade, segundo a doutrina anterior.”
“Por liberdade, então, podemos apenas
entender um poder de agir ou de não agir segundo as determinações da vontade.”
“Admite-se universalmente que nada existe sem
uma causa de sua existência e que a palavra ‘acaso”, se examinada com cuidado,
é puramente negativa e não designa nenhuma força real que exista em qualquer
lugar na natureza. Mas se se pretende que algumas causas são necessárias
enquanto outras não o são, vemos então a vantagem das definições. Se alguém definisse uma causa, sem compreender,
como elemento da definição, a conexão
necessária com o seu efeito, e se
mostrasse distintamente a origem da ideia expressa pela definição, desistiria
prontamente de toda controvérsia. Mas, se se aceita a explicação anterior do
assunto, isto deve ser absolutamente impraticável. Se os objetos não tivessem
entre si uma conjunção regular, nunca formaríamos qualquer noção de causa e de
efeito; esta conjunção regular produz a inferência no entendimento, que é a
única conexão da qual podemos ter alguma compreensão. Quem pretender definir a
causa, excluindo estas circunstâncias, será obrigado a empregar termos
ininteligíveis ou dar sinônimos do termo que se tenta esforçar por definir*. Se
se admite a definição acima citada, a liberdade, oposta à necessidade e não à
restrição, é a mesma coisa que o acaso e a respeito do qual toda a gente está
de acordo que não existe.”
*: Assim, se uma causa fosse definida como o que produz algo, é fácil observar que produzir é sinônimo de causar. Do mesmo modo, se se definisse
uma causa como aquilo por meio do qual algo existe, esta definição está
sujeita à mesma objeção. O que se entende pelos termos por meio da qual?
Se se houvesse dito que a causa é aquilo depois do qual algo existe
constantemente, teríamos entendido os termos. Porque isto é, em verdade,
tudo o que sabemos acerca do assunto. E esta constância constitui a verdadeira
essência da necessidade, já que não temos outra ideia dela.
“Não há método mais comum de raciocinar — e
não obstante nenhum mais censurável — do que refutar as hipóteses nas
discussões filosóficas sob pretexto de conterem perigosas consequências para a
religião e a moral. Quando uma opinião conduz ao absurdo, é certamente falsa,
mas não é evidente que uma opinião seja falsa porque suas consequências são
perigosas. Devem-se evitar inteiramente tais lugares-comuns, pois eles em nada
auxiliam na descoberta da verdade, servindo apenas para tornar odiosa a pessoa
de um adversário.”
“A necessidade pode definir-se de duas
maneiras, de acordo com duas definições de causa, da qual ela constitui uma
parte essencial. Consiste, ou na conjunção constante de objetos semelhantes, ou
na inferência que faz o entendimento de um objeto a outro. Ora, a necessidade,
nestes dois sentidos — que, certamente, em essência são a mesma coisa — é
reconhecida por toda a gente, embora tacitamente, nas escolas, no púlpito e na
vida diária, ela pertença à vontade humana; jamais alguém pretendeu negar que
podemos tirar inferências das ações humanas, e que estas inferências se baseiam
sobre a experiência da união de atos semelhantes com motivos, inclinações e
situações semelhantes.”
“Nenhuma fraqueza da natureza humana é mais
notável e mais universal do que a que denominamos credulidade”. (Tratado, I, iii, p. 112).
“O fato de que os relatos sobrenaturais
proliferam principalmente entre as nações ignorantes e bárbaras constitui forte
suspeita contra eles; e se um povo civilizado tem admitido alguns destes
relatos, decorre do fato de tê-los recebido de ancestrais ignorantes e
bárbaros, que os transmitiram com a sanção e a autoridade invioláveis que
sempre acompanham as opiniões recebidas. Quando examinamos as primeiras
histórias de todas as nações, sentimo-nos inclinados a imaginar-nos
transportados a um novo mundo, onde toda a trama da natureza está desarticulada
e todos os elementos efetuam suas operações de uma maneira diferente que fazem
na atualidade. As batalhas, as revoluções, a peste, a fome e a morte não são
nunca efeitos de causas naturais que experimentamos. Prodígios, presságios,
oráculos e punições divinas ocultam completamente os poucos eventos naturais
que se misturam a eles. Mas, como o seu número diminui a cada página, à medida
que nos aproximamos das épocas das luzes, rapidamente compreendemos que não há
nada de misterioso ou de sobrenatural no assunto, mas que tudo decorre da
tendência natural dos homens para o maravilhoso, e que, embora esta inclinação
às vezes possa ser refreada pelo bom senso e pela instrução, não pode ser
jamais extirpada da natureza humana.
É estranho,
tende a dizer um leitor judicioso, depois de ler atentamente estes
historiadores maravilhosos, que tais
eventos prodigiosos não ocorram jamais em nossos dias! Mas creio eu que não
há nada de estranho que os homens mintam em todas as épocas. Deveis,
certamente, ter encontrado muitos exemplos desta debilidade. Haveis, vós
mesmos, ouvido muitos destes relatos maravilhosos que, desprezados por todas as
pessoas sábias e sensatas, têm sido finalmente abandonados até pelo homem
comum. Podeis estar seguros de que estas famosas mentiras, que se têm difundido
e florescido até alcançarem uma altura tão monstruosa, tiveram origens
análogas; mas, como foram semeadas num solo mais propício, cresceram até se
tomarem prodígios quase tão grandes como os que aqueles narram.”
“A velhacaria e a leviandade humanas são
fenômenos tão normais, que prefiro acreditar que os eventos mais
extraordinários tenham aí sua origem, a admitir uma violação tão marcante das
leis da natureza.
Mas, se este milagre fosse atribuído a um
novo sistema religioso, é preciso considerar que os homens, em todas as épocas,
têm sido ludibriados por ridículas histórias deste gênero, que precisamente
esta circunstância seria uma prova completa da impostura, e suficiente para
levar todos os homens de bom senso, não apenas a rejeitar o fato, mas mesmo a
rejeitá-lo sem mais exame. Embora o Ser ao qual o milagre é atribuído seja,
neste caso, Onipotente, o fato não se torna, por esta razão, nem um pouco mais
provável, visto que nos é impossível apreender os atributos e os atos de um tal
Ser, senão através da experiência que temos de suas produções no curso
ordinário da natureza. Isto nos subjuga às observações passadas e nos obriga a
comparar os exemplos de violação da verdade graças aos testemunhos humanos com
os da violação das leis da natureza devido aos milagres, a fim de julgarmos
qual das duas é mais plausível e mais provável. Como as violações da verdade
são mais comuns nos testemunhos concernentes a qualquer outra espécie de fatos,
isto deve diminuir bastante a autoridade do primeiro tipo de testemunho e deve
nos levar a formular a resolução geral de não lhes prestar nenhuma atenção,
mesmo quando protegidos pelos mais plausíveis pretextos.”
“A principal fonte de equívocos neste assunto
e da ilimitada liberdade de conjeturar que toleramos decorre do fato de que
tacitamente nos colocamos no lugar do Ser Supremo e concluímos que em todas as
ocasiões observará a mesma conduta que nós mesmos, em sua situação, teríamos
aceito como razoável e conveniente. Mas, além de que o curso ordinário da
natureza pode convencer-nos de que quase tudo se regula por princípios e
máximas muito diferentes das nossas, além disto, digo eu, deve parecer
evidentemente contrário a todas as regras da analogia raciocinar a partir das
intenções e projetos humanos para os de um Ser tão diferente e tão superior a
um grau tão alto.”
Na natureza humana há certa experimentada
coerência de desígnios e de inclinações, de modo que, quando um fato nos
permitiu descobrir uma intenção de um homem, pode ser frequentemente razoável,
a partir desta experiência, inferir uma outra e tirar uma longa cadeia de
conclusões sobre sua conduta passada ou futura. Mas este método de raciocínio
não pode jamais intervir em relação a um Ser tão longínquo e tão
incompreensível, que tem muito menos analogia com um outro ser do universo que
o sol com uma vela de cera, e que apenas se manifesta por alguns traços pálidos
ou vestígios, além dos quais não temos nenhuma autoridade para designar-lhe
qualquer atributo ou qualquer perfeição. O que imaginamos ser uma perfeição
superior pode ser realmente um defeito. Ou, se é no ponto mais alto uma
perfeição, atribuindo-a ao Ser Supremo, em caso de não se ter realizado
completamente em suas obras, parece mais adulação e panegírico do que
raciocínio correto e sã filosofia.”
“Um ceticismo moderado pode ser aceito como
bastante razoável, pois afigura-se como atitude prévia e indispensável ao
estudo da filosofia, mantendo adequada imparcialidade em nossos juízos e
apartando nosso espírito de todos os preconceitos adquiridos pela educação e
precipitação. Iniciar com princípios claros e evidentes por si mesmos, avançar
com passos prudentes e seguros, repassar frequentemente nossas conclusões e
examinar rigorosamente todas as suas consequências são os únicos métodos que
nos podem levar a aspirar à verdade e lograr uma adequada estabilidade e
certeza em nossas conclusões, embora reconhecendo que assim nossos sistemas
progridem pouco e lentamente.”
“A natureza sempre é mais forte que os
princípios.”
“A maioria dos homens têm tendência natural
para manifestar suas opiniões de modo afirmativo e dogmático e, como visualizam
os objetos sob um único aspecto e como não têm qualquer ideia de argumentos
opostos, lançam-se precipitadamente aos princípios para os quais estavam
inclinados e não são indulgentes com aqueles que abrigam opiniões contrárias. A
dúvida ou a suspeita gera perplexidade em seu entendimento, bloqueia sua paixão
e interrompe sua ação. Portanto, impacientes para escapulir de uma situação que
lhes é tão desagradável, os homens supõem que unicamente aderindo às afirmações
violentas e crenças obstinadas conseguirão afastar-se o bastante dela. Mas, se
tais homens que raciocinam dogmaticamente pudessem ter consciência da singular
fragilidade do entendimento humano, inclusive em seu estado mais perfeito e
quando é mais rigoroso e prudente em suas resoluções, semelhante reflexão os
inspiraria naturalmente a ter mais modéstia e reserva, diminuindo a exagerada
opinião que têm de si mesmos e seus preconceitos contra os adversários. Os
ignorantes devem refletir acerca da situação dos sábios que, embora usufruindo
de todas as vantagens advindas do estudo e da reflexão, se mostram geralmente
desconfiados de suas afirmações. E, se algum sábio tende, por seu temperamento
natural, à altivez e à obstinação, uma leve tintura de pirronismo poderia
abater seu orgulho e mostrar-lhe que as poucas vantagens que obteve sobre seus
semelhantes são insignificantes se comparadas à confusão e à perplexidade
universais inerentes à natureza humana. Em geral, há um grau de dúvida, de
prudência e de modéstia que, nas investigações e nas decisões de todo gênero,
deve sempre acompanhar o homem que raciocina corretamente.”
“Os raciocínios morais referem-se tanto a
fatos particulares como gerais. Todas as deliberações da vida dizem respeito
aos primeiros, bem como todas as investigações da história, da cronologia, da
geografia e da astronomia.
As ciências referentes aos fatos gerais são a
política, a filosofia natural, a física, a química etc., nas quais se
investigam as qualidades, as causas e os efeitos de toda uma espécie de
objetos.
As ciências religiosas ou teológicas,
enquanto visam a provar a existência de Deus e a imortalidade das almas,
compõem-se em parte de raciocínios baseados em fatos particulares e, em parte,
de raciocínios baseados em fatos gerais. Fundam-se sobre a razão, na medida em
que se apoiam na experiência. Mas seu melhor e mais sólido fundamento é a fé e
a revelação divina.
A moral e a crítica não são propriamente
objetos do entendimento, porém do gosto e do sentimento. A beleza, moral ou
natural, é antes sentida que propriamente percebida. Ou, se raciocinamos a seu
respeito, e tentamos estabelecer sua norma, consideramos um novo fato, derivado
do gosto geral dos homens, ou algum fato análogo que pode ser objeto do
raciocínio e da investigação.
Quando percorremos as bibliotecas,
persuadidos destes princípios, que destruição deveríamos fazer? Se examinarmos,
por exemplo, um volume de teologia ou de metafísica escolástica e indagarmos:
Contém algum raciocínio abstrato acerca da quantidade ou do número? Não. Contém algum raciocínio
experimental a respeito das questões de fato e de existência? Não.
Portanto, lançai-o ao fogo, pois não contém senão sofismas e ilusões.”
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