quinta-feira, 8 de abril de 2021

Cartas do Front: relatos emocionantes da vida na guerra – Andrew Carrol (org.) (Parte II)

Editora: Zahar

ISBN: 978-85-378-0030-0

Tradução: Sérgio Lopes

Opinião: ★★★★☆

Páginas: 440

Sinopse: Ver Parte I



ld “Pompey” Elliott, comandante do 7° Batalhão australiano, descreve a sangrenta Batalha de Lone Pine, durante a campanha de Galípoli, na Primeira Guerra Mundial.

(em nenhum outro conflito a guerra de trincheiras foi tão essencial quanto na Primeira Guerra Mundial).

“(...) Esses ataques parciais, porém, bastaram para nos impedir de acudir de modo adequado os feridos e de remover os mortos. O tempo estava quente e as moscas, pestilentas. Quando alguém lhe falar da glória da guerra, imagine-se em uma estreita linha de trincheiras, cobertas por duas ou as vezes três camadas de corpos (e pense também em seus melhores amigos, pois, pela longa convivência, é justamente o que esses rapazes são) mutilados e despedaçados pelas bombas, de uma forma indescritível, inchados e escurecidos pela decomposição e cobertos de vermes. Viva em meio a tudo isso por dias, a despeito de aproveitar todas as noites para trabalhar com máscaras de gás no esforço de removê-los. Isso é a guerra e essa é a glória – não importa o que digam os romancistas.” (...)

Um mês depois de escrever essa carta a um amigo, Pompey Elliot foi promovido a general-brigadeiro, e, depois da guerra, foi eleito para o Parlamento australiano. No entanto, Elliott passou a ser atormentado por aquilo que mais tarde seria conhecido como “transtorno de estresse pós-traumático” e, em 1931, ele se suicidou.”

 

 

Numa carta a família, o tenente Davydovych Zemchenchov ataca os “carrascos alemães” responsáveis pela morte de seus entes queridos.

Ao alegar (falsamente) que a invasão da União Soviética, a conhecida operação Barbarossa, era um ataque preventivo, Hitler vaticinou em um discurso para seus generais que a operação Barbarossa seria uma “batalha de aniquilação”. As tropas alemãs estavam convencidas de que seria, no mínimo, uma retumbante devastação. A guerra contra a Rússia durará apenas quatro semanas!”, disse um oficial a seus comandados. Cientes do poderio soviético para protelar ou repelir invasores, os alemães reuniram forças terrestres e aéreas de inédita magnitude. O primeiro dos 4 milhões de soldados dirigiu-se à União Soviética em 22 de junho de 1941, encontrando Joseph Stálin e seus generais completamente desprevenidos. “O dia de hoje foi motivo de orgulho para todos nós”, escreveu triunfantemente a sua esposa, em 25 de junho, o comandante alemão de tanques de guerra Karl Fuchs, que integrava a 7ª Divisão Panzer, da frente oriental. “Os russos se evadem por toda parte e nós os seguimos. Todos acreditamos numa breve vitória!” Logo depois, Fuchs expressou o desprezo que ele e seus soldados sentiam pelo povo russo como um todo, um preconceito alimentado por anos de propaganda nazista. “Mostraremos a esses vagabundos bolcheviques quem é que manda por aqui”, vociferou em 28 de junho.

Eles lutam como mercenários, não como soldados, não importa que sejam homens, mulheres ou crianças nas linhas de frente. Eles não são melhores que um bando de canalhas. Todos nos regozijamos com a entrada da Espanha e da Hungria ao nosso lado contra os bolcheviques, os arquiinimigos do mundo. Sim, a Europa permanece sob a liderança de nosso amado Führer Adolf Hitler, que a reformará para um futuro melhor.

Fuchs não conheceria esse futuro; durante um inverno que ele próprio admitiu que os envolvia em um “frio impregnante, nada comparável ao que tenhamos vivenciado em casa”, foi morto em combate. As tropas soviéticas que ele e seus camaradas menosprezaram revelaram-se infatigáveis, tomadas, diante da violação de seu país, por um ódio justificado. (Cerca de 20 a 27 milhões de soviéticos morreram durante a guerra.) A carta que se segue, escrita pelo tenente Davydovych Zemchenkov, oferece um vislumbre do estado de espírito de um jovem soldado disposto a sacrificar-se por sua pátria. Zemchenkov tinha, então, 19 ou 20 anos e também perderia sua vida na guerra.

Olá, mãe, Marusya, Nastya, Valya, Zoya e Ninochka!

Como um raio de sol, envio-vos uma calorosa saudação deste front, onde enfrentamos os inimigos alemães. Desejo-lhes uma boa saúde por muitos anos, bom ânimo e força para suportar todas as dificuldades com que se defrontarem. Doce Mama, recebi uma carta de Zhenya hoje. Que horror! A imagem é aterrorizante. A morte, empunhando uma suástica nazista, abriu suas asas sobre nossa família. Separou nossos entes e deixou em ruínas nosso ninho, no qual trabalhamos por tantos anos. A morte é vermelha, tingida pelo sangue daqueles que bem queremos, e destruiu tudo o que criamos e valorizamos. Depois disso, será possível sentir um mínimo de piedade por eles? Não! Somente uma bala que penetre o negro coração alemão, somente uma imunda torrente de sangue, somente sua impiedade e completa aniquilação podem acalmar minha alma e abrandar minha dor.

Aqueles malditos inimigos balearam meu amado irmão, enviaram meu pai para uma cova prematura, queimaram minha casa e alquebraram a saúde de minha mãe. Palavras me faltam. A dor é demasiada. Choro e as lágrimas não me envergonham. Meus amigos as veem e se compadecem. Mas não me desespero nem perco minha força. Muito pelo contrário: o ódio e o desejo de vingança ardem em meu coração. Juro lançar a vingança sobre o inimigo pelo resto de minha vida. Continuarei matando alemães para vingar a morte de meu irmão. Tomamos nossas armas mais perto de nós e as utilizamos com mais precisão. Os malditos inimigos já sentiram nossos golpes. Já provaram bastante do nosso chumbo e de nosso aço. Já matamos alguns milhares desses malditos alemães e mataremos outro tanto. Mostraremos nossa habilidade lutando e vencendo sangrentas batalhas contra o inimigo. O governo e o povo soviético demonstraram seu apreço por nossos atos. Recebemos uma grande honra – o título de membros da guarda real. O inimigo conhece a nós e a nossa força.

Querida mãe e queridas irmãs, vós sois tudo o que me resta. Desejo que mantenham, especialmente mama, o entusiasmo. Não percam a força que vocês têm e cuidem da saúde. Compreendo como é difícil suportar essa dor, essa grande mágoa, mas não há outra solução. Temos de suportá-la. Assim é a vida, mama. Sua dor, nossa dor, não é a única. Vi piores ao longo de minhas viagens. Nas minas de Shakthi, encontramos 4.500 pessoas mortas pelos carrascos alemães. Havia bebês e crianças, mulheres e velhos. Os monstros não apenas os mataram; impuseram-lhes o abuso e, em seguida, jogaram-nos em um buraco e atiraram. Em uma das prisões de Rostov, os alemães atiraram em 3.500 pessoas. Onde quer que os monstros fascistas vão, deixam atrás de si um rio de sangue e soviéticos inocentes mortos.

Mama, seja forte e acredite em meu retorno. Quando voltar, viveremos felizes outra vez.  Reconstruiremos o que tiver sido destruído. Com o tempo tudo se arranjará. Mama, envio uma carta a RK e ao comitê executivo regional com um pedido para que a senhora e as meninas possam ficar com Zhenya. Fique com ela e descanse no verão. Eu a ajudarei. Envio-lhe mil rublos hoje e, em poucos dias, enviarei mais. Nastya, Valya, Zoya, ajudem Mama. Não se preocupem comigo. Estou são e salvo. Abato os alemães sem perdão. A hora da vitória total esta próxima. Esmagaremos o inimigo e voltaremos para casa vitoriosos.

Mama, dê lembranças minhas e meus melhores desejos a todos os trabalhadores da fazenda comunal. Diga-lhes para não perder o entusiasmo.”

 

 

“Apenas uma nota. Estou prestes “a galgar o parapeito”, e as chances de um oficial subalterno voltar vivo para casa são praticamente nulas. Mas, caso consiga, pode soltar uma daquelas gargalhadas estridentes. Caso contrário, esta a fará saber que bati as botas. Então, anime-se, minha velha, e não permita que os jornais a usem como matéria para uma edição de domingo. A senhora conhece o tipo: aquela em que a mãezinha de “rostinho delicado, cabelo grisalho, com a última carta do filho junto ao peito, choraminga ‘ele era um bom menino’, enquanto furtivamente enxuga as lágrimas dos olhos luzidios com um pano de prato etc. etc.” Seu filho é um soldado e um soldado danado de bom, é o que ele diria se pudesse. E, se for abatido, estará fazendo seu maldito trabalho. Então, é isso.

O soldado canadense Hart Leechm escrevendo à sua mãe durante a Primeira Guerra Mundial. Leech foi morto pouco depois.

 

 

“Todo homem encorpado que saiba empunhar uma arma é agora um caçador de paraquedistas. Na verdade, não creio que esses sujeitos corpulentos com arma na mão serão os únicos a atacar os paraquedistas, caso ousem saltar aqui, pois os camponeses os estão esperando com foices e porretes. Eu mesmo, sabendo quão perigoso pode ser um paraquedista, só posso achá-los engraçados. A visão de um alemão caindo do céu, disfarçado de padre, ou até mesmo bispo, com a metralhadora debaixo de um braço e a bicicleta do outro, é duro de levar a sério. Um programa de rádio descreveu como os paraquedistas estarão vestidos, e, a despeito do fato de o país estar assustadoramente determinado a exterminar esse bando, todos caíram na gargalhada. Um dos consolos da guerra parece ser o fato de que com o acúmulo de um horror atrás do outro, chega-se a um ponto em que quase tudo faz o pessoal rir.

Noel Streatfeild, escrevendo, em 13 de junho de 1940, a respeito da possível invasão da Inglaterra pelos alemães.

 

 

“A ausência dos maridos de milhões de lares durante a Primeira Guerra Mundial deixou as esposas o enorme fardo de arcar sozinhas com a administração da casa, o que frequentemente incluía a criação dos filhos e, em áreas mais afastadas, plantação e a criação de animais. Mas havia outras necessidades, mais íntimas, que exigiam igualmente a presença dos maridos. Em geral, nas cartas pessoais trocadas entre casais, essas questões eram abordadas com eufemismos ou subentendidos, a fim de reforçar quanto um e outro desejavam “estar de volta aos seus braços” ou quanto ansiosamente aguardavam para, assim que se reencontrassem, “compensar o tempo perdido”. E, por fim, havia aqueles que não podiam tolerar mais e não se importavam mais com a opinião dos outros. Uma mulher alemã, cujo nome (bem como o de seu marido) foi omitido a fim e preservar sua privacidade, enviou o seguinte apelo ao oficial-comandante de seu companheiro.

Treuen, 2 de janeiro de 1917

Caro líder da companhia,

Eu, abaixo assinada, tenho um pedido a lhe fazer. Embora meu marido esteja em campo há apenas quatro meses, gostaria de solicitar que lhe fosse concedida uma licença, por causa de nossa relação sexual. Gostaria de ter meu marido uma única vez para satisfazer meus desejos naturais. Não posso mais viver desse modo. Não posso suportar.

É claro que me é impossível buscar outras formas de satisfação, pois tenho, em primeiro lugar e acima de tudo, às crianças e, em segundo lugar, por não desejar trair meu marido. Portanto gostaria de lhe pedir muito encarecidamente que atenda a minha solicitação. Depois, poderei me controlar até que sejamos vitoriosos.

Com toda a deferência,

Sra. S.

E o oficial responde...

O oficial que recebeu a carta, Kurt Zehmisch, não foi insensível ao empenho da mulher, e a respondeu em 8 de janeiro.

“Honrada Frau S.

Com esta carta, confirmo o recebimento de sua cordial carta de 2 de janeiro de 1917. Certamente simpatizo com a senhora e compreendo que deseja ver seu amado marido de volta, e farei tudo o que estiver ao meu alcance para atender ao seu pedido. Porém, a senhora deve compreender que, no momento, tenho muitos homens em minha companhia que estão longe de seus lares há praticamente um ano. Para ser justo com esses homens, peço que seja paciente por mais uma ou duas semanas. Então poderei adicionar seu marido à nossa lista de homens que sairão de licença.

Cordiais saudações,

K. Zehmisch”

 

 

“Enquanto as cartas da primeira e da Segunda Guerra Mundial não passavam sem as ocasionais explosões de humor amargo, as cartas do Vietnã apresentavam um tom consistentemente mais sarcástico. Na primeira mensagem que enviou para casa do campo de treinamento de recrutas da Marinha, uma experiência reconhecidamente torturante – tanto psicológica quanto fisicamente –, John Richard Ruggles expressou como estava animado com sua nova vida e como seus superiores lhe tratavam com uma gentileza impressionante diariamente.

Temos exatos 38 segundos para escrever esta carta. Este é um lugar realmente aconchegante e tranquilo. Estamos adorando. Todos da equipe, tanto os oficiais quanto os sargentos, são muito pacientes para explicar as coisas que são confusas. Preciso ir.

Gary Turnure, que quase na mesma época estava no treinamento básico do Exército norte-americano, tentou ser ainda mais positivo. “Olá, pessoal”, escreveu ele para sua família em Nova Jersey. “Finalmente compreendi que o Exército me fará muito bem. Ele irá me preparar para uma variedade de ocupações prósperas no Futuro. Na vida civil, há sempre necessidade de bons obuseiros, canhoneiros ou faxineiros e polidores, engraxates, membros de bandas militares, e estarei bastante capacitado para permanecer em filas, o que me será útil quando tiver que esperar para receber o seguro-desemprego”. Em outra carta, enviada quando estava no Vietnã, ele incluiu a seguinte passagem:

A oração do soldado

O Exército é meu Pastor, não devo pensar. Ele permite que me entregue a tarefas essenciais. Ele me conduz cegamente, destrói minha iniciativa, me conduz pelo caminho dos parasitas em nome de minha pátria. Na verdade, embora caminhe pelo vale da indolência, não temerei a censura, pois o Exército esta a meu lado, faz-me acreditar em grandes falsidades. Minha ineficiência se expande, permanecerei eternamente no paraíso dos tolos.

Os dez mandamentos do Exército:

1. Não pensarás.

2. Não colocarás as mãos nos bolsos.

3. Conhecerás a linha hierárquica e todos os elos que faltam.

4. Não rirás dos segundos-tenentes.

5. Não usarás palavras que os oficiais não compreendam.

6. Nada farás nada com sensatez ou bom senso.

7. Temerás aqueles que ocupam postos acima de ti e desdenharás daqueles que te são subalternos.

8. Não rirás nem farás gestos obscenos diante de cartazes de recrutamento.

9. Não falarás sem praguejar.

10. Acreditarás por 30 anos em benefícios inexistentes.

Outro soldado, cujo nome será mantido em sigilo para preservar sua privacidade, lamentava a um amigo: “Não há muito mais a dizer, cara, exceto que estou doente como um cão. Na semana passada, minha garganta estava sangrando. Sabe o que fizeram para me curar? Nada, absolutamente nada. Sim, senhor, há alguns homens brilhantes em serviço, em especial esses sujeitos com as divisas.”

 

 

O missionário norte-americano James H. McCallum escreve à família, de Nanquim, a respeito do cruel tratamento dispensado aos civis chineses pelos soldados invasores japoneses.

Esta é uma história terrível para contar; não sei por onde começar ou terminar. Jamais ouvi ou li a respeito de tantas brutalidades. Estupro, estupro, estupro. Nossas estimativas são de, no mínimo, mil casos por noite e muitos por dia. Em caso de resistência ou qualquer coisa que se assemelhe a desaprovação, há golpes de baionetas ou tiros.

Jornais, fotografias, cartas e outros materiais do período, tanto particulares quanto oficiais, atestam a enormidade da tragédia, e muitos dos mais detalhados relatos de primeira mão encontram-se em cartas dos mais de 20 missionários ocidentais que ficaram na cidade apesar do urgente apelo de suas embaixadas para uma desocupação imediata. (Todos os missionários sobreviveram. Wilhelmina “Minnie” Vautrin, no entanto, tirou a própria vida um ano depois que deixou Nanquim para retornar aos EUA. Muitos acreditam que seu suicídio foi causado pelo trauma de ter testemunhado o massacre.) Os missionários arriscavam as próprias vidas ao se colocarem literalmente entre os soldados japoneses bêbados e beligerantes e os trêmulos cidadãos chineses. Eles ajudaram igualmente a criar uma zona de segurança dentro da cidade, que oferecia alguma proteção aos moradores que não tinham condições de escapar. James McCallum, um missionário norte-americano de 44 anos que trabalhava em Nanquim, enviou a seguinte carta à família, que vivia em Kuling, na China.

Tenho estado tão ocupado todos os dias e cinco noites por semana que não tenho tido muito tempo de escrever. Um estrangeiro tem de estar a postos 24 horas aqui no hospital, a fim de lidar com os visitantes japoneses. Esta nevando e o frio é cortante; sofremos por causa dos milhares que têm abrigos miseráveis e que se encontram encurralados em cômodos extremamente apertados. Nosso hospital esta lotado e os casos menos graves lotam o dormitório da universidade. Alguns não podem receber alta, pois não têm para onde ir. Nasceram de 15 a 20 bebês na última semana; seis no Natal. É fácil encontrar a senhorita Hynds; ela está sempre na enfermaria paparicando aquele monte de bebês.

Lembrei-me de todos no dia de natal e espero que tenham tido momentos agradáveis.

Presumimos que estejam todos em Kuling. Os rumores que chegam até nos afirmam que Kuling pode ser desocupada. Estamos completamente isolados do resto do mundo. Ninguém consegue chegar a Nanquim e parece difícil sair daqui. Pensamos em mandar alguém de nosso grupo para levar as terríveis notícias sobre as coisas que aconteceram e ainda acontecem aqui. mas sabemos que essa pessoa não poderia retornar.

Estou morando com Mills, Fitch, Smythe, Sone, Wilson, Bates e Riggs aqui na casa de Buck. Todos estamos trabalhando dobrado. Raramente nos sentamos para fazer nossas refeições juntos sem que alguém apareça a cada cinco minutos para pedir ajuda. A comida é engolida numa só bocada e saímos às pressas a fim de impedir que um caminhão seja roubado ou, mais frequentemente, para proteger as mulheres dos ataques dos soldados. Raramente nos sentamos todos para comer ao mesmo tempo. Não ousamos sair de casa sozinhos depois de anoitecer, mas andamos em grupos de dois ou três.

A cada um ou dois dias, saio para uma inspeção na propriedade de nossa missão. A casa de todo estrangeiro está sempre sob observação; intocada até a chegada do Exército japonês, mas depois disso, nada esta intocado. Todas as fechaduras foram quebradas; os cofres, roubados. A busca por dinheiro e objetos de valor levou-os às chaminés e ao interior dos pianos.

Nossos discos estão todos quebrados; a louça esta em pedaços no chão ao lado de tudo o mais que foi descartado depois de cada saque. O tampo do piano foi removido e todas as teclas marteladas com algo pesado. Como nossa casa esta fora da zona de segurança, isso não é tão surpreendente, mas casas dentro desse espaço tiveram igual destino. Dois de nossos prédios na escola para rapazes foram incendiados, um dos quais ficou completamente arruinado. Nanquim tem uma aparência funesta. No momento em que o Exército japonês entrou na cidade poucos danos foram causados às construções. Desde então, as lojas foram despidas de seus produtos e a maior parte incendiada. Taiping, Chung Hwa e praticamente todas as principais avenidas de comércio estão em ruínas. No sul da cidade, grande parte da área por trás da rua principal também foi incendiada. Vemos novos incêndios todos os dias e nos perguntamos quando acabará tamanha destruição.

No entanto, ainda pior é o que tem acontecido com as pessoas. Elas têm sido aterrorizadas, o que não é de espantar. Muitos nada mais têm agora, além da roupa do corpo. Indefesos e desarmados, têm estado à mercê dos soldados, que têm permissão para vagar a vontade sempre que desejarem. Não há qualquer disciplina e muitos vivem bêbados. De dia, entram em nossos centros na zona de segurança, em busca de alguma mulher desejável, então retornam à noite para apanhá-las. Caso elas se escondam, os responsáveis pelo local são atacados a golpes de baioneta. Meninas de 11 e 12 anos e mulheres de 50 não têm escapado. A resistência é fatal. Os piores casos vêm para o hospital. Uma mulher com seis meses de gravidez, que resistiu, veio até nós com 16 facadas na face e no corpo, uma perfurando o abdômen. Perdeu o bebê, mas sua vida foi salva. Homens que se renderam a misericórdia dos japoneses quando lhes prometeram que suas vidas seriam poupadas – um pequeno número deles retornou à zona de segurança em um estado deplorável. Um deles declarou que foram usados para praticar o uso da baioneta e seu corpo certamente comprovava isso. Outro grupo foi levado até próximo a Ku-Ling Sz; sabe-se lá como, um conseguiu voltar, viveu tempo suficiente para contar o destino do grupo. Afirmou que despejaram gasolina sobre suas cabeças e, em seguida, atearam fogo. Este homem não exibia nenhum outro ferimento, mas estava tão queimado ao redor do pescoço e da cabeça que dificilmente se acreditava que era um ser humano. No mesmo dia, outro homem, cujo corpo fora parcialmente queimado, chegou ao hospital. Também fora baleado. No geral, parece que uma porção deles foi metralhada, seus corpos empilhados, e então, queimados. Não pudemos obter detalhes, mas ele conseguiu engatinhar e chegar ao hospital para pedir ajuda. Ambos morreram. E assim pude relatar essas histórias tão terríveis que provavelmente vão deixar vocês aí sem apetite por dias. É absolutamente inacreditável, mas milhares vêm sendo exterminados a sangue-frio – quantos é difícil determinar –, alguns acreditam que a marca se aproximaria de 10 mil. (...)

No entanto, ainda pior é o que tem acontecido com as pessoas. Elas têm sido aterrorizadas, o que não é de espantar. Muitos nada mais têm agora, além da roupa do corpo. Indefesos e desarmados, têm estado à mercê dos soldados, que têm permissão para vagar a vontade sempre que desejarem. Não há qualquer disciplina e muitos vivem bêbados. De dia, entram em nossos centros na zona de segurança, em busca de alguma mulher desejável, então retornam à noite para apanhá-las. Caso elas se escondam, os responsáveis pelo local são atacados a golpes de baioneta. Meninas de 11 e 12 anos e mulheres de 50 não têm escapado. A resistência é fatal. Os piores casos vêm para o hospital. Uma mulher com seis meses de gravidez, que resistiu, veio até nós com 16 facadas na face e no corpo, uma perfurando o abdômen. Perdeu o bebê, mas sua vida foi salva. Homens que se renderam a misericórdia dos japoneses quando lhes prometeram que suas vidas seriam poupadas – um pequeno número deles retornou à zona de segurança em um estado deplorável. Um deles declarou que foram usados para praticar o uso da baioneta e seu corpo certamente comprovava isso. Outro grupo foi levado até próximo a Ku-Ling Sz; sabe-se lá como, um conseguiu voltar, viveu tempo suficiente para contar o destino do grupo. Afirmou que despejaram gasolina sobre suas cabeças e, em seguida, atearam fogo. Este homem não exibia nenhum outro ferimento, mas estava tão queimado ao redor do pescoço e da cabeça que dificilmente se acreditava que era um ser humano. No mesmo dia, outro homem, cujo corpo fora parcialmente queimado, chegou ao hospital. Também fora baleado. No geral, parece que uma porção deles foi metralhada, seus corpos empilhados, e então, queimados. Não pudemos obter detalhes, mas ele conseguiu engatinhar e chegar ao hospital para pedir ajuda. Ambos morreram. E assim pude relatar essas histórias tão terríveis que provavelmente vão deixar vocês aí sem apetite por dias. É absolutamente inacreditável, mas milhares vêm sendo exterminados a sangue-frio – quantos é difícil determinar –, alguns acreditam que a marca se aproximaria de 10 mil. (...)

Ainda hoje, muitos políticos japoneses ultranacionalistas e seus seguidores negam, com veemência, que atrocidades e assassinatos indiscriminados tenham ocorrido em Nanquim e insistem que os números foram exagerados pela China e pelos EUA, aliados na Segunda Guerra Mundial, a fim de justificar o emprego de armas atômicas contra o Japão em 1945. Os chineses – e muitos historiadores, norte-americanos e de outras nacionalidades – documentaram a partir de suas fontes que cerca de 200 a 300 mil indivíduos inocentes devam ter sido assassinados e dezenas de milhares de mulheres estupradas. Este tema permanece sendo uma fonte de tensão entre China e Japão até os dias de hoje.”

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