Editora: Boitempo
ISBN:
978-85-7559-578-7
Introdução: Tariq
Ali
Tradução: Álvaro
Pina e Ivana Jinkings; Caco Ishak (introdução)
Opinião: ★★★☆☆
Páginas: 57
Sinopse: A Revolução Russa de 1917
transformou o Manifesto Comunista no texto fundamental para
socialistas em todo o mundo. No centenário do evento que marcou o século XX,
esse volume coloca a obra mais famosa de Marx e Engels ao lado de outro texto
clássico, Teses de abril, o manifesto revolucionário de Lênin que
eleva a política a uma forma de arte. Essa edição comemorativa apresenta ainda
textos introdutórios de Tariq Ali, contextualizando o período em que o Manifesto foi
redigido – às vésperas das revoluções de 1848 – e traçando sua influência sobre
as Teses de abril, texto que por sua vez daria novo fôlego ao Manifesto Comunista.
“Lênin
compreendia Marx melhor do que a maioria dos dirigentes políticos de sua época.
Em abril de 1917, entre as duas revoluções que transformaram a Rússia tsarista
durante a primeira guerra imperialista, o bolchevique escreveu uma série de
teses baseadas na teoria marxista, exortando seu partido a fazer os
preparativos necessários para uma revolução social – teses estas que estão incluídas
na parte final deste livro. Por outro lado, sem a Revolução Russa de novembro
de 1917, o Manifesto Comunista – que abre o volume – acabaria
confinado às bibliotecas especializadas em vez de rivalizar com a Bíblia como o
texto mais traduzido na história moderna”, afirma Ali.
O Manifesto
Comunista é o texto político mais influente já escrito – poucos
chamados à ação foram capazes de tão efetivamente agitar e mudar o mundo.
Agora, no despertar de um novo século, sob uma dura crise financeira e em um mundo
construído sobre regimes de austeridade permanente, cada vez mais dominado por
terríveis disparidades econômicas, ele permanece um ponto de referência para
quem tenta compreender as transformações que são hoje forjadas pelo capitalismo
e suas formas concomitantes de exploração.
“A história de todas as sociedades até hoje
existentes é a história das lutas de classes.
Homem livre e escravo, patrício e plebeu,
senhor feudal e servo, mestre de corporação e companheiro, em resumo,
opressores e oprimidos, em constante oposição, têm vivido numa guerra ininterrupta,
ora franca, ora disfarçada; uma guerra que terminou sempre ou por uma
transformação revolucionária da sociedade inteira, ou pela destruição das duas
classes em conflito.
Nas mais remotas épocas da História,
verificamos, quase por toda parte, uma completa estruturação da sociedade em
classes distintas, uma múltipla gradação das posições sociais. Na Roma antiga
encontramos patrícios, cavaleiros, plebeus, escravos; na Idade Média, senhores,
vassalos, mestres das corporações, aprendizes, companheiros, servos; e, em cada
uma destas classes, outras gradações particulares.
A sociedade burguesa moderna, que brotou das
ruínas da sociedade feudal, não aboliu os antagonismos de classe. Não fez mais
do que estabelecer novas classes, novas condições de opressão, novas formas de
luta em lugar das que existiram no passado.
Entretanto, a nossa época, a época da
burguesia, caracteriza-se por ter simplificado os antagonismos de classe. A
sociedade divide-se cada vez mais em dois campos opostos, em duas grandes
classes em confronto direto: a burguesia e o proletariado.
Dos servos da Idade Média nasceram os
moradores dos primeiros burgos; desta população municipal saíram os primeiros
elementos da burguesia.
A descoberta da América, a circum-navegação
da África abriram um novo campo de ação à burguesia emergente. Os mercados das
Índias Orientais e da China, a colonização da América, o comércio colonial, o incremento
dos meios de troca e das mercadorias em geral imprimiram ao comércio, à
indústria e à navegação um impulso desconhecido até então; e, por conseguinte,
desenvolveram rapidamente o elemento revolucionário da sociedade feudal em
decomposição.
A organização feudal da indústria, em que
esta era circunscrita a corporações fechadas, já não satisfazia as necessidades
que cresciam com a abertura de novos mercados. A manufatura a substituiu. A
pequena burguesia industrial suplantou os mestres das corporações; a divisão do
trabalho entre as diferentes corporações desapareceu diante da divisão do
trabalho dentro da própria oficina.
Todavia, os mercados ampliavam-se cada vez
mais, a procura por mercadorias continuava a aumentar. A própria manufatura
tornou-se insuficiente; então, o vapor e a maquinaria revolucionaram a produção
industrial. A grande indústria moderna suplantou a manufatura; a média
burguesia manufatureira cedeu lugar aos milionários da indústria, aos chefes de
verdadeiros exércitos industriais, aos burgueses modernos.
A grande indústria criou o mercado mundial,
preparado pela descoberta da América. O mercado mundial acelerou enormemente o
desenvolvimento do comércio, da navegação, dos meios de comunicação. Este
desenvolvimento reagiu por sua vez sobre a expansão da indústria; e à medida
que a indústria, o comércio, a navegação, as vias férreas se desenvolviam, crescia
a burguesia, multiplicando seus capitais e colocando num segundo plano todas as
classes legadas pela Idade Média.
Vemos, pois, que a própria burguesia moderna
é o produto de um longo processo de desenvolvimento, de uma série de
transformações no modo de produção e de circulação.
Cada etapa da evolução percorrida pela
burguesia foi acompanhada de um progresso político correspondente. Classe
oprimida pelo despotismo feudal, associação armada e autônoma na comuna4,
aqui república urbana independente, ali terceiro estado tributário da
monarquia; depois, durante o período manufatureiro, contrapeso da nobreza na
monarquia feudal ou absoluta, base principal das grandes monarquias, a
burguesia, com o estabelecimento da grande indústria e do mercado mundial, conquistou,
finalmente, a soberania política exclusiva no Estado representativo moderno. O
executivo no Estado moderno não é senão um comitê para gerir os negócios comuns
de toda a classe burguesa.
A burguesia
desempenhou na História um papel iminentemente revolucionário.
Onde quer que tenha conquistado o poder, a
burguesia destruiu as relações feudais, patriarcais e idílicas. Rasgou todos os
complexos e variados laços que prendiam o homem feudal a seus “superiores
naturais”, para só deixar subsistir, de homem para homem, o laço do frio
interesse, as duras exigências do “pagamento à vista”. Afogou os fervores
sagrados da exaltação religiosa, do entusiasmo cavalheiresco, do
sentimentalismo pequeno-burguês nas águas geladas do cálculo egoísta. Fez da
dignidade pessoal um simples valor de troca; substituiu as numerosas
liberdades, conquistadas duramente, por uma única liberdade sem escrúpulos: a do
comércio. Em uma palavra, em lugar da exploração dissimulada por ilusões
religiosas e políticas, a burguesia colocou uma exploração aberta, direta,
despudorada e brutal.
A burguesia despojou de sua auréola todas as
atividades até então reputadas como dignas e encaradas com piedoso respeito.
Fez do médico, do jurista, do sacerdote, do poeta, do sábio seus servidores
assalariados.
A burguesia rasgou o véu do sentimentalismo
que envolvia as relações de família e reduziu-as a meras relações monetárias.
A burguesia revelou como a brutal
manifestação de força na Idade Média, tão admirada pela reação, encontra seu
complemento natural na ociosidade mais completa. Foi a primeira a provar o que
a atividade humana pode realizar: criou maravilhas maiores que as pirâmides do Egito,
os aquedutos romanos, as catedrais góticas; conduziu expedições que empanaram mesmo
as antigas invasões e as Cruzadas.
A burguesia não pode existir sem revolucionar
incessantemente os instrumentos de produção, por conseguinte, as relações de
produção e, com isso, todas as relações sociais. A conservação inalterada do
antigo modo de produção era, pelo contrário, a primeira condição de existência
de todas as classes industriais anteriores. Essa subversão contínua da
produção, esse abalo constante de todo o sistema social, essa agitação
permanente e essa falta de segurança distinguem a época burguesa de todas as
precedentes. Dissolvem-se todas as relações sociais antigas e cristalizadas,
com seu cortejo de concepções e de ideias secularmente veneradas; as relações
que as substituem tornam-se antiquadas antes de se consolidarem. Tudo o que era
sólido e estável se desmancha no ar, tudo o que era sagrado é profanado e os
homens são obrigados finalmente a encarar sem ilusões a sua posição social e as
suas relações com os outros homens.
Impelida pela necessidade de mercados sempre
novos, a burguesia invade todo o globo terrestre. Necessita estabelecer-se em
toda parte, explorar em toda parte, criar vínculos em toda parte.
Pela exploração do mercado mundial, a
burguesia imprime um caráter cosmopolita à produção e ao consumo em todos os
países. Para desespero dos reacionários, ela roubou da indústria sua base
nacional. As velhas indústrias nacionais foram destruídas e continuam a ser destruídas
diariamente. São suplantadas por novas indústrias, cuja introdução se torna uma
questão vital para todas as nações civilizadas — indústrias que já não empregam
matérias-primas nacionais, mas sim matérias-primas vindas das regiões mais
distantes, e cujos produtos se consomem não somente no próprio país mas em
todas as partes do mundo. Ao invés das antigas necessidades, satisfeitas pelos
produtos nacionais, surgem novas demandas, que reclamam para sua satisfação os
produtos das regiões mais longínquas e de climas os mais diversos. No lugar do antigo
isolamento de regiões e nações autossuficientes, desenvolvem-se um intercâmbio
universal e uma universal interdependência das nações. E isto se refere tanto à
produção material como à produção intelectual. As criações intelectuais de uma
nação tornam-se patrimônio comum. A estreiteza e a unilateralidade nacionais
tornam-se cada vez mais impossíveis; das numerosas literaturas nacionais e
locais nasce uma literatura universal.
Com o rápido aperfeiçoamento dos instrumentos
de produção e o constante progresso dos meios de comunicação, a burguesia
arrasta para a torrente da civilização todas as nações, até mesmo as mais
bárbaras. Os baixos preços de seus produtos são a artilharia pesada que destrói
todas as muralhas da China e obriga à capitulação os bárbaros mais tenazmente hostis
aos estrangeiros. Sob pena de ruína total, ela obriga todas as nações a
adotarem o modo burguês de produção, constrange-as a abraçar a chamada
civilização, isto é, a se tornarem burguesas. Em uma palavra, cria um mundo à
sua imagem e semelhança.
A burguesia submeteu o campo à cidade. Criou
grandes centros urbanos; aumentou prodigiosamente a população das cidades em
relação à dos campos e, com isso, arrancou uma grande parte da população do
embrutecimento da vida rural. Do mesmo modo que subordinou o campo à cidade, os
países bárbaros ou semibárbaros aos países civilizados, subordinou os povos
camponeses aos povos burgueses, o Oriente ao Ocidente.
A burguesia suprime cada vez mais a dispersão
dos meios de produção, da propriedade e da população. Aglomerou as populações,
centralizou os meios de produção e concentrou a propriedade em poucas mãos. A consequência
necessária dessas transformações foi a centralização política. Províncias
independentes, ligadas apenas por débeis laços federativos, possuindo
interesses, leis, governos e tarifas aduaneiras diferentes, foram reunidas em uma
só nação, com um só governo, uma só lei, um só
interesse nacional de classe, uma só barreira alfandegária.
A burguesia, em seu domínio de classe de
apenas um século, criou forças produtivas mais numerosas e mais colossais do
que todas as gerações passadas em seu conjunto. A subjugação das forças da
natureza, as máquinas, a aplicação da química na indústria e na agricultura, a
navegação a vapor, as estradas de ferro, o telégrafo elétrico, a exploração de
continentes inteiros, a canalização dos rios, populações inteiras brotando da
terra como por encanto — que século anterior teria suspeitado que semelhantes
forças produtivas estivessem adormecidas no seio do trabalho social?
Vimos, portanto, que os meios de produção e de
troca, sobre cuja base se ergue a burguesia, foram gerados no seio da sociedade
feudal. Numa certa etapa do desenvolvimento desses meios de produção e de
troca, as condições em que a sociedade feudal produzia e trocava — a
organização feudal da agricultura e da manufatura, em suma, o regime feudal de
propriedade — deixaram de corresponder às forças produtivas em pleno
desenvolvimento. Tolhiam a produção em lugar de impulsioná-la. Transformaram-se
em outros tantos grilhões que era preciso despedaçar; e foram despedaçados.
Em seu lugar, surgiu a livre concorrência,
com uma organização social e política apropriada, com a supremacia econômica e
política da classe burguesa.
Assistimos hoje a um processo semelhante. A
sociedade burguesa, com suas relações de produção e de troca, o regime burguês
de propriedade, a sociedade burguesa moderna, que conjurou gigantescos meios de
produção e de troca, assemelha-se ao feiticeiro que já não pode controlar os poderes
infernais que invocou. Há dezenas de anos, a história da indústria e do
comércio não é senão a história da revolta das forças produtivas modernas
contra as modernas relações de produção, contra as relações de propriedade que
condicionam a existência da burguesia e seu domínio. Basta mencionar as crises comerciais
que, repetindo-se periodicamente, ameaçam cada vez mais a existência da
sociedade burguesa. Cada crise destrói regularmente não só uma grande massa de
produtos fabricados, mas também uma grande parte das próprias forças produtivas
já criadas. Uma epidemia, que em qualquer outra época teria parecido um
paradoxo, desaba sobre a sociedade — a epidemia da superprodução. A sociedade vê-se
subitamente reconduzida a um estado de barbárie momentânea; como se a fome ou
uma guerra de extermínio houvessem lhe cortado todos os meios de subsistência;
o comércio e a indústria parecem aniquilados. E por quê? Porque a sociedade
possui civilização em excesso, meios de subsistência em excesso, indústria em
excesso, comércio em excesso. As forças produtivas de que dispõe não mais
favorecem o desenvolvimento das relações burguesas de propriedade; pelo
contrário, tornaram-se poderosas demais para estas condições, passam a ser
tolhidas por elas; e assim que se libertam desses entraves, lançam na desordem
a sociedade inteira e ameaçam a existência da propriedade burguesa. O sistema
burguês tornou-se demasiado estreito para conter as riquezas criadas em seu
seio. E de que maneira consegue a burguesia vencer essas crises? De um lado,
pela destruição violenta de grande quantidade de forças produtivas; de outro,
pela conquista de novos mercados e pela exploração mais intensa dos antigos. A
que leva isso? Ao preparo de crises mais extensas e mais destruidoras e à diminuição
dos meios de evitá-las.
As armas que a burguesia utilizou para abater
o feudalismo voltam-se hoje contra a própria burguesia.
A burguesia, porém, não se limitou a forjar
as armas que lhe trarão a morte; produziu também os homens que empunharão essas
armas — os operários modernos, os proletários.
Com o desenvolvimento da burguesia, isto é,
do capital, desenvolve-se também o proletariado, a classe dos operários
modernos, os quais só vivem enquanto têm trabalho e só têm trabalho enquanto
seu trabalho aumenta o capital. Esses operários, constrangidos a vender-se a
retalho, são mercadoria, artigo de comércio como qualquer outro; em
consequência, estão sujeitos a todas as vicissitudes da concorrência, a todas
as flutuações do mercado.
O crescente emprego de máquinas e a divisão
do trabalho despojaram a atividade do operário de seu caráter autônomo,
tirando-lhe todo o atrativo. O operário torna-se um simples apêndice da máquina
e dele só se requer o manejo mais simples, mais monótono, mais fácil de
aprender. Desse modo, o custo do operário se reduz, quase exclusivamente, aos meios
de subsistência que lhe são necessários para viver e perpetuar sua espécie.
Ora, o preço do trabalho, como de toda mercadoria, é igual ao seu custo de
produção. Portanto, à medida que aumenta o caráter enfadonho do trabalho,
decrescem os salários. Mais ainda, na mesma medida em que aumenta a maquinaria
e a divisão do trabalho, sobe também a quantidade de trabalho, quer pelo
aumento das horas de trabalho, quer pelo aumento do trabalho exigido num
determinado tempo, quer pela aceleração do movimento das máquinas etc.
A indústria moderna transformou a pequena
oficina do antigo mestre da corporação patriarcal na grande fábrica do
industrial capitalista. Massas de operários, amontoadas na fábrica, são
organizadas militarmente. Como soldados rasos da indústria, estão sob a
vigilância de uma hierarquia completa de oficiais e suboficiais. Não são apenas
servos da classe burguesa, do Estado burguês, mas também dia a dia, hora a
hora, escravos da máquina, do contramestre e, sobretudo, do dono da fábrica. E
esse despotismo é tanto mais mesquinho, mais odioso e exasperador quanto maior
é a franqueza com que proclama ter no lucro seu objetivo exclusivo.
Quanto menos habilidade e força o trabalho
manual exige, isto é, quanto mais a indústria moderna progride, tanto mais o
trabalho dos homens é suplantado pelo de mulheres e crianças. As diferenças de idade
e de sexo não têm mais importância social para a classe operária. Não há senão
instrumentos de trabalho, cujo preço varia segundo a idade e o sexo.
Depois de sofrer a exploração do fabricante e
de receber seu salário em dinheiro, o operário torna-se presa de outros membros
da burguesia: o senhorio, o varejista, o penhorista etc.
As camadas inferiores da classe média de
outrora, os pequenos industriais, pequenos comerciantes os que vivem de rendas
(rentiers), artesãos e camponeses, caem nas fileiras do proletariado;
uns porque seu pequeno capital não permite empregar os processos da grande
indústria e sucumbem na concorrência com os grandes capitalistas; outros porque
sua habilidade profissional é depreciada pelos novos métodos de produção.
Assim, o proletariado é recrutado em todas as classes da população.
O proletariado passa por diferentes fases de
desenvolvimento. Sua luta contra a burguesia começa com a sua existência.
No começo, empenham-se na luta operários
isolados, mais tarde, operários de uma mesma fábrica, finalmente operários de
um mesmo ramo de indústria, de uma mesma localidade, contra o burguês que os
explora diretamente. Dirigem os seus ataques não só contra as relações
burguesas de produção, mas também contra os instrumentos de produção; destroem as
mercadorias estrangeiras que lhes fazem concorrência, quebram as máquinas,
queimam as fábricas e esforçam-se para reconquistar a posição perdida do
trabalhador da Idade Média.
Nessa fase, o proletariado constitui massa
disseminada por todo o país e dispersa pela concorrência. A coesão maciça dos
operários não é ainda o resultado de sua própria união, mas da união da
burguesia que, para atingir seus próprios fins políticos, é levada a pôr em
movimento todo o proletariado, o que por enquanto ainda pode fazer. Durante essa
fase, os proletários não combatem seus próprios inimigos, mas os inimigos de
seus inimigos, os restos da monarquia absoluta, os proprietários de terras, os
burgueses não industriais, os pequenos burgueses.
Todo o movimento histórico está desse modo
concentrado nas mãos da burguesia e qualquer vitória alcançada nessas condições
é uma vitória burguesa.
Mas, com o desenvolvimento da indústria, o
proletariado não apenas se multiplica; comprime-se em massas cada vez maiores,
sua força cresce e ele adquire maior consciência dela. Os interesses, as
condições de existência dos proletários se igualam cada vez mais à medida que a
máquina extingue toda diferença de trabalho e quase por toda parte reduz o
salário a um nível igualmente baixo. Em virtude da concorrência crescente dos
burgueses entre si e devido às crises comerciais que disso resultam, os
salários se tornam cada vez mais instáveis; o aperfeiçoamento constante e cada
vez mais rápido das máquinas torna a condição de vida do operário cada vez mais
precária; os choques individuais entre o operário singular e o burguês singular
tomam cada vez mais o caráter de confrontos entre duas classes. Os operários
começam a formar coalisões contra os burgueses e atuam em comum na defesa de
seus salários; chegam a fundar associações permanentes a fim de se precaverem
de insurreições eventuais. Aqui e ali a luta irrompe em motim.
De tempos em tempos os operários triunfam,
mas é um triunfo efêmero. O verdadeiro resultado de suas lutas não é o êxito
imediato, mas a união cada vez mais ampla dos trabalhadores. Esta união é
facilitada pelo crescimento dos meios de comunicação criados pela grande indústria
e que permitem o contato entre operários de diferentes localidades. Basta,
porém, este contato para concentrar as numerosas lutas locais, que têm o mesmo
caráter em toda parte, em uma luta nacional, uma luta de classes. Mas toda luta
de classes é uma luta política. E a união que os burgueses da Idade Média, com
seus caminhos vicinais, levaram séculos a realizar os proletários modernos
realizam em poucos anos por meio das ferrovias.
A organização do proletariado em classe e,
portanto, em partido político, é incessantemente destruída pela concorrência
que fazem entre si os próprios operários. Mas renasce sempre, e cada vez mais
forte, mais sólida, mais poderosa. Aproveita-se das divisões internas da
burguesia para obrigá-la ao reconhecimento legal de certos interesses da classe
operária — por exemplo, a lei da jornada de dez horas de trabalho na
Inglaterra.
Em geral, os choques que se produzem na velha
sociedade favorecem de diversos modos o desenvolvimento do proletariado. A
burguesia vive em luta permanente; primeiro, contra a aristocracia; depois,
contra as frações da própria burguesia cujos interesses se encontram em
conflito com os progressos da indústria; e sempre contra a burguesia dos países
estrangeiros. Em todas estas lutas, vê-se forçada a apelar para o proletariado,
a recorrer a sua ajuda e desta forma arrastá-lo para o movimento político. A
burguesia fornece aos proletários os elementos de sua própria educação
política, isto é, armas contra si mesma.
Além disso, como já vimos, frações inteiras
da classe dominante, em consequência do desenvolvimento da indústria, são
lançadas no proletariado, ou pelo menos ameaçadas em suas condições de
existência. Também elas trazem ao proletariado numerosos elementos de educação.
Finalmente, nos períodos em que a luta de
classes se aproxima da hora decisiva, o processo de dissolução da classe
dominante, de toda a velha sociedade, adquire um caráter tão violento e agudo,
que uma pequena fração da classe dominante se desliga desta, ligando-se à
classe revolucionária, à classe que traz nas mãos o futuro. Do mesmo modo que
outrora uma parte da nobreza passou para a burguesia, em nossos dias uma parte da
burguesia passa para o proletariado, especialmente a parte dos ideólogos burgueses
que chegaram à compreensão teórica do movimento histórico em seu conjunto.
De todas as classes que hoje em dia se opõem
à burguesia, só o proletariado é uma classe verdadeiramente revolucionária. As
outras classes degeneram e perecem com o desenvolvimento da grande indústria; o
proletariado, pelo contrário, é seu produto mais autêntico.
As camadas médias — pequenos comerciantes,
pequenos fabricantes, artesãos, camponeses — combatem a burguesia porque esta
compromete sua existência como camadas médias. Não são, pois, revolucionárias, mas
conservadoras; mais ainda, são reacionárias, pois pretendem fazer girar para
trás a roda da História. Quando se tornam revolucionárias, isto se dá em
consequência de sua iminente passagem para o proletariado; não defendem então
seus interesses atuais, mas seus interesses futuros; abandonam seu próprio
ponto de vista em favor daquele do proletariado.
O lumpenproletariado, putrefação passiva das
camadas mais baixas da velha sociedade, pode, às vezes, ser arrastado ao
movimento por uma revolução proletária; todavia, suas condições de vida o
predispõem mais a vender-se à reação.
As condições de existência da velha sociedade
já estão destruídas nas condições de existência do proletariado. O proletário
não tem propriedade; suas relações com a mulher e os filhos já nada têm em
comum com as relações familiares burguesas. O trabalho industrial moderno, a
subjugação do operário ao capital, tanto na Inglaterra como na França, na
América como na Alemanha, despoja o proletário de todo caráter nacional. As leis,
a moral, a religião são para ele meros preconceitos burgueses, atrás dos quais
se ocultam outros tantos interesses burgueses.
Todas as classes que no passado conquistaram
o poder trataram de consolidar a situação adquirida submetendo toda a sociedade
às suas condições de apropriação. Os proletários não podem apoderar-se das
forças produtivas sociais senão abolindo o modo de apropriação a elas
correspondente e, por conseguinte, todo modo de apropriação existente até hoje.
Os proletários nada têm de seu a salvaguardar; sua missão é destruir todas as garantias
e seguranças da propriedade privada até aqui existentes.
Todos os movimentos históricos têm sido, até
hoje, movimentos de minorias ou em proveito de minorias. O movimento proletário
é o movimento autônomo da imensa maioria em proveito da imensa maioria. O proletariado,
a camada mais baixa da sociedade atual, não pode erguer-se, pôr-se de pé, sem
fazer saltar todos os estratos superpostos que constituem a sociedade oficial.
A luta do proletariado contra a burguesia,
embora não seja na essência uma luta nacional, reveste-se dessa forma num
primeiro momento. É natural que o proletariado de cada país deva, antes de
tudo, liquidar a sua própria burguesia.
Esboçando em linhas gerais as fases do
desenvolvimento proletário, descrevemos a história da guerra civil mais ou
menos oculta na sociedade existente, até a hora em que essa guerra explode numa
revolução aberta e o proletariado estabelece sua dominação pela derrubada
violenta da burguesia.
Todas as sociedades anteriores, como vimos,
se basearam no antagonismo entre classes opressoras e classes oprimidas. Mas
para oprimir uma classe é preciso poder garantir-lhe condições tais que lhe
permitam pelo menos uma existência servil. O servo, em plena servidão, conseguiu
tornar-se membro da comuna, da mesma forma que o pequeno burguês, sob o jugo do
absolutismo feudal, elevou-se à categoria de burguês. O operário moderno, pelo
contrário, longe de se elevar com o progresso da indústria, desce cada vez
mais, caindo abaixo das condições de sua própria classe. O trabalhador torna-se
um indigente e o pauperismo cresce ainda mais rapidamente do que a população e
a riqueza. Fica assim evidente que a burguesia é incapaz de continuar
desempenhando o papel de classe dominante e de impor à sociedade, como lei
suprema, as condições de existência de sua classe. Não pode exercer o seu
domínio porque não pode mais assegurar a existência de seu escravo, mesmo no
quadro de sua escravidão, porque é obrigada a deixá-lo afundar numa situação em
que deve nutri-lo em lugar ser nutrida por ele. A sociedade não pode mais
existir sob sua dominação, o que quer dizer que a existência da burguesia não é
mais compatível com a sociedade.
A condição essencial para a existência e
supremacia da classe burguesa é a acumulação da riqueza nas mãos de
particulares, a formação e o crescimento do capital; a condição de existência
do capital é o trabalho assalariado. Este baseia-se exclusivamente na
concorrência dos operários entre si. O progresso da indústria, de que a
burguesia é agente passivo e involuntário, substitui o isolamento dos
operários, resultante da competição, por sua união revolucionária resultante da
associação. Assim, o desenvolvimento da grande indústria retira dos pés da
burguesia a própria base sobre a qual ela assentou o seu regime de produção e
de apropriação dos produtos. A burguesia produz, sobretudo, seus próprios
coveiros. Seu declínio e a vitória do proletariado são igualmente inevitáveis.”
1 Por burguesia entende-se a classe dos capitalistas
modernos, proprietários dos meios de produção social que empregam o trabalho
assalariado. Por proletariado, a classe dos assalariados modernos que, não
tendo meios próprios de produção, são obrigados a vender sua força de trabalho
para sobreviver. (Nota de F. Engels à edição inglesa de 1888.)
2 Isto é, toda história escrita. A
pré-História, a organização social anterior à história escrita, era
desconhecida em 1847. Mais tarde, Haxthausen (August von, 1792-1866) descobriu
a propriedade comum da terra na Rússia, Maurer (Georg Ludwig von) mostrou ter
sido essa a base social da qual as tribos teutônicas derivaram historicamente
e, pouco a pouco, verificou-se que a comunidade rural era a forma primitiva da
sociedade, desde a Índia até a Irlanda. A organização interna dessa sociedade
comunista primitiva foi desvendada, em sua forma típica, pela descoberta de
Morgan (Lewis Henry, 1818-81) da verdadeira natureza de gens e de sua relação
com a tribo. Após a dissolução dessas comunidades primitivas, a sociedade
passou a dividir-se em classes distintos. Procurei traçar esse processo de
dissolução na obra Der Ursprung der Familie, des Privatergenthums und des
Staats (A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado), 24
ed., Stuttgart, 1866. (Nota de F. Engels à edição inglesa de 1888.)
3 O mestre de corporação é um membro da
guilda, o patrão interno, e não seu dirigente (Nota de F. Engels à edição
inglesa de 1888.)
4 “Comuna” era o nome que se dava na França
às cidades nascentes, mesmo antes de terem conquistado a autonomia local e os
direitos políticos de “terceiro estado”. Em geral, a Inglaterra é o exemplo
típico do desenvolvimento econômico da burguesia, enquanto a França representa
o seu desenvolvimento político. (Nota de F. Engels à edição inglesa de 1888.)
Era assim que os habitantes das cidades da
Itália e da França chamavam as suas comunidades urbanas, depois de terem
comprado ou conquistado dos senhores feudais seus primeiros direitos a um
governo autônomo. (Nota de F. Engels à edição alemã de 1890.)
Um comentário:
Importante para compreende como funcionou nosso passado, e como funcionara nosso futuro.
Como disse Marx
“A história de todas as sociedades até hoje existentes, é a história das lutas de classes"
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