Editora: Ediouro
ISBN: 978-85-359-0581-6
Tradução: Augusto Boal
e Gianfrancesco Guarnieri
Opinião: ★★★☆☆
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Páginas: 152
Sinopse: Em uma aldeia
do interior da Rússia, administrada por políticos incompetentes e corruptos, corre
a notícia de que um inspetor está para chegar, a fim de instaurar uma sindicância.
Surge um forasteiro que, confundido com o esperado visitante, passa a se aproveitar
da situação. Até quando durará a farsa? Em O inspetor geral, Gogol faz uma
sátira dos costumes e da moral da elite russa no século XIX.
GOVERNADOR — Da minha parte,
já tomei algumas providências e eu os aconselho a fazer o mesmo. Sobretudo o senhor
Artêmy Philippovitch. Sem dúvida o inspetor vai querer inspecionar em primeiro lugar
o hospital. De modo que não custa torná-lo um pouco mais decente: fornecer roupa
limpa aos doentes, trocar os gorros de dormir para que não fiquem parecendo limpadores
de chaminés, como habitualmente.
ARTÊMY — Bom: isso é fácil,
roupa é para ser lavada de vez em quando...
GOVERNADOR — (...) Claro.
E, além disso, seria conveniente, ao pé de cada cama, uma ficha com o nome da doença
e a data de entrada do paciente, tudo escrito em latim ou em outro idioma sério
qualquer. O Doutor Christian que tome providências. Não é bom que os doentes usem
um fumo tão forte. Mal a gente entra numa enfermaria tem logo vontade de espirrar.
E depois há doentes demais. Dá até uma má impressão ver tantos doentes assim no
seu hospital. Podíamos dispensar alguns.
ARTÊMY — Quanto a isso,
eu e o Doutor Christian pensamos da mesma forma. Quanto mais deixarmos a natureza
trabalhar sozinha, melhor. Não usamos remédios caros. O homem é um ser simples.
Quando tem de morrer, morre mesmo. E quanto tem de ficar bom, não há Cristo que
o impeça. E seria mesmo muito penoso para o Doutor Christian dar-se ao trabalho
de ouvir o que os doentes reclamam. Ele não fala uma palavra de russo... mas é muito
competente. (O Doutor Christian emite um som que flutua entre o “i” e o “e”.).
GOVERNADOR — E ao Senhor,
Juiz Ammoss Fiedorovitch, eu aconselharia a ter mais cuidado com o seu Tribunal.
Na sala de espera, onde ficam os litigantes, os contínuos vivem criando gansos e
gansinhos que sujam tudo e fazem com que as pessoas tropecem. Naturalmente, a avicultura
é digna de todos os elogios. E por que um contínuo não poderia criar aves? Claro
que pode. Mas nesse lugar é indecoroso fazê-lo. Eu sempre queria chamar a sua atenção
sobre isso. Mas, não sei por que, sempre me esquecia.
AMMOSS — Hoje mesmo darei
ordens para que apreendam os gansos e que sejam levados para a cozinha. Se quiser,
venha almoçar comigo.
GOVERNADOR — Obrigado.
O senhor há de convir que é lamentável que em plena sala de audiências se pendurem
roupas para secar. E que sobre a mesa do juiz se veja um chicote de caça. Eu compreendo
perfeitamente que o senhor goste de caçar, mas não é necessário que use esporas
durante os julgamentos. É preciso tirar tudo dali. Quando o inspetor tiver ido embora,
que volte tudo ao seu estado normal. Também devo dizer que o seu secretário... Claro
que ele é um homem muito capaz, mas cheira tão mal como se tivesse acabado de sair
de um alambique. Isso não chega a ser digno de elogios. Se for verdade, como ele
diz que o mau cheiro é de nascença, ainda assim há um recurso: ele que coma alho,
cebola, ou qualquer outra coisa. Neste caso o Doutor Christian poderia ajudá-lo
com diversos medicamentos. (O Doutor Christian novamente emite o ruído.).
AMMOSS — Meu secretário
diz que caiu do colo da mãe quando era muito pequeno e desde então adquiriu esse
cheiro de vodca.”
“GOVERNADOR — A mesma coisa eu devo dizer
em relação ao professor de história. É um sábio — isso é evidente — sabe muito.
Mas se expressa com tanta veemência que se esquece
do resto. Outro dia eu mesmo vi. Enquanto falava dos assírios e dos babilônios ia
tudo muito bem, mas, quando chegou a vez de Alexandre, o Grande, o que ali se passou
naquela sala de aula foi indescritível. Eu juro que pensei que a escola tivesse
pegando fogo. Desceu correndo de sua mesa e começou a bater furiosamente com as
carteiras no chão e na cabeça dos alunos. É certo que Alexandre, o Grande, foi um
herói. Mas por que quebrar as carteiras? Só se for para dar prejuízos ao Estado!
LUKA — De fato é um homem
muito impulsivo. Eu já lhe fiz essa observação e ele me respondeu: “que quer que
eu faça? Eu seria capaz de dar a minha própria vida pela ciência!”
GOVERNADOR — É! Assim
é a misteriosa lei do destino. O homem inteligente, quando não é um bêbado, é um
louco.”
“AMMOSS — Até certo ponto, estou tranquilo.
Afinal de contas quem se atreveria a se meter com um Tribunal de província? E quem
metesse o nariz no expediente ia lamentar isso para o resto da vida. Há quinze anos
que sou juiz e, quando me ocorre dar uma espiadela em alguns dos processos, prefiro
desistir. Nem o próprio Rei Salomão seria capaz de descobrir onde começa a verdade
e acaba a mentira.”
KHLESTAKOV (Sozinho)
— Estou morto de fome! Dei um passeio para ver se perdia o apetite, e nada — que
diabo, não há jeito! Se não fosse aquela maldita farra em Penza, o dinheiro daria
pelo menos para chegar até em casa. Aquele capitão de infantaria me roubou sem piedade.
Que maneira estranha que ele tinha de produzir ases. Que bárbaro! Em quinze minutos
me deixou pelado no meio da rua. Mas mesmo assim eu estou louco para tornar a jogar
com ele. O que eu não tenho é sorte! Cidadezinha chata!... Nem vender fiado eles
querem. Que gente canalha!”
“GOVERNADOR — Eu não devia ter deixado
que ele bebesse tanto. Se metade do que ele disse é verdade, estou perdido. E por
que não haveria de ser verdade? Quando um homem bebe, diz sempre a verdade. Claro
que deve ter mentido um pouco. Mas, sem mentira não pode haver uma boa conversa.”
“GOVERNADOR — Para se entender as mulheres
a única coisa sensata é tapar os ouvidos.”
“ARTÊMY — O senhor pode dizer o que quiser
— Ammoss Fiedorovitch, mas é preciso fazer alguma coisa.
AMMOSS — O que, por exemplo?
ARTÊMY — O senhor sabe o
que eu estou querendo dizer.
AMMOSS — Acha que devemos
tentar... amaciá-lo?
ARTÊMY — Amaciar é uma boa
palavra.
AMMOSS — É muito perigoso.
Ele pode se ofender. Não se esqueça que ele é um alto funcionário. Não seria melhor
oferecer dinheiro a ele como se fosse alguma subscrição da nobreza para que ele
construa um monumento...
CHEFE DOS CORREIOS — Ou então a gente podia dizer assim: “veja só o dinheiro que chegou pelo
Correio com destino desconhecido!”
ARTÊMY — Tome cuidado para
que ele não mande o senhor para destino desconhecido. Escutem: o suborno, num país
civilizado, obedece a certas regras. Não é feito assim, de qualquer maneira.”
“GOVERNADOR — Muito bem, meus queridos.
Que tal, como vão os negócios? Então, vocês vieram aqui se queixar de mim, não é?
Ladrões, canalhas, embusteiros! Vieram se queixar, não é? Estavam certos de que
eu iria parar na cadeia, não é? Pois fiquem sabendo, seus filhotes de Satanás, que
eu...
ANNA — Meu Deus, que linguagem,
Antocha!
GOVERNADOR — Bem, agora
não estou para ficar escolhendo palavras. Vocês sabiam que o inspetor, a quem vocês
se queixaram, vai se casar com minha filha, hein? Hein? Que é que vocês me dizem
agora? Vocês me pagam! Vocês vão ver como é que vou tratá-los daqui por diante.
Vocês são uns ladrões. Roubam o povo! Venderam cem mil rublos de pano podre ao Estado
e, só porque me deram uns vinte metros de tecido, estavam esperando o quê? Um prêmio?
Se o inspetor soubesse de todas as suas falcatruas, vocês iriam parar na Sibéria!
E é preciso ver as miseráveis esmolas que me dão de presente! E todos pensam que
são intocáveis: “não somos inferiores aos nobres!” E esses imbecis se esquecem de
que os nobres estudam ciências. E eles também são espancados na escola para aprender
alguma coisa de útil. E vocês, comerciantes, por que tantas pretensões? Desde criança
a única coisa que vocês aprendem é picardia. E o patrão dá um cascudo em quem não
souber enganar o freguês. Antes mesmo de aprender a rezar o Padre-Nosso, vocês aprendem
a roubar no peso. E logo que enchem o bolso e a barriga, olhem só como ficam importantes!
Onde já se viu uma coisa dessas?”
COMERCIANTES (Com uma reverência) — Nós reconhecemos nossa culpa, Anton Antonovitch!
GOVERNADOR — Reconhecem
a culpa me acusando, não é? (Apontando um deles.) Você aí! Quem ajudou você
naquela falcatrua, quando você construiu a ponte e lançou na contabilidade que tinha
fornecido vinte mil rublos de madeira e eram apenas cem; quem lhes estendeu a mão
amiga? Fui eu que o ajudei, seu barba de bode! Você já se esqueceu? Se eu o tivesse
denunciado, era outro que iria parar na Sibéria! Que é que você diz a isso?
COMERCIANTE — Eu afirmo
em Jesus Cristo, que nós temos culpa, Anton Antonovitch! Foi uma tentação do diabo!
Mas nunca mais nos queixaremos! Pode pedir o que quiser, mas não se aborreça conosco!
GOVERNADOR — Não se aborreça!
Agora vocês rastejam a meus pés. Por quê? Só há uma razão: eu triunfei! E se vocês,
canalhas, tivessem triunfado, seriam capazes de me bater com uma acha de lenha na
cabeça e me enterrar vivo!”
“LUKA — (...) É. Mas o destino é o destino!
ARTÊMY — Não, meu amigo,
não foi o destino. Foi o mérito. Foi o mérito. (À parte.) A sorte sempre
há de perseguir um porco como esse.”
“AMMOSS (À parte) — Imaginem só
se ele consegue mesmo chegar a general. Aí está um homem a quem um título assentaria
tão bem quanto uma sela numa vaca!”
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