Editora: Boitempo
ISBN: 978-85-7559-191-8
Opinião: ★★★★☆
Páginas: 368
Sinopse: Em Globalização,
dependência e neoliberalismo na América Latina, Carlos Eduardo Martins
cumpre a difícil tarefa de atualizar as teorias sobre esses três
conceitos-chave para o pensamento contemporâneo e a compreensão das sociedades,
principalmente as periféricas. Em uma época de grandes incertezas e enorme
aceleração do tempo histórico, o autor se propõe o desafio de captar o
movimento de crescente articulação entre o global e as particularidades
regionais, nacionais e locais, bem como os choques entre forças sociais,
políticas e ideológicas.
Mapeando as forças dinâmicas de um mundo paradoxal,
Martins parte dos estudos de Immanuel Wallerstein e Giovanni Arrighi sobre o
capitalismo histórico e avança para uma discussão rigorosa da crise do moderno
sistema mundial. ‘Estruturas, tendências seculares e ciclos permeiam o nosso
trabalho, que não tem a pretensão de oferecer certezas matemáticas’, afirma o
autor sobre a análise retrospectiva e prospectiva do livro.
Logo no início da obra, Martins apresenta uma introdução
metodológica à globalização, com ênfase nas teorias do sistema mundial e da
dependência. Nesse percurso, incorpora um elemento explicativo fundamental para
a compreensão do processo de globalização: a teoria de Marx sobre a tendência
decrescente da taxa de lucro provocada pela revolução científico-tecnológica,
quando ciência e tecnologia entram no processo como meios de acumulação do
capital.
O autor também busca identificar as tendências seculares
e os ciclos para situar o espaço histórico da etapa atual do capitalismo e do
sistema mundial em que vivemos. ‘Defendemos que a globalização é uma força
revolucionária e, como tal, destrói e constrói. Entretanto, destruição e
construção são processos relativamente autônomos e estabelecem uma dialética de
desdobramentos imprevistos, onde um dos polos pode prevalecer e condicionar o
outro’, afirma Martins. ‘No momento em que estamos, a globalização não
encontrou ainda sua estrutura institucional e societária criadora. Os períodos
de crise sistêmica são épocas de bifurcações históricas, e nossa tese é a de
que caminhamos nos próximos dez a quarenta anos para uma bifurcação totalmente
nova, em relação às que se estabeleceram no moderno sistema mundial’.
Para discutir as relações entre dependência e
desenvolvimento no moderno sistema mundial, o autor utiliza a análise empírica
e as principais teses formuladas pelo pensamento latino-americano. Assim foi
possível avaliar o papel do capital estrangeiro nesse processo, a persistência
do subdesenvolvimento e da pobreza, os efeitos do neoliberalismo sobre a base
econômica e social e os caminhos da elevação da renda e do bem-estar dos
latino-americanos.
O estudo contempla ainda uma análise minuciosa da crise
do sistema mundial e da hegemonia norte-americana decorrente do desenvolvimento
desigual e da superexploração dos trabalhadores, além de uma análise
prospectiva das possibilidades da América Latina no século XXI e da influência
sobre seu desenvolvimento da projeção da China na economia mundial. ‘O balanço
da questão da hegemonia e das perspectivas do século XXI permite ao autor
abordar um capítulo extremamente novo na história das ideias sociais ao estudar
as relações entre a teoria da dependência e a teoria do sistema mundial’, diz
Theotonio dos Santos no prefácio. ‘Creio que o leitor compreenderá rapidamente
que este é um livro essencial e necessário, com grandes possibilidades de se
converter num clássico das ciências sociais latino-americanas, sobretudo neste
momento histórico, em que a região necessita de um rigoroso aparelho teórico
para fundamentar suas políticas progressistas em marcha com crescente apoio
popular’.
“Embora o conceito de capitalismo histórico
seja importante para assinalar as forças concretas que atuam para impulsionar o
desenvolvimento capitalista, é necessário articulá-lo com o de modo de
produção. Marx nunca postulou que o desenvolvimento de uma sociedade concreta
pudesse realizar as leis gerais de seu modo de produção em toda sua pureza, uma
vez que este expressa suas tendências mais fundamentais. Entretanto, o conceito
de modo de produção traz uma importante dimensão para a análise histórica e
para uma teoria da longa duração. Ela se refere à abordagem das relações entre homem
e natureza como condição para a existência humana e do trabalho como produtor
dessa existência.
Em A
ideologia alemã (1846), Marx e Engels estabelecem as premissas
metodológicas do conceito de modo de produção e os seus elementos básicos, que
seriam refinados mais tarde. Segundo esses autores, os homens fazem a história,
mas em condições materiais de escassez, alheias à sua vontade, que demandam uma
larguíssima acumulação civilizacional para serem superadas e humanizadas. Essa
situação de escassez está determinada pela necessidade de os homens trabalharem
para sobreviver. Mas, ao fazerem isso, mais que sobreviver, eles produzem sua
própria existência. Iniciam um processo de humanização da natureza que apenas
se realiza plenamente quando os homens dirigem o seu trabalho para atender às
determinações de sua própria subjetividade, independentemente das necessidades
determinadas pela natureza. Isso ocorre quando eles desenvolvem um nível de
elaboração das forças produtivas que garante de forma sistemática sua
sobrevivência, independente do trabalho.
A satisfação, mediante o trabalho, das
necessidades básicas diferencia os homens dos animais e gera padrões
específicos de pensamento, sentimentos e sensibilidades. A produção dos
instrumentos de satisfação amplia o domínio humano sobre a natureza e conduz a
novas necessidades que também são impulsionadas pela extensão da procriação.
Mas, como Marx e Engels mencionam, essa produção de novas necessidades ainda se
conjuga com a busca da sobrevivência.
Não se deve considerar estes três aspectos da
atividade social – garantia da sobrevivência, satisfação de novas necessidades
e procriação (C.E.M.) – como três fases diferentes, mas simplesmente como três
aspectos, ou, para escrever de maneira clara aos alemães, como três “momentos”
que coexistem desde os primórdios da história e desde os primeiros homens, e
que ainda hoje se fazem valer na história. (Marx e Engels, 1986, p. 42.)
Forças produtivas, relações de produção e
superestrutura ideológica constituem um conjunto articulado que fundamenta o
modo de produção e produz as formas de vida dos homens. Podemos distinguir, no
pensamento de Marx e Engels, três padrões gerais histórico-estruturais de
relações entre o homem e a natureza. O primeiro, referente ao comunismo primitivo,
em que os homens estão basicamente dedicados à reprodução da sua existência
física, onde as forças produtivas e as relações de produção são incipientes. O
segundo, referente aos modos de produção classistas, onde a expansão da
produção dos meios de vida e o aumento populacional criam novas necessidades
que organizam a sociedade para a geração do excedente. O terceiro, ainda
imaginário e utópico, mas cujas condições já se configuram parcialmente, em que
a escassez seria abolida pela automação do trabalho e criação de relações de
produção comunistas.
Durante o segundo padrão geral de relações
entre o homem e a natureza, as forças produtivas exercem um papel condicionante
sobre o conjunto do desenvolvimento social. Elas são impulsionadas pelas
relações de produção que são um de seus componentes e dirigem a organização
social de um determinado modo de produção. Radovan Richta, ao analisar o
pensamento de Marx e Engels, destaca que o conceito de forças produtivas se
refere ao amplo conjunto de forças que produzem a vida humana (Richta, 1971, p.
6). Elas não incluem apenas os meios de produção e objetos de trabalho, mas
também a população, a força de trabalho, as relações de trabalho e a
superestrutura (sistemas de ideias, valores, sentimentos e formas de organização
social). Para se observar a composição real das forças produtivas em cada
estrutura ou conjuntura histórica, isto é, como cada um dos elementos indicados
compõe parte de sua atividade, deve-se verificar a participação deles como
insumo no processo produtivo.
No segundo padrão de relações entre o homem e
a natureza, os meios de produção predominam como força produtiva. Mas, ao
atingir um determinado grau de desenvolvimento, os meios de produção entram em
contradição com a forma de trabalho-chave da organização social. A continuidade
de seu desenvolvimento tende a dissolvê-la10. Sobrevém então um período de
crise revolucionária, provocado pelo fato de as relações de propriedade
assumirem o papel determinante no âmbito das relações de produção para impedir
o ajuste das relações de trabalho e a dissolução do modo de produção dominante.
Esse tema foi tratado de forma concentrada por Marx nos Grundrisse (1857-1858) e na Contribuição
à crítica da economia política (1859), em particular em seu Prefácio.
Nesse padrão histórico-estrutural, as
superestruturas tenderam a desempenhar um papel marginal como força produtiva.
Isso ocorreu porque durante um longo período os sistemas de pensamento não
alcançaram um suficiente desenvolvimento para ingressar de forma sistemática no
processo produtivo. Mas essa não foi a única razão. O desenvolvimento das
classes sociais marginalizou das decisões econômicas o pensamento, os valores,
os sentimentos e as sensibilidades das classes trabalhadoras e demais segmentos
populares. Essa restrição da subjetividade dos trabalhadores chegou ao auge com
a Revolução Industrial e o fordismo.”
10 Esse foi o caso do trabalho servil no
campo da Europa Ocidental, ameaçado pelo avanço nas técnicas de cultivo da
terra, entre as quais se destaca o sistema de rotação do plantio (Anderson,
1974, e Wallerstein, 1979b), e é o caso do trabalho assalariado no capitalismo
contemporâneo, ameaçado pelo avanço da automação (Richta, 1971, e Dos Santos,
1983 e 1987).
“O capitalismo histórico para se desenvolver
estabelece duas lógicas distintas e expansivas, marcadas pela unidade e pela
contradição: a capitalista e a territorialista. Elas se articulam pelo fato de
o capitalismo necessitar do andar superior, isto é, do sistema interestatal
para o seu desenvolvimento. Os impérios-mundo eram sistemas territorialistas
que utilizavam a acumulação de capital como um meio para a aquisição de poder,
identificado com a extensão de territórios e a densidade populacional dos
domínios. Mas as riquezas eram em parte consumidas e esterilizadas na atividade
de conquista e preservação do poder. Uma vez que o império-mundo alcançava
certos limites, se elevavam os custos de preservação do poder acima das
riquezas acumuladas, ameaçando sua unidade política, que tendia a sofrer
retrações e invasões bárbaras. O capitalismo, inversamente, tende a utilizar a
aquisição de territórios como um meio para acumular capital. Sua lógica
econômica está estritamente ligada ao cálculo. Este lhe permite prever com
elevada precisão os excedentes a serem obtidos sobre os custos de produção de
uma determinada atividade, o que a viabiliza ou não. A existência de um amplo
mercado capaz de medir o preço dos diversos valores de uso e do crédito é
fundamental para isso. Mas as incertezas ligadas aos custos da incorporação de
territórios e populações trazem limites ao cálculo.
Esses limites podem restringir a ação
expansiva do capitalismo. Mas este necessita da incorporação de uma base
crescente de valores de uso para a reprodução ampliada do capital. A ação de
uma instituição política, dotada do direito ao monopólio da violência para
intervir sobre territórios e populações e viabilizar a acumulação de capital, é
fundamental para romper o impasse. Essa instituição é o sistema interestatal,
dirigido e organizado pelo Estado hegemônico e demais Estados que lhe dão
suporte, agregando-lhe poder relativo. A oscilação entre a ação mais ligada ao
cálculo econômico e a ação mais dirigida à intervenção política para
viabilizá-lo define, segundo Arrighi, as trajetórias do pêndulo que regula os
padrões institucionais do capitalismo histórico.
Os ciclos sistêmicos podem ser divididos em
cosmopolitas-imperialistas e corporativos-nacionalistas. Os primeiros
desenvolvem regimes de acumulação extensivos e conquistadores, em que o aumento
de produtividade está fortemente ligado à incorporação de uma nova base
demográfica e territorial à economia-mundo que redefine os seus paradigmas de
gestão. Os últimos estabelecem regimes de acumulação intensivos e
consolidadores. Estes sucedem os primeiros e vinculam o aumento de
produtividade a mudanças qualitativas da gestão institucional da economia-mundo
existente, sem implicar em maiores alterações de seus limites geográficos.
A oscilação pendular não diz ainda tudo sobre
os padrões específicos dos sistemas interestatais. Ela não significa uma
descontinuidade absoluta em relação ao movimento precedente. Cada novo ciclo
sistêmico apresenta uma estrutura que incorpora traços daquela desenvolvida no
ciclo anterior. Essa cumulatividade sistêmica implica que cada novo ator
hegemônico configura uma base organizacional de dimensões e complexidades
crescentes. Ele significa uma nova articulação entre o Estado e os capitalistas
que se funda em tecnologias e padrões de gestão pública e privada inovadores,
bases territoriais e demográficas ampliadas e nova localização geográfica.
Desenvolvem-se assim os seguintes ciclos sistêmicos: o genovês-espanhol e o
britânico, de caráter cosmopolita-imperialista; e o holandês e o estadunidense,
de formato nacionalista-corporativista.”
“O conceito de globalização dificilmente tem
sido tratado de forma apropriada. Raramente tem sido concebido como um processo
dialético que articula e confronta estruturas de produção e forças produtivas
radicalmente distintas. Em geral, a globalização tem sido entendida como um
processo institucionalizado ou em fase de institucionalização: nesses enfoques,
ela pode representar, nas versões mais ousadas, uma nova era controlada pelo
capital, na qual se afirma um sistema produtivo global dirigido pelo capital
financeiro sob o comando de empresas-rede ou do capital em geral; pode
significar a etapa avançada de uma longa continuidade de desenvolvimento do
sistema mundial; pode designar uma nova etapa a ser dirigida por regimes
internacionais baseados na hegemonia compartilhada entre os Estados mais
poderosos da economia-mundo; ou ainda representar a mundialização do capital
financeiro que submete a economia mundial a um regime de depressão permanente.
Mas essas visões tomam unilateralmente em consideração momentos ou certas
potencialidades do processo e não conseguem reconstrui-lo numa totalidade
prático-teórica.
Propomos aqui compreender a globalização como
um processo revolucionário que confronta o modo de produção capitalista e sua
superestrutura jurídico-política e ideológica com uma nova estrutura de forças
produtivas que ele não pode absorver integralmente. Ela designa um processo de
transição de dimensões civilizacionais que exaure os limites da existência
capitalista e exige, para se efetivar, a construção das bases de uma
civilização planetária.”
“Marx, em O
capital, já havia mencionado que a contribuição da ciência à sociedade se
assemelhava à da natureza. Pois ambas eram capazes de oferecer gratuitamente
bens aos homens. A natureza, por expandir-se independentemente do trabalho
humano. A ciência, por sua capacidade de economizá-lo e por sua perenidade, que
a situa em uma dimensão superior a do trabalho coletivo: a do trabalho
universal. Por essa categoria, Marx menciona a capacidade de acumulação
fornecida pela ciência, presente em sua capacidade simbólica de organizar a
produção da vida humana. O trabalho universal se acumula através das gerações e
permite aos indivíduos concretos se utilizarem dele, mesmo que não tenham
contribuído, por meio da divisão do trabalho existente, para produzir seus
resultados.”
“Wallerstein assinala que a civilização
capitalista foi construída em torno da centralidade do indivíduo, considerado o
sujeito da história. Essa centralidade do indivíduo foi tratada de duas formas
complementares no capitalismo histórico. De um lado, pelo universalismo, que
afirma a homogeneidade fundamental da espécie humana e olha com desconfiança
para privilégios e desigualdades; de outro, pelo etnocentrismo, racismo e
sexismo, que procuram enfatizar suas diferenças e limitar ou descartar sua
igualdade. Para o universalismo, as diferenças se explicam por desempenhos
diferenciados num sistema meritocrático em que todos têm oportunidades iguais.
Entretanto, o capitalismo sempre teve demasiadas dificuldades para impor um
sistema meritocrático. O desenvolvimento do universalismo como ideologia,
necessário para impulsionar o princípio da concorrência que fundamenta a lei do
valor, se estabeleceu a partir da afirmação dos monopólios. É com o
desenvolvimento da grande indústria – e do monopólio tecnológico que impõe –
que se desenvolve com maior amplitude o princípio da concorrência. O princípio
da concorrência se impõe com mais força quanto mais poderosos são os desvios da
lei do valor. O objetivo do capital é concentrar mais-valia e não dispersá-la
entre múltiplos concorrentes. Para isso, recorre a expedientes
anticoncorrenciais sempre que o resultado da competição for incerto.
Para evitar as ameaças à acumulação, o capital
se utiliza do etnocentrismo, racismo, sexismo. Diferentemente do universalismo
que propõe um sistema de oportunidades iguais, essas formas ideológicas
justificam a desigualdade apelando à “inferioridade” cultural ou biológica de
determinados grupos sociais. Através da imposição da desigualdade de direitos,
o capital pode rebaixar o valor da força de trabalho desses grupos e se
proteger contra as pressões sociais da competição e da igualdade. O modelo mais
bem-sucedido de capitalismo no século XIX, não foi o francês que partiu de uma
revolução que mobilizou camponeses em torno das bandeiras da liberdade,
igualdade e fraternidade, mas o britânico, onde a burguesia se aliou com a
aristocracia e com as forças conservadoras da Santa Aliança para moderar a radicalidade
dos princípios da revolução francesa.
Wallerstein afirma que o padrão ideológico da
civilização capitalista foi a de um zig-zag entre o universalismo e a
desigualdade para situar os indivíduos e grupos sociais. Esses zig-zags, nos
momentos de estabilidade política e de hegemônica, foram complementares. O
universalismo incitava à mudança e transformação, justificando a ascensão de
grupos ou indivíduos, ou estabelecendo o roteiro para ela. O etnocentrismo
justificava as razões da desigualdade.
A complementaridade entre ambos se manifestou
no fato de a civilização capitalista afirmar o particularismo da ideologia da
potência hegemônica como universal, impondo o eurocentrismo e a cultura
anglo-saxã como padrões. A teoria das vantagens comparativas ou a sociologia da
modernização afirmavam a necessidade de se adotar comportamentos avançados e
universais, supostamente implementados nos países centrais, para se buscar a
reprodução dos níveis de renda ou o desenvolvimento de padrões políticos,
sociais e ideológicos dos grandes centros nas regiões mais atrasadas.
Durante a crise da potência hegemônica, a
complementaridade entre universalismo e desigualdade ameaça se desfazer. A
articulação entre o particularismo hegemônico e o universal entra em rota de
colapso. Sua reconstrução é fundamental para estabilização da ordem
capitalista. O discurso universalista busca novas formas que podem vir a
ameaçar o capitalismo histórico, questionando o monopólio e a desigualdade de
oportunidades inerentes ao capitalismo. O discurso meritocrático é altamente
instável para qualquer forma de dominação de classes ou grupos sociais, como
assinala Wallerstein, por seu compromisso radical com a igualdade de
oportunidades133. Sua unilateralidade é insustentável para o
capitalismo. De outro lado, o etnocentrismo também se descola de seus
compromissos com o universal e ameaça se transformar numa ideologia
predominantemente racista e sexista, encerrando suas ligações com a ordem
competitiva, o que representa um risco para o sistema capitalista, caso se
imponha como mundialmente dominante.
No período em que estamos hoje, de crise de
hegemonia, a articulação do universalismo aos Estados Unidos e ao capitalismo
histórico está cada vez mais em questão. Isso se evidencia com a crise do neoliberalismo
como ideologia. De ideologia do Consenso de Washington e do fim da história, o
neoliberalismo passa a ser apresentado como ideologia do dissenso, dos
privilégios e da ameaça à humanidade. Estamos presenciando uma provável
bifurcação, não obstante as tentativas de controlá-la, na qual o universalismo
busca novas formas de encontrar a igualdade, pós-hegemônicas e pós-neoliberais,
e o etnocentrismo busca formas próprias de afirmar a desigualdade. Entretanto,
o fato de o neoliberalismo estar em crise não significa, como vimos afirmando,
que está derrotado. As hesitações da esquerda em superá-lo podem trazer para
ela a sua crise e abrir espaço ao fascismo como alternativa ao caos provocado
pela crise ideológica.
Outra dimensão da crise do capitalismo e que
se articula com a crise da ideologia é a crise ecológica. O indivíduo é visto
na civilização capitalista como ser independente que utiliza a natureza para
sua satisfação. A natureza é transformada em objeto e deixa de ser vista como
um sistema de produção de vida e de biodiversidade que tem leis próprias de
reprodução. O capitalismo estabelece uma racionalidade econômica. Busca reduzir
o valor dos produtos através do aumento da produtividade, o que implica maior
quantidade produzida com menos força de trabalho. A ênfase nas quantidades é
impulsionada pela polarização da renda. Criam-se pressões sobre os recursos
naturais advindas do consumismo e da pobreza. Elas se incrementam com a
dominação cultural exercida pelo hegemón
e implicam uma brutal superexploração dos recursos naturais. Essa
superexploração se caracteriza por uma utilização superior dos recursos
naturais à sua regeneração. A globalização neoliberal leva essa lógica ao
paroxismo. Ela produz a acelerada entropia dos sistemas ecológicos, que têm sua
biodiversidade significativamente reduzida, ameaçando sua sustentabilidade.
Tentar resolver a questão ecológica
internalizando os custos dos poluidores não resolve a questão dos danos
ambientais, dada sua incomensurabilidade, e cria fortes resistências no capital
em razão dos efeitos depressivos sobre a taxa de lucro. Ela só pode ser
resolvida no âmbito de um novo marco civilizacional que conduza a uma nova
mentalidade, impulsionada por um novo sistema mundial.”
133 “Diz-se que a meritocracia é não apenas economicamente eficiente,
mas politicamente estabilizadora [...]. Isto é, pensa-se que o privilégio
aceitado pelo mérito é de alguma forma moralmente e politicamente mais
aceitável pela maioria das pessoas que o privilégio ganho por herança. Esta é uma
sociologia política duvidosa. O exato oposto é de fato o verdadeiro. Enquanto o
privilégio ganho por herança tem sido ao menos marginalmente aceitável para os
oprimidos na base de crenças místicas ou fatalistas numa ordem eterna, cuja
crença ao menos oferece o conforto da certeza, privilégios ganhos por esperteza
ou porque alguém é certamente melhor educado que outros são extremamente
difíceis de aceitar, exceto pelos poucos que estão subindo a escada. Ninguém
que não é um yuppie ama ou admira um yuppie. Príncipes ao menos podem parecer
tipicamente figuras paternas. Um yuppie é nada mais que um irmão
superprivilegiado. O sistema meritocrático é politicamente dos menos estáveis.
E é precisamente por causa dessa fragilidade que o racismo e o sexismo entram em
cena.” Immanuel Wallerstein,
The Politics of the World-Economy,
cit., p. 348.
Um comentário:
O livro com certeza é muito bom, porém, infelizmente, a editora deixou muito a desejar na revisão da obra.
São vários e vários erros de português ao longo do texto, erros nas referências... Aliás, sequer pude citá-las apropriadamente aqui, porque das três primeiras que fui destacar nos trechos, duas estavam erradas – não havia obra do referido autor no ano citado.
A Boitempo poderia ter caprichado mais.
Postar um comentário