Editora: Ideias & Letras
ISBN: 978-85-9823-910-1
Opinião: ★★★★☆
Páginas: 538
Sinopse: Ver Parte
I
“Após três décadas de hegemonia do pensamento
único na economia mundial, notamos o aparecimento de um novo conceito que é
cada vez mais usado. Trata-se da ideia de “volatilidade”. São fundados na
intuição e não na ciência. Na verdade, estes anos de desregulamentações,
privatizações e chamados ao livre mercado somente conseguiram ampliar a margem
de desequilíbrio e “volatilidade” das economias nacionais no ambiente de uma
economia mundial cada vez mais desequilibrada.
Talvez o exemplo mais evidente deste fenômeno
seja a participação cada vez mais intensa do Fundo Monetário Internacional no “monitoramento”
das economias nacionais. Na realidade, o FMI foi criado depois da Segunda
Guerra Mundial para apoiar situações de desequilíbrio cambial, que no princípio
acreditava-se que seriam raras. Contudo, em nossos dias, o FMI está metido em
quase todas as economias nacionais dependentes e periféricas, onde mantém
missões mais ou menos permanentes.
É evidente que nenhum país desenvolvido
recorre ao apoio do FMI. Muito menos se submetem ao seu controle. No ano
passado o governo japonês lhe passou um pito muito duro por se atrever a
recomendar políticas para este país.
Isto não acontece porque estes países não
apresentam desequilíbrios cambiais e fiscais colossais. Eles são campeões em
déficits cambiais e fiscais. Qualquer pessoa mais ou menos informada sabe que
estes chamados problemas “técnicos” na economia não passam de questões de poder
político.
Por sinal, sob o ponto de vista “técnico”, o
FMI é campeão de previsões equivocadas e recomendações desastrosas. Os que têm
dúvidas a respeito podem ler o relatório da comissão encarregada pelo próprio
banco de revisar suas políticas nos últimos anos. Nenhum ministro de economia
de países desenvolvidos se submeteria às recomendações destes “técnicos”.
Se querem um exemplo, podemos citar o caso
das taxas de juros administradas pelos Bancos Centrais. Nos Estados Unidos, no
Japão e na Europa as taxas de juros foram baixadas drasticamente recentemente
para deter a ameaça de recessão. A questão inflacionária foi decididamente
colocada em segundo plano. Para desmentir uma vez mais os conhecimentos “técnicos”
destes senhores, a inflação vem baixando na medida em que baixa a taxa de juros
e estamos diante de uma situação de deflação.
Estes fatos não significam nada para os “técnicos”
do FMI. Eles continuam obrigando os presidentes dos Bancos Centrais do mundo
periférico a concentrar suas decisões única e exclusivamente nas metas de
inflação. Metas inventadas e corrigidas cada ano, pois nunca conseguem acertar
uma.
Como podem ver os leitores (e gostaria que os
políticos de esquerda que chegam ao poder o observassem também) nenhum governo
sério segue as recomendações do FMI. No momento atual, todos se preocupam em
primeiro lugar com a recessão e somente secundariamente com a inflação. Na
verdade, a relação entre taxa de juros e inflação parece ser exatamente o
oposto do que a “teoria” econômica de origem ultraliberal pretende.
A verdade é que a intromissão do FMI nas
economias dependentes somente fez aprofundar as suas dificuldades, agregando às
limitações estruturais destes países, os desequilíbrios impostos pelo sistema
financeiro internacional. (...)
Na realidade não há nenhuma “volatilidade”. O
que há é uma captação brutal dos excedentes econômicos gerados em nossos países
através dos mecanismos manejados pelo sistema financeiro internacional.
Mecanismos que se somam aos procedimentos tradicionais de captação de nossos
excedentes, desenvolvidos desde a época colonial até hoje e que contam com a
cumplicidade de nossas classes dominantes locais, sempre interessadas em
retirar seus excedentes para os países centrais que são mais livres deste tipo
de “volatilidade”.”
“Foi no Chile de Pinochet que os
ultraliberais, derrotados durante a Segunda Guerra Mundial, encontraram um
abrigo. O grupo dos economistas de Chicago, centro do enfoque ultraliberal
desenvolvido nos encontros de Mont Péllerin, foi chamado para pôr em prática
suas ideias nas condições ideais criadas pela ditadura de Pinochet.
A ausência de uma oposição ativa, uma
economia de grande presença internacional através de um produto chave, o cobre,
nacionalizado por Allende e colocado a serviço de uma experiência de
desenvolvimento econômico, com uma reforma agrária que criara as melhores
condições possíveis para a modernização da produção agrícola e uma classe
dominante coesa pelo medo da revolução socialista foram as bases para iniciar a
experiência neoliberal que logo se estendeu para a Inglaterra de Thatcher e os
Estados Unidos de Reagan.
Nos anos seguintes a perspectiva neoliberal
tentou impor-se no mundo todo, mas teve uma difusão especial na América Latina,
pressionada por seu endividamento internacional e por outras aventuras
econômicas inspiradas pelas ditaduras militares e pelo domínio do pensamento reacionário.
Este se instaurou nas organizações
internacionais e em várias universidades até chegar ao controle dos
comentaristas econômicos da grande imprensa e estender-se por todos os poros da
sociedade, particularmente entre as elites empresariais, políticas,
profissionais e burocráticas.
Mas as marcas da modernização neoliberal
tiveram seu lado perverso claramente exposto na medida em que avançava a
aplicação de seus preceitos à vida econômica das pessoas. O fortalecimento da
concentração da receita, o aumento das populações pobres e miseráveis, o
crescimento do desemprego e da economia informal, o aumento da dependência
econômica, social, política e sobretudo cultural, a intensificação da violência
e da desintegração das instituições básicas da sociedade foram minando o
discurso neoliberal até que as crises econômicas e a volatilidade dos
movimentos financeiros produziram seu questionamento radical.
Esta é a situação que vemos hoje na região,
os enormes aparatos culturais manejados pelas mídias não conseguem convencer as
pessoas das bondades das políticas neoliberais. O avanço democrático, que os
líderes da proposta pensavam manejar sem problemas através do marketing
eleitoral, começa a minar o projeto neoliberal de ponta a cabo do continente.
É claro que este rechaço popular não comove
em nada os neoliberais. Para eles as políticas econômicas são meras aplicações
dos princípios abstratos que manejam. O voto somente tem sentido como um
mecanismo para atender a necessidade de participação das pessoas, aumentando a
legitimidade do regime e das políticas que cabe aos entendidos definir.
Suas gestões foram baseadas no esmagamento e
na total insensibilidade para com os protestos populares. Assim como Pinochet
entrou no governo sobre os cadáveres dos trabalhadores chilenos, a Sra.
Thatcher reprimiu com fúria excepcional os mineiros de carvão na Grã-Bretanha,
e Reagan deu uma lição radical nos trabalhadores aeroviários nos Estados
Unidos. Este método intimidante, junto às medidas de choque, passou a
caracterizar a metodologia das experiências neoliberais.
Em nenhuma parte desta doutrina a força da
representação popular ocupa algum espaço. É, pois, natural, que não respeitem a
vontade popular expressa nas urnas. Não foram poucos os governos que se
elegeram contra a política do FMI e se entregaram a seus princípios “científicos”
logo que chegaram ao poder.
É interessante ver, por exemplo, como um
governo (FHC) rechaçado por 70% da população brasileira tenta impor a seu
provável sucessor as condições para deixar de ser demagógico e “populista”.
Quer dizer, os derrotados que levaram o país ao caos e que recebem o repúdio da
grande maioria “exigem” do novo governo que abandone as políticas que o levaram
ao poder.
Esta visão tecnocrata do Estado e de suas
funções é outra característica essencial do neoliberalismo. Trata-se de um
programa político profundamente antidemocrático. Isto explica a dimensão do
caos que provocam na vida das pessoas que desprezam radicalmente. Isto explica
também a profundidade da crise em que nos afundamos.”
“É lamentável constatar a dificuldade dos
presidentes dos Estados da América Latina de apresentar caminhos sólidos de
superação das chagas que nos conduzem à barbárie, à fome e à violência. É
relevante assinalar a presença de organizações internacionais como a FAO, a
CEPAL, o BID para reforçar, com os dados existentes, a evidência da extensão da
tragédia que recai sobre o subcontinente.
Independentemente de alguns dados positivos
encontrados por estes organismos, devido sobretudo às mudanças de critérios de
medição, os diagnósticos são sempre os mesmos: ampliam-se a miséria, a fome, a
deficiência educacional, a distribuição negativa da renda, a concentração da
mesma, a violência generalizada, a rebeldia social e política, sem encontrar um
canal de realização de suas críticas e tantos outros diagnósticos tremendamente
negativos.
O dramático não é que os diagnósticos se
repitam senão que se reforce, ao mesmo tempo, a defesa dos princípios de
política econômica que conduzem ao aprofundamento dos mesmos problemas. A
apresentação dos fatos é acompanhada das análises reacionárias que ocultam em
vez de revelar os dramas de nossos povos.
Continua-se acreditando que temos baixa
capacidade de poupança e necessitamos de capital internacional para apoiar
nossa deficiência em investimentos. Contudo, os dados mostram claramente que se
extraem de nossos países quantidades cada vez maiores de recursos sob a forma
de fuga de capitais, pagamento de juros, remessas de lucro, pagamento de
serviços muito duvidosos e outros necessários, mas que poderíamos substituir
por produção interna.
Está absolutamente claro que a submissão aos
princípios monetaristas e recessivos do Fundo Monetário Internacional tem
aumentado de maneira dramática os impasses das políticas econômicas dos países
da região. É totalmente falso afirmar que a região não tem possibilidades de
resolver seus problemas fundamentais por falta de recursos materiais e humanos.
Pelo contrário, toda a região se caracteriza
por dispor de amplos recursos minerais, agrícolas e humanos. O que falta é a
vontade política organizada para romper os termos de intercâmbio desfavoráveis
no cenário mundial. Ao mesmo tempo, falta uma vontade política unificada para
orientar as políticas econômicas para a defesa e para o bom aproveitamento
destas riquezas, para o desenvolvimento tecnológico consistente e para a
elevação da qualidade de nossos recursos humanos.
Claro que para re-orientar tão drasticamente
séculos de dependência, concentração da riqueza, sobre-exploração do
trabalhador, marginalização e exclusão das grandes massas subempregadas ou
abertamente desempregadas é necessária uma mudança da correlação entre as
forças sociais. E é aí onde o diagnóstico se perde ao darmos a entender que
estas situações tão negativas são uma consequência de nossa pobreza e não as
criadoras da mesma.
Na realidade, vivemos numa etapa de
desenvolvimento da humanidade na qual existem os meios materiais, técnicos e
humanos para eliminar definitivamente a pobreza, a fome, o analfabetismo, a
alta taxa de mortalidade infantil, as pestes e as grandes enfermidades. Estes
problemas são coisas do passado que somente se perpetuam e se agravam em
consequência da manutenção de relações sociais e políticas arcaicas baseadas na
dependência, no desprezo das massas, no autoritarismo como método de governo e
outras tristes expressões de nossa história colonial, oligárquica e escravista.
É verdade que não podemos esperar de
governantes comprometidos, com os poderosos interesses que dominam nossas
sociedades, uma disposição para uma mudança social profunda. Mas sim se poderia
esperar alguma disposição para reformas mínimas, capazes de mover para frente a
roda da história através de uma valorização dos fatores de progresso. O
crescimento econômico, uma reorientação da distribuição da renda, uma defesa
mínima da soberania nacional, de seu próprio mercado interno, do pleno emprego,
da utilização do Estado como fator de equilíbrio social e defesa dos interesses
nacionais.
O grave da situação latino-americana é o
abandono destes valores básicos pelas classes dominantes locais e até por
setores importantes das classes médias. A adoção do pensamento neoliberal como
referência dogmática, importada dos centros fundamentais do poder desde uma
perspectiva totalmente acrítica, se converteu num instrumento de bloqueio
mental e político que afastou radicalmente de seus próprios povos um setor
muito significativo desta oligarquia.
Se quisermos um exemplo desta alienação
intelectual devemos analisar com um pouco de atenção as propostas que se reforçam,
nesta cúpula (Ibero-Americana, que reúne os presidentes e chefes de Estado da
América Latina, Espanha e Portugal) no sentido de exigir dos países centrais do
sistema econômico mundial, o chamado primeiro mundo, que abandonem suas
políticas protecionistas para permitir o aumento das exportações de produtos
agrícolas ou semi-industrializados dos países dependentes.
A primeira conclusão evidente é constatar o
caráter infantil de uma demanda típica dos discípulos que pedem coerência aos
seus mestres. Estes senhores acreditaram no conto do livre comércio que nenhum
país soberano leva à prática.
É simplesmente ridículo pretender obrigar os
Estados Unidos à prática do livre comércio. Isto seria pedir-lhe que negue os
fundamentos de seu Estado nacional. Desde a independência com Hamilton até a
guerra civil com Lincoln, ou ao imperialismo com Theodore Roosevelt até os
nossos dias com Bush, a burguesia norte-americana lutou pelo protecionismo e,
para impor o mesmo, recorreu às armas levando à morte milhões cidadãos.
A maior parte da Europa (exceto a
Grã-Bretanha iniciadora da revolução industrial) tem vivido entre guerras, o
que a levou a fundar a sua identidade cultural numa agricultura familiar cuja
destruição, em nome do livre mercado, representaria não somente uma perda
dramática de identidade, mas também de condições de segurança alimentar que
dificilmente estaria disposta a aceitar. E o que dizer do Japão que iniciou e
perdeu uma guerra para assegurar sua independência das importações de bens
essenciais como o petróleo e os alimentos básicos?
Nenhum povo solidamente implantado está
disposto a entregar ao mercado a definição de seus valores fundamentais. O
delírio neoliberal que pretende atribuir ao mercado a direção e a orientação
das mais profundas atitudes humanas não encontra raízes em nenhum povo
civilizado. Podem adotar em seu discurso para consumo externo, mas jamais se
disporão a praticá-lo em seus países.
Mas há razões mais profundas para questionar
esta estratégia de “exigir” dos países centrais que se abram para permitir-nos
aumentar nossas exportações de produtos primários que só aprofundarão nossa
posição dependente na economia mundial. A atual oligarquia latino-americana
renunciou ao sonho de uma geração de empresários que pretendiam transformar as
bases de nossas economias e assegurar a industrialização, a inovação
tecnológica e a competência de ponta na economia mundial. A oligarquia
dependente insiste em competir na economia mundial através de nossas chamadas “vantagens
comparativas”: os bens naturais e a mão-de-obra barata.
Depois da Segunda Guerra Mundial, sob a
ocupação norte-americana, os dirigentes do Japão se propuseram a competir na
ponta da tecnologia mundial e não aceitar as teorias ocidentais das vantagens
comparativas. Mas o leitor dirá: a classe dominante do Japão nunca havia sido
uma classe dominante dominada e não conhecia a condição colonial. Pois sim:
esta é uma boa razão para explicar a diferença.
Mas os acontecimentos são irredutíveis.
Quando uma classe dominante se mostra inferior às oportunidades históricas de
que dispõe para atender à maioria de sua população, se coloca no caminho do
abismo.”
“Várias notícias apresentam um conjunto de
manifestações no sentido do fim da ortodoxia neoliberal. Elas provêm de várias origens
e indicam realmente um descenso da ortodoxia do pensamento único que se impôs a
partir da década de 80. (...)
Entre neokeynesianos, transformados em
estruturalistas na América Latina (devido à sua interpretação da inflação,
vista como resultado da dificuldade da oferta em atender à demanda da região,
em consequência das debilidades estruturais que limitavam a produção local) e
monetaristas (num período, adaptado à ortodoxia neokeynesiana, ao aceitar a
importância do crescimento econômico como meta, mas sempre reafirmando a
necessidade de controlar a oferta de moeda e crédito como fator de
estabilidade) havia uma polêmica na qual se radicalizavam os instrumentos de
interpretação do fenômeno inflacionário, considerado inimigo absoluto pelos
monetaristas e possível aliado pelos estruturalistas.
A prática é o critério da verdade para as
lutas sociais. E a prática neokeynesiana estava ligada ao êxito de suas
recomendações, na medida em que avançava a industrialização da região e sua
capacidade de gerar emprego para a sociedade, lucros para os capitalistas
nacionais e sobretudo para os internacionais, que aqui instalavam suas empresas
multinacionais aproveitando-se dos mercados nacionais em expansão.
Nesta época as multinacionais estavam
contentes com as altas restrições tarifárias impostas pelos governos locais
para garantir suas vantagens em monopolizar os mercados nacionais. A literatura
econômica sempre se esquece da importância do livre câmbio quando as classes
dominantes necessitam de mercados nacionais protegidos. Era a época das teorias
do desenvolvimento econômico social e o debate se concentrava na maior ou menor
capacidade de lográ-lo.
As dificuldades geradas por um crescimento
econômico baseado na importação de capitais que visavam e visam sobretudo
captar todos os recursos disponíveis nos mercados nacionais protegidos,
começaram a aparecer na metade dos anos 60. O golpe de Estado de 1964 no Brasil
entregou o poder aos monetaristas com o objetivo de assegurar a estabilidade
monetária contra a proposta estruturalista de ampliar os mercados nacionais
pela via da reforma agrária e de outras reformas capazes de distribuir a renda
e ampliar o consumo.
Os monetaristas de então não deixavam de
preocupar-se com o desenvolvimento e terminaram por servir aos militares ao
atender suas ambições de crescimento sem distribuição da renda e sem rompimento
com as multinacionais. Como demonstramos na época, este modelo de
desenvolvimento conduziria ao endividamento internacional, à concentração
econômica e à centralização do capital, à dependência, à concentração da renda
e à exclusão social. Apontávamos também para a implantação do capital
financeiro na região, o que levaria ao triunfo do enfoque monetarista. Em seu
primeiro momento, este enfoque se demonstrava capaz de enxaguar o aparelho
produtivo deixado pelo protecionismo “à outrance”, gerado pela prática
estruturalista, e seus artífices foram capazes de provocar um novo período de
crescimento como o demonstramos na época (1964) apesar da quase unanimidade da
opinião contrária dentro das forças progressistas.
Este caminho de um desenvolvimento
autoritário e concentrador se explicava também pelas dificuldades do capital
multinacional de superar as tensões geradas no centro do sistema mundial devido
aos limites que se impunham ao processo de acumulação do capital. Os mercados
externos tendiam a esgotar-se como o indicamos. Apostar em sua expansão tinha
altos custos políticos que as grandes metrópoles não queriam pagar. Daí a ideia
de mudar para estes países de desenvolvimento médio grande parte da atividade
industrial de menor valor agregado. Estava-se criando o modelo de
desenvolvimento secundário exportador que a literatura econômica crítica da
região tão bem estudou.
Mas na década de oitenta o projeto do capital
multinacional se viu cada vez mais atropelado pelas dificuldades da acumulação
internacional de capital e pela ascensão do capital financeiro, no qual se
concentravam os excedentes econômicos bloqueados pela dificuldade de ampliar os
investimentos produtivos. A crise obrigou o grande capital a se apoiar cada vez
mais no Estado para dirimir suas dificuldades.
Foi assim que a sra. Thatcher na Inglaterra e
o sr. Reagan nos Estados Unidos iniciaram um período da economia mundial
baseado nos mais espetaculares déficits fiscal e cambial da história humana. Em
1973, os Estados Unidos abandonaram a convertibilidade do dólar em ouro,
estabelecida em Bretton Woods, realizando a maior quebra de contratos conhecida
na história. Este ato de aventura econômica foi realizado por um conservador,
que teve de admitir que “todos somos keynesianos”. Tratava-se de salvar os
Estados Unidos dos efeitos negativos de sua política de déficit fiscal (levada
ao extremo durante a guerra do Vietnã) e de seu déficit comercial (ampliado pela
especialização da economia norte-americana na tecnologia de ponta de signo
militar). Era necessário que o resto do mundo pagasse o devido custo desta
política vendo seus dólares se desvalorizarem maciçamente (do valor oficial de
35,00 US$ por onça ouro para o valor de mercado de aproximadamente 350 US$ por
onça ouro).
A derrota no Vietnã pôs em crise a política
aventureira de déficit fiscal, enquanto os Estados Nacionais do chamado
Terceiro Mundo se fortaleciam, sobretudo os países petroleiros, que formavam um
cartel — a OPEP lhes permitiu elevar o preço do petróleo mais ou menos na mesma
proporção que a desvalorização do dólar em relação ao ouro. Os exportadores de
matérias-primas buscavam mudar as regras das relações internacionais através do
estabelecimento de uma Nova Ordem Econômica Mundial, em aliança com os países
socialistas. Ao mesmo tempo, os aliados dos Estados Unidos, como o Japão e a
Alemanha, se mantinham em crescimento, alterando a correlação de forças entre
os países centrais do sistema mundial.
O restabelecimento do poder hegemônico
norte-americano, ameaçado nestas novas condições, baseou-se numa retomada do
valor do dólar e de sua capacidade de atrair capitais do resto do mundo para os
Estados Unidos, abrindo o mercado norte-americano para o exterior, através de
um gigantesco déficit comercial, enquanto se ampliava a demanda deste país
enormemente através de um extraordinário déficit público, coberto pela compra
de títulos da dívida estatal norte-americana.
É incrível constatar como a maior intervenção
monetária da história humana se realizou em nome do equilíbrio fiscal e cambial
gerando o maior desequilíbrio fiscal e cambial da história. As taxas de juros
passaram a ser o principal instrumento de política econômica, provocando uma
transferência colossal de recursos do resto do mundo para os Estados Unidos e do
setor produtivo para o financeiro.
É incrível constatar como se produziu, então,
um verdadeiro assalto aos Estados Nacionais para salvar as taxas de lucro do
capital privado, custe o que custar. Como foi possível recorrer aos neoliberais
para justificar o maior movimento de endividamento estatal da história?
Como se conseguiu elevar os desequilíbrios
fiscais e cambiais aos níveis mais altos da história em nome de uma doutrina
que se baseia na tese do equilíbrio geral como condição para o bem-estar
social?
Como aumentaram dramaticamente a dívida e os
gastos públicos sob o auge das teses neoliberais?
É a constatação destes fatos que fez o grande
“teórico” neoliberal Milton Friedman, em seus 92 anos, autocriticar-se e dizer
que hoje em dia não está mais seguro de sua defesa do controle da emissão
monetária e do gasto público pois, nos anos de hegemonia de seu pensamento, o
que mais aumentou no mundo foi o gasto público. Este só foi controlado na
década de 90, através de uma administração democrática, para seu desencanto
político e agora se encontra ameaçado novamente por um presidente republicano, “tão
gastador como seu pai”. O neoliberalismo ainda seria uma piada, como seus
teóricos eram tratados nos anos 50, quando ninguém lhes dava bola. Mas
infelizmente ele se converteu numa realidade para servir a interesses
econômicos muito concretos e poderosos. Apesar da crise que se expande no mundo
em função de suas políticas aventureiras, eles procuram se disfarçar de sérios
e austeros escondendo-se atrás de uma “teoria” que nada mais fez do que
disfarçar a verdadeira realidade: a crise, o desequilíbrio, a concentração, a
pobreza e a exclusão.”
“Para mim, a crise asiática refletia mudanças
globais nas relações das economias do leste asiático com os Estados Unidos
devido à reorientação da política econômica desse país. O governo Clinton
abandonou a política de altas taxas de juros, déficit fiscal, valorização
cambial e déficit comercial realizada durante os governos Reagan e Bush, para
passar a uma política de baixas taxas de juros, equilíbrio fiscal,
desvalorização monetária e diminuição de seu déficit comercial.
A nova política limitava drasticamente o
mercado norte-americano no qual havia se apoiado a expansão comercial dos
chamados “tigres” asiáticos, dos “gatos” que os seguiram e do próprio Japão. A
valorização do yen (que valia de 136 Yens por dólar, no começo da década de 90,
a 84 yens por dólar em 1996) levou a uma mudança das correntes comerciais da
Ásia, particularmente do Pacífico Leste. Grande parte das exportações que se
orientavam para os Estados Unidos se reorientaram para o Japão, cuja
valorização monetária o transformava num grande importador, sem necessidade de
nenhuma desvalorização cambial das demais economias exportadoras. Nesse
período, a China Continental veio a ocupar o espaço deixado livre no mercado
norte-americano. Sua moeda esteve profundamente desvalorizada durante todo o
período. Aliados a uma política industrial, profundamente favorável à
exportação, desenvolveram uma série de iniciativas voltadas para a participação
ativa da China na economia mundial.
Essa situação mudou radicalmente com a
desvalorização do yen conseguida por pressões japonesas no final de 1996 e
começo de 1997. O yen, que havia alcançado o alto valor de 84 yens por dólar
caiu em poucos meses para 130 e até 140 yens por dólar. Em consequência, o
mercado japonês para os “tigres” e “gatos” asiáticos desabou.
Como voltar ao mercado norte-americano já
ocupado pela China Popular? Haveria que desvalorizar drasticamente as moedas
destes vários países (na mesma proporção da desvalorização japonesa) para
recuperarem seu poder de venda, tanto para os Estados Unidos quanto para o
Japão. Haveria que reestruturar a política industrial de complementaridade com
o Japão para enfrentar-se ao mercado americano e ao competidor chinês.
Neste contexto, as economias do leste
asiático, menos a China Continental, Hong Kong e Taiwan, se converteram em
presas fáceis da especulação internacional. Os créditos fáceis de origem
japonesa, as entradas de capitais especulativos de curto prazo para explorar a
valorização bursátil e as oportunidades de investimento converteram-se em
fatores de fragilidade. A desvalorização era o único caminho. Mas com ela
vinham a fuga de capitais e o agravamento da crise cambial. E a intervenção
estatal inexorável ao lado do capital financeiro.
Pois, sejamos claros, como vimos defendendo no transcorrer deste livro, no mundo sob inspiração neoliberal que ainda rege a ação das instituições financeiras internacionais, o dogma da não intervenção estatal desaparece imediatamente quando se trata de defender os interesses do setor financeiro. Juros altos, aumento da dívida pública, financiamento das instituições financeiras em quebra são formas brutais de intervenção estatal que não provocam nem uma só restrição dos neoliberais. Claro que todos sabemos a quem servem estas teorias.”
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