quarta-feira, 17 de outubro de 2018

A função do currículo no contexto escolar, de Michelle F. Lima, Claudia M. P. Zanlorenzi, Luciana R. Pinheiro

Editora: InterSaberes

ISBN: 978-85-8212-110-8

Opinião: ★★★☆☆

Páginas: 224

Sinopse: Este livro aprofunda um tema de grande importância para a educação: o currículo escolar. Em suas páginas, é proposta uma reflexão sobre o currículo, considerando diferentes elementos que definem o que, para que e como ensinar nas escolas de educação básica. Além disso, são apresentadas a história, as teorias pedagógicas e os principais conceitos que envolvem esse instrumento de apropriação do conhecimento.



 

“Muito se discute sobre a função social da escola; entretanto, ainda observamos nos cursos de formação de professores questionamentos sobre o papel da instituição escolar: ela deve preparar para o trabalho, para o vestibular, ou deve, ainda, instrumentalizar os alunos para a vida em sociedade? A clareza da resposta a essas questões deve ser o ponto de partida para qualquer análise que trate dos aspectos escolares. Partimos do pressuposto de que educação escolar não é pura e simplesmente um reflexo das relações de produção; nessa direção, entendemos que a função social da escola deva ser a formação da consciência humana por meio do conhecimento científico.”

 

 

Currículo dos tigres-de-dente-de-sabre

Uma tribo paleolítica, reconhecendo que a sua sobrevivência dependeria da capacidade de impedir o ataque dos tigres-de-dente-de-sabre e da pesca nas lagoas límpidas, inventou a educação. As crianças da tribo, em lugar de passarem seu tempo em folguedos, aprendiam a arte de afugentar os tigres com tochas de fogo acesas e como agarrar peixes com as mãos nos lagos. A invenção teve um enorme êxito. As crianças adoravam a atividade e a tribo florescia.

Todavia, o clima mudou. Uma grande geleira desceu sobre o vale onde a tribo vivia. Os tigres-de-dente-de-sabre desapareceram. Vieram os ursos que não temiam o fogo e, portanto, não podiam ser afugentados desse modo. E as lagoas se tornaram tão lodosas que os peixes não podiam mais ser vistos e apanhados com as mãos.

Não demorou muito para que os membros da tribo de mais iniciativa e mais recursos se adaptassem a essa nova circunstância. Descobriram que podiam caçar os ursos, cavando fossas nas trilhas da floresta e que também podiam pescar nas águas barrentas usando redes. Uma vez mais, eram senhores do seu ambiente contemporâneo.

Mas as escolas ainda continuavam a ensinar as artes de afugentar tigres e apanhar peixes com a mão. O chefe da educação conseguiu capturar um velho tigre e mantê-lo em uma jaula para que as crianças pudessem ter material para praticar a velha arte. Então, um radical qualquer sugeriu que essas habilidades fossem retiradas do currículo e que, em seu lugar, as escolas ensinassem a arte de fazer redes de pesca e a cavar fossos para caçar ursos. A sugestão foi recebida com horror pelas autoridades. Ensinar a tecer redes e a cavar fossos: isso não era educação; seria, quando muito, aprendizagem vocacional.

“Será um dia negro para as escolas, diziam eles, “quando abandonarmos as matérias fundamentais de nossa cultura, tais como afugentar tigres e apanhar peixes com as mãos. Naturalmente, ninguém sonha mais em apanhar peixes com as mãos na vida real, nesta época, e não há mais tigres para serem afugentados; essas matérias são ricas em tradições de nossa tribo. Elas ensinam os princípios da coragem e gosto. O currículo já está sobrecarregado e nós não podemos introduzir matérias como tecelagem de redes e caçadas de ursos, que não possuem valor cultural algum”.

(Adaptado de H. Benjamim, The Curriculum, 1971).

 

 

“O currículo é um instrumento utilizado por todas as instituições educacionais com a finalidade de organizar pedagogicamente o trabalho formativo. Segundo Moreira (Currículo: questões atuais, 1997, p. 11), usa-se o currículo “tanto para desenvolver os processos de conservação, transformação e renovação dos conhecimentos historicamente acumulados como para socializar as crianças e os jovens segundo valores tidos como desejáveis”.

No que concerne à formação escolar, o currículo pode ser entendido como a espinha dorsal do trabalho pedagógico. Quando pensamos em sua importância nos processos de aquisição e/ou de construção de conhecimentos, devemos definir os conteúdos necessários para uma determinada série ou ciclo com base na funcionalidade prática da educação formal e na exigência social do desenvolvimento cognitivo. Ao pensarmos na função socializadora que o currículo deve exercer; é necessário criar condições para que os educandos consigam subsídios que viabilizem a sua movimentação em todos os contextos, espaços e tempos.

Delimitar onde acaba a dimensão socializadora do currículo e a dimensão instrução/formal nos parece impossível, dada a realidade prática que apontam essas duas dimensões como sendo indissociáveis. Assim, o conceito de currículo como sendo um instrumento de socialização e de organização de conteúdos científicos exige uma reflexão crítico-pedagógica mais profunda. É preciso torná-lo um instrumento capaz de munir o educando para atuar em um presente histórico consciente da realidade do seu tempo e do seu papel como cidadão. O educando, portanto, deve ser provido de elementos prático-teóricos que o auxiliem na interpretação do mundo que o rodeia e que o capacitem para que alcance uma realização pessoal, profissional e social.

Moreira e Silva (Sociologia e teoria crítica do currículo, 2000) afirmam que o currículo deixou de ser uma área voltada para técnicas e métodos. Orientado por questões sociológicas, políticas e epistemológicas, ele passou a ser considerado um mecanismo social e cultural. Com isso, o currículo deixa de ser visto como um elemento inocente, neutro, destituído de comprometimento político, e passa a ser compreendido com base em seu poder, sua ideologia, sua cultura, capaz de produzir identidades individuais e sociais particulares.

Percebe-se, então, que o currículo escolar tem finalidades políticas muito precisas. Zotti (Sociedade, educação e currículo no Brasil, 2004) afirma que os currículos oficiais foram elaborados ao longo da história para atenderem às demandas econômicas. Nesse sentido, todas as mudanças no campo curricular que já foram realizadas seguiram os interesses políticos do modelo econômico vigente. A autora nos conduz a refletir sobre as implicações político-econômicas que subsidiaram a construção dos currículos oficiais durante toda a história da educação brasileira. Essa maneira de pensar o currículo dá origem a questionamentos sobre o que já foi estabelecido no campo curricular, as possíveis ideologias ocultas e as contradições eminentes, quando se compara o discurso pedagógico com a realidade escolar.

Nesse enfoque, pensar sobre o currículo e a construção do conhecimento implica “produzir novas possibilidades de uma educação comprometida com uma sociedade mais humana” (Zotri, 2004, p. 229). Sacristán (O currículo: uma reflexão sobre a prática, 2000, p. 15) defende que o currículo presume a concretização dos fins escolares e “relaciona-se com a instrumentalização concreta que faz da escola um determinado sistema social”. Portanto, refletir sobre o currículo não é apenas selecionar os conteúdos, é muito mais que isso. É pensar nas possibilidades de concretização de uma estrutura pedagógica que rege, ou deve reger, uma instituição escolar entendendo o seu cunho politizador.

Assim, observamos claramente a necessidade de uma reflexão acerca do currículo como instrumento que deve viabilizar a apropriação, a compreensão e o aprofundamento dos conhecimentos na escola e seu reflexo na vida prática dos sujeitos. Contudo, o currículo escolar, para se adequar às novas exigências da atual sociedade, deve possibilitar não apenas a apropriação dos conteúdos, mas, impreterivelmente, os meios para os educandos compreenderem melhor o mundo no qual estão inseridos e saberem usar esses conhecimentos de acordo com as adversidades das situações-problema enfrentadas diariamente.

Certamente, falar sobre currículo e suas implicações no campo educacional consiste em remeter a uma série de valores que, implícita ou explicitamente, estão atrelados às finalidades sociais, políticas e econômicas de uma instituição escolar. O valor social e político da escola se manifesta de diferentes maneiras a partir de um determinado currículo, independentemente do discurso e das declarações que tentam justificá-lo.

Sabendo-se que o sistema educativo, durante toda a história, serviu a certos interesses, torna-se indispensável discutir continuamente a complexidade curricular. É possível verificar que sempre houve uma tendência do currículo oficial do sistema educacional brasileiro a atender aos interesses, às diversas finalidades e às aspirações do poder hegemônico. Portanto, a construção curricular, durante muito tempo, não levou em consideração os aspectos e as necessidades da realidade sócio-histórica os aspectos e as necessidades da realidade sócio-histórica dos educandos, restringindo-se à manutenção de uma segregação social que modela a formação educacional, diferenciando-se de acordo com o público educativo.”

 

 

“Podemos inferir que na história da educação brasileira existiram muitas tentativas pedagógicas, muitas reformas ocorreram, métodos variados foram implantados, propostas foram elaboradas e reelaboradas. No entanto, em termos curriculares, as reformas educacionais não ultrapassaram a finalidade tecnocrática de treinamento dos educandos para diversos setores profissionais. O currículo escolar permaneceu centrado em prover aos educandos conteúdos restritos a atividades ocupacionais necessárias à expansão econômica industrial. Com isso, a primazia educacional se manteve distante de preocupações com a justiça social, com a equidade, desprezando a necessidade de formar cidadãos críticos. Nesse contexto, a realidade e os interesses dos educandos permaneceram negados diante do objetivo do uso da escola como um espaço para produzir e legitimar os interesses sociopolíticos e econômicos da elite empresarial e política.

Na tentativa de produzir mudanças no contexto educacional, Freire (Educação como prática da liberdade, 1999) elabora uma proposta pedagógica para a educação de jovens e adultos. A pedagogia freireana apresenta um esforço deliberado de transformação dos preceitos educacionais e da sociedade. Nessa perspectiva, os educandos devem ser conduzidos a refletir sobre a realidade, distanciando-se da consciência ingênua e mágica para se aproximar da compreensão das relações de poder e das ideologias que subsidiam ocultamente as relações sociais. A educação deve assumir uma função politizadora, viabilizando aos educandos a compreensão crítica da realidade. Caracterizada como educação não formal — e, em seguida, denominada de educação popular —, o método pedagógico freireano transcende o conteúdo oficial e se aproxima da realidade do sujeito, adquirindo um cunho emancipatório no qual a conscientização e a volitizacão devem superar as formas de opressão. Para tanto, a atuação pedagógica é organizada com base nas vivências do educando. A consciência da realidade sociocultural e política na qual estão inseridos possibilita que os educandos transformem a sua realidade e a realidade do grupo a que pertencem.”

 

 

“As teorias sobre currículo são conjuntos de representações, significações, ideias, imagens que produzem e descrevem o que se pretende fazer, em termos educacionais, com os conhecimentos produzidos ao longo da história humana. Pode ser entendido também como uma área de estudo que se define pelos conceitos e representações que utiliza para descrever a realidade.*

As tendências pedagógicas tradicional, escolanovista e tecnicista se enquadram na classificação de teorias não críticas, devido à postura de neutralidade diante das questões sociais e políticas envolvidas. Essas tendências, também denominadas de tendências liberais, não exercem compromisso com as transformações sociais, legitimando a ordem econômica capitalista. Nesse contexto, a função da escola é preparar o indivíduo para desempenhar papéis sociais.

Em contrapartida, as teorias críticas e pós-críticas, também denominadas de tendências progressistas, partem de uma análise crítica do sistema capitalista, dando ênfase à finalidade sociopolítica da educação, vislumbrando minimizar as desigualdades. Apontam, principalmente as teorias pós-críticas, a importância do currículo na construção da identidade e da subjetividade dos educandos. (...)

 

As teorias não críticas

As teorias não críticas decorrem de uma época em que a escola foi direcionada a seguir os princípios da administração fabril, da racionalidade técnica e do modelo taylorista/fordista. Os teóricos visavam à padronização dos processos pedagógicos com o objetivo de atender à escolarização em massa, preparando os indivíduos para o sistema mecânico de produção. Assim, a escola se preocupava em ensinar aos educandos o controle do tempo e do espaço e as repetições necessárias às práticas profissionais.

a. Escola tradicional — Apresenta uma estrutura curricular com conteúdos isolados e disciplinas específicas. Visa preparar o educando para atuar na sociedade, com base em um ensino enciclopédico desconexo. A organização curricular enfatiza a quantidade dos conteúdos, que são apresentados de forma fragmentada, estanque descontextualizados e sem articulação com a realidade prática. Nesse contexto, o professor é o detentor do saber e o educando é um ser passivo, que apenas retém as informações transmitidas na sala de aula, memorizando o conteúdo por meio de repetidas atividades e fixação. As normas disciplinares são autoritárias e muito rígidas, inviabilizando debates, discussões, reflexões, análises e o desenvolvimento da criticidade.

b. Escola nova — Ensaia uma aproximação da realidade dos educandos com base em uma proposta de elaboração de projetos focada nos interesses apresentados na sala de aula. O professor se torna o facilitador da aprendizagem. O educando é considerado ativo, participativo, construtor do seu conhecimento. A ênfase curricular não está nos conteúdos, mas, sim, nos processos de aprendizagem, na descoberta e no respeito aos diferentes ritmos. A preocupação central dessa proposta é com os melhores métodos para viabilizar o processo ensino-aprendizagem. Os conteúdos são estabelecidos com base na experiência do educando. No entanto, falha por não valorizar a organização sistemática de conteúdos e por se esquivar da importância da criticidade.

c. Escola tecnicista — Exalta a importância do desenvolvimento das competências e das habilidades específicas, excluindo aqueles alunos que não se tornam aptos para as funções produtivas. Centra-se nos melhores recursos de ensino. O currículo enfatiza o desenvolvimento do pensamento e da ação instrumentais, de modo que o comportamento deve ser “moldado” de acordo com técnicas específicas. É implantado no Brasil o modelo americano, principalmente fundamentado em Tyler (Princípios básicos de currículo e ensino, 1974). O professor é um técnico do ensino e o educando é apenas o indivíduo para quem se transmite as informações, desconsiderando-se o seu potencial de criar, de recriar, de pensar, de analisar, de refletir. Portanto, descarta-se a possibilidade de autoria dos pensamentos dos educandos, e estes devem apenas expressar, verbalizar o que o material didático lhe fornece como verdade. Os conteúdos são baseados em princípios científicos e enfatizados nos módulos e nos livros didáticos.

 

As teorias críticas

As teorias críticas surgem denunciando o poder da hegemonia dominante, cujos processos de convencimento, de adaptação e de perpetuação das desigualdades são reforçados pelas práticas escolares. Os principais fundamentos dessas teorias emergem de duas escolas: a escola de Frankfurt, cujas críticas à racionalidade técnica sugerem a transformação escolar em uma “pedagogia da possibilidade” ou, ainda, em uma “pedagogia da resistência”. Essa escola defende que o currículo deve ser elaborado visando à emancipação e à libertação; e a escola francesa, cujas críticas se referem à reprodução das desigualdades sociais realizadas no contexto escolar por meio da elaboração curricular que privilegia a cultura e a língua da elite dominante.

d. Pedagogia crítico-reprodutivista — Considera a escola como uma instituição articulada na sociedade, que funciona como um aparelho ideológico do Estado (Althusser, Aparelhos ideológicos do Estado, 1985), e o ensino produz violências simbólicas na medida em que privilegia a cultura da elite dominante (Bourdieu, O poder simbólico, 2004). Destacam que o currículo escolar tradicional elimina os componentes crítico-reflexivos para formar mão-de-obra especializada, gerando educandos que não apresentam resistência, aceitando passivamente as diferentes formas de submissão e opressão. Apesar das muitas críticas às teorias anteriores, as teorias crítico-reprodutivistas não apresentam uma proposta político-pedagógica bem delineada que forneça aos educadores subsídios suficientes para a construção de sua práxis.

 

Teorias pós-críticas

Fundamentadas no pós-estruturalismo, destacam o multiculturalismo como um movimento de adaptação e resistência. O currículo deve ser elaborado a partir da preocupação com a formação da identidade dos indivíduos e de acordo com os significados sobre a realidade expressa nos discursos desses indivíduos. A realidade, portanto, não pode ser concebida sem considerarmos a significação que esta tem para os indivíduos aos quais o currículo se destina.

e. Pedagogia histórico-crítica — Defende uma organização curricular com base em áreas de conhecimentos nas quais as múltiplas dimensões de conteúdos sejam integradas e inter-relacionadas entre si, despertando uma análise crítica e reflexiva nos educandos. Enfatiza que os conteúdos universais e culturais devem ser trabalhados com base na relação direta de experiências trazidas da realidade social e confrontadas com o conhecimento sistematizado. O professor é o mediador da aprendizagem e deve valorizar a subjetividade do educando.

Apesar dos avanços concernentes aos debates, aos discursos, às tendências e às teorias, a prática pedagógica, como reflexo da organização curricular, denota que o sistema educacional brasileiro ainda possui muitos delineamentos do modelo tradicional e/ou tecnicista de ensino.

A estrutura curricular e a prática correspondente ainda apresentam o reprodutivismo como uma característica marcante das escolas brasileiras. Podemos inferir que essa situação decorra de uma imposição socioeducacional, cujo objetivo primordial das escolas seja centrar-se na aprovação dos educandos em testes avaliativos quantitativos usados como instrumento de seleção para ingresso nas universidades, na progressão educacional e na avaliação do próprio sistema educacional. Com os objetivos multifacetados e obscurecidos, a escola se descentra da função que deveria ser prioritária: munir o educando com conhecimentos que subsidiem a sua compreensão sobre as intrincadas relações da vida cotidiana. A sociedade que visa a uma educação favorecedora de um mundo social mais justo deve orientar uma prática pedagógica baseada em uma visão de futuro, considerando uma projeção desafiadora dos limites então estabelecidos, e que seja capaz de afrontar o real e de esboçar um novo panorama de possibilidades. Essa perspectiva reafirma o caráter político da educação, revalorizando o papel da escola e do currículo no desenvolvimento de uma proposta que abarque a transformação de ordem social (Moreira, 1997).

O currículo, portanto, não pode ser entendido e trabalhado como um simples conglomerado de disciplinas isoladas. É preciso transcender esse modelo reprodutivista de organização curricular para se adequar às necessidades da atual sociedade.”

*: Historicamente, acredita-se que o ensino tradicional iniciado em 1549 com os jesuítas durou até 1932, quando se iniciou, no governo de Getúlio Vargas, um movimento proclamando mudanças no sistema educacional e fazendo emergir a escola nova. No entanto, é possível encontrar os resquícios da escola tradicional em muitos posicionamentos de educadores, em práticas pedagógicas e na estrutura e na prática curricular de muitas escolas brasileiras na atualidade.

A escola nova durou até aproximadamente 1964, período em que se instalou a ditadura militar e em que foram implantadas as ideias pedagógicas tecnicistas. Em 1985, tivemos a queda da ditadura militar e o início da democracia. A abertura política possibilitou o rompimento com os modelos pedagógicos não críticos, pelo menos em termos teóricos, e fez surgir no Brasil os movimentos pedagógicos embasados nas teorias críticas e pós-críticas.

 

 

“O conhecimento é uma composição social que surge com base em uma construção simbólica, fruto das relações e das interações sociais.”

 

 

“No ambiente escolar, todos se tornam educadores e educandos.”

 

 

“A educação deve ser concebida como um processo dialético, crítico e reflexivo, que promova o contínuo desenvolvimento de todos que fazem parte do contexto escolar. Portanto, pensar na elaboração de um currículo não é simplesmente selecionar conteúdos a serem trabalhados como se fossem peças de diferentes quebra-cabeças e acreditar que se pode montar algo coerente no final da brincadeira. Os conteúdos isolados, trabalhados como conhecimentos distantes da realidade do nosso educando, não possibilitam aprendizagem significativa.”

 

 

“A relação homem-mundo deve fazer parte da elaboração curricular. As especificidades das condições de produção de conhecimento e disseminação das diferentes culturas que hoje fazem parte do contexto escolar devem ser consideradas e valorizadas. O espaço escolar precisa possibilitar ao educando instrumentos teóricos e bases de análises críticas que possibilitem a ele o entrecruzamento dos diferentes conhecimentos adquiridos nos diversos contextos nos quais ele atua. As transformações na elaboração curricular devem proporcionar indagações constantes, decorrentes de análises críticas, desenvolvendo o potencial reflexivo e de (re)significações dos educandos. Os objetivos educacionais presentes no currículo devem fazer emergir uma plataforma educativa que promova a construção de novos horizontes sobre o pensar e o atuar na sociedade, com base na (re)construção, na (re)elaboração e na (re)significação de conhecimentos.”

 

 

“Nessa direção política, a educação não ocupa lugar de destaque. Como exemplo do que estamos afirmando, podemos citar a política iniciada com o governo de Fernando Henrique Cardoso, caracterizada pela privatização e pelo desemprego. A educação na política iniciada no governo de Fernando Collor de Mello e também delineada no governo de Fernando Henrique Cardoso é caracterizada como uma politica neoliberal e que, de acordo com Lima (Reforma universitária: dimensões e perspectivas, 2006, p. 33-34), está inserida no

setor de serviços não exclusivos do Estado. Na medida em que a educação é um “bem público” e as instituições públicas e privadas prestam esse serviço público (não estatal), será naturalizada a alocação de verbas públicas para as instituições privadas e o financiamento privado para as instituições públicas, diluindo as fronteiras entre público e privado, e reduzindo a alocação de verbas públicas para a política educacional [...].

A direção das políticas educacionais, a partir da década de 1990, é caracterizada pelo afastamento do Estado, especialmente no que se refere ao aspecto financeiro, ao discurso do voluntariado e do apoio da comunidade para a melhoria da escola e está presente tanto na mídia como nos ideais defendidos pelos políticos que estão no poder.

Nesse contexto, a educação assume uma missão de salvadora nos discursos políticos e na mídia como aquela que vai formar o cidadão capaz de atender às necessidades provenientes das novas exigências do modelo de acumulação em vigor. A educação como redentora da humanidade é uma ideia defendida nas mais diferentes instâncias sociais, como se tivesse o poder de resolver as contradições do modelo capitalista. Ao mesmo tempo, a escola se destaca — pelos baixos índices de aprendizagem — como uma instituição que precisa ser reformada. Tal reforma, nessa acepção, deve contar com a participação de todos, especialmente da comunidade, em programas como Amigos da escola, Adote uma escola e outros, que são caracterizados pelo afastamento do Estado de suas responsabilidades.

Além da função de salvadora, a escola passou a assumir tarefas que não lhe cabem. Sobre essa questão, Oliveira (Política educativa, crise da escola e a promoção da justiça social, 2009, p. 17) explica que:

O papel cada vez mais relevante que a escola tem assumido na realidade brasileira atuando distribuição de renda — agência de implementação de programas sociais, tais como Bolsa Família e o ProJovem, entre outros, determinando a seleção e controle de Público-alvo, bem como a sua presença na efetivação de certas políticas de saúde (vacinas, exames médicos) e alimentação (via merenda escolar) — tem contribuído para que seja cada vez mais debatida e posta em questão.

Esse debate em torno da função da escola está presente nos estudos de diversos autores e na mídia, por meio de diversas denúncias sobre a má qualidade do ensino e os baixos índices nas avaliações nacionais. Como vimos, a escola não pode ser vista como aquela que “salvará” a humanidade por meio da ascensão social que, possivelmente, os títulos escolares poderiam proporcionar e tampouco como aquela que resolverá as contradições presentes no cenário capitalista.

Isso posto, como podemos definir a função da escola nos dias atuais? Que caminhos podemos apontar para essa instituição? Entendemos que a escola se constitui como um espaço de apropriação do saber elaborado pela humanidade ao longo da história. Podemos afirmar que a escola vem perdendo essa função e assumindo responsabilidades que não lhe cabem, como já explicamos em parágrafos anteriores. Essa ideia de espaço para a apropriação do conhecimento também está pautada na defesa da necessidade de formação da consciência humana.

Para que a escola cumpra essa função, é importante considerar a formação de um sujeito que seja capaz de compreender, via conhecimento, a realidade que o cerca e que possa interferir nessa sociedade com vistas à transformação social.”

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