Editora: InterSaberes
ISBN: 978-85-8212-110-8
Opinião: ★★★☆☆
Páginas: 224
Sinopse: Este
livro aprofunda um tema de grande importância para a educação: o currículo
escolar. Em suas páginas, é proposta uma reflexão sobre o currículo,
considerando diferentes elementos que definem o que, para que e como ensinar
nas escolas de educação básica. Além disso, são apresentadas a história, as
teorias pedagógicas e os principais conceitos que envolvem esse instrumento de
apropriação do conhecimento.
“Muito se discute sobre a função social da
escola; entretanto, ainda observamos nos cursos de formação de professores questionamentos
sobre o papel da instituição escolar: ela deve preparar para o trabalho, para o
vestibular, ou deve, ainda, instrumentalizar os alunos para a vida em
sociedade? A clareza da resposta a essas questões deve ser o ponto de partida
para qualquer análise que trate dos aspectos escolares. Partimos do pressuposto
de que educação escolar não é pura e simplesmente um reflexo das relações de
produção; nessa direção, entendemos que a função social da escola deva ser a
formação da consciência humana por meio do conhecimento científico.”
“Currículo
dos tigres-de-dente-de-sabre
Uma tribo paleolítica, reconhecendo que a sua
sobrevivência dependeria da capacidade de impedir o ataque dos
tigres-de-dente-de-sabre e da pesca nas lagoas límpidas, inventou a educação.
As crianças da tribo, em lugar de passarem seu tempo em folguedos, aprendiam a
arte de afugentar os tigres com tochas de fogo acesas e como agarrar peixes com
as mãos nos lagos. A invenção teve um enorme êxito. As crianças adoravam a
atividade e a tribo florescia.
Todavia, o clima mudou. Uma grande geleira
desceu sobre o vale onde a tribo vivia. Os tigres-de-dente-de-sabre
desapareceram. Vieram os ursos que não temiam o fogo e, portanto, não podiam
ser afugentados desse modo. E as lagoas se tornaram tão lodosas que os peixes
não podiam mais ser vistos e apanhados com as mãos.
Não demorou muito para que os membros da
tribo de mais iniciativa e mais recursos se adaptassem a essa nova
circunstância. Descobriram que podiam caçar os ursos, cavando fossas nas
trilhas da floresta e que também podiam pescar nas águas barrentas usando
redes. Uma vez mais, eram senhores do seu ambiente contemporâneo.
Mas as escolas ainda continuavam a ensinar as
artes de afugentar tigres e apanhar peixes com a mão. O chefe da educação
conseguiu capturar um velho tigre e mantê-lo em uma jaula para que as crianças
pudessem ter material para praticar a velha arte. Então, um radical qualquer
sugeriu que essas habilidades fossem retiradas do currículo e que, em seu
lugar, as escolas ensinassem a arte de fazer redes de pesca e a cavar fossos
para caçar ursos. A sugestão foi recebida com horror pelas autoridades. Ensinar
a tecer redes e a cavar fossos: isso não era educação; seria, quando muito,
aprendizagem vocacional.
“Será um dia negro para as escolas, diziam
eles, “quando abandonarmos as matérias fundamentais de nossa cultura, tais como
afugentar tigres e apanhar peixes com as mãos. Naturalmente, ninguém sonha mais
em apanhar peixes com as mãos na vida real, nesta época, e não há mais tigres
para serem afugentados; essas matérias são ricas em tradições de nossa tribo.
Elas ensinam os princípios da coragem e gosto. O currículo já está
sobrecarregado e nós não podemos introduzir matérias como tecelagem de redes e
caçadas de ursos, que não possuem valor cultural algum”.
(Adaptado de H. Benjamim, The Curriculum, 1971).
“O currículo é um instrumento utilizado por
todas as instituições educacionais com a finalidade de organizar
pedagogicamente o trabalho formativo. Segundo Moreira (Currículo: questões atuais, 1997, p. 11), usa-se o currículo “tanto
para desenvolver os processos de conservação, transformação e renovação dos
conhecimentos historicamente acumulados como para socializar as crianças e os
jovens segundo valores tidos como desejáveis”.
No que concerne à formação escolar, o
currículo pode ser entendido como a espinha dorsal do trabalho pedagógico.
Quando pensamos em sua importância nos processos de aquisição e/ou de
construção de conhecimentos, devemos definir os conteúdos necessários para uma determinada
série ou ciclo com base na funcionalidade prática da educação formal e na
exigência social do desenvolvimento cognitivo. Ao pensarmos na função
socializadora que o currículo deve exercer; é necessário criar condições para
que os educandos consigam subsídios que viabilizem a sua movimentação em todos
os contextos, espaços e tempos.
Delimitar onde acaba a dimensão socializadora
do currículo e a dimensão instrução/formal nos parece impossível, dada a
realidade prática que apontam essas duas dimensões como sendo indissociáveis.
Assim, o conceito de currículo como sendo um instrumento de socialização e de
organização de conteúdos científicos exige uma reflexão crítico-pedagógica mais
profunda. É preciso torná-lo um instrumento capaz de munir o educando para
atuar em um presente histórico consciente da realidade do seu tempo e do seu
papel como cidadão. O educando, portanto, deve ser provido de elementos
prático-teóricos que o auxiliem na interpretação do mundo que o rodeia e que o
capacitem para que alcance uma realização pessoal, profissional e social.
Moreira e Silva (Sociologia e teoria crítica do currículo, 2000) afirmam que o
currículo deixou de ser uma área voltada para técnicas e métodos. Orientado por
questões sociológicas, políticas e epistemológicas, ele passou a ser
considerado um mecanismo social e cultural. Com isso, o currículo deixa de ser visto como um elemento inocente, neutro,
destituído de comprometimento político, e passa a ser compreendido com base em
seu poder, sua ideologia, sua cultura, capaz de produzir identidades
individuais e sociais particulares.
Percebe-se, então, que o currículo escolar
tem finalidades políticas muito precisas. Zotti (Sociedade, educação e currículo no Brasil, 2004) afirma que os
currículos oficiais foram elaborados ao longo da história para atenderem às
demandas econômicas. Nesse sentido, todas as mudanças no campo curricular que
já foram realizadas seguiram os interesses políticos do modelo econômico
vigente. A autora nos conduz a refletir sobre as implicações
político-econômicas que subsidiaram a construção dos currículos oficiais
durante toda a história da educação brasileira. Essa maneira de pensar o
currículo dá origem a questionamentos sobre o que já foi estabelecido no campo
curricular, as possíveis ideologias ocultas e as contradições eminentes, quando
se compara o discurso pedagógico com a realidade escolar.
Nesse enfoque, pensar sobre o currículo e a
construção do conhecimento implica “produzir novas possibilidades de uma
educação comprometida com uma sociedade mais humana” (Zotri, 2004, p. 229).
Sacristán (O currículo: uma reflexão
sobre a prática, 2000, p. 15) defende que o currículo presume a
concretização dos fins escolares e “relaciona-se com a instrumentalização
concreta que faz da escola um determinado sistema social”. Portanto, refletir
sobre o currículo não é apenas selecionar os conteúdos, é muito mais que isso.
É pensar nas possibilidades de concretização de uma estrutura pedagógica que
rege, ou deve reger, uma instituição escolar entendendo o seu cunho
politizador.
Assim, observamos claramente a necessidade de uma reflexão acerca do
currículo como instrumento que deve viabilizar a apropriação, a compreensão e o
aprofundamento dos conhecimentos na escola e seu reflexo na vida prática dos sujeitos.
Contudo, o currículo escolar, para se adequar às novas exigências da atual
sociedade, deve possibilitar não apenas a apropriação dos conteúdos, mas,
impreterivelmente, os meios para os educandos compreenderem melhor o mundo no
qual estão inseridos e saberem usar esses conhecimentos de acordo com as
adversidades das situações-problema enfrentadas diariamente.
Certamente, falar sobre currículo e suas
implicações no campo educacional consiste em remeter a uma série de valores
que, implícita ou explicitamente, estão atrelados às finalidades sociais,
políticas e econômicas de uma instituição escolar. O valor social e político da
escola se manifesta de diferentes maneiras a partir de um determinado
currículo, independentemente do discurso e das declarações que tentam
justificá-lo.
Sabendo-se que o sistema educativo, durante
toda a história, serviu a certos interesses, torna-se indispensável discutir
continuamente a complexidade curricular. É possível verificar que sempre houve
uma tendência do currículo oficial do sistema educacional brasileiro a atender
aos interesses, às diversas finalidades e às aspirações do poder hegemônico.
Portanto, a construção curricular, durante muito tempo, não levou em
consideração os aspectos e as necessidades da realidade sócio-histórica os
aspectos e as necessidades da realidade sócio-histórica dos educandos,
restringindo-se à manutenção de uma segregação social que modela a formação
educacional, diferenciando-se de acordo com o público educativo.”
“Podemos inferir que na história da educação
brasileira existiram muitas tentativas pedagógicas, muitas reformas ocorreram,
métodos variados foram implantados, propostas foram elaboradas e reelaboradas.
No entanto, em termos curriculares, as reformas educacionais não ultrapassaram
a finalidade tecnocrática de treinamento dos educandos para diversos setores
profissionais. O currículo escolar permaneceu centrado em prover aos educandos
conteúdos restritos a atividades ocupacionais necessárias à expansão econômica
industrial. Com isso, a primazia educacional se manteve distante de
preocupações com a justiça social, com a equidade, desprezando a necessidade de
formar cidadãos críticos. Nesse contexto, a realidade e os interesses dos
educandos permaneceram negados diante do objetivo do uso da escola como um
espaço para produzir e legitimar os interesses sociopolíticos e econômicos da
elite empresarial e política.
Na tentativa de produzir mudanças no contexto
educacional, Freire (Educação como
prática da liberdade, 1999) elabora uma proposta pedagógica para a educação
de jovens e adultos. A pedagogia freireana apresenta um esforço deliberado de
transformação dos preceitos educacionais e da sociedade. Nessa perspectiva, os
educandos devem ser conduzidos a refletir sobre a realidade, distanciando-se da
consciência ingênua e mágica para se aproximar da compreensão das relações de
poder e das ideologias que subsidiam ocultamente as relações sociais. A
educação deve assumir uma função politizadora, viabilizando aos educandos a
compreensão crítica da realidade. Caracterizada como educação não formal — e,
em seguida, denominada de educação popular —, o método pedagógico freireano
transcende o conteúdo oficial e se aproxima da realidade do sujeito, adquirindo
um cunho emancipatório no qual a conscientização e a volitizacão devem superar
as formas de opressão. Para tanto, a atuação pedagógica é organizada com base
nas vivências do educando. A consciência da realidade sociocultural e política
na qual estão inseridos possibilita que os educandos transformem a sua
realidade e a realidade do grupo a que pertencem.”
“As teorias sobre currículo são conjuntos de
representações, significações, ideias, imagens que produzem e descrevem o que
se pretende fazer, em termos educacionais, com os conhecimentos produzidos ao
longo da história humana. Pode ser entendido também como uma área de estudo que
se define pelos conceitos e representações que utiliza para descrever a
realidade.*
As tendências pedagógicas tradicional,
escolanovista e tecnicista se enquadram na classificação de teorias não
críticas, devido à postura de neutralidade diante das questões sociais e
políticas envolvidas. Essas tendências, também denominadas de tendências liberais, não exercem
compromisso com as transformações sociais, legitimando a ordem econômica
capitalista. Nesse contexto, a função da escola é preparar o indivíduo para
desempenhar papéis sociais.
Em contrapartida, as teorias críticas e
pós-críticas, também denominadas de tendências
progressistas, partem de uma análise crítica do sistema capitalista, dando
ênfase à finalidade sociopolítica da educação, vislumbrando minimizar as
desigualdades. Apontam, principalmente as teorias pós-críticas, a importância
do currículo na construção da identidade e da subjetividade dos educandos.
(...)
As teorias não críticas
As teorias não críticas decorrem de uma época em que a escola foi
direcionada a seguir os princípios da administração fabril, da racionalidade
técnica e do modelo taylorista/fordista. Os teóricos visavam à padronização dos
processos pedagógicos com o objetivo de atender à escolarização em massa,
preparando os indivíduos para o sistema mecânico de produção. Assim, a escola
se preocupava em ensinar aos educandos o controle do tempo e do espaço e as
repetições necessárias às práticas profissionais.
a. Escola
tradicional — Apresenta uma estrutura curricular com conteúdos isolados e
disciplinas específicas. Visa preparar o educando para atuar na sociedade, com
base em um ensino enciclopédico desconexo. A
organização curricular enfatiza a quantidade dos conteúdos, que são
apresentados de forma fragmentada, estanque descontextualizados e sem
articulação com a realidade prática. Nesse contexto, o professor é o detentor
do saber e o educando é um ser passivo, que apenas retém as informações transmitidas
na sala de aula, memorizando o conteúdo por meio de repetidas atividades e
fixação. As normas disciplinares são autoritárias e muito rígidas,
inviabilizando debates, discussões, reflexões, análises e o desenvolvimento da
criticidade.
b. Escola
nova — Ensaia uma aproximação da realidade dos educandos com base em uma
proposta de elaboração de projetos focada nos interesses apresentados na sala
de aula. O professor se torna o
facilitador da aprendizagem. O educando é considerado ativo, participativo,
construtor do seu conhecimento. A ênfase curricular não está nos conteúdos,
mas, sim, nos processos de aprendizagem, na descoberta e no respeito aos
diferentes ritmos. A preocupação central dessa proposta é com os melhores
métodos para viabilizar o processo ensino-aprendizagem. Os conteúdos são
estabelecidos com base na experiência do educando. No entanto, falha por não
valorizar a organização sistemática de conteúdos e por se esquivar da
importância da criticidade.
c. Escola
tecnicista — Exalta a importância do desenvolvimento das competências e das
habilidades específicas, excluindo aqueles alunos que não se tornam aptos para
as funções produtivas. Centra-se nos
melhores recursos de ensino. O currículo enfatiza o desenvolvimento do
pensamento e da ação instrumentais, de modo que o comportamento deve ser
“moldado” de acordo com técnicas específicas. É implantado no Brasil o modelo
americano, principalmente fundamentado em Tyler (Princípios básicos de currículo e ensino, 1974). O professor é um técnico do ensino e o
educando é apenas o indivíduo para quem se transmite as informações,
desconsiderando-se o seu potencial de criar, de recriar, de pensar, de
analisar, de refletir. Portanto, descarta-se a possibilidade de autoria dos
pensamentos dos educandos, e estes devem apenas expressar, verbalizar o que o
material didático lhe fornece como verdade. Os conteúdos são baseados em
princípios científicos e enfatizados nos módulos e nos livros didáticos.
As teorias críticas
As teorias críticas surgem denunciando o poder da hegemonia dominante,
cujos processos de convencimento, de adaptação e de perpetuação das
desigualdades são reforçados pelas práticas escolares. Os principais
fundamentos dessas teorias emergem de duas escolas: a escola de Frankfurt, cujas
críticas à racionalidade técnica sugerem a transformação escolar em uma
“pedagogia da possibilidade” ou, ainda, em uma “pedagogia da resistência”. Essa
escola defende que o currículo deve ser elaborado visando à emancipação e à
libertação; e a escola francesa, cujas críticas se referem à reprodução das
desigualdades sociais realizadas no contexto escolar por meio da elaboração
curricular que privilegia a cultura e a língua da elite dominante.
d. Pedagogia
crítico-reprodutivista — Considera a escola como uma instituição articulada
na sociedade, que funciona como um aparelho ideológico do Estado (Althusser, Aparelhos ideológicos do Estado, 1985),
e o ensino produz violências simbólicas na medida em que privilegia a cultura
da elite dominante (Bourdieu, O poder
simbólico, 2004). Destacam que o currículo escolar tradicional elimina os
componentes crítico-reflexivos para formar mão-de-obra especializada, gerando
educandos que não apresentam resistência, aceitando passivamente as diferentes
formas de submissão e opressão. Apesar das muitas críticas às teorias
anteriores, as teorias crítico-reprodutivistas não apresentam uma proposta
político-pedagógica bem delineada que forneça aos educadores subsídios
suficientes para a construção de sua práxis.
Teorias pós-críticas
Fundamentadas no pós-estruturalismo, destacam o multiculturalismo como
um movimento de adaptação e resistência. O currículo deve ser elaborado a
partir da preocupação com a formação da identidade dos indivíduos e de acordo
com os significados sobre a realidade expressa nos discursos desses indivíduos.
A realidade, portanto, não pode ser concebida sem considerarmos a significação
que esta tem para os indivíduos aos quais o currículo se destina.
e. Pedagogia
histórico-crítica — Defende uma organização curricular com base em áreas de
conhecimentos nas quais as múltiplas dimensões de conteúdos sejam integradas e
inter-relacionadas entre si, despertando uma análise crítica e reflexiva nos
educandos. Enfatiza que os conteúdos universais e culturais devem ser
trabalhados com base na relação direta de experiências trazidas da realidade
social e confrontadas com o conhecimento sistematizado. O professor é o
mediador da aprendizagem e deve valorizar a subjetividade do educando.
Apesar dos avanços concernentes aos debates,
aos discursos, às tendências e às teorias, a prática pedagógica, como reflexo
da organização curricular, denota que o sistema educacional brasileiro ainda
possui muitos delineamentos do modelo tradicional e/ou tecnicista de ensino.
A estrutura curricular e a prática
correspondente ainda apresentam o reprodutivismo como uma característica
marcante das escolas brasileiras. Podemos inferir que essa situação decorra de
uma imposição socioeducacional, cujo objetivo primordial das escolas seja centrar-se
na aprovação dos educandos em testes avaliativos quantitativos usados como
instrumento de seleção para ingresso nas universidades, na progressão
educacional e na avaliação do próprio sistema educacional. Com os objetivos
multifacetados e obscurecidos, a escola se descentra da função que deveria ser
prioritária: munir o educando com conhecimentos que subsidiem a sua compreensão
sobre as intrincadas relações da vida cotidiana. A sociedade que visa a uma
educação favorecedora de um mundo social mais justo deve orientar uma prática
pedagógica baseada em uma visão de futuro, considerando uma projeção
desafiadora dos limites então estabelecidos, e que seja capaz de afrontar o
real e de esboçar um novo panorama de possibilidades. Essa perspectiva reafirma
o caráter político da educação, revalorizando o papel da escola e do currículo
no desenvolvimento de uma proposta que abarque a transformação de ordem social
(Moreira, 1997).
O currículo, portanto, não pode ser entendido
e trabalhado como um simples conglomerado de disciplinas isoladas. É preciso
transcender esse modelo reprodutivista de organização curricular para se
adequar às necessidades da atual sociedade.”
*: Historicamente, acredita-se que o ensino
tradicional iniciado em 1549 com os jesuítas durou até 1932, quando se iniciou,
no governo de Getúlio Vargas, um movimento proclamando mudanças no sistema
educacional e fazendo emergir a escola nova. No entanto, é possível encontrar
os resquícios da escola tradicional em muitos posicionamentos de educadores, em
práticas pedagógicas e na estrutura e na prática curricular de muitas escolas
brasileiras na atualidade.
A escola nova durou até aproximadamente 1964,
período em que se instalou a ditadura militar e em que foram implantadas as
ideias pedagógicas tecnicistas. Em 1985, tivemos a queda da ditadura militar e
o início da democracia. A abertura política possibilitou o rompimento com os
modelos pedagógicos não críticos, pelo menos em termos teóricos, e fez surgir
no Brasil os movimentos pedagógicos embasados nas teorias críticas e
pós-críticas.
“O conhecimento é uma composição social que
surge com base em uma construção simbólica, fruto das relações e das interações
sociais.”
“No ambiente escolar, todos se tornam
educadores e educandos.”
“A educação deve ser concebida como um
processo dialético, crítico e reflexivo, que promova o contínuo desenvolvimento
de todos que fazem parte do contexto escolar. Portanto, pensar na elaboração de
um currículo não é simplesmente selecionar conteúdos a serem trabalhados como
se fossem peças de diferentes quebra-cabeças e acreditar que se pode montar
algo coerente no final da brincadeira. Os conteúdos isolados, trabalhados como
conhecimentos distantes da realidade do nosso educando, não possibilitam aprendizagem
significativa.”
“A relação homem-mundo deve fazer parte da
elaboração curricular. As especificidades das condições de produção de
conhecimento e disseminação das diferentes culturas que hoje fazem parte do
contexto escolar devem ser consideradas e valorizadas. O espaço escolar precisa
possibilitar ao educando instrumentos teóricos e bases de análises críticas que
possibilitem a ele o entrecruzamento dos diferentes conhecimentos adquiridos
nos diversos contextos nos quais ele atua. As transformações na elaboração
curricular devem proporcionar indagações constantes, decorrentes de análises
críticas, desenvolvendo o potencial reflexivo e de (re)significações dos
educandos. Os objetivos educacionais presentes no currículo devem fazer emergir
uma plataforma educativa que promova a construção de novos horizontes sobre o
pensar e o atuar na sociedade, com base na (re)construção, na (re)elaboração e
na (re)significação de conhecimentos.”
“Nessa direção política, a educação não ocupa
lugar de destaque. Como exemplo do que estamos afirmando, podemos citar a
política iniciada com o governo de Fernando Henrique Cardoso, caracterizada
pela privatização e pelo desemprego. A educação na política iniciada no governo
de Fernando Collor de Mello e também delineada no governo de Fernando Henrique
Cardoso é caracterizada como uma politica neoliberal e que, de acordo com Lima
(Reforma universitária: dimensões e
perspectivas, 2006, p. 33-34), está inserida no
setor de serviços não exclusivos do Estado. Na medida em que a educação
é um “bem público” e as instituições públicas e privadas prestam esse serviço
público (não estatal), será naturalizada a alocação de verbas públicas para as
instituições privadas e o financiamento privado para as instituições públicas, diluindo as fronteiras entre
público e privado, e reduzindo a alocação de verbas públicas para a política
educacional [...].
A direção das políticas educacionais, a
partir da década de 1990, é caracterizada pelo afastamento do Estado,
especialmente no que se refere ao aspecto financeiro, ao discurso do
voluntariado e do apoio da comunidade para a melhoria da escola e está presente
tanto na mídia como nos ideais defendidos pelos políticos que estão no poder.
Nesse contexto, a educação assume uma missão
de salvadora nos discursos políticos e na mídia como aquela que vai formar o
cidadão capaz de atender às necessidades provenientes das novas exigências do
modelo de acumulação em vigor. A educação como redentora da humanidade é uma
ideia defendida nas mais diferentes instâncias sociais, como se tivesse o poder
de resolver as contradições do modelo capitalista. Ao mesmo tempo, a escola se
destaca — pelos baixos índices de aprendizagem — como uma instituição que
precisa ser reformada. Tal reforma, nessa acepção, deve contar com a
participação de todos, especialmente da comunidade, em programas como Amigos da escola, Adote uma escola e outros, que são caracterizados pelo afastamento
do Estado de suas responsabilidades.
Além da função de salvadora, a escola passou
a assumir tarefas que não lhe cabem. Sobre essa questão, Oliveira (Política educativa, crise da escola e a
promoção da justiça social, 2009, p. 17) explica que:
O papel cada vez mais relevante que a escola tem assumido na realidade
brasileira atuando distribuição de renda — agência de implementação de
programas sociais, tais como Bolsa Família e o ProJovem, entre outros,
determinando a seleção e controle de Público-alvo, bem como a sua presença na
efetivação de certas políticas de saúde (vacinas, exames médicos) e alimentação
(via merenda escolar) — tem contribuído para que seja cada vez mais debatida e
posta em questão.
Esse debate em torno da função da escola está
presente nos estudos de diversos autores e na mídia, por meio de diversas
denúncias sobre a má qualidade do ensino e os baixos índices nas avaliações
nacionais. Como vimos, a escola não pode ser vista como aquela que “salvará” a
humanidade por meio da ascensão social que, possivelmente, os títulos escolares
poderiam proporcionar e tampouco como aquela que resolverá as contradições
presentes no cenário capitalista.
Isso posto, como podemos definir a função da
escola nos dias atuais? Que caminhos podemos apontar para essa instituição?
Entendemos que a escola se constitui como um espaço de apropriação do saber
elaborado pela humanidade ao longo da história. Podemos afirmar que a escola
vem perdendo essa função e assumindo responsabilidades que não lhe cabem, como
já explicamos em parágrafos anteriores. Essa ideia de espaço para a apropriação
do conhecimento também está pautada na defesa da necessidade de formação da
consciência humana.
Para que a escola cumpra essa função, é
importante considerar a formação de um sujeito que seja capaz de compreender,
via conhecimento, a realidade que o cerca e que possa interferir nessa
sociedade com vistas à transformação social.”
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