Editora: Ideias & Letras
ISBN: 978-85-9823-910-1
Opinião: ★★★★☆
Páginas: 538
Sinopse: Ver Parte
I
“Segundo dados da OCDE (1995) houve um
importante crescimento da dívida pública bruta em porcentagem ao PIB entre 1973
e 1980, em vários países. Não foi o caso Estados Unidos, que comandam a
economia mundial, onde a porcentagem da dívida pública sobre o PIB caiu de
40,6% a 37,9%. Isto se explica pelo fim da guerra do Vietnã em 1973 e a
consequente queda do gasto militar. O mesmo ocorre no Reino Unido onde a dívida
pública baixa de 69,7% para 54,6% do PIB, no Canadá (de 46,7% para 45,1%) e até
na Itália (de 60,6% para 58,5%). Contudo, no Japão temos, nesse mesmo período,
um enorme aumento da dívida pública de 17% para 32% do PIB e na Alemanha de
18,6% para 32,5%, na França também constatamos um aumento de 25, para 37,3%.
Mas o crescimento mais importante da dívida
pública vai ocorrer em seguida, isto é, entre 1980 a nossos dias. E isto se
explica pela elevação da taxa de juros dos Estados Unidos em 1979, responsável
pelo aumento da taxa de juros dos demais países. Entre os 7 Grandes Países, a
participação da dívida pública bruta no PIB aumenta de uma média de 36,8% em
1973 para 43,2% em 1980, 55,5% em 1985, 59,5% em 1990 e 67,3% em 1994. Em
aparente paradoxo, este foi um período sob hegemonia conservadora. Foram os
anos de triunfo do pensamento neoliberal quando se cortaram drasticamente os
gastos sociais na maior parte desses países. Nesse período se impôs o “princípio”
tão “sábio” de Milton Friedman de que não há almoço sem que alguém o pague.
Parece, contudo, que nesse período houve mais pagamento e menos almoço!
A explicação para o aumento dos gastos
públicos se encontra no aumento dos gastos militares nos Estados Unidos e nas
transferências sob a forma de pagamento de juros que, como se sabe (sem ter de apelar
ao alto nível filosófico dos “banquetes” do sr. Milton Friedman), vão parar nas
mãos dos investidores e especuladores que não pagam almoço para ninguém. Ao
contrário, os contribuintes é que pagam o almoço deles... Entre 1980 e 1994 a
porcentagem do pagamento de juros líquidos sobre o conjunto das despesas
públicas subiu de 3,9% a 6,1% nos Estados Unidos. Na Alemanha (de 2,7% para 6,1%),
na França (de 1,8% para 6,2%) e na Itália (de 11,1% para 21,1%). No Japão (de
3,3% em 1980 cai para 0,7% em 1994) e no Reino Unido (de 7,3% para 6,9% no
mesmo período) ocorreu, contudo, uma tendência à queda destas transferências.
No resto do mundo prevalece a tendência a um substancial aumento dos gastos com
pagamentos de juros em relação ao gasto público total. Nos países europeus
estudados pela OCDE esta participação sobe de 7,5% em 1981 a 9,4% em 1994.
Estes dados nos mostram que a maior
responsabilidade pelo aumento da dívida pública se encontra nos altos juros
pagos para o financiamento da mesma. Segundo os autores anteriormente citados
(TANZI e SCHUKNECHT) “o crescimento das despesas públicas nos países ricos
deveu-se principalmente às transferências e subsídios, que saíram de 0,9% do
PIB em 1870 para 23% em 1992. Os gastos feitos diretamente pelo Estado (o consumo
do governo) crescem também, mas de forma menos dramática — de 4,6% em 1870,
para 17,7% em 1994”.
Esta tendência é mais clara ainda quando
recuamos a análise dos dados a 1970. Dizem os mesmos autores: “Os juros pagos
pelos governos sobre suas dívidas públicas, em período mais recente, saíram de
1,9% do PIB em 1970 para em 92”.
Os autores querem explicar o aumento dos
juros a partir do aumento da dívida pública, mas é claro e evidente que o que
se deu foi exatamente o contrário: é o aumento da taxa de juros que faz
aumentar a dívida pública. Na verdade, o aumento da taxa de juros paga pelo
Estado não nasce necessariamente das relações mercantis e sim da orientação e
administração das políticas públicas. É aparentemente contraditório (mas só
aparentemente...) o fato de que foram governos conservadores ou pressionados
por ideias conservadoras (de clara origem e influência dos pensadores
neoliberais) os que iniciaram esta onda de endividamento público.”
“A educação, em termos globais é
principalmente pública. Pensar hoje em termos de educação privada é quase
impossível. Se pensarmos no nível de escola primária e de algumas escolas
secundárias, é possível manter a educação privada para uma parte da população
de alta renda, mesmo assim sempre contando com subsídios estatais. Mas, no
nível universitário, isso é impossível. A universidade privada só pode
sobreviver se receber altos subsídios. Ou então se renunciar totalmente à
qualidade do ensino. Neste caso o nome universidade é farsa.
A pesquisa, principalmente, requer altos
subsídios do Estado, em forma direta, via ministérios da Educação, Ciência e
Tecnologia, ou pela via indireta, através de fundações, que canalizam fundos de
isenções fiscais para atividades privadas. No setor de pesquisa aplicada, as
indústrias realizam investimentos importantes, mas o grosso da investigação em
ciência e tecnologia é financiado pelo Estado, mesmo quando realizadas por
laboratórios de alta tecnologia criados pelas empresas através do uso de novas
modalidades de renúncia fiscal.”
“No século XXI, sobretudo depois do atentado
de 11 de setembro, a administração de Bush filho acena como uma diminuição dos
impostos, mas cria na prática um déficit fiscal gigantesco para tentar
recuperar a economia.
É impressionante notar, ao mesmo tempo, como
o déficit público se orienta para o financiamento da pesquisa e
desenvolvimento, sobretudo do setor militar. Quando o Estado intervém tão
fortemente na criação de áreas de investimento e na orientação das estratégias
das empresas privadas, em seu financiamento e na demanda de seus produtos, é
simplesmente ridículo falar numa tendência à privatização e à liberalização da
economia.
É evidente também que estes gastos públicos
aumentam a intervenção do Estado nos mecanismos da vida econômica, ao colocar
sob sua dependência parte tão extensa e estratégica da economia. A partir da
década de 80, o Estado norte-americano interveio diretamente na fixação da taxa
de juros, na política de emprego, aumentou sua proteção aos setores econômicos
ameaçados pela petição externa, determinou políticas educacionais, de formação,
de treinamento e recolocação de mão-de-obra. Dificilmente pode-se encontrar no
mundo uma regulação estatal tão rigorosa de quase todos os aspectos da vida
econômica, social e política.
Contudo, tudo isto foi feito em nome do
neoliberalismo, das forças do mercado, da livre iniciativa e da liberdade
individual. Isto se explica em parte porque o Estado norte-americano continua
evitando a sua participação direta na produção e inclusive nos serviços
públicos. Para poder prescindir dessa intervenção ele sustenta indiretamente,
através de contratos e subcontratos, uma enorme massa de empresas e
trabalhadores.
A outra razão dessa impressão é o fato de que
grande parte da regulação econômica realizada pelo Estado norte-americano se
faz em nome de garantir o livre funcionamento do mercado, a livre iniciativa e
as liberdades individuais. É impossível negar o conteúdo ideológico da
afirmação de que os 550 bilhões de dólares de gastos militares que convertem a
economia norte-americana num dos maiores capitalismos de Estado do mundo (maior
inclusive que os de todos os antigos países socialistas somados) seja um caso
típico de livre mercado. Ao contrário, esta intervenção maciça do Estado
atropela o livre mercado a favor do monopólio e da proteção estatal às empresas
clientes do Pentágono.
Ao mesmo tempo que o sistema empresarial dos
Estados Unidos se submete tão drasticamente ao seu Estado nacional (como
ocorre, por sinal, em todos os países capitalistas), ele evolui no sentido de
uma maior concentração produtiva e econômica, de uma maior monopolização da
economia e de uma maior centralização de capital. Os dados da Comissão de
Justiça do Senado (subcomissão de antimonopólio) e de vários outros organismos
e instituições dedicados à luta contra a monopolização, em defesa dos
consumidores, pela proteção do ambiente etc., revelam sempre a impotência dos
cidadãos para deterem este processo de concentração, monopolização e
centralização. Algumas vitórias parciais só confirmam a tendência geral.
Tais fatos são ainda mais evidentes fora dos
Estados Unidos, onde os Estados nacionais têm de investir diretamente em vários
setores da economia, abandonados pelo capital privado em busca de taxas de
lucros mais elevadas. Raramente a empresa pública surgiu em setores ou ramos de
alta lucratividade. Ela se instala exatamente naqueles onde as inversões de
capital fixo são extremamente elevadas e os usuários tendem a reivindicar
preços e tarifas baixas, sobretudo quando se trata de produtos e serviços
consumidos pelas empresas que têm de proteger seus custos.”
“Os Estados nacionais serviram de apoio,
muitas vezes, à evolução e ao desenvolvimento dessas empresas. Por exemplo, nós
não podemos entender a expansão das empresas norte-americanas, em nível
mundial, sem o Plano Marshall, com o qual o Estado norte-americano colocou à
disposição dessas empresas recursos gigantescos para a sua entrada massiva na
Europa, no Japão e em outras regiões. Tratava-se dos louros da vitória militar.
Pensar que essas empresas poderiam ter alcançado o nível de influência que
obtiveram sobre o resto do mundo só pela eficácia econômica é uma ingenuidade
que só se impõe no cérebro das pessoas através da manipulação ideológica. É
impossível também pensar a expansão dessas empresas na América Latina e nos
países do Terceiro Mundo em geral, sem o programa do Ponto Quatro, sem os
vários programas de ajuda internacional, organizados pelo Eximbank, a A. I.D.,
o Banco Mundial, o FMI etc. O governo norte-americano entregou a essas empresas
o instrumental indispensável para a sua expansão mundial, particularmente o
poder financeiro do dólar.
Não se pode ignorar também o papel do Estado
na criação da Revolução Científico-técnica que se operou no pós-guerra. As
empresas foram um agente muito importante neste processo. Mas o financiamento
do mesmo, em mais da metade, veio do Estado e não das empresas. Elas
financiaram as fases de desenvolvimento final dos produtos para chegar ao
mercado. Mas nenhuma empresa estava disposta a pagar o risco de financiar a
pesquisa básica, cujo custo é extremamente alto e arriscado. Somente nos anos
90 vêm sendo obrigadas a atuar no campo da ciência pura pela implantação
crescente dos resultados da pesquisa básica sobre as inovações “comerciais”. Na
medida em que o “comércio” destas empresas se realiza, cada vez mais, com o
setor público. Foi o Estado que, direta ou indiretamente, fez essas pesquisas
ou as financiou nas universidades e, muito raramente, dentro das empresas. A
década de 1980, década do neoliberalismo, década em que a Sra. Thatcher e o Sr.
Reagan foram os grandes modelos da visão ideológica do mundo contemporâneo, foi
menos a década dos investimentos diretos no mundo e muito mais um período
marcado por um grande crescimento do sistema financeiro mundial. Este sistema
cresceu em torno do déficit público norte-americano que saltou de 60 bilhões de
dólares para 280 a 300 bilhões de dólares ao ano no final da década. Trezentos
bilhões de dólares é mais da metade da renda nacional do Brasil. Pode-se
imaginar o impacto desta quantia colocada à disposição de um projeto nacional e
do mercado financeiro mundial.
Quer dizer, o Estado norte-americano coloca
cada ano um poder de compra no mundo, sob forma de dívida, igual à metade do
que todo o povo brasileiro produz em um ano. Esta dívida se destinou,
sobretudo, ao gasto militar, particularmente à pesquisa militar. O Estado
cortou gastos com os pobres, no setor do bem-estar. Mas, no setor militar, os
gastos foram aumentados drasticamente na década de 1980. Então, o que se chamou
de neoliberalismo não foi nenhuma ação econômica neoliberal. Porque um dos
princípios do liberalismo é o equilíbrio das contas públicas. Ninguém pode
falar em liberalismo, em Estado mínimo, em um Estado que não vai pesar sobre a
população etc., quando ele apresenta um déficit fiscal crescente capaz de
alcançar esta dimensão.
A Europa viveu neste período uma forte
concentração de poder nas mãos da recém-criada burocracia continental. Na
década de 80 criou-se o Parlamento Europeu e a Coordenação Administrativa da
Comunidade Europeia em Bruxelas. Foi um período de aumento vertiginoso da
intervenção estatal na economia e nos mais diversos aspectos da vida,
particularmente no plano cultural. Durante esta década, a Inglaterra da Mrs.
Thatcher aumentou o gasto público em mais de 2% da renda nacional e, ainda
assim, a sua gestão foi considerada liberal.
Ao mesmo tempo, o êxito econômico, comercial
e financeiro do Japão neste período foi apresentado ao resto do mundo como a
mais expressiva vitória do liberalismo. Este êxito econômico e financeiro
durante a década de 80 foi explicado pela eficiência do mercado e pela
supremacia do privado sobre o público, pela hegemonia do modelo empresarial
sobre o modelo estatal. Ora, o Japão é o antimodelo do privatismo. Primeiro,
porque as empresas japonesas estão sob um forte controle do Estado japonês. Um
controle que se fortaleceu desde a Segunda Guerra, sobretudo, porque, como se
sabe, a economia japonesa foi reestruturada depois da guerra sob a ocupação
norte-americana, que realizou a reforma agrária e a dissolução dos grandes monopólios.
Neste período, o M.I.T.I. — Ministério da Indústria, Tecnologia e Comércio
Internacional — planejou, controlou e organizou todo o sistema empresarial
japonês. Este é hoje um sistema altamente oligopolístico ou até monopólico. Eu
acho que a palavra oligopólio é mais correta, no caso japonês, porque sempre
encontramos duas, três grandes firmas competindo. Mas são duas ou três grandes
firmas que controlam o grosso de cada setor econômico. Não é um modelo de
capital privado, de forma nenhuma. Não é um modelo de livre empresa, é um
modelo de empresa oligopólica moderna com forte integração com o Estado.”
“Na verdade, a década de 80 nos apresentou
uma realidade totalmente diferente. Os Estados Unidos de Reagan mergulharam o
seu Estado num endividamento colossal e crescente, cuja superação não se pode
ver no horizonte. O que vimos foi uma política de cortes dos gastos sociais do
Estado de Bem-estar, cujas intervenções foram objeto de muita crítica durante
os anos 70 e 80, para gerar um novo tipo de intervenção estatal, com muito mais
força, e com muito mais recurso, destinado a fortalecer outros setores,
particularmente o setor militar, o setor de pesquisa e desenvolvimento e o
setor financeiro.
Durante os anos 80, em cujo final se instalou
uma crise muito grave e uma situação de recessão, retomou-se, apesar do
discurso contra o Estado, o aumento dos gastos do Estado norte-americano,
através de um déficit brutal, das contas públicas que permitiu à economia
recuperar-se. O comércio mundial também se recuperou porque os gastos gerados
pelo Estado na economia americana não foram empregados em produtos
norte-americanos, foram gastos com a importação de produtos de todo o mundo. E
daí se produziram esses irmãos siameses: o déficit fiscal e o déficit da
balança comercial norte-americanos. Os dois déficits marcharam juntos,
inclusive com valores similares. Manhosamente, o déficit público gerou os
recursos lançados sobre a economia mundial sob a forma de compra de produtos do
resto do mundo.”
“Estes fatos nos mostram a profundidade da
armadilha em que nos meteu a hegemonia dos princípios neoliberais na vida
econômica da década de oitenta. A liberação dos mercados, o relaxamento do
controle estatal sobre as empresas, particularmente sobre o setor financeiro,
não conduziram a um mercado mais livre.
Pelo contrário, a desregulamentação favoreceu
a monopolização dos mercados, em particular dos mercados financeiros nacionais
e o mundial. Ao mesmo tempo, a elevação das taxas de juros, típica da década de
oitenta, aumentou dramaticamente os gastos públicos. Paradoxalmente, a
aplicação do neoliberalismo não conduziu ao equilíbrio do gasto público, mas ao
mais aventureiro desequilíbrio fiscal da história do capitalismo. E o mais
grave é que estas dívidas enormes não se convertiam em melhorias econômicas e
sociais, se destinavam exclusivamente a engordar os bolsos dos especuladores.
(...)
A austeridade fiscal não é um programa da
direita, apesar de os conservadores a terem alardeado sempre como uma
característica de seus governos. Ao contrário, o compromisso da direita com a
especulação financeira inviabilizou sua capacidade de estabelecer uma
verdadeira austeridade fiscal. Ela cortou drasticamente os gastos sociais, mas
aumentou os gastos militares e os gastos financeiros e, como consequência da
crise social que se aprofundou mundialmente, aumentou enormemente a necessidade
dos gastos sociais. Este círculo vicioso foi o principal resultado da hegemonia
neoliberal de Thatcher e Reagan.”
“Quando se lançou a proposta da Terceira Via
fomos os primeiros a chamar atenção para sua importância. Ela refletia, por um
lado, a constatação do fracasso das políticas neoliberais, até então
consideradas intocáveis. Por outro lado, entretanto, ela arrastava consigo a
visão defensiva de que não há êxito econômico sem livre-mercado e a aceitação
geral do fracasso do planejamento e da ação estatal.
O resultado desta autocrítica pela metade foi
esta fórmula híbrida chamada Terceira Via. Segundo seus formuladores, o
livre-mercado continuaria a ser a forma mais eficiente de escalonar os recursos
escassos produzidos pelas economias nacionais. Entretanto, eles aceitavam que o
livre-mercado oferecia soluções desfavoráveis para os mais pobres que não
dispõem de pressão sobre o mercado. Como se vê, eles se inscrevem dentro do
programa proposto ou pelos ideólogos conservadores: neoliberalismo mais
compensações estatais, sobretudo no plano social.
Em tal caso, o ideal para a Terceira Via
seria completar a “eficiência” do livre-mercado com a “correção social feita
pelas políticas públicas”. Segundo seus “teóricos” (se é que podemos chamar de
teoria esta manifestação de boa vontade e bons propósitos), a Terceira Via
resgataria os aspectos positivos do mercado e da intervenção estatal.
Acontece que a realidade é muito mais
complexa que as “boas intenções” de conciliadores de opostos. É evidente que os
efeitos sociais negativos das políticas neoliberais não podem ser corrigidos
pelo Estado por duas razões. Primeiro, porque os recursos públicos para
políticas sociais são escassos no contexto das políticas de equilíbrio fiscal,
promovidas pelo pensamento neoliberal. Segundo, porque este pensamento leva necessariamente
ao corte dos gastos públicos que atendem aos pobres. Ao mesmo tempo, restringem
a distribuição da renda como condição
econômica para lograr o crescimento.
Em suas cabeças atrasadas são os ricos que investem e garantem o crescimento.
Não é possível, pois, conciliar a restrição
neoliberal dos gastos públicos sociais, para o crescimento e o pleno emprego
com o aumento das medidas de bem-estar. Nem é aconselhável apoiar as políticas
recessivas dos neoliberais (que aumentam o desemprego e a miséria, e concentram
a renda em favor dos mais ricos) e, ao mesmo tempo, tentar corrigir seus “resultados”.
Pois os resultados são a própria essência da doutrina e política neoliberal.
(...)
Nos países da OCDE, os gastos estatais
representam cerca de 47% do PIB, participação que cresceu exponencialmente
desde o começo do século passado (XX) — quando em seu início não chegava a 10%.
Principalmente depois da segunda guerra mundial, o Estado se converteu em parte
integrante e necessária do funcionamento da economia capitalista mundial. E
cabe afirmar, baseado em dados do Banco Mundial, que esta participação dos
gastos públicos continuou crescendo entre 1980 e 1995, sob o domínio ideológico
do neoliberalismo.
O que aconteceu entre 1980 e 1995 não foi uma
diminuição do gasto estatal, mas uma drástica reorientação do gasto público
para as “transferências”, isto é, as transferências de renda do conjunto da
população principalmente para o setor financeiro, o qual absorveu a maior parte
dessas “transferências” sob a forma de pagamentos de juros pelos títulos das
dívidas públicas. (...)
Desta forma, as reverências dos “teóricos” da
Terceira Via à “eficácia” da economia do mercado e dos princípios neoliberais
não encontraram nenhuma base na prática da vida econômica. O período de
Thatcher só fez atrasar a Inglaterra, cujo PIB caiu abaixo da Itália, China e
Índia.
Os Estados Unidos de Reagan aumentaram sua dívida
pública de 32,6% a 65,1% do PIB. Reagan elevou o déficit comercial a
quantidades inimagináveis e o fez definitivo e estrutural. Estes desequilíbrios
econômicos fantásticos tiveram de ser corrigidos, em parte, pelo governo
Clinton, apesar das dificuldades que encontrou em sobrepor-se à oposição
republicana. (...)
Está claro, pois, que os gastos sociais não
podem ser apresentados como uma espécie de sobremesa, posterior ao prato forte
das medidas econômicas. Não há uma separação radical entre ambos os setores.
Está clara, também, a adesão da população àqueles políticos que mostram mais
decisão de enfrentar os princípios doutrinários neoliberais. Seus tecnocratas,
muito hipocritamente, chamam tais políticos de “populistas”. Segundo eles,
trata-se de políticos que se deixam guiar pela “opinião pública” em vez de
guiar-se pelos princípios “científicos” dos tecnocratas neoliberais.
Aonde nos levam estes princípios “científicos”
do século XVIII, está cada vez mais claro. Basta ver o que se passou com a
África sob o domínio do Banco Mundial, desde os anos 80. Basta ver o que se
passou com a Europa Oriental, incluindo-se a União Soviética, sob a orientação
dos técnicos neoliberais depois da vitória de Yeltsin. Basta ver o que se
passou com os Tigres Asiáticos quando começaram a ceder em sua política de
Estado desenvolvimentista para abrir espaço à entrada de capitais de curto
prazo e à desregulação de suas economias. Basta ver a situação gravíssima da
América Latina depois de aplicar os ajustes estruturais dos anos 80 e o
consenso de Washington dos anos 90.
Um espetáculo tão impressionante de dimensões
planetárias não faz baixar totalmente as pretensões desses tecnocratas. Eles se
negam a seguir a “opinião pública”. Esta representa o regime democrático com o
qual não podem conviver. Basta ver que a ascensão política dos neoliberais se
inicia sob o terrorismo estatal de Pinochet, a violência social e anti-sindical
da senhora Thatcher e Ronald Reagan, os regimes de direita, militares ou não,
na década de 70 e de 80, o bombardeio do parlamento russo por Yeltsin, e outros
atos de terror similares.”
“As contradições geradas por 25 anos de
expansão imperialista desordenada e caótica não levaram aos equilíbrios
sonhados pelos liberais e sim a um grande período de crise econômica e caos
social, revoluções e novas experiências sociais, políticas e ideológicas que se
prolongou por cerca de 30 anos, entre 1918 1940. É perigoso deixar-se levar pelas
facilidades dos períodos de expansão. Quando acontecem, é necessário mais que
nunca assegurar o domínio da razão humana sobre as forças cegas do mercado.
Quer dizer: do plano sobre o caos, da política sobre a economia, da ética sobre
a violência, do direito sobre a brutalidade incontrolada.”
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