Editora: Ideias & Letras
ISBN: 978-85-9823-910-1
Opinião: ★★★★☆
Páginas: 538
Sinopse: Ver Parte
I
“O FMI abandonou totalmente a aspiração de
estabilizar as economias centrais do sistema econômico mundial. Os Estados
Unidos, por exemplo, caminharam cada vez mais no pós-guerra para um
desequilíbrio total de suas contas externas gerando uma instabilidade colossal
da economia mundial. Contudo, o FMI jamais fez qualquer crítica aos seus
insustentáveis déficits comerciais. Não falemos dos déficits fiscais e outras
irresponsabilidades norte-americanas, políticas, que custariam tremendas
represálias a qualquer país da periferia.
Com o tempo ficou claro que o FMI cumpria o
papel de um Ministério das Colônias dos Estados Unidos. Neste papel demonstrava
muito mais eficiência que os velhos funcionários coloniais, que não contavam
com a quantidade de recursos que o Banco dispunha. Ademais, contava com o
aparato do sistema das Nações Unidas, do Banco Mundial, do GATT e de um
conjunto de instituições internacionais e nacionais que interatuavam com ele
para impor ideias, de comportamento, ajudas ou sanções, modelos de ação etc.
Nestes anos o FMI praticou uma doutrina
econômica rigorosamente neoclássica, com uma forte conotação monetarista. Isto
levou muitas vezes a um conflito aberto com os setores keynesianos que
hegemonizavam as políticas públicas na maior parte dos países. Nos anos 80, com
a crise do keynesianismo e a ascensão do neoliberalismo, de forte influência
monetarista, o FMI ganhou uma força colossal pondo-se no centro do pensamento
econômico do período.
Os últimos oito anos (1994-2002) têm posto em
xeque esta liderança através de um conjunto de erros de análises e de previsão
econômica espetaculares. A crise do México nos finais de 1994 pôs em xeque o
mais querido e predileto filho da comunidade financeira internacional: o
presidente Salinas de Gortari. Nenhuma autocrítica sucedeu a esta manifestação
de incompetência que vinha somar-se à crise estrutural da África, que era o
discípulo mais disciplinado do FMI e do Banco Mundial, impossibilitando,
consequentemente, o desenvolvimento de suas economias nacionais em formação e
gerando a fome e o desespero de milhões de refugiados políticos, militares e,
sobretudo econômicos.
Nos anos 80, através de suas políticas de
ajuste estrutural, apoiadas nos fundamentos neoliberais, o FMI e o Banco
Mundial aconselharam esses países a manterem-se no quadro colonial, voltado
para a produção de produtos agrícolas e matérias-primas que melhor poderiam
comercializar no mercado mundial. Debilitaram seus Estados nacionais nascentes
e favoreceram a uma protoburguesia local que passou a viver da mediação dos
financiamentos internacionais, da corrupção e do assalto às propriedades
estatais.
Essa orientação destruiu consequentemente as
economias de subsistência, obrigando-as a incluírem-se em um mercado onde
seriam necessariamente perdedoras, e lançou para os centros urbanos, com
precárias condições de infraestrutura, uma massa de milhões de excluídos que se
juntaram aos campos de concentração gerados pelas guerras intertribais,
exacerbadas por estas miseráveis e desastrosas condições sociais.
Mas os erros do FMI se tornaram ainda mais
graves quando forçou, a partir de 1992, o Sudeste Asiático a aceitar uma
abertura para empréstimos internacionais que lhe permitissem evitar a
desvalorização de suas moedas frente à perda do mercado norte-americano e à
valorização absurda do yen, forçada pelo governo norte americano. Mais grave
ainda: nas vésperas da crise asiática de 1996, o FMI produz um informe
extremamente elogioso das novas políticas econômicas desses países.
Algo mais sério ainda tem sido a política
russa do FMI. Ele entregou cerca de 9 bilhões de dólares à nova plutocracia
soviética que os ingressou, em grande parte, nas suas contas particulares, sem
nenhuma reação dos dirigentes deste organismo. Tratava-se de apoiar Yeltsin nas
suas políticas neoliberais, incluindo sua falta de respeito aos resultados do
plebiscito sobre a conservação da URSS, seu bombardeio ao edifício da Duma, que
se encontrava em rebelião para afirmar seus direitos constitucionais, e muitas
outras demonstrações monstruosas de autocracia e falta de respeito à lei, de
mau uso do dinheiro público e outros desastrosos e corruptos processos de
privatização.
Mas o FMI chegou ao extremo da
irresponsabilidade no caso brasileiro. Já a fins de 1997, sob a pressão da
crise asiática, o FMI foi obrigado a chamar a atenção do governo brasileiro
para a necessidade de desvalorizar o real. Em fevereiro de 1998 o ministro da
economia do Brasil foi alertado sobre a necessidade de realizar de imediato uma
desvalorização progressiva de sua moeda, que alcançaria 25% em poucos meses,
evitando assim uma crise mais grave que levaria inevitavelmente a uma
especulação com sua moeda e a uma liquidação de suas novas reservas
internacionais (obtidas através do endividamento interno, realizado para atrair
capitais do exterior a taxas absurdamente altas de juros; capitais que eram
transformados imediatamente em falsas reservas para criar uma imagem favorável
do país). O ministro da economia do Brasil fez saber ao presidente do FMI,
conforme se fez público naquela época, que era impossível uma desvalorização
antes das eleições presidenciais.
De maneira absolutamente irresponsável, o FMI
renunciou a qualquer comportamento técnico para favorecer a candidatura de
Fernando Henrique Cardoso à reeleição. Em consequência, às vésperas das
eleições, começou a retirada massiva de capitais do país que alcançou mais de
50 bilhões de dólares, o que, somado ao déficit da balança de pagamentos
brasileira, conduzia o país à total falta de liquidez e à sua inviabilidade
internacional.
Assim, desta desastrosa situação, o FMI e o
governo norte-americano se viram obrigados a criar um fundo de 41 bilhões de
dólares para assegurar o funcionamento da economia brasileira, evitando uma
crise financeira internacional de dimensões incalculáveis.
Estava muito claro que esta crise teria sido
evitada se o governo Fernando Henrique Cardoso não desfrutasse do apoio do FMI
e sua reeleição não fosse considerada prioridade para a direção desta
organização. Acontece que, para sustentar os resultados deste apoio insensato,
o Congresso norte-americano teve de votar a dotação de cerca de 20 bilhões de
dólares em recursos líquidos para o Brasil.
Temos de convir que nem as eleições do
presidente dos Estados Unidos têm um custo tão elevado para o povo
norte-americano. Isto está mais claro se vemos que este empréstimo foi feito
sem nenhuma garantia patrimonial pública. Não oficialmente; se diz que o
governo brasileiro teria entregado a Petrobrás e o Banco do Brasil como caução
para este empréstimo. Não é necessário descartar a ilegalidade de tal acordo,
se é que existe. Em resumo, tratou-se de um empréstimo de alto risco, sobretudo
se considerarmos que a desvalorização do real não permitiu, em três anos, a
criação de um superávit comercial com o qual se poderia retirar no futuro os
recursos para pagá-lo. Ao contrário, com o esgotamento destes fundos enquanto
persistiam os déficits cambiais do país, chegou-se à necessidade de um novo
crédito de 30 bilhões de dólares no final do Governo Fernando Henrique. O
candidato vitorioso à sucessão de FHC — Lula — assumiu a responsabilidade deste
crédito e supeditou sua política econômica às exigências paralelas ao mesmo.
E é importante assinalar que esses
financiamentos são somente uma parte de uma dívida internacional do Brasil de,
pelo menos, 280 bilhões de dólares, se incluirmos as dívidas privadas,
adquiridas durante o Plano Real, em consequência do diferencial entre as taxas
de juros do Brasil e do exterior. Portanto, a política do FMI e das agências a
ele relacionadas se mostrou cada vez mais perigosa e chega a ser igualmente
desastrosa e inaceitável para os eleitores norte-americanos.”
“Reconhece-se, cada vez mais claramente como
um consenso latente, que o reino do pretenso livre-comércio somente favoreceu a
monopolização dos mercados globais, a fusão espetacular dos grandes
conglomerados em gigantescas unidades econômicas, cuja eficácia é cada vez mais
duvidosa; o domínio do capital especulativo, que leva à instabilidade
alcançando, inclusive, os pontos mais distantes do sistema; ao aumento da
desigualdade entre os povos e as classes sociais que leva à concentração brutal
da renda em nível nacional, regional e local, ao desequilíbrio e à insegurança
do mercado financeiro mundial.”
“Japão e o Oriente não estão associados à
produção dos processos de conhecimento e dos símbolos próprios da modernidade.
A compra dos estúdios de cinema de Hollywood e das principais estrelas da
música norte-americana pela Sony não resolveu o problema. Eles tiveram de
produzir filmes e discos... norte-americanos...
A Europa, onde nasceu a “modernidade”, tem
perdido a luta para a pós-modernidade. O conteúdo erudito e clássico de sua cultura
se adapta mal aos valores levianos e anárquicos da pós-modernidade. Apesar de
que a Europa é ainda um competidor pela produção do conhecimento de vanguarda e
dos valores fundamentais, não consegue alçar-se à ponta da vanguarda pop, que
comanda grande parte da produção cultural do fim do século.”
“O triunfo ideológico do neoliberalismo e a
imposição de políticas por ele inspiradas na maior parte dos países no mundo
levou a humanidade à crise mais profunda de toda a sua história. Desde 1987,
quando desapareceu 1 trilhão de dólares da economia mundial em menos de uma
semana, a instabilidade cultivada nos anos de hegemonia neoliberal nas
administrações de Reagan e Thatcher explodiu e não foi possível retomar um
mínimo de equilíbrio cambial, fiscal e financeiro até que a desvalorização da
moeda dominante — o dólar — se instalou e iniciou a quebra do sistema
financeiro internacional superdimensionado, criado pela falsa liberdade de
mercado imposta nos anos setenta e oitenta.
Na realidade, nos anos 70 foi gerada uma
dívida internacional colossal nos países do então chamado Terceiro Mundo. Nos
anos oitenta esses países foram obrigados a pagar os serviços dessa dívida
(acrescentada por renegociações puramente contábeis que inflaram de maneira
colossal o seu volume). Ao mesmo tempo aparecia a gigantesca dívida
norte-americana, gerada para financiar as massas gigantescas de déficit cambial
e fiscal desse país. A dívida norte-americana serviu para financiar e
impulsionar um enorme sistema financeiro internacional.”
“É preciso reforçar a ideia fundamental de
que é necessário superar o enfoque economicista como uma maneira de pensar o
mundo e a sociedade. Este economicismo encontra sua máxima expressão no
pensamento único de caráter neoliberal.
Temos de superar, sobretudo, a falsa noção da
natureza humana que está por trás das fórmulas aparentemente técnicas e
científicas do pensamento econômico contemporâneo.
Enquanto se creia que o homem é um ser
individualista que procura sua felicidade através da maximização de seus bens e
da atenção de suas necessidades possessivas, não poderemos conceber uma
sociedade mundial na qual se imponham os princípios da paz e da convivência
pacífica entre os homens. A competição, tão elogiada pelo neoliberalismo como
fonte de eficiência e eficácia, tem de ser e pode ser substituída por valores
mais sólidos como a solidariedade para encaminhar a resolução dos problemas da
Humanidade. A atenção das necessidades humanas deve expressar-se na busca da
qualidade de vida e no avanço de toda a humanidade para estágios superiores de
civilização.”
“É ridículo ver como se fala de uma crise,
das previsões sociais e dos gastos públicos num momento no qual a humanidade
produz um excedente econômico tão colossal. É absurdo também constatar que,
nesta fase da história humana aumentam tão fortemente as populações pobres do
mundo.
A única explicação para esta crise irracional
é a injusta distribuição dos frutos do progresso tecnológico e científico no
mundo, patrocinada por uma injusta distribuição da renda em cada região, em
cada nação e entre as regiões e nas nações.
Mas trata-se também de uma injusta
distribuição da renda entre os vários setores econômicos, permitindo que o
capital financeiro se aposse da maior parte da riqueza gerada no mundo através
— sobretudo — da intervenção dos Estados nacionais que captam recursos de toda
a população para transferi-los para o setor financeiro através da negociação de
umas dívidas públicas colossais criadas nada mais que para favorecer o capital
financeiro mundial.
O grave desta situação é não somente a
debilidade da capacidade dos Estados de atenderem as necessidades das
populações. É sobretudo a possessão dos gigantescos excedentes por um grupo de
interesses defendidos por “técnicos” a serviço dos mesmos, que impõem uma
corrupção generalizada dentro das corporações privadas e sobretudo da
administração pública.
O clima intelectual, moral e ético desta
sociedade somente pode ser o mais negativo possível. A angústia da luta pela
sobrevivência se faz mais penetrante quando a violência se converte no caminho
da competição econômica com a expansão dos negócios ilegais, as “gangues” de
todo o tipo e as formas de corrupção estatal e privada.
O desespero e o cinismo que se desenvolvem
neste ambiente conduzem a uma filosofia do desânimo e do pragmatismo que
ridiculariza o heroísmo e a vontade transformadora que não consegue se
converter em renda. Este é talvez o efeito mais brutal deste ambiente
ideológico e cultural: nada se pode esperar de uma humanidade que não acredita
em seu poder de transformação máxima quando ela atravessa seus limites a cada
dia com o avanço da ciência e da tecnologia em uma permanente e multifacética
revolução.”
“O GATT e seu sucessor, a OMC, representam
outro contexto. Fingindo ser o Palco do mercado liberal, a OMC é, na verdade,
uma estrutura de relações negociadas de mercado (uma espécie de mercados
estatais e oligopólicos praticamente reconhecidos). As necessidades de uma
organização como a OMC é a mais completa demonstração de que o mercado livre é
uma ideia totalmente obsoleta. Os negócios mundiais estão baseados cada vez
mais em operações intrafirmas e acordos interestatais bilaterais ou
multilaterais com “quotas” e outros mecanismos “liberais” de comércio
oligopólico e repartição ou cartelização oficial dos mercados). A OMC está se
tornando um mecanismo multilateral necessário para ajustar e racionalizar as
enormes operações oligopólicas estatais. Isto significa planejar as relações do
mercado mundial, construir o mercado no nível internacional. Isto é
absolutamente o contrário do que sustenta a ideologia oficial.”
“O fenômeno do crescimento que não reduz
significantemente o desemprego produz uma angústia social aguda, sobretudo na
juventude que não vê perspectiva de trabalho num horizonte imediato.
Sabemos muito bem que estas angústias são o
tempero no qual se cozinha o fenômeno do fascismo de massas. Quando se combinam
o desespero das classes mais desprotegidas com as angústias das burguesias
nacionais frente à competição internacional temos a fórmula para viabilizar a
adoção de regimes fascistas. (...)
O fascismo como fenômeno de massas não
representa uma ameaça de poder a não ser quando um grande capital precisa
utilizá-lo para seus próprios objetivos. Em geral isto ocorre quando se trata
da necessidade de conter o avanço dos movimentos reformistas ou revolucionários
a favor do trabalho. Mussolini somente se converteu em poder quando o Rei lhe
abriu o caminho do governo. Hitler somente se converteu em ameaça real quando
os conservadores alemães lhe abriram as portas do poder, para que se colocasse
a serviço do grande capital alemão, cujas ambições expansionistas ele soube
muito bem representar com uma guerra tresloucada.
Isto não é razão para subestimá-lo. Não
faltam ocasiões nas quais os grandes capitalistas podem sentir-se tentados a
utilizar esta perigosa arma. Muito mais ainda em uma fase na qual a humanidade
desenvolveu um poder de autodestruição colossal, seja pela explosão nuclear,
seja pelas várias formas de destruição do meio ambiente.
Este clima fica ainda mais perigoso quando a
potência hegemônica mundial se entrega aos delírios de um grupo de ideólogos de
direita que põem como meta fundamental do governo recuperar o poder dos Estados
Unidos como força militar hegemônica. E, pior ainda, colocam este poder a
serviço dos interesses de grupos econômicos bem definidos, como no caso da
invasão do Afeganistão.
A truculência da política norte-americana é
um grande fator complicador da situação europeia e favorece os nacionalismos em
todas as suas facetas. Quando o fascismo assume o nacionalismo sob a forma da
perseguição dos emigrantes, por exemplo (como foi a perseguição aos judeus,
eslavos e bolcheviques), ataca pelo lado dos mais fracos e se sustenta nas
angústias dos trabalhadores não qualificados temerosos do desemprego, dos
jovens pobres e dos pequenos proprietários sem perspectivas de competir na
economia mundial.
A experiência dos partidos fascistas pode
servir de treinamento ou de teste para ações mais ambiciosas e mais agressivas.
E serve também de parâmetro para políticas de direita ou de centro que não se
atreveriam a postular-se sem esta ameaça no horizonte ideológico.
Cuidado! Muito cuidado. Na América Latina não
estamos livres desses ventos apesar dos rescaldos do fracasso das ditaduras
militares ainda limitarem postulações fascistas mais claras*. Entretanto o
ambiente de crise econômica e política que se generaliza pelo continente não
assegura boas expectativas. O fortalecimento da direita chilena e colombiana no
plano eleitoral são indicadores de novos tempos. O que a direita não conseguiu
desde a perspectiva do golpe militar pode tentar alcançar sob a forma de uma
direita popular pró-fascista.”
*: O livro é de 2004.
“Os elementos desta nova ofensiva popular
estiveram articulados em torno ao combate ao que passou a se chamar de
neoliberalismo: a doutrina dos ideólogos e políticos reunidos em torno das
reuniões de Mont Péllerin desde o final da II Guerra Mundial. (...)
Um projeto ideológico desta dimensão exigia
um grande rigor científico. Contudo se limitou a absorver doutrinários como
Milton Friedman, com seu monetarismo desmoralizado pelos fatos e pela crítica
acadêmica, e uns muitos economistas que se chamaram de “novos clássicos”, e que
assaltaram as escolas de economia de todo o mundo. (...)
Uma das características mais claras desta
ideologia é considerar a ciência como uma descoberta de leis gerais das quais
se deduzem as políticas econômicas e sociais. Nesta visão positivista arcaica
não há espaço algum para a democracia. Para que consultar o povo e dar-lhe o
poder de voto que define o tipo de governo que deseja se as políticas
econômicas são fenômenos técnicos que se deduzem das “teorias” econômicas?
Creio que aí está um dos nós centrais que tem
gerado um ódio tão generalizado dos povos ao chamado “neoliberalismo” e às
instituições internacionais que o representam. Trata-se de uma ditadura dos
técnicos que se colocam a serviço dos poderes econômicos que lhes abrem os
recursos privados e dão origem a uma época de corrupção pública e corporativa
colossal, como jamais se conhecera.
A forma mais comum que tem assumido este
modelo de gestão estatal é o que temos chamado de “golpes de Estado eleitorais”.
É permitido que se realizem eleições relativamente limpas, mas, ganhe quem
ganhar, tem de aplicar as políticas econômicas do FMI e dos novos e velhos
aparatos institucionais internacionais.
Quase sempre os novos governos se elegem
contra estas políticas econômicas para adotá-las quando ocupam o poder. E,
todavia, o povo tem de aguentar o escárnio desses ideólogos e de seus
publicistas que sempre afirmam: “veja, eles não têm alternativas senão aceitar
nossas políticas 'científicas'“. Segundo eles, as campanhas eleitorais são o
campo da demagogia e o governo é o campo do “realismo”.
Temos discutido em várias oportunidades, e em
particular neste livro, a essência destas teses pretensamente científicas e
temos demonstrado que o que se apresenta como um plano coerente e “cientificamente”
deduzido de um corpo teórico fechado não são mais que manifestações do mais
descarado oportunismo pragmático a serviço de interesses pouco confessáveis.
A verdade é que as pessoas percebem o que
está acontecendo. Este tecnocratismo tem transformado os processos eleitorais e
a democracia num espetáculo, numa farsa para aquietar as pessoas. Este
sentimento é extremamente forte no momento atual no qual vastas maiorias
sociais se manifestam contra a guerra do Iraque e veem os políticos ignorar
olimpicamente suas manifestações. Há algo podre no Reino da Dinamarca, dizia o
vate britânico, há algo de podre na democracia representativa contemporânea,
diz o povo. Temos de encontrar uma de democracia não somente representativa
senão também participativa, onde a voz do povo se imponha sobre os burocratas,
os tecnocratas e seus patrões.”
“Nos dias atuais, os movimentos democráticos
serão obrigados a reconstruir um movimento em favor da justiça social, do
pleno-emprego e de outra concepção de desenvolvimento, no qual o problema
ecológico é um dos aspectos básicos. (...) Atualmente, contudo, desemprego,
exclusão social, violência social e agitação social estão no âmago da vida
política. O aumento da exclusão nos países dependentes conduz a novos movimentos
fundamentalistas, tal como o renascimento muçulmano. Neste caso, uma
experiência civil e religiosa é usada para unir as forças excluídas como forma
de oposição à globalização controlada pelo establishment internacional, criando
uma contraofensiva de caráter mais reacionário do que revolucionário.”
“As regiões mais atrasadas, em termos
tecnológicos, perceberam que são prisioneiras de um duplo movimento perverso.
De um lado, o avanço de novas tecnologias e sistemas produtivos eliminou os
resquícios de economias de subsistência (camponesas, tribais, artesanais,
intercâmbio simples etc.), conduzindo uma grande parte da população na direção
das regiões urbanas. De outro lado, a ausência de uma dinâmica global de
desenvolvimento, isto é, uma industrialização equilibrada, a produção de novas
tecnologias, uma dinâmica educacional moderna, integrada com as culturas
locais, a geração de empregos em que foram criados e generalizados pela
Revolução Científico-técnica etc., não permitem a absorção destas populações no
sistema produtivo moderno que vem sendo imposto nesses países. O resultado está
sendo uma explosão das cidades que não contam com uma boa infraestrutura
socioeconômica, a predominância dos fenômenos da marginalização urbana e o
crescimento do fenômeno da miséria socioeconômica urbana (reconhecido pela ILO,
UNDP e outras organizações internacionais dedicadas ao estudo do problema).
A América Latina e o Caribe (o Brasil, em
particular) foram subjugados a esta dinâmica no exato momento em que tentavam
implementar um novo estágio de desenvolvimento industrial. Na década de 80, o
volume da dívida externa de ambas as regiões se alterou drasticamente em função
da elevação das taxas de juros e da consequente suspensão de novos empréstimos,
ocasionando uma retração das fontes financeiras para o pagamento do serviço da
dívida, da remessa dos lucros das companhias multinacionais e dos investimentos
externos de capitalistas locais. O efeito dessa situação foi a exportação
maciça do excedente econômico produzido na região.
Tudo isso provocou o desajuste dos mercados
financeiros locais, deteriorando as finanças públicas e as políticas
monetárias, colocando estes países em situação inflacionária anual de três
dígitos, próxima à hiperinflação. O esforço de ajuste estrutural imposto pelas
autoridades e potências financeiras internacionais (especialmente pelo Banco
Mundial e pelo FMI) requer custos sociais enormes. No sentido de assegurar o
pagamento dos serviços da dívida, foi necessária a criação do superávit
comercial. De um lado, o superávit foi obtido por meio de generosos subsídios
concedidos pelos Estados nacionais, com o objetivo de expandir as exportações.
De outro, os instáveis investimentos internos foram comprimidos por uma alta
taxa de juros, e os salários, drasticamente reduzidos. Consequentemente, a
demanda interna caiu e as importações foram limitadas. Nestas circunstâncias,
houve uma redução dos investimentos internos e externos, afetando de forma
severa as taxas de desenvolvimento econômico, causando uma negativa
distribuição de renda e aprofundando a terrível realidade da pobreza na América
Latina e no Caribe.
Desse modo, a década de 80 aumentou nossa
integração subordinada e dependente à economia mundial ao incrementar nossa
dependência das exportações mesmo que sejam, cada vez mais, exportações
industriais ao passo que excluiu amplos setores do processo produtivo,
ampliando a marginalização socioeconômica e reforçando a economia informal. Em
comparação com o período histórico prévio (no qual as recessões ampliavam as
economias de subsistência, tornando-as uma reserva de trabalho), nos dias
atuais, marcados por uma forte mercantilização de toda produção, têm-se uma
diminuição drástica das tradicionais economias de subsistência e a criação de
um novo tipo de marginalização (reforçado pelo aumento da criminalidade e do
enriquecimento com atividades ilegais, tais como tráfico de drogas, contrabando,
prostituição, sequestro e assaltos urbanos cada vez mais organizados),
atenuados por uma economia informal que, apesar de ser glorificada pelas
organizações internacionais, é muito próxima da criminalidade, da marginalidade
e das atividades ilegais descritas acima.
Na década de 90, as taxas de juros
internacionais caíram, verificando-se um alívio nas pressões pelo pagamento da
dívida externa em decorrência também de várias negociações que resultaram em
acordos conciliatórios. As políticas de ajuste, em decorrência, assumiram um
sinal oposto. A necessidade de equilíbrio na balança de pagamentos
norte-americana, ameaçada por um amplo déficit comercial, impôs aos países
dependentes a implantação de políticas de déficit comercial. A nova política econômica
consistiu na valorização das moedas locais (por meio da famosa âncora cambial),
no aumento indiscriminado das taxas de juros da dívida pública e na venda do
patrimônio público conhecida como “privatização”
da economia. Consequentemente, as exportações caíram, as taxas de crescimento
diminuíram e as importações aumentaram, produzindo “déficits” comerciais, que
são compensados pela entrada de capital de curto prazo em busca de juros altos
e da especulação financeira decorrentes de indicadores macroeconômicos de curto
prazo favoráveis. Esta política foi praticada sem restrições até a Crise do
México em dezembro de 1994, mas ainda não foi totalmente abandonada.”
“O que acontece, contudo, é que as
oligarquias do Brasil têm se convertido em burguesias do tipo “compradoras”,
quer dizer, meras intermediárias das operações do capital financeiro e
comercial internacionais.”
“Ao contrário do que pensam estes senhores,
que representam uma velha oligarquia de inspiração colonial, a nossa integração
na economia mundial não será feita com a submissão às imposições das grandes
potências e sim por nossa integração regional e nacional.
Somente nações poderosamente integradas
internamente podem ocupar um lugar privilegiado no comércio mundial. Veja-se o
exemplo recente do Brasil. Ao abrir unilateralmente todas as suas portas para o
comércio mundial só conseguiu derrubar suas exportações e agora suas
importações depois da desvalorização inevitável de sua moeda em 1999.
Como resultado desta integração subordinada
ao mercado mundial, diminuímos nossa participação no comércio mundial de 1,2%
para 0,8%. Isto quer dizer que a política de abertura irresponsável, em vez de
globalizar-nos, como nos prometia, só conseguiu nos desglobalizar!
Não se trata de fechar economias que, ao
contrário do que se diz, estiveram sempre abertas e submissas ao mercado
mundial. Trata-se de assegurar um efetivo caminho de integração no mercado
mundial. E para isto temos de saber respeitar nossas origens históricas, nossas
heranças culturais e nossos interesses geopolíticos.
E nosso projeto de afirmação cultural passa
claramente pelo reconhecimento de nossas raízes ibéricas e de nossa aventura
comum latino-americana.”
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