Editora: Outras Palavras & Autonomia Literária
ISBN: 978-85-6953-611-6
Opinião: ★★★☆☆
Páginas: 316
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Sinopse: Como
os bancos registram lucros bilionários em plena recessão e desemprego? Neste
livro, Ladislau Dowbor investiga como a riqueza do mundo – minérios, petróleo,
trabalho, alimentos –, produzida pelo trabalho, é capturada pelos bancos e seus
intermediários financeiros. Com uma vasta pesquisa, Ladislau revela os
mecanismos usados pelas corporações financeiras, com estruturas que muito se
assemelham a governos, para exercer o poder político diretamente e influenciar
as principais decisões dos poderes públicos. O resultado não poderia ser
diferente: esterilizam a riqueza produzida pela sociedade para multiplicá-la
somente em seu próprio benefício, por meio de investimentos financeiros que não
criam novas tecnologias nem geram novos empregos. Ladislau demonstra por que o
mercado considera positiva qualquer atividade que gere lucro – ainda que trave
a economia e produza prejuízos sociais e ambientais – para enviar seus
recursos, a salvo de impostos, a paraísos fiscais. O livro destrincha como a
financeirização dilacera as economias no Brasil e mundo afora ao forçar os
governos eleitos a cumprir agendas refutadas pelas urnas. Sobretudo quando
desviam grande parte do orçamento público para o pagamento de juros da dívida,
engordando ainda mais as forças do capital financeiro em detrimento de
políticas públicas de saúde, educação, previdência.
“A política sendo o que é, a tendência mais geral é buscarmos os
culpados, sejam eles à direita ou à esquerda. A mídia, que hoje penetra em
quase todos os domicílios do planeta, saberá navegar nos ódios que se geram.
Confirmar preconceitos rende mais, em pontos de audiência, do que explicitar os
problemas. Isso nos leva a personalizar os problemas em vez de compreender as
dinâmicas. Um pouco de bom senso sugere a busca de melhor compreensão do que
está dando errado e de regras do jogo que nos permitam fazer o planeta
funcionar.
Antes
de tudo, precisamos com bom senso restabelecer o cuidado com o mau senso na
política. De forma geral, política tem mais a ver com emoções, esperanças e
temores do que com racionalidade. Hitler era um psicopata? Muito mais
importante é entender como os grandes grupos econômicos o apoiaram, como mais
da metade dos médicos alemães aderiu ao partido nazista e como a população
finalmente votou e o elegeu. A eleição de um Donald Trump me preocupa como
preocupa democratas em todo o planeta. Mais preocupante do que o personagem, no
entanto, é o fato de uma nação rica, com tantas universidades e cultura pujante
como os Estados Unidos o eleger. E as pessoas terem sido sensíveis aos seus
argumentos, que afinal não eram argumentos, mas expressões emocionais, inseguranças
e ódios com os quais elas puderam se identificar.”
“A
área econômica é, hoje, tão vinculada com a política – por sua vez
profundamente enraizada nas nossas emoções, heranças familiares, ódios
corporativos ou o que seja –, que a informação científica é frequentemente
rejeitada em bloco por simples convicção de que se trata de informação inimiga.
Este tratamento tribal da análise permite que nos Estados Unidos por exemplo,
os democratas considerem o problema climático como real enquanto os republicanos
consideram que é uma invenção sem fundamento. Os republicanos seriam menos
científicos? Como pode a ciência ser filtrada desta maneira por emoções
políticas e por identificações de clãs? A realidade é que é tão fácil
considerar racional e científico aquilo que confirma os nossos preconceitos.
Não somos naturalmente objetivos. E isso me preocupa.”
“A
convergência das tensões geradas para o planeta tornou-se evidente. Não podemos
mais nos congratular com o aumento da pesca quando estamos liquidando a vida
nos mares, ou com o aumento da produção agrícola quando estamos liquidando os
aquíferos e contaminando as reservas planetárias de água doce. Isto sem falar
do aumento de produção de automóveis e da expansão de outras cadeias produtivas
geradoras de aquecimento climático. É muito impressionante a World Wild Fund
for Life (WWF) constatar em 2016 que entre 1970 e 2010, em apenas quarenta
anos, destruímos 52% da fauna do planeta.
Mais
impressionante ainda é o efeito climático dos gases de estufa ter sido demonstrado
em 1859, enquanto a primeira discussão ampla desta ameaça ocorreu em Estocolmo
em 1972. Levamos ainda 20 anos mais para apresentar uma primeira convenção
sobre o clima em 1992 no Rio de Janeiro. Finalmente, a Conferência de Paris em
2015 decidiu que agora vamos realmente tomar providências. Faltará apenas
convencer o novo presidente dos EUA. Curiosamente, pesquisas recentes mostram
que a convicção dos americanos sobre a mudança climática não depende do seu
nível de conhecimento científico, mas sim do partido ao qual pertencem.
Aparentemente, é mais importante o sentimento de pertencer ao “nosso clube” ou
à “nossa tribo” do que a pesquisa e as evidências científicas. A verdade é que
as ameaças sistêmicas e de longo prazo, ainda que cientificamente comprovadas,
ocupam pouco espaço na nossa consciência e nos embates cotidianos. E são
ameaças claramente críticas.”
“Não
há nenhuma razão objetiva para os dramas sociais que vive o mundo. Se
arredondarmos o PIB mundial para 80 trilhões de dólares, chegamos a um produto
per capita médio de 11 mil dólares. Isto representa 3.600 dólares por mês por
família de quatro pessoas, cerca de 11 mil reais por mês. É o caso também no
Brasil, que está exatamente na média mundial em termos de renda. Não há razão
objetiva para a gigantesca miséria em que vivem bilhões de pessoas, a não ser
justamente o fato de que “nenhum quadro de referência emergiu para guiar as
políticas e as práticas”: o sistema está desgovernado, ou melhor, mal governado
e não há perspectivas no horizonte.
Na
realidade, a desigualdade atingiu níveis obscenos. Quando oito indivíduos são
donos de mais riqueza do que a metade da população mundial, enquanto 800
milhões de pessoas passam fome, francamente, achar que o sistema está dando
certo é prova de cegueira mental avançada. Essas oito famílias donas de fortuna
produziram tudo isso? Ou simplesmente montaram um sistema de apropriação
riqueza por meio de papéis? E como isto é possível? São donos de papéis
financeiros que rendem.”
“A
concentração de renda é absolutamente escandalosa e nos obriga a ver de frente
tanto o problema ético, da injustiça e dos dramas de bilhões de pessoas, como o
problema econômico, porque excluímos pessoas que poderiam estar vivendo melhor,
contribuindo de forma mais ampla com sua capacidade produtiva e, com sua
demanda, dinamizando a economia. Não haverá tranquilidade no planeta enquanto a
economia for organizada em função de 1/3 da população mundial. Até quando
iremos culpar os próprios pobres pela sua pobreza, pretensa falta de esforço ou
iniciativa, sugerindo indiretamente que a riqueza dos ricos resulta de
dedicação e merecimento? A desigualdade é fruto de um sistema
institucionalizado cuja dinâmica estrutural precisa ser revertida. Os ricos,
por seu lado, têm uma impressionante propensão a achar que são ricos por
excepcionais qualidades próprias. Não faltam discursos econômicos para louvar
esta sabedoria.”
“A desigualdade em termos de riqueza ou patrimônio tem sido amplamente
divulgada, em particular depois da crise de 2008. Trata-se do patrimônio
domiciliar líquido (net household wealth), que apresenta desigualdade
radicalmente maior do que o acesso à renda. A lógica é simples: quem recebe
salário médio ou baixo paga comida e transporte, quem tem alta renda compra
casas para alugar, ações e outras aplicações financeiras que rendem. Isto leva
a um processo de acumulação de fortuna, ainda mais quando passa de pai para
filho, criando castas de ricos. Um exemplo simples ajuda a entender o processo
de enriquecimento cumulativo: um bilionário que aplica um bilhão de dólares
para render módicos 5% ao ano está aumentando a sua riqueza em 137 mil dólares
por dia. Não dá para gastar em consumo esta massa de rendimentos. Reaplicados,
os 137 mil irão gerar uma fortuna anda maior. É um fluxo permanente de direitos
sobre a produção dos outros, recebido sem tirar as mãos no bolso.7”
7 A falta de correspondência entre o esforço
produtivo e a remuneração está no centro da preocupação do Relatório sobre
Desenvolvimento Humano 2015 da ONU, que constata que “sem políticas
adequadas, a desigualdade de oportunidades e de recompensas no mundo do
trabalho pode gerar divisões, perpetuando as desigualdades na sociedade. “
A expressão “pode gerar divisões” faz parte da forma moderada como a ONU
apresenta problemas críticos.
“Os dados abaixo fazem parte da pesquisa do grupo financeiro suíço Crédit
Suisse, instituição insuspeita de antipatia para com os ricos.
A Pirâmide da Riqueza Global
Fonte: James Davies,
Rodrigo Lluberas e Anthony Shorrocks, Credit Suisse Global Wealth Databook
2016: https://goo.gl/NBgokb8
A
leitura da pirâmide é simples. No topo, os adultos que têm mais de um milhão de
dólares são 33 milhões de pessoas, o equivalente a 0,7% do total de adultos no
planeta. Somando a riqueza de que dispõem, são 116,6 trilhões de dólares, o que
representa 45,6% dos 256 trilhões da riqueza avaliada. É importante lembrar que
as grandes fortunas desta parte de cima da pirâmide não são propriamente de
produtores, mas de gente que lida com papéis financeiros, fluxos de informação
ou intermediação de commodities. O topo da pirâmide é particularmente
interessante e composto pelos chamados ultra ricos (ultra high net worth
individuals). Se ampliarmos o 0,7% mais ricos para 1%, constatamos que este
1% tem mais riqueza do que os 99% restantes do planeta. Note que parte
importante das grandes fortunas não aparece por estar em paraísos fiscais, como
salienta James Henry, do Tax Justice Network.9”
9 Crédit Suisse Global Wealth Report – 2016 – https://www.credit-suisse.com/us/en/about-us/research/research-institute/news-and-videos/articles/news-and-expertise/2016/11/en/the-global-wealth-report-2016.html; Com diferente metodologia, o WIDER (World
Institute for Development Economics Research) da Universidade das Nações Unidas
já vinha estudando a concentração de riqueza e concluiu que “no mundo,
estima-se que os 2% mais ricos são donos de mais da metade da riqueza global
total, e que esta elite reside quase exclusivamente na América do Norte, Europa
Ocidental, e países ricos do Pacífico Asiático”. James B. Davies, Personal
Wealth from a Global Perspective, 2008 – https://www.wider.unu.edu/publication/personal-wealth-global-perspective.
“• Desde 2015, o 1% mais rico detinha mais riqueza que o resto do
planeta.
•
Atualmente, oito indivíduos detêm a mesma riqueza que a metade mais pobre do
mundo.
•
Ao longo dos próximos 20 anos, 500 pessoas passarão mais de US$ 2,1 trilhões
para seus herdeiros – uma soma mais alta que o PIB da Índia, que tem 1,2 bilhão
de habitantes.
• A
renda dos 10% mais pobres aumentou cerca de US$ 65 entre 1988 e 2011, enquanto
a do 1% mais rico aumentou cerca de US$ 11.800, ou seja, 182 vezes mais.
(Oxfam, 2016, p.2).
A
concentração de renda e de riqueza no planeta atingiu níveis absolutamente
obscenos.10 A financeirização dos processos
econômicos há décadas se alimenta da apropriação dos ganhos de produtividade,
essencialmente possibilitados pela revolução tecnológica, de forma radicalmente
desequilibrada. O mecanismo é descrito de maneira particularmente competente
por Gar Alperovitz e Lew Daly, no pequeno livro Apropriação Indébita: Como
os Ricos Estão Tomando a Nossa Herança Comum. Os autores lembram que se não
fossem as tecnologias desenvolvidas durante e após a II Guerra Mundial, como o
computador, o transistor e outras inovações, um Bill Gates ainda estaria
brincando com tubos catódicos na sua garagem. Os avanços tecnológicos são
planetários e da sociedade em geral, mas a apropriação é concentrada. Os
autores desenvolvem o conceito de “renda não merecida”.11
Esta
concentração não se deve apenas à especulação financeira, mas sua contribuição
é dominante. Além disso, é absurdo desviar o capital das prioridades
planetárias óbvias. Tentando entender as dimensões da crise de 2008, a
publicação inglesa The Economist traz uma cifra impressionante sobre o
excedente social, essencialmente gerado por avanços tecnológicos da área
produtiva, mas apropriado pelo setor qualificado de “indústria de serviços financeiros”.
“A indústria de serviços financeiros está condenada a sofrer uma horrível
contração. Na América, a sua participação nos lucros corporativos totais subiu
de 10%, no início dos anos 1980, para 40% no seu pico em 2007.”12
Gera-se
uma clara clivagem entre os que trazem inovações tecnológicas e produzem bens e
serviços socialmente úteis – os engenheiros do processo, digamos assim – e o
sistema de intermediários financeiros que se apropriam do excedente e deformam
a orientação do conjunto. Os engenheiros do processo criam importantes avanços
tecnológicos, mas a sua utilização e comercialização pertencem a departamentos
de finanças, de marketing e de assuntos jurídicos que dominam nas empresas, e
acima deles os acionistas e grupos financeiros que os controlam. É um sistema
que gerou um profundo desnível entre quem contribui produtivamente para a
sociedade e quem é remunerado.
Ao
juntarmos os dois gráficos – do New Scientist sobre os megatrends
históricos na área ambiental e da pirâmide do relatório da Oxfam –, chegamos a
uma conclusão bastante óbvia: estamos destruindo o planeta para o proveito de
quando muito 1/3 da população mundial, e de forma muito particular para o
proveito do 1%. Estes são os dados básicos que orientam as nossas ações
futuras: inverter a marcha da destruição do planeta e inverter o processo
cumulativo de geração da desigualdade. Para isso temos justamente de reorientar
a alocação dos recursos financeiros.
A
verdade é que sequer medimos a qualidade da alocação dos recursos. A nossa principal
medida de progresso, o PIB, não mede nem o desastre ambiental nem o drama
social. Não contabiliza o que se produz, nem a quem vai o produto, nem a
redução do capital natural do planeta, além de contabilizar como positiva a
poluição que exige grandes programas de recuperação. Na realidade, o PIB
apresenta apenas a média nacional de intensidade de uso da máquina produtiva.13
Um
sistema em que o eixo de motivação se limita ao lucro, sem precisar se envolver
nos impactos ambientais e sociais, fica preso na sua própria lógica. Tem tudo a
ganhar com a extração máxima de recursos naturais e a externalização de custos,
e nada a ganhar produzindo para quem tem pouca capacidade aquisitiva. A
motivação do lucro a curto prazo age tanto contra a sustentabilidade como
contra o desenvolvimento inclusivo. A deformação é sistêmica. É o próprio
conceito de governança corporativa que precisa ser repensado. As regras do jogo
precisam mudar. Não se sustenta mais a crença de que se cada um buscar as suas
vantagens individuais o resultado será o melhor possível. Não há como escapar
da necessidade de resgatar a governança do sistema. E a janela de tempo que
temos para fazê-lo é cada vez mais estreita.”
10 Há imensa literatura que já
vinha alertando sobre o assunto. Uma excelente análise do agravamento destes
números pode ser encontrada no relatório Report on the World Social
Situation 2005:The Inequality Predicament, United Nations, New York 2005. O
documento do Banco Mundial, The Next 4 Billion, que avalia em 4 bilhões
as pessoas que estão “fora dos benefícios da globalização”, é igualmente
interessante – IFC. The Next 4 Billion, Washington, 2007. Estamos
falando de dois terços da população mundial. Desde o início da crise financeira
em 2008, os números vêm se agravando, atingindo agora com força os próprios
países ditos desenvolvidos, e em particular os Estados Unidos, gerando um clima
amplo de frustração.
11 Gar Alperovitz e Lew Daly, Apropriação
indébita: como os ricos estão tomando a nossa herança comum – Ed. Senac,
São Paulo 2010. Veja resenha em http://dowbor.org/2010/11/apropriacao-indebita-como-os-ricos-estao-tomando-a-nossa-heranca-comum.html/
12 No original, “The
financial-services industry is condemned to suffer a horrible contraction. In
America the industry’s share of total corporate profits climbed from 10% in the
early 1980s to 40% at its peak in 2007 “ The Economist, A Special
Report on the Future of Finance, 24 de janeiro, 2009, p. 20
13 Ver em particular o relatório
de Amartya Sen, Joseph Stiglitz e Jean Paul Fitoussi, Report by the Commission
on the Measurement of Economic Performance and Social Progress, disponível
em www.stiglitz-sen-fitoussi.fr – O desastre ambiental da British
Petroleum no Golfo do México elevou o PIB dos EUA, pelo volume de atividades
exigidas para limpar o litoral e descontaminar uma grande região. O PIB mede a
intensidade de uso de recursos, não a utilidade do que é feito. Veja minha nota
técnica sobre esta contabilidade deformada em http://dowbor.org/2009/04/o-debate-sobre-o-pib-estamos-fazendo-a-conta-errada-abr-2.html/
“O
ponto fundamental é que não é a falta de recursos financeiros que gera as
dificuldades atuais, mas a sua apropriação por corporações financeiras que os
usam para especular em vez de investir. O sistema financeiro passou a usar e
drenar o sistema produtivo, em vez de dinamizá-lo. (...)
Vimos
acima o dado do Crédit Suisse de que o 1% mais rico detém mais recursos do que
os 99% restantes do planeta. São fortunas tão grandes que não podem ser
transformadas em demanda, por mais consumo de luxo que se faça. Assim, são
reaplicadas em outros produtos financeiros. E a realidade fundamental é que a
aplicação financeira rende mais do que o investimento produtivo. O PIB mundial
cresce num ritmo situado entre 1% e 2,5% segundo os anos. As aplicações
financeiras rendem acima de 5%, e frequentemente muito mais. Gerou-se portanto
uma dinâmica de transformação de capital produtivo em patrimônio financeiro: a
economia real sugada pela financeirização planetária. (...)
Os
recursos existem, mas a sua produtividade é esterilizada por um sistema
generalizado de especulação que drena as capacidades de investir na economia
real. Igualmente importante, os próprios recursos públicos, ou seja os nossos
impostos, alimentam hoje esta máquina.
As
ordens de grandeza são impressionantes. Para efeitos comparativos, lembremos
que o imenso esforço global de se enfrentar a mudança climática, desenhado no
acordo de Paris em 2015, estabeleceu o ambicioso objetivo de levantar 100
bilhões de dólares anuais para financiar as iniciativas do mundo em
desenvolvimento que possam mitigar os impactos. Tal soma de recursos parece
importante. No entanto, as pesquisas do Tax Justice Network e outros grupos, a
partir da crise de 2008, mostram que só em recursos não declarados colocados em
paraísos fiscais – portanto recursos que além de não serem investidos, sequer
pagam os impostos devidos – temos entre 21 e 32 trilhões de dólares. The
Economist arredonda para 20 trilhões e as cifras podem variar um pouco. O
fato é que o que roda no mundo especulativo paralegal dos paraísos fiscais
representa 200 vezes mais do que o ambicioso objetivo da cúpula mundial de
Paris. E se compararmos o estoque de recursos em paraísos fiscais com o PIB
mundial, da ordem de 80 trilhões de dólares, não há como não ver o desajuste
entre os meios e os fins.”
“No
seu relatório sobre a situação econômica mundial e perspectivas para 2017, a
ONU constata que “o capital internacional permanece volátil, e se estima que os
fluxos líquidos para países em desenvolvimento deverão permanecer negativos
pelo menos durante 2017, o que ressalta os desafios do financiamento do
desenvolvimento sustentável no longo prazo.” (p. VIII) Os “fluxos líquidos
negativos” significam que os pobres estão financiando os ricos, ou seja, o
sistema financeiro drena. Quando somos assaltados e nos roubam a carteira, em
geral isto significa também um fluxo líquido negativo. A linguagem da ONU é
imbatível.15
Mais
importante ainda é que se trata de um sistema que sequer investe de maneira
produtiva os recursos drenados: “O investimento produtivo regrediu nos últimos
anos, com grande parte de dívida acumulada canalizada para o setor financeiro e
ativos imobiliários, aumentando o risco de bolhas de ativos em vez de estimular
a produtividade em geral.”(p.33) A mesma análise é apresentada para a dívida das
corporações, “que não tem sido utilizada para financiar atividades produtivas,
mas sim canalizada essencialmente para alguns poucos setores que apresentam,
nos melhor dos casos, um impacto ambíguo sobre a produtividade de longo prazo e
o investimento construtivo.”(p.89) Tal avaliação do principal relatório
econômico da ONU ajuda a fundamentar o eixo do presente estudo: o sistema
financeiro não só drena, como não financia a produção. O que nos interessa
deixar claro aqui é que não é a falta de recursos que assola o mundo, e sim o
seu uso descontrolado, ou controlado apenas por quem não tem interesse em
torná-lo socialmente e economicamente útil.”
15 UN – World Economic Situation and Prospects 2017 – New York,
2017 http://www.un.org/en/development/desa/policy/wesp/
“Delineamos
até aqui esse tipo de Triângulo das Bermudas constituído pelo drama ambiental,
a tragédia social e o caos financeiro. Os nossos dilemas não são misteriosos.
Estamos administrando o planeta para uma minoria, por meio de um modelo de
produção e consumo que acaba com os nossos recursos naturais, transformando o
binômio desigualdade/meio ambiente numa autêntica catástrofe em câmara lenta.
Enquanto isto, os recursos necessários para financiar as políticas de
equilíbrio estão girando na ciranda dos intermediários financeiros, nas mãos de
algumas centenas de grupos que sequer conseguem administrar, com um mínimo de
competência, as massas de dinheiro que controlam.
O
desafio é reorientar os recursos para financiar as políticas sociais destinadas
a gerar uma economia inclusiva e, também, financiar a reconversão dos processos
de produção e de consumo que permitam reverter a destruição do meio ambiente.
Falta convencer, naturalmente, o 1% que controla este universo financeiro, seja
diretamente através dos bancos e outras instituições e, cada vez mais, de modo
indireto por meio da apropriação dos processos políticos e das legislações. As
pessoas não entendem o que é um bilionário. Realmente não é uma questão que faz
parte do nosso cotidiano: o rendimento financeiro é de tal volume que se traduz
apenas em pequena parte em consumo, mesmo de luxo. A maior parte dos
rendimentos é reaplicada e a fortuna se transforma numa bola de neve, gerando
os super-ricos, os que literalmente não sabem o que fazer com o seu dinheiro.
Evidentemente não faltam assessores, contadores, instituições de aconselhamento
para ajudá-los. Como, por exemplo, o próprio Crédit Suisse.
Um
mecanismo importante resulta da diferença entre o comportamento econômico dos
ricos e dos pobres, ou apenas remediados. Na verdade, quem ganha pouco compra
roupa para os filhos, paga aluguel, gasta uma grande parte da sua renda em
comida e transporte. Quem ganha pouco não compra belas casas, fazendas e iates,
menos ainda faz aplicações financeiras de alto rendimento. O pobre gasta, o
rico acumula. O gasto do pobre gera demanda e uma dinâmica econômica mais
forte, enquanto a acumulação de papéis financeiros apenas drena a demanda e a
capacidade de investimento produtivo. Em suma: sem processo redistributivo,
aprofundam-se os dramas ambientais, sociais e econômicos. Não se trata apenas
de justiça e de decência moral. Trata-se de bom senso quanto ao funcionamento
do sistema.”
“Décadas
a fio, temos acompanhado as notícias sobre grandes empresas comprando umas às
outras, formando grupos cada vez maiores, em princípio para se tornarem mais
competitivas no ambiente cada vez mais agressivo do mercado. Mas, naturalmente,
o processo tem limites. Em geral, nas principais cadeias produtivas, a corrida
termina quando sobram poucas empresas que, em vez de guerrear, descobrem que é
mais conveniente se articular e trabalharem juntas, para o bem delas e dos seus
acionistas. Não necessariamente, como é óbvio, para o bem da sociedade.”
“O
impacto mundial da crise de 2008 favoreceu o lançamento de uma série de estudos
sobre as dinâmicas corporativas. Estamos começando a compreender os mecanismos
e a lógica de funcionamento dos gigantes corporativos e da nova configuração
geopolítica e geoeconômica. A partir da pesquisa do Instituto Federal Suíço de
Pesquisa Tecnológica, conforme vimos antes, pode-se identificar os 147 grupos –
75% deles bancos – que controlam 40% do sistema corporativo mundial. Também
temos uma visão mais clara sobre os traders, 16 grupos que controlam a
quase totalidade do comércio de commodities no planeta, com raras
exceções sediados na Suíça. Esses grupos são responsáveis pelas dramáticas
variações de preços de produtos básicos de toda a economia mundial, como grãos,
minerais metálicos e não metálicos, e energia – ou seja, o sangue da economia
do planeta.
Lembremos
ainda que os dados do Crédit Suisse para 2016 mostram que oito famílias detêm
um patrimônio igual ao da metade mais pobre da população mundial, resultado
direto dos mecanismos financeiros, e o 1% mais rico controla mais da metade da
riqueza mundial, ou seja, 1% tem mais patrimônio que os 99% de comuns mortais.
O poder extremamente concentrado dos grandes grupos corporativos, o poder do
sistema financeiro no centro e a extrema concentração da riqueza no planeta
pertencem a uma dinâmica articulada. Funciona sem dúvida para o 1%, de maneira
como nunca antes na história. Mas não funciona para o planeta, nem no plano
ambiental, nem no plano social, e muito menos no plano político. Pior, nem no
plano econômico funciona.”
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