Editora: Edições 70
ISBN: 978-972-44-1845-2
Tradução: Artur Morão
Opinião: ★★★☆☆
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Páginas: 186
Sinopse: Ver Parte
I
“Cinco
passos
O texto fundador que abre The Cultural Turn, a conferência de
Jameson no Whitney Museum of Contemporary Arts no Outono de 1982, que se tornou
o núcleo do seu ensaio “Pós-modernismo — a Lógica Cultural do Capitalismo
Tardio” publicado na New Left Review
na Primavera de 1984, refez com uma penada o mapa inteiro do pós-moderno – um
gesto inaugural prodigioso que, desde então, dominou o campo. Cinco passos
decisivos assinalaram esta intervenção.
O primeiro, e mais fundamental, surgiu com o
seu título – a ancoragem do pós-modernismo nas alterações objectivas da própria
ordem económica do capital. Sem já ser um simples corte estético ou uma
deslocação epistemológica, a pós-modernidade converte-se no sinal cultural de
uma nova fase na história do modo dominante de produção. É surpreendente que
esta ideia, perante a qual Hassan hesitara e que, em seguida, abandonara, tenha
sido de todo estranha a Lyotard e a Habermas, embora ambos viessem de ambientes
marxistas de nenhum modo inteiramente extintos.
No Whitney Museum, o termo “sociedade de
consumo” actuou como uma espécie de mira preliminar para um estudo mais
detalhado. Na versão subsequente, para a New
Left Review, o “novo momento do capitalismo multinacional” torna-se o ponto
central de forma ainda mais plena. Aqui, Jameson referiu a explosão tecnológica
da electrónica moderna e o seu papel como força impulsionadora do lucro e da
inovação; o predomínio organizacional das companhias transnacionais, que
subcontratam no estrangeiro operações de manufactura em lugares de salários
mais baixos; o enorme aumento no âmbito da especulação internacional; e o
crescimento de consórcios dos meios de comunicação, que suscitam um poder sem
precedentes nas comunicações e nas fronteiras. Estes desenvolvimentos tiveram
consequências profundas em toda a dimensão da vida nos países industriais
avançados – ciclos da actividade económica, padrões de emprego, relações de
classe, destinos regionais, eixos políticos. Mas, numa consideração mais ampla,
a mais fundamental de todas as mudanças reside no novo horizonte existencial
destas sociedades. A modernização era agora quase total, apagando os últimos
vestígios não só das formas sociais pré-capitalistas, mas de todo o interior
natural intacto, do espaço ou da experiência, que as sustentara ou lhes havia
sobrevivido.
Num universo assim expurgado da natureza, a
cultura alargou-se de modo inevitável até ao ponto de se tornar virtualmente
co-extensiva à própria economia, não só como a base sintomática de algumas das
maiores indústrias do mundo – o turismo ultrapassa agora todos os outros ramos
de emprego global – mas, muito mais profundamente ainda, como qualquer objecto
material e serviço imaterial, torna-se inseparavelmente signo maleável e
mercadoria vendível. A cultura neste sentido, como tecido inelutável da vida
sob o capitalismo tardio, é agora a nossa segunda natureza. Se o modernismo foi
buscar o seu objectivo e as suas energias à persistência do que ainda não era
moderno, a herança de um passado ainda pré-industrial, o pós-modernismo
significa o termo dessa distância, a saturação de cada poro do mundo no soro do
capital. Sem ser assinalado por nenhuma cesura política forte, por nenhuma
tormenta súbita nos céus históricos, este “apocalipse muito modesto ou suave, a
mais pura brisa marítima”(84), representa uma transformação
importante nas estruturas subjacentes da sociedade burguesa contemporânea.
Quais foram as consequências desta mudança no
mundo objectivo para a experiência do sujeito? O segundo passo distintivo de
Jameson foi uma exploração das metástases da psique, nesta nova conjuntura.
Expresso inicialmente como um comentário conciso sobre a “morte do sujeito”, o
desenvolvimento que fez deste tema depressa se tornou talvez a mais famosa de
todas as facetas da sua construção do pós-moderno. Numa série de
impressionantes descrições fenomenólogicas, Jameson delineou a Lebensvvelt característica da época como
as formas espontâneas da sensibilidade pós-moderna. Era esta uma paisagem
psíquica, afirmou ele, cujo fundamento foi abalado pela grande agitação dos
anos sessenta – quando tantos recintos tradicionais da identidade foram
desfeitos pela dissolução dos constrangimentos usuais – mas agora, após as
derrotas políticas da década de setenta, expurgadas de todos os resíduos
radicais. Entre os traços da nova subjectividade encontrava-se, de facto, a
perda de todo o sentido activo da História, quer como esperança quer como
memória. Desvaneceu-se o sentido carregado do passado – ou como leito febril de
tradições repressivas ou como reservatório de sonhos frustrados; e a expectação
intensa do futuro – como potencial cataclismo ou transfiguração – que
caracterizara o modernismo. Quando muito, recuando gradualmente para um
presente perpétuo, proliferaram retro-estilos e imagens como substitutos do
temporal.
Na era dos satélites e da fibra óptica, por
outro lado, o espacial domina, como nunca antes, este imaginário. A unificação
electrónica da Terra, instituindo a simultaneidade dos acontecimentos em todo o
globo como espectáculo diário, incrustou uma geografia vicária nos recessos de
cada consciência, enquanto as redes envolventes do capital multinacional que,
efectivamente, regem o sistema, excedem as capacidades de toda a percepção. O
predomínio do espaço sobre o tempo na constituição do pós-moderno é, assim,
sempre desequilibrado: pois as realidades a que ele responde constitutivamente
o subjugam – induzindo, como Jameson sugere numa passagem famosa, aquela
sensação que só se pode apreender por uma actualização sardónica da lição de Kant: o “sublime histérico”.
A histeria denota convencionalmente um
exagero da emoção, um fingimento semiconsciente da intensidade para melhor
ocultar uma indiferença interna (ou, psicanaliticamente, o contrário). Para
Jameson, é esta uma condição geral da experiência pós-moderna assinalada por um
“esmorecimento do afecto”, que se segue logo que o Si mesmo antigo se começa a
esbater. O resultado é uma nova falta de profundidade do sujeito, já não
contida em parâmetros estáveis, onde os registos de superior e inferior eram
inequívocos. Aqui, pelo contrário, a vida psíquica torna-se desalentadamente
acidentada e espasmódica, caracterizada por súbitas descidas de nível ou
solavancos da disposição psíquica, que lembram, em parte, a fragmentação da
esquizofrenia. Este fluxo sinuoso e balbuciante exclui o apego ou a
historicidade. De modo significativo, às vacilações do investimento libidinal
na vida privada correspondeu uma evolução dos indicadores generacionais na
memória pública, já que as décadas posteriores aos anos sessenta tenderam a uniformizar-se
numa sequência incaracterística subsumida no rótulo comum do próprio
pós-moderno. Mas se semelhante descontinuidade enfraquece o sentido da
diferença entre os períodos a nível social, os seus efeitos estão muito longe
de serem monótonos a nível individual. Nelas, pelo contrário, as polaridades
típicas do sujeito vão desde a exaltação da “corrida à mercadoria”, os êxtases
eufóricos do espectador ou do consumidor, à dejecção para o coração do “mais
profundo vazio niilista do nosso ser”, como prisioneiros de uma ordem que
resiste a qualquer outro controlo ou significado(85).
Tendo estabelecido o campo de forças da
pós-modernidade nas mudanças estruturais do capitalismo tardio, e subjacente a
elas um escalonamento difuso de identidades, Jameson pôde dar o seu terceiro
passo, no terreno da própria cultura. Aqui, a sua inovação foi tópica. Até
então, toda a amostra do pós-moderno tinha sido sectorial. Levin e Fiedler
tinham-no detectado na literatura; Hassan estendera-o à pintura e à música,
embora mais por alusão do que por exploração; Jencks concentrara-se na
arquitectura; Lyotard insistira na ciência; Habermas aflorara-o na filosofia. A
obra de Jameson teve outro objectivo – uma expansão imponente do pós-moderno ao
longo virtualmente do espectro total das artes e de grande parte do discurso
que as protege. O resultado é um fresco incomparavelmente mais rico e mais
global da época do que qualquer outro registo desta cultura.”
(84) Postmodernism, or, the
Cultural Logic of Late Capitalism, Durham 1991, p. xiv.
“Juntamente com estas mudanças nas artes, e
às vezes até com acção directa no seu seio, os discursos tradicionalmente
implicados no campo cultural sofreram também em si uma implosão. O que antes
eram as disciplinas rigidamente separadas da história da arte, crítica
literária, sociologia, ciência política e história começou agora a perder as
suas linhas claras, a cruzar-se entre si em investigações híbridas,
transversais, que já não seria fácil atribuir a este ou àquele domínio. A obra
de Michel Foucault, observou Jameson, era um exemplo proeminente de semelhante oeuvre esquiva a toda a definição. O que
estava em via de substituir as antigas divisões das disciplinas era um novo
fenómeno discursivo, que se expressa melhor com a sua abreviatura americana: theory – “teoria”. A forma distintiva de
uma boa parte desta obra reflectia a crescente textualização dos seus objectos
— o que se poderia chamar um revivescimento, imensamente mais versátil, da
antiga prática do “comentário”. Exemplos marcantes deste estilo nos estudos
literários foram a escrita desconstrucionista de Paul De Man e o “novo
historicismo” de Walter Benn Michael, grupos de obras que Jameson sujeitou à
admiração, mas também a uma crítica severa, sem rejeitar o próprio
desenvolvimento de que a sua própria obra sobre Adorno se poderia, de múltiplos modos, olhar como um exemplo notável.
Para lá dos seus efeitos imediatos, o que
esta reorganização do campo intelectual assinalou foi uma ruptura mais básica.
A marca da modernidade, segundo a afirmação clássica de Weber, era a
diferenciação estrutural: a autonomização de práticas e de valores, outrora
intimamente associados na experiência social, em domínios nitidamente
separados. Eis o processo que, no juízo de Habermas, nunca pode ser cancelado,
sob pena de retrogressão. Com tais premissas, não podia haver sintoma mais
ominoso de uma fissura no moderno do que o colapso destas divisões, com tanto
esforço obtidas. Era o processo que Fried previra e receara em 1967. Uma década
mais tarde, não só alastrara das artes às humanidades ou às ciências sociais,
mas, com o advento do postal filosófico e o sinal de néon conceptual, estava a
destruir a linha entre elas existente. O que a pós-modernidade parecia
substituir era algo que os grandes teóricos da modernização tinham excluído:
uma impensável desdiferenciação das esferas culturais.
Ancoragem do pós-modernismo nas
transformações do capital; inquirição das alterações do sujeito; extensão do
âmbito da investigação cultural — depois destes, Jameson poderia dar um quarto
passo lógico. Quais eram as bases sociais e o padrão geopolítico do
pós-modernismo? O capitalismo tardio permaneceu uma sociedade de classes, mas
nenhuma classe, no seu seio, continuou a ser a mesma de antes. O vector
imediato da cultura pós-moderna deveria, sem dúvida, encontrar-se na camada de
novos empregados e profissionais afluentes, suscitados pelo rápido crescimento
dos sectores de serviços e especulativos das sociedades capitalistas
desenvolvidas. Por cima do frágil estrato dos yuppies assomavam as estruturas maciças das próprias empresas
multinacionais – vastos servomecanismos de produção e de poder, cujas operações
perpassam a economia global e determinam as suas representações no imaginário
colectivo. Em baixo, por efeito do violento abalo de uma ordem industrial mais
antiga, enfraqueceram as tradicionais formações de classe, enquanto se
multiplicaram identidades segmentadas e grupos localizados, baseados de modo
típico nas diferenças étnicas ou sexuais. À escala mundial – na época
pós-moderna, a arena decisiva – nenhuma estrutura de classe estável se
cristalizara ainda, comparável à de um capitalismo mais antigo. Os que estão em
cima têm a coerência do privilégio; os que se encontram em baixo carecem de
unidade e de solidariedade. Está ainda por aparecer um novo “trabalhador colectivo”.
Trata-se de condições ainda com uma certa indefinição vertical.
Ao mesmo tempo, o súbito alagamento
horizontal do sistema, com a integração, pela primeira vez, de virtualmente
todo o planeta no mercado mundial, significa a entrada de novos povos no
cenário global, cujo peso humano está em rápido crescimento. A autoridade do
passado, em contínuo decrescimento sob as pressões da inovação económica no
Primeiro Mundo, afunda-se de outro modo com a explosão demográfica no Terceiro
Mundo, à medida que novas gerações dos vivos excedem todas as legiões dos
mortos. Esta expansão dos limites do capital dilui, de modo inevitável, os seus
fundos de cultura herdada. O resultado é uma característica descida de “nível”
com o pós-moderno. A cultura do modernismo era inelutavelmente elitista:
produzida por exilados solitários, minorias descontentes e rebeldes, vanguardas
intransigentes. Sendo uma arte forjada, era constitutivamente antagónica: não
só desprezava as convenções de gosto, mas, de modo significativo, desafiava
também as solicitações do mercado. A cultura do pós-modernismo, argumentou
Jameson, é, em contrapartida, muito mais demótica. Pois aqui esteve em acção
uma outra e mais ampla espécie de desdiferenciação. O desprezo pelas fronteiras
entre as belas artes foi um gesto habitual na tradição inconformada da
vanguarda. A dissolução das fronteiras entre os géneros “superiores” e “inferiores”
na cultura em geral, celebrada já por Fiedler no final dos anos sessenta,
respondia a uma lógica diferente. Desde o início, a sua direcção era, sem
margem para erros, populista. O pós-moderno foi, a este respeito, assinalado
pelos novos padrões de consumo e de produção. Por um lado, por exemplo,
proeminentes obras de ficção – enaltecidas por uma propaganda exuberante e por uma
publicidade competitiva – conseguiram entrar regularmente nas listas das mais
vendidas, se não no cinema, de um modo antes impossível. Por outro, um leque
significativo dos grupos até então excluídos – mulheres, minorias étnicas e
outras, imigrantes – tiveram acesso às formas pós-modernas, alargando
consideravelmente a base da produção artística. Quanto à qualidade, foi
inegável um efeito de nivelamento: passara o tempo das grandes assinaturas
individuais e das obras-primas do modernismo. Isto reflectia, em parte, a
reacção excessiva contra as normas do carisma, que eram agora anacrónicas. Mas
expressava igualmente uma nova relação com o mercado – na medida em que esta
era uma cultura de acompanhamento, mais do que de antagonismo, à ordem
económica.
Aqui, porém, reside justamente o poder do
pós-moderno. Enquanto o modernismo, nos seus dias mais prósperos, não fora mais
do que um enclave, acentua Jameson, o pós-modernismo é agora hegemónico. Não
quer isto dizer que ele esgote o campo da produção cultural. Qualquer
hegemonia, como salientou Raymond Williams, foi mais um sistema “dominante” do
que total, um sistema que – em virtude das suas definições selectivas da
realidade – assegurava virtualmente a coexistência de formas “residuais” e “emergentes”
que lhe resistiam. O pós-modernismo exerceu um domínio deste tipo, e não mais.
Mas isto já era assaz amplo. Pois esta hegemonia não era uma ocorrência local.
Pela primeira vez, ele foi tendencialmente global no seu propósito. Não,
todavia, como mero denominador comum das sociedades capitalistas avançadas, mas
como a projecção do poder de uma delas. “Pode dizer-se que o pós-modernismo foi
o primeiro estilo global especificamente norte-americano”(87).
Se estas eram as coordenadas principais do
pós-moderno, qual seria então a posição apropriada perante ele? O passo final
de Jameson foi, porventura, o mais original de todos. Até então, poderia
dizer-se que toda a contribuição significativa à ideia da pós-modernidade
trazia consigo uma forte valoração – negativa ou positiva. Os juízos
antitéticos de Levin e de Fiedler, do último Hassan e de Jencks, de Habermas e
de Lyotard, proporcionam um padrão de orientação. A partir de um leque de
distintas posições políticas, o crítico poderia ou lamentar o advento do pós-moderno
enquanto corrupção do moderno ou celebrá-lo como uma emancipação. Desde muito
cedo – logo depois da sua conferência – Whitney Jameson delineou uma
combinatória engenhosa de tais oposições em “teorias do pós-moderno”,
reproduzidas em The Cultural Turn. O
objectivo deste exercício era indicar o caminho para fora deste espaço fechado,
repetitivo. As próprias posições políticas de Jameson situavam-se muito à
esquerda de qualquer das figuras nele localizadas. Só ele identificou, com
firmeza, o pós-modernismo como um novo estádio do capitalismo, entendido nos
termos marxistas clássicos. Mas
a simples crítica mordaz não foi mais frutuosa do que a adesão. Era necessário
outro tipo de compra.
A tentação a evitar era, acima de tudo, o
moralismo. A cumplicidade do pós-modernismo com a lógica do mercado e do
espectáculo era inegável. Mas a sua simples condenação como cultura era
estéril. Repetidamente – para surpresa de muitos, tanto à esquerda como à
direita – Jameson insistiu na futilidade do moralizar acerca do advento do
pós-moderno. Por exactos que possam ser os juízos locais por ele proferidos,
semelhante moralismo era um “luxo empobrecido”, que uma visão histórica não
poderia fornecer(88). Nisto, Jameson foi fiel a convicções já há
muito acalentadas. As doutrinas éticas pressupunham uma certa homogeneidade
social, em que elas poderiam reescrever exigências institucionais como normas
interpessoais e, assim, reprimir realidades políticas nas “categorias arcaicas
do bem e do mal, já há muito desmascaradas por Nietzsche como vestígios
sedimentares de relações de poder”. Muito antes de se devotar ao pós-moderno,
ele definira a posição a partir da qual o encararia: “a ética, onde quer que
reapareça, pode considerar-se como o sinal de uma tentativa de mistificar e, em
particular, de substituir os juízos complexos e ambivalentes de uma perspectiva
mais adequadamente política e dialéctica pelas simplificações cómodas de um
mito binário”(89).
Estas observações tinham por alvo o moralismo
convencional da direita. Mas aplicavam-se igualmente a um moralismo da
esquerda, que procurava remover ou rejeitar o pós-modernismo em bloco. As
categorias morais eram códigos binários da conduta individual; projectadas no
plano cultural, tornavam-se intelectual e politicamente infrutíferas. Nem eram
de maior proveito os tropos da Kulturkritik,
com a sua fuga tácita para o imaginário de um ou outro passado idílico, a
partir de cuja varanda se poderia reprovar um presente decaído. O
empreendimento em que Jameson embarcou — afirmou ele que isto exigia muitas
mãos era outra coisa. Uma crítica genuína do pós-modernismo não poderia ser uma
sua rejeição ideológica. A tarefa dialéctica consistia antes em abrir através
dele o nosso caminho de modo tão completo que a nossa compreensão do tempo
surgisse, ademais, transformada. Uma compreensão totalizante do novo
capitalismo ilimitado uma teoria adequada à escala global das suas conexões e
disfunções – continuava a ser o projecto marxista irrenunciável. Excluía as respostas maniqueias ao pós-moderno. Aos
críticos de esquerda, inclinados a suspeitar nele uma acomodação, Jameson
replicou como equanimidade. Ainda não existia a acção colectiva necessária para
confrontar esta desordem; mas uma condição da sua emergência era a capacidade
de o apreender a partir de dentro, como um sistema.”
(87) Postmodernism,
p. 20.
(88) Postmodernism,
p. 62.
(89) Fables of Agression – Wyndham
Lewis, the Modernist as Fascist, Berkeley e Los Angeles 1979, p. 56.
“Consequências
Obtidos estes parâmetros, surgira uma
descrição coerente da pós-modernidade. Doravante, uma grande visão domina o
campo, estabelecendo, do modo mais incisivo possível, os termos da oposição
teórica. É um destino normal dos conceitos estratégicos estar sujeitos a uma
absorpção e inversão política inesperada, no decurso da luta discursiva acerca
do seu significado. Caracteristicamente, neste século, o resultado foram os
desvios para a Direita – “civilização”, por exemplo, outrora um estandarte
valoroso do pensamento progressista do Iluminismo, a tornar-se um estigma de
decadência nas mãos do conservadorismo alemão; “sociedade civil”, um termo da
crítica para o marxismo clássico, mas agora ponto de atracção no idioma do
liberalismo contemporâneo. Na autoridade relativa ao termo “pós-modernismo”,
alcançada por Jameson, descortinamos a realização contrária: um conceito cujas
origens visionárias ainda não estavam de todo delidas nos usos cúmplices com a
ordem estabelecida, reconquistado por uma prodigiosa demonstração de
inteligência teórica e de energia, em prol da causa de uma Esquerda
revolucionária. Foi uma vitória discursiva alcançada contra todas as
contingências políticas, num período de hegemonia neoliberal, quando todos os
marcos familiares da Esquerda soçobravam, aparentemente, sob as ondas de uma
reacção avassaladora. Foi decerto conseguida, porque o arranjo cognitivo do
mundo contemporâneo que facultava se apossou de modo inesquecível – ao mesmo
tempo, lírica e causticamente – das estruturas imaginativas e da experiência
vivida do tempo e das suas condições limiares.
Como deveríamos nós situar semelhante
realização? Duas respostas se oferecem. A primeira diz respeito ao
desenvolvimento do próprio pensamento de Jameson. Existe aqui um notável
paradoxo. O vocabulário do pós-moderno surgiu, como acima se referiu,
relativamente tarde a Jameson, após sinais de uma reserva inicial. Mas a sua
problemática já ali se encontrava há muito e desdobra-se através de obras
sucessivas, com uma continuidade assombrosa. Na sua primeira monografia, Sartre – The Origins Of a Style (1961),
escrita aos vinte e poucos anos, ele escrevia já acerca de “uma sociedade sem
um futuro visível, de uma sociedade confundida pela permanência maciça das suas
próprias instituições em que nenhuma mudança parece possível e a ideia de
progresso está morta”(90). Dez anos mais tarde, em Marxism and Form, ao comparar o sedutor bric-a-brac do surrealismo com as
mercadorias de um capitalismo pós-industrial – “produtos sem qualquer
profundidade”, cujo “conteúdo plástico é de todo incapaz de servir de condutor
da energia psíquica” – interrogava-se ele “se não estaremos aqui na presença de
uma transformação cultural de proporções extraordinárias, de uma ruptura
histórica de um tipo inesperadamente absoluto(91)?”
Marxism and Form terminava com a observação
de que havia emergido uma nova espécie de modernismo, articulado por Sontag e
Hassan, que – como havia feito um modernismo mais antigo — já “não contava com a
hostilidade instintiva de um público de classe média, cuja negação ele
representava”, mas era bastante popular;
talvez não nas pequenas cidades do Midwest, mas no mundo dominante da moda e
dos meios de comunicação”. Os filmes de Warhol, as novelas de Burroughs, as
peças de Beckett eram deste jaez; e “não tem força vinculatória alguma a
crítica que se não submeta ao fascínio de todas estas coisas como estilizações
da realidade”(92). Um registo semelhante intenta The Prison-House of Language, onde a “justificação mais profunda” do uso de modelos
linguísticos no formalismo e no estruturalismo não reside tanto na sua validade
científica quanto no carácter das sociedades contemporâneas”, “que proporcionam
o espectáculo de um mundo de formas donde a natureza enquanto tal foi eliminada,
um mundo saturado de mensagens e de informação, cuja rede intrincada de
mercadorias se pode ver como o verdadeiro protótipo de um sistema de signos”.
Havia assim “uma profunda consonância entre a linguística como método e o
pesadelo sistematizado e desencarnado que é, hoje, a nossa cultura”(93).
Passagens como esta soam como outras tantas
afinações orquestrais preliminares para a futura sinfonia. Mas se anteciparam
de modo tão directo motivos condutores da apresentação do pós-moderno feita por
Jameson, havia talvez outro presságio indirecto do que estava para vir. Desde o
início, ele parece ter pressentido uma espécie de petrificação do moderno
enquanto conjunto de formas estéticas, que arrastou o seu interesse para
autores que as desactivaram ou as abordaram rudemente. Os dois romancistas a
que ele dedicou estudos independentes são Jean-Paul Sartre e Wyndham Lewis. Uma das razões da atracção que por eles sentiu é, sem
dúvida, a de que ambos foram escritores altamente políticos, nos extremos
opostos do espectro: Esquerda iconoclasta e Direita radical. A outra, pelo
próprio sublinhada, é o que Jameson chama “optimismo linguístico”, que eles
partilhavam a confiança em que qualquer coisa se podia expressar em palavras,
contanto que fossem assaz impraticáveis(94). Mas igualmente importante,
e não sem relação, era a sua perspectiva face à corrente principal do
modernismo – Lewis isolado pelo seu expressionismo mecanicista, Sartre pelos
seus retornos ao aparato do melodrama. Involuntariamente num caso (a
subsequente negligência de Lewis que preservava, como que numa cápsula do
tempo, “uma frescura e uma virulência” da estilização moribunda no
embalsamamento dos seus grandes contemporâneos), e voluntariamente no outro (o
abandono deliberado de Sartre das formas consagradas e das “vocações
passivas-receptivas” dos grandes modernos)(95), estes escritores
foram aqueles que, a seu modo, tinham já colidido com os limites do modernismo.
Tempos houve em que Jameson pensou que poderia, para lá deles, emergir uma nova
espécie de realismo. Mas o espaço de um salto mortal para o pós-moderno estava
já a ser limpo.
Numa perspectiva biográfica, a deslocação de
Jameson para uma teoria do pós-modernismo afigura-se assim virtualmente
inscrita, desde o início, na sua trajectória — como que com a estranha
coerência de uma “escolha original”, no sentido sartreano. Mas há outro modo de encarar o mesmo resultado. Os escritos de Jameson
sobre o pós-moderno pertencem a uma linha intelectual específica. Nos anos a
seguir à Primeira Guerra Mundial, quando a grande onda de agitação
revolucionária na Europa Central esmorecera e o Estado soviético estava já
burocratizado e isolado, desenvolveu-se na Europa uma diferente tradição
teórica que viria a adquirir o nome de marxismo ocidental. Nascido da derrota
política – o esmagamento das sublevações proletárias na Alemanha, na Áustria,
na Hungria e na Itália por que tinham passado os seus primeiros grandes
pensadores, Lukács, Korsch e Gramsci – este
marxismo estava separado do corpo clássico do materialismo histórico por uma
profunda cesura. Na ausência de uma prática revolucionária popular,
desvaneceu-se a estratégia política para o derrube do capital, e uma vez que a
grande depressão transitou para a Segunda Guerra Mundial, também a análise
económica das suas transformações tendeu a eclipsar-se.
Em compensação, o marxismo ocidental
encontrou o seu centro de gravidade na filosofia, onde uma série de
proeminentes pensadores da segunda geração — Adorno, Horkheimer, Sartre, Lefebvre, Marcuse – construiu
um notável campo de teoria crítica, não no isolamento quanto às correntes
ambientes do pensamento não-marxista, mas tipicamente em tensão criativa com
elas. Era uma tradição profundamente preocupada com questões de método – a
epistemologia de uma compreensão crítica da sociedade — acerca da qual o
marxismo clássico deixara poucos indicadores. Mas o seu propósito filosófico
não era apenas processual: tinha um foco central de preocupação substantiva,
que constituiu o horizonte comum desta linha enquanto todo. O marxismo
ocidental foi, acima de tudo, um conjunto de investigações teóricas da cultura
do capitalismo desenvolvido. O primado da filosofia na tradição deu a estes
estudos um cunho particular: não exclusivamente, mas de modo decisivo, mantiveram-se
fiéis às preocupações da estética. A cultura, fosse qual fosse o seu conteúdo,
significava, acima de tudo, o sistema das artes. Lukács, Benjamin, Adorno, Sartre, Della Volpe constituíam
aqui a regra; Gramsci ou Lefebvre, com um sentido mais antropológico de
cultura, a excepção(96).
Em virtude das suas características comuns
enquanto tradição, o marxismo ocidental teve, de múltiplos modos e relativamente,
uma escassa consciência de si. Em geral, os seus pensadores principais estavam
muito pouco informados uns acerca dos outros através das fronteiras
linguísticas dentro da Europa. O primeiro trabalho que permitiu uma sinopse do
seu repertório só apareceu no início da década de 70, vindo da América: e foi,
nem mais nem menos, Marxism and Form.
Aqui, como em nenhum texto anterior, surgiu numa perspectiva elegante a unidade
e a diversidade do marxismo ocidental. Embora o livro de Jameson se concentrasse
em Adorno e Benjamin, Bloch e Marcuse, Lukács e Sartre, deixando de lado
Lefebvre e Gramsci – foi nisso fiel à promessa do seu título. A corrente
dominante desta descendência era estética. Pela primeira vez, poderia dizer-se,
o marxismo ocidental foi tacitamente confrontado com a sua verdade. Todavia,
que significava semelhante totalização para o futuro desta tradição? Muitos
foram, e no seu número me incluo, os que pensaram que as condições que o haviam
produzido já tinham desaparecido, e que provavelmente outros tipos de marxismo
— mais próximos dos modelos clássicos — o haveriam de substituir.
Este juízo assentava no fermento radical
renovado na Europa Ocidental do final dos anos sessenta e do princípio da
década de setenta e no retorno visível das energias intelectuais para as
questões da economia política e da estratégia, que tinham dominado os
propósitos mais antigos do materialismo histórico. A convulsão francesa de Maio
de 1968 poderia olhar-se como um farol giratório desta mudança, emitindo o sinal
de que o marxismo ocidental estava agora ultrapassado, transitando para a
categoria de uma herança venerável. Um juízo mais acutilante viu a revolta de
Maio a uma luz algo diferente, não como o fim, mas como o clímax dessa
tradição. Raiding the Icebox de Peter
Wollen é a única obra cujo poder se pode comparar com a de Jameson enquanto
mapa da cultura do século XX. Um episódio central na sua narrativa é a crónica
da Internacional Situacionista, a última das vanguardas históricas, “cuja
dissolução em 1972 assinalou o fim de uma época, iniciada Paris com o Manifesto
Futurista de 1909. Mas o situacionismo, que foi beber a Lukács, Lefebvre e
Breton, não era apenas isto. Ao desencadearmos teoricamente a explosão de Maio
de 1968, observa Wollen, “podemos vê-la também como a recapitulação do marxismo
ocidental”(97).Esta era uma leitura mais plausível. Mas o seu
resultado foi, todavia, de todo similar. Era necessário aprender e valorizar as
lições do marxismo ocidental e das vanguardas clássicas, mas a sua época acabara
– “chegara ao fim um período”(98).
A obra de Jameson mostraria que este
veredicto era inteiramente falso. A sua teorização do pós-modernismo, encetada
no princípio da década de 80, ocupa um lugar entre os grandes monumentos
intelectuais do marxismo ocidental. De facto, poderia dizer-se que essa
tradição alcançou aqui a sua culminação. Nascendo, mais uma vez, de uma
experiência de fiasco político — o esvanecimento da agitação dos anos 60 – e
desenvolvendo-se num contacto crítico com novos estilos de pensamento – estruturalista,
desconstrucionista, neo-historicista — longe do marxismo, a obra de Jameson
sobre o pós-moderno respondia às mesmas coordenadas básicas que os textos
clássicos do passado. Mas embora ela seja, neste sentido, a continuação de uma
série, é também a recapitulação do conjunto, num nível segundo. Pois aqui
surgem misturados numa formidável síntese diferentes instrumentos e temas do
repertório do marxismo ocidental. A Lukács foi Jameson buscar o seu empenho na
periodização e no fascínio com a narrativa; em Bloch bebeu um respeito pelas
esperanças e pelos sonhos ocultos num mundo objectivo conspurcado; em Sartre
encontrou uma fluência excepcional com as texturas da experiência imediata; de
Lefebvre assimilou a curiosidade acerca do espaço urbano; em Marcuse deparou
com a busca do trilho do consumo da alta tecnologia; de Althusser extraiu uma concepção positiva da ideologia, enquanto imaginário social
necessário; de Adorno aprendeu a ambição de representar a totalidade do seu
projecto como simples “composição metafórica”(99).
Tais elementos não permanecem juntos e
inertes numa combinação forçada. São mobilizados num empreendimento original
que, aparentemente, os absorve sem esforço. Duas características conferem a
esta obra a sua unidade peculiar. A primeira é a prosa do próprio Jameson.
Observou ele, uma vez, que dos pensadores do marxismo ocidental Adorno era, “entre
todos, o estilista supremo”(100).Mas alturas há em que qualquer
leitor poderá suspeitar se a descrição se não aplicará melhor, ou de qualquer
modo com mais consistência, a ele próprio. O seu primeiro livro abria com as
seguintes palavras: “Sempre me pareceu que um estilo moderno é algo inteligível
em si mesmo, acima e para lá do significado limitado do livro nele escrito, dos
sentidos precisos que as frases singulares, que o integram, tentam transmitir(101).”
Estudos futuros dos escritos de Jameson poderiam tomar isto como um mote. Por
agora, basta advertir duas características de um estilo de esplendor
irresistível. Os ritmos amplos de uma sintaxe complexa e, todavia, flexível – quase
jamesiana nas suas formas de alocução — levam a cabo a absorção de muitas
fontes variegadas na própria teoria; enquanto as súbitas erupções de
intensidade metafórica, os estimulantes saltos figurativos com um brilho ousado
muito seu, surgem como emblemas de movimentos diagonais arriscados, mais
próximos de uma inteligência poética do que analítica, com que esta obra
inesperadamente cruza e liga sinais díspares do fenómeno total em vista.
Lidamos com um grande escritor.
Ao mesmo tempo, a obra de Jameson sobre o
pós-moderno unifica as fontes em que bebe, no sentido substantivo mais
profundo. A tradição marxista ocidental foi atraída para o estético como
consolação involuntária pelos impasses do político e do económico. O resultado
foi um leque notável de reflexões sobre aspectos diferentes da cultura do
capitalismo moderno. Mas estes nunca foram integrados numa teoria consistente
do seu desenvolvimento económico, permanecendo antes, de modo típico, num
ângulo algo desligado e especializado do movimento mais amplo da sociedade:
mesmo se acusada de um certo idealismo, do ponto de vista de um marxismo mais
clássico. Em contrapartida, a elucidação que Jameson faz do pós-modernismo
desenvolve, pela primeira vez, uma teoria da “lógica cultural” do capital,
oferecendo ao mesmo tempo um retrato das transformações desta forma social
enquanto totalidade. Trata-se de uma visão muito mais compreensível. Aqui, na
passagem do sectorial para o geral, a vocação do marxismo ocidental alcançou a
sua mais plena consumação.
As condições deste alagamento eram
históricas. A opinião de que o final dos anos sessenta assinalou uma ruptura
crítica no panorama da Esquerda não era de todo errada. Intelectualmente, como
o próprio título do seu ensaio e do seu livro indica, a viragem de Jameson para
a teoria do pós-moderno foi possibilitada pelo livro de Mandel, O Capitalismo Tardio, um estudo
económico que se situava numa tradição distinta de qualquer matiz do marxismo
ocidental. Empiricamente, a própria vida económica estava, de qualquer modo,
tão perpassada pelos sistemas simbólicos de informação e persuasão que perdera
significado a noção de uma esfera independente da produção mais ou menos acultural.
Doravante, qualquer teoria importante da cultura estava obrigada, como nunca
antes, a abranger mais aspectos da civilização do capital. O objecto
tradicional do marxismo ocidental sofreu um imenso alagamento. Por isso, a
retomada por Jameson da sua herança podia dar lugar a uma descrição muito mais
central e política das condições da vida contemporânea do que as precedentes
onde ela foi beber.
Crucial para o efeito da exposição de Jameson
é aqui o seu sentido de “epocalidade”. Este modo de ler os sinais do tempo deve
muito a Lukács. Mas os principais exercícios de Lukács na análise epocal, A Alma e as Formas e A Teoria do Romance, permanecem
estéticas ou metafísicas. Quando se deslocou para o político, no seu notável e
pequeno estudo Lenine, Lukács definiu
a época inaugurada com a catástrofe da Grande Guerra como marcada, acima de
tudo, pela “actualidade da revolução”. Desfeita, porém, esta expectativa pelos
acontecimentos, já nenhuma descrição se podia seguir. Foi então Gramsci, o
pensador dentro do marxismo ocidental a que Jameson menos recorrera, que tentou
apreender a natureza da consolidação ou das contrarrevoluções do capital, entre
as guerras. As suas notas sobre o fordismo representam, na realidade, o único
precedente real nesta tradição para o empreendimento de Jameson. Não foi por
acaso que elas suscitaram tanta discussão, depois da Segunda Guerra Mundial, ou
tentativas várias para esboçar as características de um “pós-fordismo”, nas
décadas de setenta e oitenta.
Mas, apesar de poderosas e originais (às
vezes, intensamente idiossincráticas), as ideias de Gramsci acerca do fordismo
– incluindo a produção em massa, a rigorosa disciplina do trabalho e os
elevados níveis dos salários nos Estados Unidos, o puritanismo para as classes
mais baixas e a libertinagem para as camadas superiores, a religião sectária na
América liberal e a organização corporativista na Itália fascista – permaneciam,
todavia, lacónicas e assistemáticas. De certo modo, a sua “epocalidade” também
errou o alvo. À frente do seu tempo em muitos aspectos, atrás dele nuns
quantos, estas notas revelaram-se após os acontecimentos, sobretudo como
sugestivas. A exposição que Jameson faz do pós-moderno não contém lampejos
comparáveis sobre o processo laboral ou a produção, em virtude de ele se apoiar
numa literatura económica independente e muito peculiar. Mas é, sem dúvida,
imensamente mais desenvolvida e pormenorizada quanto à definição de uma época,
e baseada na experiência contemporânea. Contudo, muito da carga crítica desta
teoria brota também da sua tensão com o clima genuíno da época, que ela
delineia. Lemos, de facto, na primeira frase de Postmodernism: “É mais seguro apreender o conceito do pós-moderno
como uma tentativa de pensar historicamente o presente numa época que se
esqueceu de como pensar, em primeiro lugar, de um modo histórico”(102).
Se, de toda a maneira, a obra de Jameson
surge como um grandioso final do marxismo ocidental, por outro lado, ela
excedeu significativamente esta tradição. Nascida e alimentada na Europa, a
obra dos seus pensadores mais importantes nunca foi muito além dela como força
intelectual. Lukács foi conhecido
no Japão antes da guerra e, no exílio, a Escola de Francoforte descobriu os
Estados Unidos. Mais tarde, Sartre foi lido por Fanon, e Althusser estudado na América Latina. Mas, no essencial, era um marxismo cujo
raio de influência permanecia restringido ao núcleo original do mundo
capitalista avançado: ocidental não só nas suas origens e nos seus temas, mas
também no seu impacto. A teoria do pós-moderno de Jameson rompeu com este
padrão. As suas formulações iniciais centraram-se inicialmente na América do
Norte. Mas à medida que a sua obra sobre a questão se desenvolveu, também as
suas implicações se alargaram: o pós-modernismo, concluiu ele, era – não de
modo adicional, mas intrínseco – o éter cultural de um sistema global que
controlava todas as divisões geográficas. A sua lógica suscitou uma viragem
importante no próprio campo da investigação de Jameson.”
(90) Sartre
– The Origins Of a style, Nova lorque 1984 (2ª edição), p. 8.
(91) Marxism
and Form, p. 105.
(92) Marxism and Form, pp.
413-414.
(93) The Prison-House of Language,
Princeton 1972, pp. xviii-x.
(94) Sartre, p. 204; Fables of Aggression, p. 86.
(95) Fables of Aggression, p.
3; Sartre, p. 219.
(96) Discuti o fundo geral e a especificidade
desta tradição em Considerations on
Western Marxism, Londres 1976: acerca da última característica, ver pp.
75-78.
(97) Raiding the Icebox.
Reflections on Twentieth Century Culture, Londres 1993, p. 124.
(98) Ibid.
(99) Ver Marxism and Form, p.
7.
(100) Marxism and Form, p.
xiii.
(101) Sartre,
p. vi.
(102) Postmodernism, p. ix.
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