quinta-feira, 13 de janeiro de 2022

A era do Capital Improdutivo (Parte III), de Ladislau Dowbor

Editora: Outras Palavras & Autonomia Literária

ISBN: 978-85-6953-611-6

Opinião: ★★★☆☆

Páginas: 316

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Sinopse: Ver Parte I



O princípio do equilíbrio político a que estamos submetidos é simples: é preciso manter “a confiança dos investidores”, ou seja, mantê-los gordos e bem alimentados, sem o que se revoltam. Evidentemente não se trata de investidores, no sentido estrito de investidores produtivos, mas sim de aplicadores financeiros, que ganham pelo que rendem os papéis, sem comum proporção com o que contribuem com a economia. Pelo contrário, ao extraírem mais do que contribuem, geram um impacto líquido negativo sobre toda a economia. Vimos antes a avaliação de Epstein e Montecino que de cada dólar que chega aos intermediários financeiros, apenas 10 centavos retornam para investimento produtivo. Não conheço nenhum dado que me permita avaliar a proporção correspondente no Brasil. Ou seja, não temos elementos para avaliar o mais importante, qual a produtividade do sistema financeiro do país. Mas estamos aqui sempre sob a mesma lógica: rende mais aplicar em papéis do que produzir, e a economia produtiva é simplesmente drenada.

A população em geral é literalmente sugada do resultado dos seus esforços através de três mecanismos convergentes. O mais tradicional resulta do fato da produtividade do trabalhador aumentar sem que os salários aumentem de maneira correspondente. Temos aqui a mais-valia extraída pela compressão da remuneração dos trabalhadores. Na mesma linha se situa a redução ou não aumento dos salários quando são comidos pela inflação.

Uma segunda forma de reduzir o rendimento dos trabalhadores tem a ver com o salário indireto: o acesso à escola pública, serviços de saúde, à seguridade social em geral, às diversas formas de acesso aos bens e serviços de consumo coletivo. Quando se ataca esta outra forma de rendimento, por exemplo, transformando os impostos em pagamentos sobre a dívida pública, ou congelando a capacidade do governo expandir políticas sociais, o resultado é outra frente de redução da participação da maioria no produto social.

Uma terceira forma de reduzir o direito da população de ter acesso aos bens e serviços é por meio da elevação da taxa de juros tanto para pessoa física como jurídica. Quando uma pessoa física é obrigada a pagar mais de 100% sobre um produto vendido a prazo – desconforto evitado pelas pessoas ricas que têm como pagar à vista – sua capacidade de compra foi dividida por dois: ficou mais pobre. Quando uma pequena empresa é extorquida pelos juros bancários – coisa que uma multinacional evita ao pegar empréstimos no exterior ou pela matriz, com juros incomparavelmente menores – sua capacidade de investir e de produzir é drasticamente reduzida.

Se juntarmos os juros sobre a dívida pública que restringem o acesso da população a bens públicos, com os juros que encarecem o consumo e travam o investimento, temos aqui um fenômeno de apropriação indébita generalizado: a extração de uma parte do excedente socialmente produzido por quem se limitou a controlar e exigir o rendimento dos seus papéis.”

 

 

“Ainda que se trate de bens físicos como minério de ferro ou soja, o fato é que no plano internacional as variações são diretamente ligadas às atividades financeiras modernas, como vimos no capítulo sobre commodities. Não há razões significativas em termos de volumes de produção e de consumo mundial que justifiquem as enormes variações de preços de commodities no mercado internacional. Os volumes de produção e consumo de petróleo, por exemplo, situam-se em torno de 95-100 milhões barris por dia, com muito poucas alterações. Mas as movimentações diárias de trocas especulativas sobre o petróleo ultrapassam três bilhões de barris, cerca de 30 vezes mais. São estas movimentações especulativas que permitem entender que com um fluxo estável do produto real que é petróleo oscile tanto em poucos meses.

O que movimenta os preços neste caso não é a economia chinesa, ou uma decisão da Arábia Saudita ou ainda a entrada do Irã de volta ao mercado, mas sim a expectativa de ganhos especulativos dos traders, hoje 16 grupos que controlam o comércio mundial de commodities . Estes grupos, concentrados em Genebra, alimentam o chamado mercado de derivativos, que hoje é da ordem de 500 trilhões de dólares, para um PIB mundial de 80 trilhões. Neste sistema estão todos os grandes grupos financeiros mundiais, gerando imensa instabilidade tanto para os países produtores como para os países consumidores.

O essencial para o nosso raciocínio aqui é que as soluções no curto e no médio prazo, para a economia brasileira, concentram-se no mercado interno, no consumo das famílias, nas atividades empresariais e nos investimentos públicos em infraestruturas e políticas sociais. Com a instabilidade internacional gerada por um caos financeiro que não consegue definir instrumentos de regulação, as soluções para o Brasil aparecem essencialmente nas dinâmicas internas, inclusive compensando com a expansão do mercado interno a fragilidade das perspectivas internacionais. Não se trata de subestimar o impacto das nossas perdas nas exportações como fator de travamento da economia, mas sim entender que de longe a dinâmica principal está nas atividades voltadas para a demanda interna. Uma melhora nos preços das nossas exportações ajuda, mas é sobremesa: o eixo central está aqui dentro do país.”

 

 

“O resultado é que a população se endivida muito para comprar pouco. A prestação que cabe no bolso pesa no bolso durante muito tempo. O efeito demanda é travado. Quando 58,3 milhões de adultos no Brasil estão com o nome sujo no sistema de crédito, é o sistema que está deformado.88 O brasileiro trabalha muito, mas os resultados são desviados das atividades produtivas para a chamada ciranda financeira, que não reinveste na economia real. Não se pode ter o bolo e comê-lo ao mesmo tempo. O principal motor da economia, a demanda das famílias, é travado.

A verdade é que Brasil tem no seu amplo mercado interno uma gigantesca oportunidade de expansão. A eficácia deste processo sobre o andamento geral da economia se evidenciou durante a fase de aumento de renda das famílias no governo Lula, mas também foi evidente no impressionante avanço da Europa no pós-guerra, e hoje na China. Em termos econômicos, é o que funciona. E o crédito tem de se colocar a serviço da dinamização do consumo de massa.

Na fase inicial da crise no Brasil, gerada em grande parte pelo próprio sistema financeiro, tornou-se moda repetir que esse estímulo à economia se esgotou, como se o pouco que a massa de pobres do país pôde avançar fosse um teto. Nada como dar uma volta em bairro popular, ou consultar as estatísticas no Data Popular, que estuda o nível de consumo do andar de baixo, para se dar conta da idiotice que o argumento representa. A massa da população tem muito nível quantitativo e qualitativo de consumo a atingir, tanto em termos de consumo “de bolso” a partir da renda disponível, como do consumo coletivo com mais acesso à educação, saúde e outros bens públicos de acesso universal.89

88 Serviço de Proteção ao Crédito, SPC, janeiro de 2017 – http://dowbor.org/2017/01/inadimplencia-desacelera-em-2016-e-fecha-dezembro-com­-583-milhoes-de-brasileiros-negativados-janeiro-2017-1p.html/

89 João Sicsú resume bem a evolução do perfil de consumo: “O Brasil progrediu em termos de direitos econômicos, isto é, ampliação do emprego, desconcentração da renda, melhoria real dos salários, redução da pobreza extrema e democratização do consumo. É hora de radicalizar o projeto de desenvolvimento ofertando serviços públicos de qualidade nas áreas da saúde, educação, transportes e segurança social e de vida.” João Sicsú – O Que É e o Que Produz o Ajuste Fiscal , 19 de maio, 2015

 

 

Vejamos o quarto item da engrenagem: a taxa Selic, que incide sobre a dívida pública. O mecanismo é simples. Em 1996, para compensar as perdas que os bancos sofreram ao se quebrar a hiperinflação, o governo criou um mecanismo de financiamento da dívida pública com taxas de juros elevadas. A minha poupança, por exemplo, está no banco, mas rende muito pouco. O banco, por sua vez, aplica este dinheiro em títulos da dívida pública que rendiam, na fase do governo de FHC, em média 25% a 30%, chegando a um máximo de 46%. A justificativa era de se tranquilizar “os mercados”, ou seja, os grandes intermediários financeiros, nacionais ou internacionais. Ser “confiável” para a finança internacional e as agências de classificação de risco tornou-se mais importante do que ser confiável para a população.

Para pagar esses intermediários, o governo precisou aumentar os impostos, e a carga tributária, conforme vimos, subiu de cinco pontos percentuais ainda nos anos 1990. Na fase atual, em 2016, com uma taxa de juros Selic de 13%, o governo transfere uma grande parte dos nossos impostos para os bancos. É uma taxa menor do que na fase FHC, mas incide sobre um estoque maior de dívida. O mecanismo é simples. Eu que sou poupador, de um bolso, coloco a minha poupança no banco que me remunera de maneira simbólica; e de outro bolso, tiro 13% para dar ao governo, que os transfere para o banco. Em outros termos: pago ao banco, por meio de meus impostos, para que ele lucre com o dinheiro de minha poupança. É importante lembrar que os títulos da dívida pública pagam na faixa de 0,5% a 1% ao ano na maioria dos países do mundo.

O Brasil tem um PIB da ordem de 6 trilhões, o que significa que a cada vez que se drena 60 bilhões das atividades produtivas para a especulação, é 1% do PIB que se perde. Se o gasto com a dívida pública atinge 8,5% do PIB, como é o caso em 2015, são cerca de 500 bilhões de reais dos nossos impostos transferidos essencialmente para os grupos financeiros. Com isso se esteriliza parte muito significativa da capacidade do governo financiar infraestruturas e políticas sociais.”

 

 

“Convém destacar que a carga tributária é muito regressiva no Brasil, pois está concentrada em tributos indiretos e cumulativos que oneram mais os/as trabalhadores/ as e os mais pobres, uma vez que mais da metade da arrecadação provém de tributos que incidem sobre bens e serviços, havendo baixa tributação sobre a renda e o patrimônio. Segundo informações extraídas da Pesquisa de Orçamento Familiar (POF) de 2008/2009 pelo Ipea, estima-se que 10% das famílias mais pobres do Brasil destinam 32% da renda disponível para o pagamento de tributos, enquanto 10% das famílias mais ricas gastam 21% da renda em tributos.” (Inesc, 2014, p.6) Lembremos ainda que os assalariados têm os seus rendimentos declarados na fonte, enquanto o mundo corporativo e das grandes fortunas tem à sua disposição a ajuda da própria máquina bancária, com especialistas em evasão ou elisão fiscal, como se vê nos dados do HSBC publicados no início de 2015.

O descontrole é impressionante. Temos portanto o imenso estoque de recursos em paraísos fiscais, equivalente a 28% do PIB (estoque, não fluxo anual); um fluxo de evasão por meio de fraude em notas fiscais da ordem de 2% do PIB ao ano; uma evasão fiscal geral estimada aqui de forma conservadora em 9,1% do PIB. Acrescente-se o fato que a própria incidência da tributação é profundamente deformada, centrada em impostos indiretos sobre o consumo com muita fragilidade de tributação sobre lucros e dividendos. Inexiste o imposto sobre a fortuna, é muito limitada a tributação sobre a herança, enquanto trabalhadores assalariados têm o seu imposto retido na fonte. A combinação desses elementos torna-se desastrosa para o funcionamento do sistema financeiro em geral, deformando radicalmente um ponto de referência chave para qualquer raciocínio econômico: a proporcionalidade entre quem enriquece e quanto, e a contribuição para o crescimento econômico.

Não há como evitar a constatação de que estamos literalmente recompensando parasitas. Não se trata de deformações pontuais. Quando vemos como os juízes aumentam os seus próprios já impressionantes salários, constatamos que se trata de uma cultura de organização de nichos de privilégios que torna solidários entre si bancos, deputados, desembargadores, gigantes da mídia e muitos grupos internacionais. Em nome, evidentemente, do bem-estar da nação, cujo desenvolvimento paralisaram.”

 

 

Voltemos à dinâmica geral. A força propulsora das exportações está fragilizada por transformações que não estão no nosso controle. O que torna muito mais importante a dinâmica econômica interna. Neste plano, o principal motor, a demanda das famílias, foi travado pelos altos juros, com um endividamento brutal não pelo volume das compras e das dívidas, mas por juros que constituem agiotagem em qualquer definição que se busque. Lembremos que em fins de 2016 chegava a 58,3 milhões o número de adultos com nome sujo. Nenhum dos agiotas aparece com nome sujo. O terceiro motor, a produção e investimento empresarial, está travado por três razões: fragilidade da demanda, juros elevados, e a alternativa de ganhar dinheiro sem risco aplicando na dívida pública em vez de investir. E o quarto motor, o investimento público em políticas sociais e infraestruturas, foi travado pelo desvio de recursos para o serviço da dívida. Com um sistema tributário que não só não corrige como agrava o desequilíbrio, o conjunto torna-se disfuncional. Não há economia que funcione com esta articulação perversa de interesses.”

 

 

Não custa lembrar mais uma vez que o artigo 192º da nossa Constituição rezava que o sistema financeiro nacional seria “estruturado de forma a promover o desenvolvimento equilibrado do país e a servir aos interesses da coletividade.” Esta parte inicial do artigo, que sobreviveu e que definiu a orientação geral e o princípio que deve reger o sistema financeiro, coloca simplesmente na ilegalidade o conjunto do sistema atual de agiotagem.”

 

 

As alternativas são bastante óbvias. Consistem em aprofundar a dinâmica estrutural que deu certo, reforça o modelo centrado no mercado interno, no consumo de massas e na inclusão produtiva, e retoma a redução das desigualdades gritantes que persistem. Em termos muito amplos, isto significa basear a dinâmica econômica do país na oportunidade que representa o imenso mercado interno de consumo individual e social. No plano político e social, isto representa um imenso esforço que permita criar um conjunto de regras do jogo mais justas, em particular pela reforma tributária e reorientação do sistema financeiro nacional. E no plano ambiental temos de voltar a lembrar que o país não pertence apenas à nossa geração. A retomada do desmatamento da Amazônia e a liberação da venda das terras para grupos internacionais constituem um crime contra o futuro.

O ataque que a partir de 2013 travou os nossos avanços não apresenta algum programa alternativo coerente. Pelo contrário, aprofunda os privilégios e a desigualdade. Enfrentamos uma aliança do sistema financeiro (nacional e internacional) com o oligopólio de mídia comercial, segmentos do Judiciário e grande parte do Legislativo. Aliás, o Poder Legislativo atual, eleito sobre a base do já inconstitucional financiamento corporativo das campanhas, é fruto de uma deformação profunda do sistema de representação.Temos uma bancada ruralista potente, mas também a bancada das montadoras, da grande mídia comercial, dos bancos – e ficamos à procura da representação dos interesses do cidadão e da nação. Aqui, e lamentavelmente em outros países também, é a própria democracia que está em xeque.

Não é o objetivo aqui avaliar as iniciativas do governo ilegítimo que assumiu no Brasil. Mas é bom lembrar como contraste o que vai ter de ser refeito. Recorro aqui ao útil e eloquente resumo que me mandou Roberto Malvezzi: “A maioria das propostas já conhecemos: desmonte do Sistema Único de Saúde (SUS) em favor da medicina privada; modificações draconianas para o povo na Previdência Social em favor da previdência privada; modificações dos tempos da revolução industrial na legislação trabalhista em favor do capital privado; entrega do pré-Sal; desmonte da educação pública – inclusive universidades – em favor da educação privada; entrega das terras públicas aos estrangeiros; repressão dos movimentos sociais; supressão de verbas para pesquisas científicas; crescimento da intolerância fascista; assim ao infinito. As políticas sociais ficarão apenas como marketing, não mais com a proposta da inclusão social. Fim dos 15 anos do desenvolvimento da política de Convivência com o Semiárido.” Por trás de cada uma dessas iniciativas de desmonte, interesses claramente identificados. Rapina generalizada.”

 

 

Pela importância que adquiriu a intermediação financeira, é preciso dinamizar um conjunto de pesquisas sobre os fluxos financeiros internos, e disponibilizá-lo amplamente, de maneira a gerar uma transparência maior nesta área. Para criar a força política capaz de reduzir o grau de cartelização, reintroduzindo mecanismos de mercado e transformando o sistema de intermediação financeira, é preciso ter uma população informada. Uma das coisas mais impressionantes, nesta área vital para o desenvolvimento do país, é o profundo silêncio sobre o processo escandaloso de deformação da economia pelo sistema financeiro. Um silêncio não só da mídia mas também da academia e dos institutos de pesquisa. O fato de os grupos financeiros serem grandes anunciantes na mídia evidentemente não contribui para a transparência. E o fato de termos uma economia nacional cuja dinâmica financeira está profundamente entrelaçada com o sistema financeiro internacional tampouco ajuda.”

 

 

O fato novo e absolutamente escandaloso de oito famílias terem patrimônio maior do que a metade mais pobre da população mundial, e de 1% das famílias mais ricas terem mais patrimônio do que os demais 99% já não é do conhecimento apenas de minorias informadas, está se generalizando. Esta dimensão da luta permite articulações internacionais importantes. Faz parte desta aberração o fato de, por exemplo, o sistema financeiro ter passado de 10% para 42% do lucro das corporações, nos Estados Unidos em poucas décadas. E de o Brasil apresentar retrocesso econômico ao mesmo tempo em que explodem os lucros financeiros. O sistema que tomou conta dos nossos recursos não é apenas escandalosamente injusto, é economicamente inoperante.

Estamos destruindo o meio ambiente, a base natural sobre a qual a humanidade está condenada a sobreviver, esgotando os recursos, contaminando as águas, gerando caos climático, numa corrida desenfreada de produção e consumismo absurdo. Ao mesmo tempo, criou-se um precipício de desigualdades que só pode levar ao caos político, o que por sua vez trava as dinâmicas econômicas. Somos sistemicamente disfuncionais.

Uma constatação básica é que enquanto fazer aplicações financeiras, especular com mercados do futuro, praticar juros abusivos e outras práticas renderem mais do que realizar investimentos produtivos, o dinheiro tenderá a se dirigir para mais aplicações financeiras: o dinheiro atrai o dinheiro.

Uma implicação direta desta dinâmica é que enquanto os rendimentos financeiros forem mais elevados do que o aumento de produção que o acesso aos recursos financeiros permite, em termos líquidos o sistema financeiro terá impacto negativo sobre a economia. Torna-se um parasita dos processos produtivos. Para dar uma imagem simples, se o dinheiro emprestado para uma costureira comprar uma boa máquina de costura custa mais do que o aumento de produtividade correspondente, não é mais um processo de investimento, e sim de captura financeira. A costureira ficará tão presa no serviço da dívida quanto o camponês no sistema do ‘barracão’, em que se via sempre endividado no armazém da fazenda.

O caráter parasitário do sistema financeiro tem como único contrapeso possível a capacidade pública de controle e regulação, tanto limitando os juros como orientando o capital para investimentos produtivos e cobrando impostos sobre patrimônio financeiro improdutivo. A captura do poder político pelos gigantes financeiros, que se evidenciou em particular com a crise de 2008, e com as impressionantes transferências de recursos públicos para grupos privados, torna hoje a capacidade de regulação do estado particularmente precária. É a dimensão política da deformação econômica.

Um sistema que funcione tem de remunerar os agentes econômicos com um mínimo de compatibilidade entre a remuneração e os aportes. Aqui se constata que a remuneração vigente dos esforços se dá não de acordo com a contribuição produtiva, mas sim o grau de controle financeiro sobre os próprios sistemas produtivos, incluindo-se aí tanto os trabalhadores como empresas e governos. Isto afeta tanto o motor econômico que representa o consumo das famílias como o investimento empresarial e as políticas sociais e investimentos públicos dos governos. A lógica de remuneração que prevalece constitui uma aberração sistêmica.

Não é a falta de capacidade econômica que trava o progresso – falta de recursos no sentido amplo que envolve tanto os avanços tecnológicos e educacionais como os recursos financeiros – e sim a lógica do processo decisório, o tipo de capitalismo monofásico que considera positiva e legítima qualquer atividade que gere lucro, ainda que constitua um entrave em termos econômicos, sociais e ambientais.”

 

 

“A economia não é um sistema de leis naturais – visão que gerou esta estranha criatura que chamamos de ‘ciência econômica’, implicando que somos obrigados a seguir estas leis – e sim um sistema de regras do jogo negociadas e pactuadas na sociedade. Essas regras do jogo precisam ser revistas. Só temos este planeta, a população mundial aumenta em 80 milhões ao ano, e a própria visão de um “Ocidente” que se protege, se cerca de muros, tentando viver como num condomínio, clube dos ricos que usa o resto do mundo apenas como fonte de recursos, nos leva a um impasse. O resto do mundo está impaciente e se agita. Quando até o Fórum Econômico Mundial afirma que a desigualdade é o desafio principal, significa que as próprias elites estão sentindo o calor cada vez mais perto.”

 

 

Como podemos ter mecanismos reguladores que funcionem se é o dinheiro das corporações a regular que elege os reguladores? Se as agências que avaliam risco são pagas por quem cria o risco? Se é aceitável que os responsáveis de um banco central venham das empresas que precisam ser reguladas, e voltem para nelas encontrar emprego?

Uma das propostas mais evidentes da última crise financeira, e que encontramos mencionada em quase todo o espectro político, é a necessidade de reduzir a capacidade das corporações privadas ditarem as regras do jogo. A quantidade de leis aprovadas no sentido de reduzir impostos sobre transações financeiras, de reduzir o poder da regulação do banco central, de autorizar os bancos a fazerem toda e qualquer operação, somada com o poder dos lobbies financeiros, tornam evidente a necessidade de resgatar o poder regulador do Estado. Para isto os políticos devem ser eleitos por pessoas de verdade e não por pessoas jurídicas, que constituem ficções em termos de direitos humanos. Enquanto não tivermos controle sobre o financiamento das campanhas, prevalecerão os interesses econômicos de curto prazo e a corrupção, em vez de políticas que representem os interesses dos cidadãos. A captura do poder político precisa ser revertida.”

 

 

A teoria tão popular de que o pobre se acomoda se receber ajuda é simplesmente desmentida pelos fatos: sair da miséria estimula, a miséria é que trava as oportunidades.”

 

 

A Coréia do Sul abriu um financiamento de 36 bilhões de dólares para financiar transporte coletivo e alternativas energéticas, gerando com isto 960 mil empregos. O impacto positivo é ambiental pela redução de emissões, é anticíclico pela dinamização da demanda, é social pela redução do desemprego e pela renda gerada, é tecnológico pelas inovações que gera nos processos produtivos mais limpos. Tem inclusive um impacto raramente considerado, que é a redução do tempo vida que as pessoas desperdiçam no transporte. Trata-se aqui, evidentemente, de financiamento público, pois os bancos comerciais não teriam esta preocupação, nem esta visão sistêmica. Em última instância, os recursos devem ser tornados mais acessíveis quando os objetivos do seu uso são mais produtivos em termos sistêmicos, visando um desenvolvimento mais inclusivo e mais sustentável. A intermediação financeira é um meio, não é um fim. No caso brasileiro, gerou-se um sistema legalizado de agiotagem.”

 

 

A comunicação é uma das áreas que mais avançou em termos de peso relativo nas transformações da sociedade. Estamos em permanência cercados de mensagens. As nossas crianças passam horas submetidas à publicidade ostensiva ou disfarçada. A indústria da comunicação, com sua fantástica concentração internacional e nacional – e a sua crescente interação entre os dois níveis – gerou uma máquina de fabricar estilos de vida, um consumismo obsessivo que reforça o elitismo, as desigualdades, o desperdício de recursos como símbolo de sucesso. O sistema circular permite que os custos sejam embutidos nos preços dos produtos que nos incitam a comprar, e ficamos envoltos em um carcarejo permanente de mensagens idiotas pagas do nosso bolso. Mais recentemente, a corporação utiliza este caminho para falar bem de si, para se apresentar como sustentável e, de forma mais ampla, como boa pessoa.

O espectro eletromagnético em que as mensagens navegam é público, e o acesso a uma informação inteligente e gratuita para todo o planeta é simplesmente viável. Expandindo gradualmente as inúmeras formas alternativas de mídia que surgem por toda parte há como introduzir uma cultura nova, outras visões de mundo, cultura diversificada e não pasteurizada, pluralismo em vez de fundamentalismos religiosos ou comerciais. Os gigantes corporativos da comunicação estão gerando uma sociedade desinformada e insegura, fórmula segura para o caos político. A radical descentralização e democratização da mídia liberará os imensos potenciais regionais e locais de criatividade, invertendo a pasteurização generalizada que hoje predomina.”

A era do Capital Improdutivo (Parte II), de Ladislau Dowbor

Editora: Outras Palavras & Autonomia Literária

ISBN: 978-85-6953-611-6

Opinião: ★★★☆☆

Páginas: 316

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Sinopse: Ver Parte I



“Entre o engenheiro da Samarco que sugere o reforço na barragem em Mariana (MG) e a exigência de rentabilidade da Billiton, da Vale, da Valepar e do Bradesco, a relação de forças é radicalmente desigual. O que o gestor da Billiton na Austrália, gigante que controla inúmeras mineradoras no mundo, sabe da Samarco e do Rio Doce, onde eu brincava quando criança catando cascudos nas pedras?

Outro exemplo. Sexto grupo farmacêutico do mundo, a GSK está pagando 3 bilhões de dólares de multas por fraudes de diversos tipos em medicamentos. É uma empresa tecnicamente muito competente nas suas dimensões propriamente produtivas, com excelentes laboratórios e pesquisadores, que foram se multiplicando à medida em que o grupo foi comprando empresas pelo mundo afora.

A GSK vendeu Wellbutrin, um poderoso antidepressivo, como pílula de emagrecimento, o que é criminoso. Vendeu Avandia, escondendo os resultados das suas pesquisas que apontavam o aumento de riscos cardíacos provocados pelo medicamento. Vendeu Paxil, um antidepressivo usado para jovens com tendências ao suicídio que, na realidade, não tinha efeito mais pernicioso do que qualquer placebo, com efeitos desastrosos. A condenação da empresa só aconteceu porque quatro técnicos da GSK fizeram uma denúncia. Eles entendem de medicamentos, enquanto a cúpula da empresa entende apenas de negócios. (Time, 2012)

Como uma empresa especializada em saúde conseguiu manter uma imensa fraude em diversos produtos e em grande escala, durante anos de sucessivas gestões? Depois da condenação, das manifestações de indignação de usuários enganados e dos artigos na mídia, as ações da empresa subiram, contrariamente ao que se esperaria se a empresa fosse julgada pelas suas contribuições para a saúde. Com essas fraudes, a GSK obteve lucros incomparavelmente superiores aos custos do acordo judicial obtido em 2012, e os grandes investidores institucionais que detêm o grosso das ações, reagiram positivamente. Em outros termos: o poder financeiro no topo impõe ao grupo os seus critérios de rentabilidade. Critérios que são replicados nos diversos níveis da pirâmide corporativa.

Na publicidade da GSK, o que veremos são fotos de laboratórios com técnicos de bata branca, quando não uma mãe com um bebê nos braços, com mensagem de segurança e proteção. E como a publicidade faz viver a mídia, que se adapta e pouco informa, o círculo se fecha. Em termos de justiça e do julgamento do crime, a prática generalizada hoje é que os responsáveis não precisam reconhecer a culpa, recorrendo-se ao chamado settlement, o acordo judicial, neste caso 3 bilhões de dólares. Em 2015, assumiu um novo presidente na GSK, por acaso antigo presidente do escandaloso Royal Bank of Scotland. Não entende nada de farmácia, nem precisa. Não é este o negócio.

Com o poder muito mais nas mãos dos gigantes financeiros do que nas mãos das empresas produtoras, passou-se a exigir resultados de rentabilidade financeira. Isso impossibilita as iniciativas no nível técnico, por parte das pessoas que conhecem os processos produtivos da economia real e que poderiam preservar um mínimo de decência profissional e de ética corporativa. Gera-se um caos em termos de coerência com os interesses de desenvolvimento econômico e social, mas um caos muito direcionado e lógico quando se trata de assegurar um fluxo maior de recursos financeiros para o topo da hierarquia.

Criou-se um grande distanciamento entre a empresa que efetivamente produz um alimento por exemplo, e os diversos níveis de holdings a que ela pertence. Os investidores institucionais como fundos de pensão e outros, que pouco se interessam se existem ou não agrotóxicos ou antibióticos nos produtos vendidos, acompanham apenas o rendimento do mix de ações da sua carteira de aplicações. Com tal grau de concentração, hierarquização, burocratização e gigantismo, os grupos econômicos ditos “sistemicamente significativos” são simplesmente ingovernáveis em termos de assegurar a coerência das atividades com os interesses da sociedade. Eles tropeçam de processo em processo judicial, de crise em crise, tendo como único denominador comum de racionalidade a maximização dos resultados financeiros. Na visão de Joseph Stiglitz, trancaram-se em objetivos estreitos e de curto prazo, travando a economia.

Um fator muito importante da crise de responsabilidade é o ambiente fechado em que vivem essas corporações. Elas estão muito presentes na mídia, mas por meio da publicidade, que visa criar uma imagem positiva do grupo. Ao mesmo tempo, elas travam qualquer iniciativa da mídia de divulgar o que acontece nas empresas. A rigorosa proibição dos empregados de divulgarem o que se passa no interior do grupo, inclusive depois de dele saírem; a justificativa do segredo sobre os processos tecnológicos; a perseguição que sofrem os eventuais whistleblowers – empregados que denunciam atividades prejudiciais aos consumidores ou ao meio ambiente – tudo isso gera um ambiente fechado, sem nenhum controle externo ou transparência. Neste ambiente, fica extremamente difícil as corporações se sanearem internamente, reduzirem as burocracias, corrigirem as ilegalidades. Não há governança corporativa decente sem transparência. A autorregulação é uma ficção.

Esta fratura da cadeia de responsabilidade muda profundamente o mundo dos negócios. De certa maneira, numa empresa dos Ermírio de Moraes sabia-se quem era o responsável. Hoje, enfrentamos um departamento jurídico, isto depois de enfrentar o departamento de relações públicas. E descobrimos que há inúmeros níveis hierárquicos e finalmente pouca corda para segurar e puxar. Tudo é fluido. São gigantescos moluscos onde qualquer argumento penetra em meandros intermináveis e se perde no sorriso de um funcionário que diz que não é sua culpa. Na realidade, a culpa está diluída numa massa informe, o sistema. (...)

As tensões e as guerras entre corporações são reais, por exemplo, pela conquista de mercados ou domínio de tecnologias. Neste equilíbrio instável, o Estado poderia ter espaço para introduzir mecanismos de contrapesos e regulação. Porém, quando se trata de proteger o lucro, manter a opacidade, reduzir ou anular impostos sobre lucros financeiros ou regular os paraísos fiscais, as grandes corporações reagem como um corpo só através das instituições e representações que veremos em seguida. Neste caso os Estados, fragmentados e limitados na sua competência pelas fronteiras nacionais, não têm peso suficiente para enfrentar a ofensiva, por mais nefasta que ela seja para o desenvolvimento do país e as populações. Gigantes que geram o caos nas suas atividades, que se unem e arreganham os dentes quando ameaçadas nos seus privilégios, as corporações criaram simplesmente uma nova realidade política.”

 

 

“Estamos acostumados a ler denúncias sobre os paraísos fiscais, mas só muito recentemente começamos a nos dar conta do papel central que eles jogam na economia mundial. Não se trata de “ilhas” no sentido econômico, mas de uma rede sistêmica de territórios que escapam das jurisdições nacionais, permitindo que o conjunto dos grandes fluxos financeiros mundiais fuja das suas obrigações fiscais, escondendo as origens dos recursos ou mascarando o seu destino.

Todos os grandes grupos financeiros mundiais e os maiores grupos econômicos em geral estão hoje dotados de filiais (ou matrizes) em paraísos fiscais. Este recurso de extraterritorialidade (offshore) constitui uma dimensão de praticamente todas as atividades econômicas dos gigantes corporativos, formando um tipo de ampla câmara mundial de compensações, onde os diversos fluxos financeiros entram na zona de segredo, de imposto zero ou equivalente e de liberdade relativamente a qualquer controle efetivo. (...)

O volume de recursos em paraísos fiscais passou a ser mais conhecido desde a crise de 2008. Com a pressão das sucessivas reuniões do G20, e os trabalhos técnicos do TJN (Tax Justice Network), do GFI (Global Financial Integrity), do ICIJ (International Consortium of Investigative Journalists) e do próprio The Economist, além de vazamentos mais recentes sobre o Panamá, passamos a ter ordens de grandeza: são cifras da ordem de 21 trilhões a 32 trilhões de dólares em paraísos fiscais, para um PIB mundial de 73,5 trilhões (2013). O Brasil participa com algo como 520 bilhões de dólares, equivalente a 27% do PIB (estoque acumulado, não fluxo anual).”

 

 

“A lógica da acumulação de capital mudou. Os recursos, que vêm em última instância do nosso bolso (os custos financeiros estão nos preços e nos juros que pagamos), não só não são reinvestidos produtivamente nas economias como sequer pagam impostos. Não se trata apenas da ilegalidade da evasão fiscal e da injustiça que gera a desigualdade. Em termos simplesmente econômicos, de lucro, reinvestimento, geração de empregos, consumo e mais lucros – o ciclo de reprodução do capital –, o sistema trava o desenvolvimento. É o capitalismo improdutivo.”

 

 

A visão que temos, em grande parte fruto dos comentários desinformados ou interessados da imprensa econômica, é que as flutuações de preços das commodities resultam das variações da oferta e da demanda. Ou seja, mecanismos de mercado. Na realidade, não se pode imaginar que uma commodity com níveis tão amplos e equilibrados de produção e consumo como o petróleo sofra variações entre 17 e 148 dólares o barril em poucos anos, quando se trata sempre dos mesmos 95-100 milhões barris diários, com variações mínimas. É um comércio que lida com bens vitais para a economia mundial, mas cujos preços e fluxos resultam essencialmente de mecanismos de especulação econômica e de poder político.

O estudo de Schneyer cita o comentário de Chris Hinde, editor do Mining Journal de Londres: “A maior parte dos compradores de commodities no mundo são tomadores de preços (price takers). As maiores empresas de trading são formadoras de preços (price makers). Isto as coloca numa posição tremenda [de poder]”.

O fato é que um conjunto de produtos que constituem o “sangue” da economia, como alimentos, minérios e energia, não são regulados nem por regras, nem por mecanismos de mercado. E muito menos por qualquer sistema de planejamento que pense os problemas de esgotamento de recursos ou de impactos ambientais. A regulação formal, por leis, acordos e semelhantes, não se dá antes de tudo porque se trata de um mercado mundial e não existe um governo mundial. Os países individualmente não têm como enfrentar o processo. Quando a Argentina quis restringir as exportações de grãos para priorizar a alimentação da própria população, caiu o mundo em cima dela, como se a produção de alimentos não devesse satisfazer prioritariamente as necessidades alimentares da população. (...)

A oligopolização significa que, na prática, além das cinco operadoras principais, poucas são as que têm importância sistêmica. Isto significa que estas corporações têm como definir os preços e manipular a oferta de maneira organizada. Chamam isto de “mercado” na imprensa, mas não se trata de mercado no sentido econômico, de livre jogo de oferta e procura. Na ausência de concorrência efetiva, os mecanismos de manipulação tornam-se prática corrente. Um exemplo: em 2010, a Glencore controlava 55% do comércio mundial de zinco e 36% do comércio de cobre. Naquele ano, Vitol e Trafigura venderam 8,1 milhões de barris de petróleo por dia, o equivalente às exportações de petróleo da Arábia Saudita e da Venezuela juntas. (Schneyer, p.2) Para a população em geral, inclusive a bem-informada, a impressão é de que as variações de preço que atingem o nosso bolso são fruto de mecanismos imprevisíveis, e não de um grupo de corporações que simplesmente vêm buscar o dinheiro no nosso bolso. Quem vai culpar um mecanismo impessoal e anônimo?

Outro vetor de deformação é o segredo. As empresas gozam de pouca visibilidade mundial, apenas especialistas acompanham o que acontece neste pequeno clube. E ninguém tem autoridade formal para exigir os dados neste espaço globalizado. Dados necessários para dar visibilidade a práticas que seriam ilegais em qualquer país que tenha regulação contra manipulação do mercado, inclusive no Brasil. O resultado é a acumulação de imensas fortunas nas mãos de quem não produziu riqueza nenhuma, mas cobra pedágio sobre todas as transações significativas.”

 

 

Controle da informação

Outro eixo poderoso de captura do espaço político se dá por meio do controle organizado da informação, construindo uma fábrica de consensos sobre a qual Noam Chomsky nos trouxe análises preciosas.50 O alcance planetário dos meios de comunicação de massa e a expansão de gigantes corporativos de produção de consensos permitiram, por exemplo, que se atrasasse em décadas a compreensão popular do vínculo entre o fumo e o câncer, que se travasse nos Estados Unidos a expansão do sistema público de saúde, que se vendesse ao mundo a guerra pelo controle do petróleo como uma luta para libertar a população iraquiana da ditadura e para proteger o mundo de armas de destruição em massa. A escala das mistificações é impressionante.

Ofensiva semelhante em escala mundial, e em particular nos EUA, foi organizada para vender ao mundo não a ausência da mudança climática – os dados são demasiado fortes – mas a suposição de que “há controvérsias”, adiando ou travando a inevitável mudança da matriz energética.

James Hoggan realizou uma pesquisa interessante sobre como funciona essa indústria. A articulação é poderosa, envolvendo os think tanks, instituições conservadoras como o George C. Marshall Institute, o American Enterprise Institute (AEI), o Information Council for Environment (ICE), o Fraser Institute, o Competitive Enterprise Institute (CEI), o Heartland Institute, e evidentemente o American Petroleum Institute (API) e o American Coalition for Clean Coal Electricity (ACCCE), além do Hawthorne Group e tantos outros. A ExxonMobil e a Koch Industries são poderosos financiadores, esta última aliás grande articuladora do Tea Party e da candidatura Trump. Sempre petróleo, carvão, produtores de carros e de armas, muita finança, muitos republicanos e a direita religiosa.51

Campanhas deste gênero são veiculadas por gigantes da mídia. No âmbito mundial, Rupert Murdoch assumiu tranquilamente ter sido o responsável pela ascensão e suporte a Margareth Thatcher nos anos 1980. Ele financiou um sistema de escutas telefônicas em grande escala na Grã-Bretanha e ainda usa a Fox para sustentar um clima de ódio de direita, sem receber mais que um tapinha nas mãos quando se revelam as ilegalidades que pratica.

No Brasil, 97% dos domicílios têm televisão, que ocupa três a quatro horas do nosso dia e está presente nas salas de espera, nos meios de transporte, um incessante bombardeio que parte de alguns poucos grupos. Com controle da nossa visão de mundo essencialmente por quatro grupos privados – os Marinho, Civita, Frias e Mesquita – o próprio conceito de imprensa livre se torna surrealista. Os impactos na Argentina, no Chile, na Venezuela e outros países são impressionantes em termos de promoção das visões mais retrógradas e de geração de clima de ódio social.

A vinculação da dimensão midiática entre o poder e o sistema corporativo mundial é em grande parte indireta, mas muito importante. As campanhas de publicidade veiculadas empurram incessantemente comportamentos e atitudes centrados no consumo obsessivo dos produtos das grandes corporações. Isto amarra a mídia de duas formas: primeiro, porque pode-se dar más notícias sobre o governo, mas nunca sobre as empresas,mesmo quando entopem os alimentos de agrotóxicos, deturpam a função dos medicamentos ou nos vendem produtos associados com a destruição da floresta amazônica.

Segundo, como a publicidade é remunerada em função de pontos de audiência, a apresentação de um mundo cor-de-rosa de um lado, e de crimes e perseguições policiais de outro, tudo para atrair a atenção pontual e fragmentada, torna-se essencial, criando uma população desinformada ou assustada, mas sobretudo obcecada com o consumo, o que remunera com nosso dinheiro as corporações que financiam estes programas. O círculo se fecha, e o resultado é uma sociedade desinformada e consumista. A publicidade, o tipo de programas e de informação, o consumismo e o interesse das corporações passam a formar um universo articulado e coerente, ainda que desastroso em termos de funcionamento democrático da sociedade.52 (p.217)”

50 Ver em particular o documentário Chomsky&Cia, legendado em português, https://www.youtube.com/watch?v=IHSe9FRGpJU

51 James Hoggan – The Climate Cover-up: the Cruzade to Deny Global Warming – ver http://dowbor.org/2009/12/climate-cover-up-the-cruzade-to-deny-global-warming-2.html/; sobre os financiadores, ver http://dowbor.org/2010/04/petroleira-dos-eua-deu-us-50-mi-a-ceticos-do-clima-6.html/; ver também o ver artigo de Jane Mayer The Dark Money of the Koch Brothers, 2016, http://www.truth-out.org/news/item/35450-the-dark-money-of-the-koch-brothers-is-the-tip-of-a-fully-integrated-network

52 Ver o curto e excelente comentário de George Monbiot, How Did We Get Into this Mess, no livro do mesmo nome – Verso, London/New York, http://www.monbiot.com/2007/08/28/how-did-we-get-into-this-mess/

 

 

A dimensão política dos paraísos fiscais

Vimos acima a dimensão absolutamente avassaladora que assumiram os paraísos fiscais, manejando um estoque da ordem de um quarto a um terço de PIB mundial. Proporção semelhante do nosso PIB, cerca de 520 bilhões de dólares, é a participação estimada de capitais brasileiros. Interessa-nos aqui a dimensão política do processo. Vimos no nosso caso, em 2016, o governo conceder vantagens e implorar a grandes grupos para repatriarem os seus recursos, e se felicitou na mídia o feito de ter conseguido que 46 bilhões de reais voltassem ao país, sobre um total da ordem de 1.700 bilhões. Uma miséria.

Na realidade a existência dos paraísos fiscais significa que qualquer decisão de política fiscal e monetária tem de se submeter à realidade de que se as grandes fortunas forem apertadas, têm a opção de simplesmente sumir do mapa do Ministério da Fazenda, ao se colocarem ao abrigo do segredo offshore. Mais importante ainda é o fato de que isso torna precário qualquer controle de evasão fiscal, de fraude nas notas fiscais, de mecanismos como transfer pricing, do próprio controle de quem é dono de que nos complexos sistemas de propriedade cruzada com segmentos enrustidos nos paraísos.

Tampouco é secundário que nesta era de expansão do crime organizado, em grande parte de colarinho branco, a repressão torne-se pouco eficiente, enquanto o crime financeiro passa a penetrar na própria máquina política e no Judiciário. Nos tempos da pirataria, existiam ilhas no Caribe onde os piratas eram considerados intocáveis, tendo portanto sempre uma garantia de refúgio, podendo inclusive trocar e negociar os produtos dos roubos. Francamente, os paraísos fiscais de hoje são pouco diferentes.

Mais grave é que gigantes financeiros como o HSBC e outros desempenhem um papel fundamental na gestão dos recursos da criminalidade, disponibilizando não só a sua expertise de acobertamento como suas poderosas assessorias jurídicas. A fluidez do dinheiro, hoje simples representação digital nos computadores, dinheiro imaterial que pode ser transferido e redirecionado em segundos entre diversas praças, torna a repressão cada vez mais precária. E o fato de o crime navegar no espaço planetário enquanto o controle está limitado aos espaços nacionais dificulta ainda mais o processo. A Interpol impressiona, mas apenas impressiona.

A redução da capacidade dos governos promoverem políticas monetárias e financeiras adequadas para fomentar o desenvolvimento impacta todas as nações. Isso gera a erosão da governança e a desmoralização da própria política e da democracia. Esses recursos são hoje vitalmente necessários para financiar uma reconversão tecnológica que nos permita de parar de destruir o planeta e assegurar a inclusão produtiva de bilhões de marginalizados, reduzindo a desigualdade que atingiu níveis explosivos.”

 

 

“A realidade é que a captura dos processos decisórios das empresas da economia real pelo sistema financeiro se generalizou. A capacidade de resistência dos tradicionais empresários produtivos não só é pequena, como desaparece quando a sua maior rentabilidade vem não da linha de montagem, mas das aplicações financeiras. Os governos passam, assim, a enfrentar resistências poderosas e articuladas quando tentam fomentar a economia. Recuperar a “confiança” do “mercado” não significa mais gerar melhores condições de produção, mas melhores condições de rentabilidade das aplicações financeiras. A produção, o emprego, o desenvolvimento sustentável e o bem-estar das famílias não estão no horizonte das decisões.”

 

 

Será preciso lembrar que a ONU dispõe de 40 bilhões de dólares para todas as suas atividades, enquanto cada um dos gigantes financeiros SIFIs que vimos acima maneja em média 1,8 trilhão de dólares? O BIS, o FMI e o BM hoje, francamente, apenas acompanham o que acontece. Publicam relatórios interessantes, e por vezes surpreendentemente explícitos.

As chamadas agências de avaliação de risco Standard&Poor, Moody’s e Fitch, que concedem notas de confiabilidade a países e corporações, vendem nota melhor por dinheiro. Simples assim. Moody’s, condenada, aceitou pagar 864 milhões de dólares. Standad&Poor já pagou mais de 1 bilhão. Ninguém é preso, não precisa reconhecer culpa. Tudo limpo. O dinheiro sai das empresas que contribuem. Está nos preços que pagamos. Corrupção sistêmica, justiça cooptada (dinheiro pago absolve a culpa). E nos dão lições de responsabilidade fiscal e financeira.”

 

 

“Se há uma coisa que não falta no mundo são recursos. O imenso avanço da produtividade planetária resulta essencialmente da revolução tecnológica que vivemos. Mas não são os produtores destas transformações – desde a pesquisa fundamental nas universidades públicas e as políticas públicas de saúde, educação e infraestruturas, até os avanços técnicos nas empresas efetivamente produtoras de bens e serviços – que aproveitam. Pelo contrário, ambas as esferas, pública e empresarial, encontram-se endividadas nas mãos de gigantes do sistema financeiro, que rende fortunas a quem nunca produziu e consegue, ao juntar nas mãos os fios que controlam tanto o setor público como o setor produtivo privado, nos desviar radicalmente do desenvolvimento sustentável, hoje vital para o mundo.

Quanto à população de um país como o Brasil, que busca resgatar um pouco de soberania na sua posição periférica, o que parece restar é um sentimento de impotência. Perplexas e endividadas, as famílias vêm aparecer o seu ‘nome sujo’ na Serasa-Experian – aliás uma multinacional – caso não respeitem as truncadas regras do jogo. Na confusão das regras financeiras, contribuem para a concentração de riqueza e de poder com os altos juros que pagam nos crediários e nos bancos, com juros surrealistas da dívida pública, e pelas políticas ditas de “austeridade”, que as privam dos seus direitos.

Estas regras do jogo profundamente deformadas serão naturalmente apresentadas como fruto de um processo democrático e legítimo, porque está escrito na Constituição que todo poder emana do povo. Na prática, poderemos ter democracia, conquanto a usemos a favor das elites. A construção de processos democráticos de controle e a alocação de recursos constitui hoje um desafio central. Boaventura de Souza Santos fala muito justamente na necessidade de aprofundar a democracia. Mas, na realidade, precisamos mesmo é resgatá-la da caricatura que se tornou.”

 

 

“A expansão da dívida pública se generalizou pelo planeta, ao mesmo tempo que se reduziam os impostos sobre as fortunas e as operações financeiras. Os Estados Unidos têm hoje uma dívida da ordem de 15 trilhões de dólares. Como vimos, a dívida pública no mundo atinge 50 trilhões de dólares. São estoques da dívida, que rendem juros. Lembremos que o PIB mundial é da ordem de 80 trilhões de dólares, cifra que representa o fluxo anual, mas ajuda para ter uma ordem de grandeza, um ponto de referência. Lembremos ainda que o PIB do Brasil, sétima potência econômica mundial, é da ordem de 1,7 trilhão de dólares.

As operações financeiras, juros sobre dívidas e semelhantes, representam apenas transferências, movimento de papéis, mudança de quem tem direito sobre bens e serviços: “O nível do capital nacional em primeira aproximação não mudou. Simplesmente, a sua repartição entre capital público e privado inverteu-se totalmente” (p.294). Na realidade, “a dívida pública não constitui mais do que um direito de uma parte do país (os que recebem os juros) sobre a outra parte (os que pagam os impostos): portanto deve-se excluí-la do patrimônio nacional e incluí-la somente no patrimônio privado”. (p.185)

Trata-se de rentismo público (rentes publiques), que tem um impacto particularmente desastroso quando um país enfrenta dificuldades, porque os aplicadores em títulos públicos forçam os juros para cima, agravando a situação, como se viu na própria Itália, na Grécia, Espanha e tantos outros países. E evidentemente no Brasil.

O Estado, neste sentido, transformou-se em mais um vetor do aumento do patrimônio dos mais afortunados. “Existem duas formas principais de um Estado financiar os seus gastos: pelo imposto, ou pela dívida. De maneira geral, o imposto é uma solução infinitamente preferível, tanto em termos de justiça como de eficácia”. (p.883)

Esta opção pelo imposto é explicitada: “O imposto sobre o capital põe a carga nos que detêm patrimônio elevado, enquanto as políticas de austeridade buscam em geral poupá-los” (p.894). Dadas as relações de forças internacionais, a opção geral que se viu, na Europa em particular, foi a da política de austeridade, com restrições das aposentadorias e das políticas sociais, atingindo o elo mais fraco tanto em termos econômicos como políticos. Não é secundário que a prioridade do governo Trump seja excluir milhões de pobres americanos do acesso aos serviços de saúde, liquidando o chamado “Obamacare”.

O caso brasileiro é emblemático e poderia muito bem ilustrar as análises do pesquisador francês. A maior apropriação privada de recursos públicos no Brasil, além de legal, usa como justificação ética “o combate à inflação”: trata-se da taxa Selic. Como muitos sabem – mas a imensa maioria não sabe – a Selic é a taxa de juros que o governo paga aos que aplicam dinheiro em títulos do governo, gerando a dívida pública. A invenção da taxa Selic elevada é uma iniciativa dos governos nos anos 1990. A partir de 1996, passou-se a pagar entre 25% e 30% sobre a dívida pública, para uma inflação da ordem de 10%. A partir disto, os intermediários financeiros passaram a dispor de um sistema formal e oficial de acesso aos nossos impostos. Isso permitiu ao governo comprar, com os nossos impostos, o apoio da poderosa classe de rentistas e dos grandes bancos situados no país, inclusive dos grupos financeiros transnacionais. Assim, os governantes brasileiros organizaram a transferência massiva de recursos públicos para grupos financeiros privados.

Veremos este mecanismo em detalhe mais adiante, ao analisarmos a dinâmica particular que este processo assumiu no Brasil. Para que fique clara a dimensão do mecanismo, veja a explicação de Amir Khair, um dos melhores especialistas em finanças do país: “O Copom é que estabelece a Selic. Foi fixada pela primeira vez em 1º de julho de 1996 em 25,3% ao ano e permaneceu em patamar elevado, passando pelo máximo de 45% em março de 1999, para iniciar o regime de metas de inflação. Só foi ficar abaixo de 15% a partir de julho de 2006, mas sempre em dois dígitos até junho de 2009, quando devido à crise foi mantida entre 8,75% e 10,0% durante um ano”.67

Em 2015, cerca de 500 bilhões de reais (9% do PIB) foram tirados dos nossos impostos e transferidos essencialmente para bancos e outros “investidores”. E se trata, como se constatou na Grécia de maneira mais escandalosa, de um processo cumulativo, pois grande parte dos juros que o Estado não consegue pagar é transformada no aumento do estoque da dívida. Gera-se uma monumental transferência de recursos públicos para rentistas. Além de nos custar muito dinheiro, isso desobriga os bancos de realizar investimentos produtivos que gerariam produto e emprego.

É muito mais simples aplicar em títulos: liquidez total, risco zero. Realizar investimentos produtivos, financiando uma fábrica de sapatos, por exemplo, envolve análise de projetos, acompanhamento, enfim, atividades que vão além de aplicações financeiras. No mínimo, seria o que os intermediários deveriam fazer: fomentar, irrigar as atividades econômicas, sobretudo porque estão trabalhando com o dinheiro dos outros. Mas, tecnicamente, o que eles fazem é a esterilização da poupança. Tiram o dinheiro do circuito econômico, transferindo-o para a área financeira.

No nosso caso, a justificação política é que se trata, ao manter juros elevados, de proteger a população da inflação. Neste ponto, o argumento de Piketty coincide com o que Amir Khair e outros têm repetido: “A inflação depende de múltiplas outras forças, e nomeadamente da concorrência internacional sobre preços e salários”. (p.905) Mas, para uma população escaldada com inflações passadas, o argumento é poderoso, ainda que falso. Com um massacre midiático impressionante, os juros altos aparecem como bons (nos protegem da inflação), enquanto os impostos aparecem como negativos (inchaço da máquina pública e semelhantes). Na prática, os mais afortunados que deveriam pagar os seus impostos aplicam na dívida pública e fazem render o que deveriam devolver à sociedade.

O absurdo de se utilizar o pretexto da inflação para elevar a taxa de juros só faz sentido quando temos uma inflação de demanda, ou seja, quando há muita pressão de consumo sem que os produtores consigam aumentar a produção em ritmo correspondente, gerando a chamada economia aquecida. Ao se elevar os juros, que atraem recursos para aplicações financeiras em vez de consumo, a economia ‘esfria’. Naturalmente, no caso brasileiro, em que os empresários produtivos não sabem o que fazer com os seus estoques parados, o argumento não faz nenhum sentido. Não é argumento, é pretexto. A grande mídia e até economistas apoiarem tal raciocínio é simplesmente vergonhoso.

As análises que o livro de Piketty nos traz sobre problema da dívida pública apontam ainda um outro problema: o caos financeiro gerado. Chipre é parte da União Europeia, no entanto, ninguém tinha informações precisas sobre o tipo de origem ou interesses dos detentores da sua dívida pública. De certa forma, esses grupos são donos de parcelas do sistema público. Em Chipre, revelou-se que são dominantemente oligarcas russos, e que desarticularam completamente as tentativas do país de equilibrar as suas contas. E mais: de ponta a ponta em seu trabalho, Piketty nos traz exemplos da ausência geral de transparência sobre os estoques e fluxos financeiros. “Os países não dispõem nem de transmissões automáticas de informações bancárias internacionais nem de cadastro financeiro que lhes permita repartir de forma transparente e eficaz os ganhos e os esforços.” (p.908)

O sistema financeiro atua no planeta, os Estados atuam em espaços delimitados por fronteiras nacionais. As próprias finanças públicas, como resultado, se vêm jogadas na ciranda. A ideia mestra que sobressai é que a aplicação financeira, o mover papéis, rende mais do que produzir. O resultado evidente é que o dinheiro vai correr para onde rende mais, engordando as fortunas financeiras, e travando as iniciativas que dinamizam a economia, como o consumo das famílias, o investimento empresarial e os investimentos públicos nas áreas sociais e de infraestruturas. O desequilíbrio entre quem produz e quem lucra torna o sistema inoperante, ou no mínimo muito truncado, perdendo-se o imenso potencial de avanço que as modernas tecnologias poderiam proporcionar. Enfrentar as finanças improdutivas constitui hoje o principal vetor de resgate da produtividade sistêmica do país.”

67 Amir Khair, O Estado de São Paulo, 9 de setembro de 2012; ver também A Taxa Selic é o Veneno da Economia, http://criseoportunidade.wordpress.com/2014/04/09/a-taxa-selic-e-o-veneno-da-economia-entrevista-especial-com-amir-khair-abril-2014-2p/