tag:blogger.com,1999:blog-19379769058229990042024-03-27T20:55:00.536-03:00Lista de LivrosEste blog destina-se a dividir com os companheiros de estrada as impressões e alguns belos trechos deste fantástico universo que é a literatura.Doneyhttp://www.blogger.com/profile/09476772224297324141noreply@blogger.comBlogger1016125tag:blogger.com,1999:blog-1937976905822999004.post-35721399602902672832024-03-22T17:48:00.002-03:002024-03-22T17:48:19.622-03:00Sobrados e mucambos (Parte V), de Gilberto Freyre<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">Subtítulo</span></i><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-style: italic; mso-themecolor: text1;">: Decadência do patriarcado rural e
desenvolvimento do urbano<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 12.5pt; mso-themecolor: text1;">Editora</span></i><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 12.5pt; mso-themecolor: text1;">: Global<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">Opinião</span></i><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">: </span><span face=""Segoe UI Symbol","sans-serif"" style="color: black; font-size: 14pt; mso-bidi-font-family: "Segoe UI Symbol"; mso-themecolor: text1;">★★★★☆<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">ISBN</span></i><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">: 978-85-260-0835-9<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">Páginas</span></i><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">: 976<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><i><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">Sinopse</span></i><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">: Ver </span><a href="https://listadelivros-doney.blogspot.com/2024/03/sobrados-e-mucambos-parte-i-de-gilberto.html"><span style="font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt;">Parte I</span></a><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;"><o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><br /></p>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjlSxrdhArVK9u74zcE5OMRZwCwv_UvaBYW3rAok4rf67jZEpYhR_wGfNPCju20QvpLYEbgOx01yh5PKFGqQ_iyLLF4GsLL8K95mIgEADYh2CdPVr2YTEkPpQSAVZ9N4Q572Ql0b_bLcwWxw11_AvUUxIxaptXPuwLkAwkABXtCHkKm9-0AJFB9gwbn6Pw/s1445/Sobrados%20e%20mucambos.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1445" data-original-width="1000" height="400" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjlSxrdhArVK9u74zcE5OMRZwCwv_UvaBYW3rAok4rf67jZEpYhR_wGfNPCju20QvpLYEbgOx01yh5PKFGqQ_iyLLF4GsLL8K95mIgEADYh2CdPVr2YTEkPpQSAVZ9N4Q572Ql0b_bLcwWxw11_AvUUxIxaptXPuwLkAwkABXtCHkKm9-0AJFB9gwbn6Pw/w276-h400/Sobrados%20e%20mucambos.jpg" width="276" /></a></div><p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><br /></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">“Se
deles foram se queixando à polícia do Príncipe Regente, como de bailarinos
incômodos, ingleses e franceses que não viam com bons olhos nem gelosias árabes
capazes de esconder ladrões nem capoeiras peritos em cabeçadas e rabos de
arraia, devem ter se arrependido de algumas das queixas. Pois – repita-se – a
perseguição sistemática da polícia do Regente aos capoeiras dos rabos de arraia
e das cabeçadas é que os perverteu em bailarinos ainda mais incômodos:
bailarinos de navalha e de faca de ponta. Bailarinos que rindo, gingando,
andando macio, deram para matar brancos – principalmente europeus –
rasgando-lhes o ventre a navalha e a faca, quando outrora apenas os espapaçavam
no chão com as terríveis cabeçadas, maltratando-os, é certo, e pondo-os fora de
combate; mas sem os matar. Como nas lutas de <i>box</i> entre os ingleses.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">Em
1821 já era diversa a situação no Rio de Janeiro: os ferimentos e as mortes
estavam se tornando numerosos na cidade; e muitas delas praticadas por escravos
negros e mulatos. De onde a representação dirigida ao ministro da guerra, a 26
de fevereiro do mesmo ano, pela Comissão Militar, no sentido de desenvolver a
polícia ação mais vigorosa contra escravos e negros desabusados, “visto que
pela falta de castigos de açoites, unicos que os atemorisa e aterra, se estão
perpetrando mortes e ferimentos como tem acontecido ha poucos dias, que se tem
feito seis mortes pelos referidos capoeiras e muitos ferimentos de facadas...”.
À Comissão Militar parecia faltar “energia” ao então intendente de Polícia. Ou
isto ou não estava ele “bem ao alcance das perigosas consequencias que se devem
esperar de tratar por meios de brandura aquella qualidade de individuos...”.
Pelo que a mesma comissão recomendava a S. A. R., por intermédio do seu
ministro da Guerra, que, em vez de prender os escravos desordeiros, como se
eles fossem sensíveis à pena de prisão, como os brancos – e dessas prisões
resultava “damno a seos senhores” que eram “obrigados a pagar as despezas da
cadeia” – a polícia submetesse sempre os pretos apanhados em desordem, ou “com
alguma faca” ou “instrumento suspeitoso”, a castigos de açoites que pudessem
concorrer para a “emenda dos negros”.<a name="670"></a><sup>670</sup><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">Desde
8 de dezembro de 1823 que uma portaria de Clemente Ferreira França<a name="671"></a><sup>671</sup>
mandava que o brigadeiro-chefe do corpo de polícia da capital do Império
fizesse reforçar as patrulhas nos largos e açougues de sorte a evitar o
ajuntamento de negros capoeiras. E desde 1821 que um edital – de 26 de novembro
– mandava que os açougues e tavernas se fechassem às dez horas da noite,<a name="672"></a><sup>672</sup> a fim de evitar iguais ajuntamentos. Em 1825, outro
edital, este do intendente-geral da polícia da Corte do Brasil, Francisco
Alberto Teixeira do Aragão, declarava que os escravos poderiam ser apalpados a
qualquer hora do dia ou da noite, desde que lhes era proibido, sob pena de
açoites, o uso de qualquer arma: “não só o uso de qualquer arma de defeza como
trazerem paos”. Era também proibido ao escravo – não só a eles como a todo
negro ou homem de cor – estar parado nas esquinas “sem motivos manifestos” e
até “dar assobios ou outro qualquer signal”.<a name="673"></a><sup>673</sup>
Atingia-se o moleque em algumas das liberdades mais características de sua
condição de moleque: a de parar nas esquinas e a de dar assobios, por exemplo.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">Entretanto
esses negros, esses escravos, esses capoeiras, esses moleques, contidos e até
reprimidos nas suas expansões de vigor viril e de combatividade de moços e de
adolescentes como se todos os seus exercícios físicos, todos os seus passos de
dança, todos os seus cantos em louvor de Ogum, todos os seus assobios fossem
crime ou vergonha para a Colônia ou para o Império, é que conteriam as
turbulências e reprimiam a revolta de mercenários irlandeses e alemães quando
esses europeus armados, soldados prediletos de Pedro I – como eles, europeu –
sublevaram-se em 1828. Primeiro – na manhã de 9 de junho – alemães,
aquartelados em São Cristóvão, depois de lançarem fogo aos quartéis,
precipitaram-se nas ruas como uns demônios ruivos, saqueando tavernas e
maltratando quanta gente pacífica e desarmada foram encontrando. Depois,
fizeram o mesmo os alemães da Praia Vermelha. Estes, tendo assassinado o major
Benedito Teola, que tentara contê-los, saíram em confusão pelas ruas assaltando
casas, bebendo e roubando. Dois dias depois, aos alemães procuraram juntar-se os
irlandeses aquartelados no Campo de Santana. Antes, porém, que esses novos
amotinados saíssem dos quartéis, foram cercados por forças milicianas que lhes
cortaram comunicações com as ruas. E quanto aos soldados irlandeses que se
achavam de guarda a edifícios ou estabelecimentos públicos, estes, ao tratarem
de reunir-se aos seus companheiros sublevados, foram “atacados por pretos
denominados capoeiras” que com eles travaram “combates mortíferos”. Pormenoriza
o historiador Pereira da Silva que, embora “armados com espingardas” não
puderam os irlandeses resistir aos capoeiras; e vencidos por “pedra”, “pau”, e
“força de braços” caíram os estrangeiros pelas ruas e praças públicas, feridos
grande parte e bastantes sem vida”.<a name="674"></a><sup>674</sup><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">Se é
certo que só com o auxílio de tripulações de navios de guerra ingleses e
franceses surtos no porto – marinheiros que foram empregados em guardar os
arsenais e estabelecimentos públicos – e de “cidadãos importantes”, capazes de
reunir “paisanos” dispostos à luta, pôde o governo subjugar a revolta dos
mercenários alemães e irlandeses, trazidos da Europa ou aqui reunidos pelo
primeiro imperador para constituírem sua guarda de confiança contra as
turbulências tanto dos mestiços ou dos “natos” como dos “portugueses
exaltados”,<a name="675"></a><sup>675</sup> é também verdade que, contra muitos
dos amotinados agiram, de modo fulminante, “pretos denominados capoeiras” que
não eram outros senão os negros mais viris e os moleques mais sacudidos,
cansados do rame-rame de carregar palanquins, fardos, pedras, madeira, água, barris
de excremento dos brancos. Cansados de servir de bestas de carga, de bois de
carroça e de cavalos de carro aos brancos sem que lhes fosse permitido
descarregar sua melhor energia de homens e de adolescentes vibrantes em jogos,
exercícios físicos, danças, cantos e batuques do seu gosto ou da sua devoção de
africanos e de filhos de africanos.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">Não,
porém, que esses negros e esses pardos fossem por natureza anárquicos ou
sanguinários, como ainda hoje acreditam os intérpretes mais superficiais de
insurreições como a “dos alfaiates”, no século XVIII e a dos Malês, no século
XIX, na Bahia. Ou das insurreições de quilombolas. Ou das revoltas ou motins de
gente de cor como os de 1823 no Recife.<a name="676"></a><sup>676</sup> Ou das
façanhas de capoeiras aí e no Rio de Janeiro.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">O que
negros e pardos moços fizeram, explodindo algumas vezes em desordeiros, foi dar
alívio a energias normais em homens ou adolescentes vigorosos que a gente
dominante nem sempre soube deixar que se exprimissem por meios menos violentos
que a fuga para os quilombos, o assassinato de feitores brancos, a insurreição:
o batuque, o samba, a capoeiragem, o assobio, o culto de Ogum, a prática da
religião de Maomé. A estupidez da repressão é que principalmente perverteu
batuques em baixa feitiçaria, o culto de Ogum, em grosseiro arremedo de
maçonaria, com sinais e assobios misteriosos, o islamismo, em inimigo de morte
da religião dos senhores cristãos das casas-grandes e dos sobrados, a
capoeiragem, em atividade criminosa e sanguinária, o samba, em dança
imundamente plebeia. É curioso observar-se hoje – largos anos depois dos dias
de repressão mais violenta a tais africanismos – que os descendentes dos
bailarinos da navalha e da faca como que se vêm sublimado nos bailarinos da
bola, isto é, da bola de <i>foot-ball</i>, do tipo dos nossos jogadores mais
dionisíacos como o preto Leônidas; os passos do samba se arredondando na dança
antes baiana que africana, dançada pela artista Cármen Miranda sob os aplausos
de requintadas plateias internacionais; as sobrevivências do culto de Ogum e do
culto de Alá dissolvendo-se em práticas marginalmente católico-romanas como a
lavagem da igreja de Nosso Senhor do Bonfim – na Bahia, há pouco transferida
para uma das igrejas do Rio de Janeiro.”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><sup><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">670</span></sup><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;"> Elísio de Araújo em seu
já mais de uma vez citado <i>Estudo histórico sobre a policia da Capital
Federal de 1808 a 1831</i> (Rio de Janeiro, 1898), p. 61. Veja-se também o
capítulo XXVIII, do estudo de Émile Allain, Rio de Janeiro, <i>Quelques données
sur la capitale et sur l’administration du Brésil</i>, 2ª ed., Paris-Rio de
Janeiro, 1886.<a name="671_1"></a><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><sup><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">671</span></sup><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;"> Manuscrito, Arquivo
Público Nacional, cit. por Araújo, op. cit., p. 115. França ordena aí ao
comandante da Imperial Guarda da Polícia fazer “reforçar as patrulhas nos
largos e praças da cidade, de sorte a evitar o ajuntamento de negros
capoeiras...”. Veja-se também a seção “Postura e infração de posturas” do
Arquivo Geral da Prefeitura do Distrito Federal, seção que o ilustre
historiador Noronha Santos destaca como fonte “do maio apreço” ou “cabedal
informativo digno de grande interesse” (“Resenha analítica de livros e
documentos do Arquivo Geral da Prefeitura elaborada pelo historiador Noronha
Santos”, Rio de Janeiro, 1949, p. 15).<a name="672_1"></a><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><sup><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">672</span></sup><i><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;"> Diário do Rio de
Janeiro</span></i><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">, 26 de novembro de
1821. Sobre a polícia do Rio de Janeiro nos primeiros anos do Império, veja-se
a obra já citada de Carmo Neto, “O intendente Aragão.”<a name="673_1"></a><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><sup><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">673</span></sup><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;"> <i>Diário do Rio de
Janeiro</i>, 3 de janeiro de 1825. Era “depois das dez horas da noite no verão
e das nove no inverno, até á alvorada” que ninguém, no Rio de Janeiro dos
primeiros anos do Império, estava “isento de ser apalpado e corrido pelos
patrulhas da polícia”. Os escravos, porém, poderiam ser apalpados a qualquer
hora.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">Carmo
Neto recorda a observação de van Bolen de que, por essa época, rondavam
frequentemente as ruas da cidade do Rio de Janeiro “patrulhas a cavalo e a pé”
(op. cit., p. 15).<a name="674_1"></a><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><sup><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">674</span></sup><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;"> J. M. Pereira da Silva,
<i>Segundo período do reinado de D. Pedro I no Brasil</i>, Rio de Janeiro,
1871, p. 287.<a name="675_1"></a><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><sup><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">675</span></sup><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;"> Pertence ao arquivo do
Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro interessante autógrafo, em alemão,
assinado por D. Pedro I e dirigido a seu “caro Schaeffer”, onde se diz: “Muito
lhe agradeço a boa gente que tem mandado para soldados. A imperatriz já lhe
mandou, da minha parte, encommendar mais 800 homens; agora eu lhe peço que, em
logar de colonos casados, mante mais 3.000 solteiros, também para soldados,
além dos 800. O ministro dos Negócios Estrangeiros lhe mandou dizer que não
mandasse mais, mas eu quero que mande os que por esta lhe encommendo, e faça de
conta que não recebeu ordem para não mandar. Mande, mande e mande, pois lhe
ordenna quem o há de desculpar e premiar pois é – seu <i>Imperador</i>. Boa
Vista, em 13 de junho de 1824.” Desde 1823, recorda Carmo Neto, Jorge Antônio
de Schaeffer, “a serviço do Exército brasileiro”, fora encarregado pelo governo
do Brasil de contratar colonos na Alemanha e, ao mesmo tempo, engajar aí
“soldados estrangeiros para servirem em nossas fileiras, como se vê da portaria
de 4 de dezembro de 1824 (Coleção Nabuco)” (op. cit., p. 13). Com esses
estrangeiros contratados, formaram-se os três batalhões cuja revolta foi
sufocada com o auxílio de capoeiras: “o de irlandeses aquartelado no campo de
Santana e os dois de alemães, aquartelados um no campo de São Cristóvão e outro
na praia Vermelha”.<a name="676_1"></a><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><sup><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">676</span></sup><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;"> Sobre os motins do
Recife em 1823 – os menos conhecidos dos movimentos de rebeldia da gente de cor
no Brasil patriarcal – veja-se Alfredo de Carvalho, <i>Estudos pernambucanos</i>,
Recife, 1907.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">“</span><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">É do maior interesse para a compreensão do período de transição que foi,
nas principais áreas do nosso País, a primeira metade do século XIX,
destacar-se que várias das modificações que sofreram então paisagens e
instituições ligam-se direta ou indiretamente à cessação do tráfico legal de
escravos, cujo volume o clandestino nem sempre conseguiu suprir; nem pôde
manter. Os capitais foram tomando, assim, outros rumos. Deixando de
concentrar-se no comércio de escravos, tornaram-se disponíveis para os melhoramentos
mecânicos, para as compras de máquinas ou simplesmente de cavalos e de vacas de
leite, superiores ou de raça, para a construção de sobrados de luxo. Por longos
anos, vinham afluindo os capitais à praça, sem terem aí emprego suficiente.
Eram limitadas as transações. Acanhado o giro do dinheiro. As maiores fortunas
móveis do Império em grande parte se achavam em mãos de traficantes de
escravos; e estes só as aplicavam com escravos. Com a cessação do tráfico é que
o emprego dos mesmos capitais reverteu para os melhoramentos materiais do País
– especialmente na Corte.<a name="743"></a><sup><span style="mso-bidi-font-weight: bold;">743</span></sup> Uns, ativando as construções urbanas, dando-lhes o que
os higienistas da época consideravam “melhores e mais salutares condições”;
outros convergindo para empresas de viação urbana, criação de gado de leite que
substituísse as já escassas cabras-gente, mecanização de serviços públicos ou
particulares até então movidos por braço escravo.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">É
certo que a adaptação de capitais, concentrados em escravos, a máquinas,
fábricas, animais de tração e de leite e prédios urbanos, não se fez docemente
mas através de crises profundas<a name="744"></a><sup><span style="mso-bidi-font-weight: bold;">744</span></sup> que em áreas como a do Rio de Janeiro, a da Bahia, a de
Pernambuco, a do Maranhão afetaram a sociedade em costumes ou estilos de vida;
e não apenas a economia brasileira. É que a cessação do tráfico de escravos
africanos foi como que o golpe de morte – mas não ainda o de misericórdia –
numa forma, já então arcaica, de economia e de sociedade, a um tempo feudalista
e capitalista; e esse golpe doeu não só nos capitalistas, negociantes de
“folegos vivos”, e nos senhores, ainda feudais, de terras (senhores para quem
esses fôlegos vivos eram a própria vida) como na população das próprias
cidades, em grande parte dependente de condições de existência criadas pelo
mesmo sistema, por longo tempo moribundo: lento em deixar de existir e de
influir sobre o ambiente ou sobre o meio. (...)<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Esse
comércio se fazia principalmente com a Corte, do mesmo modo que a “forte
companhia” da província de Minas visava abastecer de animais de corte, de leite
e de tração as populações da área metropolitana e das áreas vizinhas à Corte,
no beneficiamento das quais foi se esmerando o capitalismo outrora
especializado na importação de escravos da África para o Brasil, e, por
conseguinte, no beneficiamento das áreas mais feudalmente agrárias do País.
Vinha-se desenvolvendo, assim, uma revolução ecológica, e não apenas
tecnológica, com a transferência de capitais, de escravos para animais e, até
certo ponto, para máquinas, ao lado do deslocamento de prestígio político do
Norte açucareiro, e necessitado de escravos para a sua economia, ainda
predominantemente açucareira e ortodoxamente patriarcal, para o Sul cafeeiro, e
menos patriarcal que comercial, em cuja economia agrária, seria mais fácil a
substituição do escravo pelo colono europeu e, na urbana, a substituição do
negro pela máquina também europeia.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Ao
golpe de morte na escravidão que foi a cessação do tráfico regular, sucedeu-se
outro: a epidemia de cólera-morbo, ou cólera asiática, que devastou como uma
praga do Velho Testamento senzalas de casas-grandes de engenhos e de fazendas
persistentemente patriarcais e até feudais em sua organização social. Não só
senzalas: também mucambos de pretos e de pardos nos arredores dos sobrados a
ponto de parecer a epidemia a alguns deles, pretos e pardos, arte diabólica de
brancos para acabar com a gente de cor.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Mas
por uma como compensação biológica e não apenas sociológica, quase ao mesmo
tempo em que a cólera asiática devastava principalmente a população africana e
escrava das senzalas e dos mucambos, a febre amarela aparecia, para
especializar-se em matar europeu ou branco puro, fino, vigoroso, entre os
dezesseis e os trinta anos.<a name="748"></a><sup><span style="mso-bidi-font-weight: bold;">748</span></sup> Principalmente branco de sobrado. Foi como se a febre
amarela tivesse tomado a si a tarefa de retardar, no Brasil, a vitória sobre o
patriarcalismo rústico, encarnado nos homens de mais de sessenta anos –
raramente atingidos pelo mal – do capitalismo ou do tecnicismo burguês
representado principalmente por estrangeiros ainda jovens: por ingleses,
franceses, portugueses de sobrado ou de loja; e por um ou outro Mauá
brasileiro. Ou o triunfo, porventura menos difícil, do liberalismo dos
bacharéis e dos doutores de vinte e tantos, trinta anos, sobre a rotina
conservadora do maior número dos senhores de mais de sessenta.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Há
até quem atribua à febre amarela a função patriótica de ter guardado o Império
da cobiça europeia ou britânica. E na verdade parece ter ela impedido a
desnacionalização do Brasil sob a influência de uma transferência,
demasiadamente rápida, de domínio econômico, das mãos dos senhores de escravos
e dos traficantes de negros para as dos senhores de bancos e dos traficantes de
máquinas de ferro ou a vapor. Das mãos dos velhos das casas-grandes para as dos
senhores moços dos sobrados.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">O
certo, porém, é que, sob o estímulo dos dois flagelos, parecem ter melhorado
não só as condições de higiene e de vida nas principais cidades do Império como
nas senzalas, nas casas-grandes, nas fazendas do interior alcançadas tanto pelo
mal asiático como pela “febre de gringos”, isto é, de estrangeiros, de
ingleses, de franceses, de alemães, de suíços, de italianos. À febre amarela
pode-se, na verdade, atribuir uma série de aperfeiçoamentos técnicos ou
mecânicos na vida das cidades brasileiras. Entre eles, a construção de
cemitérios públicos e a generalização do hábito de residência nobre ou burguesa
nos subúrbios, ou nas ruas afastadas do centro, deixando-se os sobrados dos
centros urbanos para funções exclusivamente comerciais ou burocráticas. Ou para
bordéis e cortiços, para repartições públicas e armazéns.”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><sup><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">743</span></sup><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"> O fato foi
surpreendido em alguns dos seus efeitos imediatos por observadores da época, um
deles Charles Reybaud que escreveu no seu Le Brésil (Paris, 1856) : “<i>La
suppression de la traite a laissé au Brésil bien des capitaux inactifs,
indigènes ou étrangers, mais habitués à chercher un emploi lucratif dans les
transactions des grandes places brésiliennes. C’est cette abondance de valeurs
disponibles, combinée avec des développements de l’esprit d’association, qui
explique la facilité avec laquelle se sont montées à Rio les plus importantes
affaires. On a vu tour à tour la Banque du Brésil, l’entreprise des services à
vapeur sur l’Amazone, celle du chemin de fer de don Pedro II et bon nombre
d’autres, trouver sur-le-champ, par des souscriptions empressées, dix fois le
capital dont ils avaient besoin. Il y avait certainement de l’agiotage dans
cette ardeur à souscrire, et la capitale du Brésil n’est pas plus affranchie
que Paris et Londres de cette spéculation malséante, levier vereux et
nécessaire du crédit public et privé</i>” (p. 230-231).<a name="744_1"></a><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><sup><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">744</span></sup><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"> Vítor Viana, em seu
estudo <i>O Banco do Brasil – Sua formação, seu engrandecimento, sua missão
nacional</i> (Rio de Janeiro, 1926), refere-se às crises de 51, 57, 64 como
“crises de crescimento” (p. 362). E transcreve do relatório de 1859: “... a
cessação do tráfego deslocou avultados capitais, até então empregados nas
feitorias das costas da África e no aparelhamento das expedições”, isto é, das
expedições para a captura de negros. Esse dinheiro, refluindo para o Brasil,
“mudou completamente a face de todas as cousas na agricultura, no comércio e na
indústria” (p. 363). O recente estudo do professor Afonso Arinos de Melo
Franco, <i>História do Banco do Brasil</i> (São Paulo, 1947), limitando-se à
primeira fase da história do Banco (1808-1835), não alcança as crises que nos
parecem marcar transições de tipos de economia no Império.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><sup><span lang="pt" style="font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: #0016; mso-bidi-font-weight: bold;">748</span></sup><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"> Vejam-se, sobre o
assunto, <i>Memória histórica das epidemias de febre amarela e cólera-morbo que
têm reinado no Brasil</i>, pelo Dr. Pereira Rego (barão de Lavradio), Rio de
Janeiro, 1873, o trabalho anterior do mesmo José Pereira Rego, <i>História e
descrição da febre amarela no Rio de Janeiro</i>, em 1850, Rio de Janeiro,
1851, e sobre a receptividade mórbida à febre amarela de indivíduos ou
populações segundo áreas, idades, raças, tipos de habitação etc., o relatório
do médico José Domingos Freire, anexo ao <i>Relatório do ministro do Império</i>,
Rio de Janeiro, 1885. Vejam-se também <i>Du climat et des maladies du Brésil</i>,
por J. F. X. Sigaud, Paris, 1844, <i>Considerações gerais sobre a topografia
físico-médica da cidade do Rio de Janeiro</i>, por Francisco Lopes de Oliveira
Araújo, Rio de Janeiro, 1852, <i>Observações sobre a febre amarela</i>, por
Roberto Lallemant, Rio de Janeiro, 1951, e <i>Estudo clínico sobre as febres do
Rio de Janeiro</i>, por João Torres Homem, Rio de Janeiro, 1856.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">“</span><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">A ascensão do bacharel ou doutor – mulato ou não – afrancesado trouxe
para a vida brasileira muita fuga da realidade através de leis quase freudianas
nas suas raízes ou nos seus verdadeiros motivos. Leis copiadas das francesas e
das inglesas e em oposição às portuguesas: revolta de filhos contra pais. Mas,
por outro lado, afrancesados como Arruda Câmara é que deram o grito de alarme
contra certos artificialismos que comprometiam a obra patriarcal de integração
do Brasil, como aqueles exagerados sentimentos de nobreza encarnados por
Antônio Carlos.<a name="755"></a><sup><span style="mso-bidi-font-weight: bold;">755</span></sup></span><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Quando
Melo Morais aparece, no meado do século XIX, recordando cheio de saudade os
velhos do seu tempo de moço, o prestígio que tinham, o bom senso com que
administravam a então colônia, é para lamentar, entre outros horrores dos novos
tempos, o predomínio dos bacharéis afrancesados; para contrastar-lhes a
inexperiência de puros letrados com a sabedoria prática dos velhos
administradores. Destes se pode dizer, na verdade, que estavam para os filhos e
netos, formados em Direito e em Filosofia, ou em Matemática e Medicina, na
Europa, ou sob influência francesa ou inglesa, como muito curandeiro da terra
para os rapazes formados em Medicina em Montpellier e em Paris: superiores aos
doutos – os curandeiros – pelo seu traquejo e pela sua prática; pela sua
sabedoria de grandes intuitivos que lidavam face a face com os males e as
doenças de meio tão diverso do europeu, que conheciam pelo nome e às vezes pela
experiência do próprio corpo as resinas, as ervas e os venenos indígenas ou
trazidos da África pelos negros. Na mesma relação de curandeiros para médicos,
estiveram, entre nós, os guerrilheiros para os guerreiros. A guerra contra a
Holanda, por exemplo, foi ganha principalmente pelos guerrilheiros da terra
contra os guerreiros da Europa. Por homens de conhecimentos concretos da terra
em que se batalhava contra guerreiros, a eles vastamente superiores, na arte ou
na ciência abstrata das batalhas.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">O
professor Gilberto Amado salienta que à política e à administração do Império,
os homens mais úteis não foram os mais bem preparados com “sua fácil e
inexaurível erudição à margem dos fatos e das coisas”. E num dos seus mais
lúcidos ensaios observa desses “mais preparados” que eram homens de “erudição
abstrata”, “preocupados mais com o espírito que com o fundo dos problemas”,
fazendo discursos cheios de “citações de estadistas franceses e ingleses” sem,
entretanto, se darem “ao pequeno trabalho de fazer um estudo ligeiro das
condições de raça, de meio, das contingências particulares” do Império. Os
estadistas mais realizadores foram, muitas vezes, homens de feitio oposto ao
dos bacharéis, mais cultos: “os menos preparados”. Isto sem exceção, desde
Paraná a Cotegipe.<a name="756"></a><sup><span style="mso-bidi-font-weight: bold;">756</span></sup></span><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Se
houve doutores e bacharéis formados na Europa do fim do século XVIII que
reuniram, como Arruda Câmara, a teoria europeia a qualidades de curandeiros dos
nossos males sociais por processos brasileiros, muitos se exageraram na
doutrina. E foram uns românticos ou então uns livrescos, imaginando que
dirigiam país castiçamente europeu: e não uma população mulata, mestiça,
plural.”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><sup><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">755</span></sup><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"> Antônio Carlos
Ribeiro de Andrada parece ter pertencido ao número daqueles brasileiros que
escandalizaram um aristocrata francês de sentimentos já liberais como o conde
de Suzannet pelos seus orgulhos de família (op. cit., p. 411).<a name="756_1"></a><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><sup><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">756</span></sup><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"> Gilberto Amado, <i>Grão
de areia</i>, Rio de Janeiro, 1919, p. 244-245. Veja-se também <i>A Chave de
Salomão e outros escritos</i>, Rio de Janeiro, 1947, p. 176-180.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-bidi-font-size: 12.5pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-bidi-font-size: 12.5pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">“</span><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">O conde de Valadares, em Minas, organizara ainda na era colonial
regimentos de homens de cor com oficiais mulatos e pretos.<a name="761"></a><sup><span style="mso-bidi-font-weight: bold;">761</span></sup> Um desprestígio para a
melhor aristocracia da terra. Aliás, nos tempos coloniais, chegara a haver
sargento-mor e até capitão-mor mulato; mulato escuro, até, como o que Koster
conheceu em Pernambuco. Mas esses poucos mulatos que chegaram a exercer, nos tempos
coloniais, postos de senhores, quando aristocratizados em capitães-mores,
tornavam-se oficialmente brancos, tendo atingido a posição de mando por alguma
qualidade ou circunstância excepcional. Talvez ato de heroísmo, ação brava
contra rebeldes. Talvez grande fortuna herdada de algum padrinho vigário.
Quando o inglês perguntou, em Pernambuco, se o tal capitão-mor era mulato – o
que, aliás, saltava aos olhos – em vez de lhe responderem que sim,
perguntaram-lhe “se era possível um capitão-mor ser mulato”.<a name="762"></a><sup><span style="mso-bidi-font-weight: bold;">762</span></sup> </span><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">(...) <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Verificaram-se
casos semelhantes nos Estados Unidos. Em certo velho burgo do Estado de... nos
foi um dia apontado – isto já há largos anos – indivíduo ilustre admitido e até
cortejado na sociedade branca mais fina e mais exclusivista do lugar, e de quem
entretanto se sabia ter ascendente africano, embora remoto. Numa terra em que a
simples suspeita de tal ascendência basta para determinar o mais cruel
ostracismo social, o caso nos pareceu espantoso. Esclareceram-nos, porém, que o
indivíduo em questão tivera outro ascendente – ou seria o mesmo negroide? –
entre os heróis mais gloriosos da guerra da Independência. O que lhe arianizara
a raça e lhe aristocratizara o sangue.”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><sup><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: #0016; mso-bidi-font-weight: bold; mso-themecolor: text1;">761</span></sup><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"> Já salientamos, em nota a capítulo anterior,
que variou a política portuguesa no Brasil colonial quanto ao aproveitamento de
negros e mulatos como oficiais de milícias. Menos, porém, ao que parece, por
preconceito de raça ou de cor do que de região: a região colonial em relação
com a metropolitana, cujos filhos pretendiam monopolizar na colônia os postos
de direção, deixando aos cabras que – de modo geral – eram todos os
brasileiros, os cargos secundários e, principalmente, os encargos penosos, da
administração.</span><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.5pt; mso-themecolor: text1;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><sup><span lang="pt" style="font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: #0016; mso-bidi-font-weight: bold;">762</span></sup><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"> É bem conhecida a
observação de Koster no norte do Brasil quanto a certo capitão-mor, homem
evidentemente de sangue africano que era, entretanto, considerado branco, por
força do cargo. Também “brancos”, por força dos cargos que ocuparam no Império
e de títulos de nobreza que lhes concedeu o Imperador, ficaram vários brasileiros
evidentemente negroides, alguns deles filhos de mestiças célebres como
Maria-você-me-mata, muito malvistas pelas iaiás mais puritanas dos sobrados.
(...)<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-bidi-font-size: 12.5pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-bidi-font-size: 12.5pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">“A
simpatia à brasileira – o homem simpático de que tanto se fala entre nós, o
homem “feio, sim, mas simpático” e até “ruim ou safado, é verdade, mas muito
simpático”; o “homem cordial” a que se referem os Srs. Ribeiro Couto e Sérgio
Buarque de Holanda<a name="833"></a><sup>833</sup> – essa simpatia e essa
cordialidade, transbordam principalmente do mulato. Não tanto do retraído e
pálido como do cor-de-rosa, do marrom, do alaranjado. Ninguém como eles é tão
amável; nem tem um riso tão bom; uma maneira mais cordial de oferecer ao
estranho a clássica xicrinha de café; a casa; os préstimos. Nem modo mais
carinhoso de abraçar e de transformar esse rito como já dissemos orientalmente
apolíneo de amizade entre homens em expansão caracteristicamente brasileira,
dionisiacamente mulata, de cordialidade. O próprio conde de Gobineau que todo o
tempo se sentiu contrafeito ou mal entre os súditos de Pedro II, vendo em todos
uns decadentes por efeito da miscigenação, reconheceu, no brasileiro, o supremo
homem cordial: “<i>très poli, très accueillant, très aimable</i>”.
Evidentemente, o brasileiro<a name="834"></a><sup>834</sup> que tem sua pinta de
sangue africano ou alguma coisa de africano na formação de sua pessoa; não o
branco ou o “europeu” puro, às vezes cheio de reservas; nem o caboclo, de
ordinário, desconfiado e que ri pouco.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Essa
simpatia do brasileiro – evidentemente maior no mulato “em quem a linfa ariana”
– escreve o professor Gilberto Amado – “não dissolveu ainda a abundância animal
do temperamento negro” – não nos parece ter origem principalmente étnica.<a name="835"></a><sup>835</sup> Não nos parece que se derive da pura “alegria
carnal das primeiras africanas que riam com os seus belos dentes e se
espanejavam contentes na doçura das novas senzalas onde os senhores iam
procurá-las com o seu amor.” “O riso abundante”, que o professor Amado salienta
no mulato brasileiro, cremos que é antes um desenvolvimento social; e estamos
de inteiro acordo com o eminente ensaísta quando escreve dos mulatos risonhos:
“o que lhes resta do hábito de servir, adquirido na longa passividade da
escravidão, dá-lhes um caráter prestativo e obsequioso”, certa “mole doçura que
opõem aos obstáculos”. Naquele “riso abundante” haverá extroversão africana;
talvez maior plasticidade de músculos da face do que no branco. Mas o que ele
exprime parece que é principalmente um desenvolvimento ou uma especialização
social. Terá se desenvolvido principalmente – como já nos aventuramos a sugerir
– dentro das condições de ascensão social do mulato: condições de ascensão
através da vida livre e não apenas nas senzalas e nos haréns dos engenhos; mas
tendo por pontos de partida essas senzalas e esses haréns.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">O
mulato formado, em competição com o advogado branco, com o médico, com o
político, procurou vencer o competidor, agradando, mais do que eles, aos
clientes, ao público, ao eleitorado, ao “Povo”; e em seu auxílio moveram-se,
sem dúvida mais facilmente do que no branco, os músculos do rosto negroide. Seu
riso foi não só um dos elementos, como um dos instrumentos mais poderosos de
ascensão profissional, política, econômica; uma das expressões mais
características de sua plasticidade, na transição do estado servil para o de
mando ou domínio ou, pelo menos, de igualdade com o dominador branco, outrora
sozinho, único. Na passagem não só de uma raça para a outra como de uma classe
para outra. (...)<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Ao
mesmo tempo que fácil no riso – um riso, não já servil, como o do preto, mas
quando muito, obsequioso e, sobretudo, criador de intimidade – tornou-se o
mulato brasileiro, quando extrovertido, como Nilo Peçanha, transbordante no uso
do diminutivo – outro criador de intimidade. O “desejo de estabelecer
intimidade”, que o ensaísta Sérgio Buarque de Holanda considera tão
característico do brasileiro, e ao qual associa aquele pendor, tão nosso, para
o emprego dos diminutivos – que serve, diz ele, para “familiarizar-nos com os
objetos”.<sup>836</sup><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Podemos
acrescentar que serve principalmente para familiarizar-nos com as pessoas –
principalmente com as pessoas socialmente mais importantes: “sinhozinho”,
“doutorzinho”, “capitãozinho”, “padrinho”, “fradinho”, “ioiozinho”, “seu
Pedrinho”, “Zezinho”, “Machadinho”, “Sousinha”, “Goizinho”, “Manezinho”, “o
Pequenininho”, “o Velhinho”, o “gordinho”, “o Amarelinho”, “o Branquinho”. E
esse desejo de intimidade com as pessoas nos parece vir, não só de condições
comuns a todo povo ainda novo, para quem o contato humano tende a reduzir-se à
maior pureza de expressão, como, particularmente, de condições peculiares ao
período de rápida ascensão de um grupo numeroso, da população – o grupo mulato
– ansioso de encurtar, pelos meios mais doces, a distância social entre ele e o
grupo dominante.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">No
uso brasileiro de diminutivo, uso um tanto dengoso, ninguém excede ao mulato.
Ele foi pelo menos quem deu mais força e nitidez a esse nosso pendor; quem mais
o enriqueceu de tendências e de significados sociais particularmente
brasileiros. Para os seus interesses, para as suas dificuldades de indivíduo em
transição de uma classe para outra, quase de uma raça para outra, o diminutivo,
adoçando as palavras, representava a maneira de ser ainda respeitoso, sendo já
íntimo, dos antigos senhores e também dos assuntos, outrora distantes e nos
quais só os brancos tocavam.”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><sup><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">833</span></sup><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"> Sérgio Buarque de
Holanda, <i><a href="https://listadelivros-doney.blogspot.com/2008/03/razes-do-brasil-srgio-buarque-de.html">Raízes
do Brasil</a></i>, 2ª ed., Rio de Janeiro, 1947, p. 213.<a name="834_1"></a><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><sup><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">834</span></sup><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"> G. Readers, op. cit.<a name="835_1"></a><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><sup><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">835</span></sup><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"> Gilberto Amado, <i>Grão
de areia</i>, cit., p. 136-137.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><sup><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">836</span></sup><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"> Sérgio Buarque de
Holanda, op. cit., p. 217.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">“</span><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Mas as tradições religiosas, como outras formas de cultura, ou de
culturas negras, para cá transportadas, junto com a sombra das próprias árvores
sagradas, com o cheiro das próprias plantas místicas – a maconha ou a diamba,
por exemplo – é que vêm resistindo mais profundamente, no Brasil, à
desafricanização. Muito mais que o sangue, a cor e a forma dos homens. A Europa
não as vencerá. A interpenetração é que lhes dará formas novas, através de
novas combinações dos seus valores com os valores europeus e indígenas.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">O
Brasil parece que nunca será, como a Argentina, país quase europeu; nem como o
México, ou o Paraguai, quase ameríndio. A substância da cultura africana
permanecerá em nós através de toda a nossa formação e consolidação em nação.
(...)<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">O
mulato nem sempre será, como os Machado de Assis – sofisticado à inglesa – ou
como os Cotegipe, os Montezuma, os Gonçalves Dias, os D. Silvério, os D. Luís
de Brito, os D. José Pereira Alves, o cúmplice do branco contra o preto. Também
o cúmplice do negro contra o branco.”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">“</span><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">O catolicismo, concordamos ter sido elemento poderoso de integração
brasileira; mas um catolicismo que, ao contato – desde as Espanhas – com as
formas africanas de religião, como que se amorenou e se amulatou, os santos
adquirindo dos homens da terra uma cor mais quente ou mais de carne do que a
europeia. Adaptou-se assim às nossas condições de vida tropical e de povo de
formação híbrida. De modo que as portas de vidro dos santuários se abriram, no
Brasil, se escancararam mesmo, para deixar entrar <i>orixás</i> de cajá
disfarçados em S. S. Cosme e Damião; São Beneditos pretíssimos, Santas
Ifigênias retintas, Nossas Senhoras do Rosário fortemente morenas. Santos de
cor que tomaram lugar entre santo-antônios cor-de-rosa e querubinzinhos louros,
ruivos, em uma confraternização que nem a dos homens. Os santos e os anjos,
tradicionalmente louros, foram aqui obrigados a imitar os homens – nem todos
brancos, alguns pretos, muitos mulatos – tornando-se, eles também, parentes de
pretos, de pardos e mulatos. Ou amulatando-se, amorenando-se. Até Nossa Senhora
amulatou-se, engordou e criou peitos de mãe-preta nas mãos dos nossos
santeiros. E do próprio Cristo a imagem que mais se popularizou no Brasil foi a
do judeu palidamente moreno, o cabelo e a barba pretos, ou então castanhos; e
não a do Nosso Senhor ruivo, que se supõe ser o histórico ou o ortodoxo. É
possível que qualquer insistência da parte dos padres em impor à gente do povo
santos todos ortodoxamente louros ou ruivos tivesse resultado em desprestígio
para o catolicismo, formando-se, talvez, em volta dos altares e dos santos, o
mesmo ambiente de distância e de indiferença que foi crescendo em torno do
trono e dos imperadores e regentes louros, a tal ponto de poder dizer-se –
repita-se – com muito exagero, mas não sem certo fundo de verdade, que o
primeiro Imperador fora destronado por não ser nato, o segundo, por não ser
mulato.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Para
Azevedo Amaral, os heróis autênticos para a gente do povo, no Brasil, os que
“se fixam como ídolos na consciência popular” são “os que exprimem nas suas
atitudes e nos seus gestos os traços mais fortemente antieuropeus do psiquismo
brasileiro”.<a name="840"></a><sup><span style="mso-bidi-font-weight: bold;">840</span></sup>
Os traços negroides e caboclos. E contrasta a indiferença pela figura de branco
de Caxias com o entusiasmo pelos traços caboclos de Floriano.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Talvez
exagere o arguto publicista. Nada, porém, mais natural que essa preferência
pelos heróis em cujas figuras a massa encontre o máximo de si mesma. Seu nariz,
sua boca, seus olhos, seus vícios, seus gestos, seu riso. Há mesmo aí uma das
formas mais poderosas de integração vencendo a diferenciação: o herói, o santo,
o gênio se diferencia pelo excepcional da coragem, da santidade, da
inteligência; a massa, porém, o reabsorve pelo muito ou pelo pouco que encontra
nele de si mesma. Afinal, não existe herói, nem gênio, nem mesmo santo, que não
tenha retirado da massa alguma coisa de sua grandeza ou de sua virtude; que não
guarde traços da massa em sua superioridade de pessoa excepcional. Alguns
chegam exageradamente a considerar o homem de gênio um ladrão: do tesouro que o
povo juntou e ele só fez revelar. A riqueza transbordou nele, vinda de outros.
De qualquer jeito, a massa tende a recuperar o que o herói ou o indivíduo de
gênio de certo modo lhe usurpa, exagerando os traços de semelhança e os pontos
de contato entre os dois, massa e herói: os traços caboclos de Floriano ou de
Carlos Gomes como os negroides de Montezuma, de Torres Homem, de Rebouças, de
José do Patrocínio. Há no culto dos heróis um pouco de agrado de gato – o
clássico agrado do gato ao homem: parecendo estar fazendo festa à perna do
dono, o gato afaga volutuosamente o próprio pelo. Assim a massa negroide ou
cabocla quando encontra herói ou santo de cabelo de índio ou de barba
encarapinhada regozija-se nele mais do que num herói louro; é um meio de afagar
os próprios pelos nos do herói, nos do gênio, nos do santo.”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><sup><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">840</span></sup><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"> Azevedo Amaral, em <i>O
Brasil na crise atual</i> (Rio de Janeiro, 1935, p. 253).<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">“</span><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Reciprocidade entre culturas que se tem feito acompanhar de intensa
mobilidade social – entre classes e entre regiões. Mobilidade vertical e
mobilidade horizontal. Talvez em nenhum país da extensão do nosso, o indivíduo
do extremo Norte – do Pará, digamos – se sinta tão à vontade no extremo Sul e
encontre, conforme seu temperamento mais do que conforme sua origem étnica,
tantas facilidades de ascensão social e política. É o caso de centenas de
bacharéis cearenses, paraenses, sergipanos, baianos, pernambucanos – vários
deles negroides ou caboclos – que têm feito carreira no Rio Grande, no Paraná,
em São Paulo e até governado esses Estados e os representado no Parlamento ou
no Congresso Nacional. Talvez em nenhum outro país seja possível ascensão
social mais rápida de uma classe a outra: do mucambo ao sobrado. De uma raça a
outra: de negro a “branco” ou a “moreno” ou “caboclo”. De uma região a outra:
de cearense a paulista. Juliano Moreira sabe-se que era filho de negra de
tabuleiro. Luiz Gama, de simples escrava. O negro Rebouças, conta-se que acabou
dançando quadrilha nos bailes da Corte com a loura princesa Isabel. (...)<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Se
é certo que somos móveis nos dois sentidos – no horizontal e no vertical – é
que não são tão rígidas as configurações psicológicas de raça e de classe no
nosso País. O pernambucano julga encontrar mais afinidades com o
rio-grandense-do-sul, ou então com o paulista, do que com o baiano, seu
vizinho. E não deixa de ter suas razões. O pernambucano, como o gaúcho, e ao
contrário do baiano, é amigo da luta e antes rusticamente cavalheiresco do que
maciamente urbano. Como o paulista, seco e calado, e não como o baiano, ou o
carioca ou o cearense, fácil de acamaradar-se com estranhos. Rígida a
psicologia de raça que Azevedo Amaral atribui importância tão grande em nossa
formação pretendendo explicar por ela as divergências psicológicas mais
profundas, entre os vários grupos de brasileiros, conforme a parcela desta ou
daquela raça que predomina em cada um; rígida a psicologia de raça, como
esclarecem aquelas evidentes afinidades do pernambucano com o
rio-grandense-do-sul, quando absoluta a repercussão da raça sobre o
comportamento do homem, as afinidades do pernambucano deveriam ser todas ou
quase todas com o baiano do recôncavo e não com o gaúcho espanholado do extremo
Sul ou com o paulista? É que talvez as afinidades venham antes de pontos de
semelhança na formação social dos três: do pernambucano e do
rio-grandense-do-sul e do paulista. Formação menos volutuosa e menos descansada
que a do baiano; mais guerreira e mais independente da Corte ou da metrópole;
mais avivada pela responsabilidade de estarem sempre defendendo a terra, o
Brasil, a América portuguesa com o próprio esforço e o próprio sangue. Através
dessa formação, teriam se desenvolvido nos três grupos tradições de luta, de
independência, de caudilhismo, de separatismo e, ao mesmo tempo, de
liberalismo. Apontam-se hoje verdadeiros traços de união entre as revoluções
pernambucanas e as rio-grandenses-do-sul, nos princípios do século XIX. Entre
os dois separatismos, os dois republicanismos – o do Norte e o do Sul.<a name="844"></a><sup><span style="mso-bidi-font-weight: bold;">844</span></sup></span><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Pelo
menos no caso da afinidade, vamos provisoriamente dizer psicológica, de um
grupo de nortistas de composição étnica quase igual à dos baianos, com sulistas
de formação étnica predominantemente europeia, pelo menos quase isenta de
sangue africano quando comparada com a pernambucana ou a baiana – o fator raça
empalidece sob a atuação, evidentemente mais poderosa, de semelhanças de
formação histórica. Ou de experiência social.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Já
não se dá tanto crédito, como outrora, à fácil psicologia de raça que por tanto
tempo consistiu em associar, de modo absoluto, à raça do indivíduo ou da nação
ou região, qualidades ou defeitos. Fácil psicologia, segundo a qual o homem
mediterrâneo seria sempre, por dura determinação de raça, volátil, apaixonado,
instável, imaginoso, com muita queda para as artes plásticas e gráficas, mas
sem a pertinácia dos nórdicos, nem a sua coragem, o seu amor de independência,
a sua fleuma, a sua capacidade de direção. De positivo, ou através de meios
técnicos de mensuração e comparação, pouco se sabe ainda das diferenças mentais
e de temperamento entre raças; e menos ainda sobre essas diferenças, em termos
claros de superioridade e de inferioridade. As superioridades e inferioridades
de raça se acham consagradas apenas, umas pelo bom senso popular, outras só
pela meia-ciência, sempre tão enfática, dos psicólogos de segunda e dos
sociólogos de terceira ordem.”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><sup><span lang="pt" style="font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: #0016; mso-bidi-font-weight: bold;">844</span></sup><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"> O historiador Manuel
Duarte, em <i>Província e nação</i> (Rio de Janeiro, 1949), mostra que os
movimentos revolucionários no Sul e no Norte do Império, durante os primeiros
anos da Independência, nem sempre se processaram independentemente uns dos
outros.<o:p></o:p></span></p>Doneyhttp://www.blogger.com/profile/09476772224297324141noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1937976905822999004.post-200392714505484422024-03-19T11:51:00.006-03:002024-03-22T17:24:48.177-03:00Sobrados e mucambos (Parte IV), de Gilberto Freyre<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">Subtítulo</span></i><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-style: italic; mso-themecolor: text1;">: Decadência do patriarcado rural e
desenvolvimento do urbano<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 12.5pt; mso-themecolor: text1;">Editora</span></i><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 12.5pt; mso-themecolor: text1;">: Global<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">Opinião</span></i><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">: </span><span face=""Segoe UI Symbol","sans-serif"" style="color: black; font-size: 14pt; mso-bidi-font-family: "Segoe UI Symbol"; mso-themecolor: text1;">★★★★☆<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">ISBN</span></i><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">: 978-85-260-0835-9<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">Páginas</span></i><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">: 976<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><i><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">Sinopse</span></i><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">: Ver </span><a href="https://listadelivros-doney.blogspot.com/2024/03/sobrados-e-mucambos-parte-i-de-gilberto.html"><span style="font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt;">Parte I</span></a><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;"><o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><br /></p>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgQD6RXYJqYa4EYJgCrCNyYvUFwDnMAk7vTsqt5sqBn97UFX89M2vQTb6UC9zGp7DyTArFGINsWhX3Nee03bcu9Lvg3By6NUg_Jnq2seLqgI6L7b_2mMlDQT7fx7CP47KkCSx_oC1n3M5Yt48NklQfn4GfE9vJTS-8iRTWndLR-dsHHabwOt4T6zSwfccA/s1445/Sobrados%20e%20mucambos.jpg" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1445" data-original-width="1000" height="400" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgQD6RXYJqYa4EYJgCrCNyYvUFwDnMAk7vTsqt5sqBn97UFX89M2vQTb6UC9zGp7DyTArFGINsWhX3Nee03bcu9Lvg3By6NUg_Jnq2seLqgI6L7b_2mMlDQT7fx7CP47KkCSx_oC1n3M5Yt48NklQfn4GfE9vJTS-8iRTWndLR-dsHHabwOt4T6zSwfccA/w276-h400/Sobrados%20e%20mucambos.jpg" width="276" /></a></div><p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Georgia, "serif"; font-size: 14pt;"> </span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">“O
estudo minucioso da composição social e, quanto possível, étnica, das nossas
irmandades, é dos que mais contribuem para o esclarecimento das condições de
raça, classe e região que, tomadas em conjunto – nunca isolada umas das outras
– caracterizam a formação brasileira. Sem o exame em conjunto de condições que
quase sempre se interpenetraram entre nós, como as referidas, de raça, de
classe e de região, arrisca-se o estudioso da formação brasileira a
generalizações falsas sobre o indivíduo ou grupo que considere representativo;
pois, no Brasil, generalizações firmadas em critérios de interpretações puras,
válidas para países de maior pureza ou maior nitidez hierárquica na sua
composição social ou étnica, perdem a validez ou o vigor. Assim não se pode
afirmar da nossa formação que tenha sido substancialmente aristocrática no
sentido de uma raça, de uma classe ou de uma região única. O que a nossa
formação tem tido é forma aristocrática dentro da qual vêm variando substâncias
ou conteúdos de raça, de classe e de região, ora exaltando-se como nobre o
branco (e dando-se aos indígenas o direito de adotarem velhos nomes portugueses
de pessoa ou família), ora o caboclo (cujos nomes passaram em certa época a
substituir os europeus); ora glorificando-se o senhor de engenho, isto é, da
região da cana, ora o fidalgo de sobrado, isto é, da região ou área urbana (de
onde a tendência contemporizadora para o senhor rural mais rico ter tido sempre
sobrado na cidade mais próxima de suas terras e, vice-versa, o senhor mais rico
de sobrado ter tido sempre engenho, fazenda ou quinta socialmente decorativa do
seu poder econômico de burguês);<a name="436"></a> ora fazendo-se do homem do
litoral o herói da formação nacional, ora considerando-se o verdadeiro herói
dessa formação o paulista, o sertanejo ou o montanhês; ora fazendo-se do açúcar
o artigo-rei da economia nacional, ora transferindo-se essa majestade para o
café. (...)<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">Encontram-se
em nossa formação social predominâncias de figuras senhoris ou superiores, pelo
conjunto das condições de região de origem, de classe e de raça, ou por uma
dessas condições, no momento decisiva, de superioridade ou prestígio: o branco
em relação com os indivíduos das raças e sub-raças de cor; o proprietário de
vastas terras de lavoura ou criação e das respectivas casas-grandes de
residência, em relação com os moradores sem eira nem beira dessas terras e com
os escravos ou servos necessários à exploração agrária ou à atividade pastoril
ou mineira; o cristão-velho em relação com o novo e com os demais católicos; o
brasileiro nato em relação com o reinol ou com o brasileiro naturalizado; o
habitante do litoral mais europeizado em relação com o do interior mais
agreste. Mas nenhuma dessas predominâncias foi, muito menos é hoje, absoluta,
tendo havido frequentes casos de inversões e confusões de superioridades:
figuras senhoris sob a pele escura de raça geralmente considerada servil ou
inferior; sertanejos superiores aos homens do litoral em poder econômico e em
prestígio político; proprietários rurais dependentes de tal modo de comissários
de cidades a ponto de tornarem seus vassalos econômicos.”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">“</span><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">Entre as posturas da Câmara Municipal da cidade do Recife – cidade
insistentemente referida neste capítulo por ter sido, na época aqui
considerada, mais característica que qualquer outra capital brasileira, exceção
feita da Metrópole (sob alguns aspectos, atípica), do processo de reeuropeização,
ou europeização, da paisagem, da vida e da cultura brasileiras – são
particularmente significativas as que atingem aqueles pretos cujos costumes
mais cruamente africanos e aqueles escravos cujo comportamento ou cujo trajo,
considerado mais ostensiva ou perigosamente impróprio de sua condição servil,
perturbavam ou inquietavam os indivíduos da raça, da cultura e da classe
dominantes com responsabilidades de administração ou de governo das cidades e
do país. Assim, ficava proibido, na cidade do Recife, a partir de 10 de
dezembro de 1831, fazer alguém “vozerias, alaridos e gritos pelas ruas”,
restrição que atingia em cheio os africanos e as suas expansões de caráter
religioso ou simplesmente recreativo. Ficava, também, proibido que os pretos
carregadores andassem pelas ruas cantando, “desde o recolher até o nascer do
sol”.<a name="446"></a><sup>446</sup> Restrição severa, dado o hábito dos
africanos de adoçarem o trabalho com o canto. Em Salvador, pelas posturas de
1844, proibiam-se “lundus, vozerias e alaridos” só “nas horas de silencio”.<a name="447"></a><sup>447</sup></span><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">Mais:
nenhum escravo poderia, na cidade do Recife, andar na rua “de dia ou a noite,
com paos, ou outra qualquer arma, publica ou occulta, sob pena de soffrer de 50
a 150 assoutes na cadeia, conforme a qualidade aggravante da arma, isso
executado será entregue a seo senhor...”. Só “os carregadores de tipoias, ou
redes” poderiam trazer “as competentes furquilhas, que lhes sirvão de descanço,
e aos companheiros, e os que condusem lenha, pequenos paos que ajudem a carga”.<a name="448"></a><sup>448</sup></span><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">Desde
remotos dias coloniais que os homens de governo, no nosso País, preocuparam-se
em proibir aos escravos e aos pretos não só a ostentação de joias como a de
armas, considerando-se que umas e outras deviam ser insígnias da raça e da
classe dominantes. As armas não foram consideradas só insígnias, como vantagens
técnicas em caso de luta ou conflito de senhores com servos. Daí,
provavelmente, o fato de ter se desenvolvido entre os negros e mulatos livres
das cidades – sobretudo do Rio de Janeiro e do Recife – a arte da capoeiragem,
através da qual indivíduos desarmados poderiam lutar vantajosamente com
polícias e particulares armados.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">Ficavam,
ainda, proibidos, na cidade do Recife, por decisão dos seus vereadores de 1831,
“os jogos pelas ruas, praças, praias ou escadas, que costumão os pretos e
vadios, faserem, sob pena de soffrerem os que forem livres, de 2 a 6 dias de
cadeia, e os escravos, de 12 a 36 bolos dados na mesma cadeia, e logo depois
serem entregues a seos senhores...”. Pormenor interessante é o de que essa
“graduação de pena” seria “em proporção das idades dos transgressores”. A pena
variava, portanto, não só com a condição de livre ou escravo do transgressor
como com a sua condição de idade.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">A mais
se estendia o cuidado da Câmara Municipal do Recife de 1831 no sentido de dar à
vida da cidade aparência tão europeia quanto possível: todo indivíduo que fosse
“achado nu em beiras de praia”, ou “tomando banho com os corpos descubertos,
sem a devida decencia”, seria punido com prisão ou bolos. Excetuavam-se os
indivíduos pertencentes a “corporações militares”, que seriam entregues “aos
seos commandantes respectivos para estes lhes faserem applicar a correspondente
pena de prisão...”.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">A
despeito do rigor dessas proibições, documentos extraoficiais da época indicam
que até mesmo na segunda metade do século continuou o costume de recifenses
pobres ou médios se banharem nus, às vezes perto das próprias pontes principais
da cidade e à vista das senhoras dos sobrados mais nobres; e na cidade de Belém
do Pará o norte-americano Warren, quando ali chegou em 1850, viu homens,
mulheres e meninos do povo banhando-se nus, com a maior sem-cerimônia deste
mundo.<a name="449"></a><sup>449</sup> Aliás, veio até quase nossos dias o
hábito, no Norte do País, da própria gente senhoril tomar nua seus banhos de
rio, perto às casas de subúrbio ou no interior. Apenas despiam-se pudicamente
em banheiros de palha à beira ou dentro da água. As senhoras e as crianças
desciam ao rio numa hora; os senhores, em outra. O banho tinha assim todas as
vantagens do verdadeiro banho, sem que o corpo se revestisse dos pesados trajos
de baeta escura que só se propagaram entre a gente senhoril no Brasil, com a
moda dos banhos de mar, iniciada no Rio de Janeiro ainda na primeira metade do
século XIX; mas só generalizada na segunda.<a name="450"></a><sup>450</sup></span><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">A
gente do povo das cidades, porém, que não tinha banheiro de palha onde
despir-se, para o banho de regalo ou de higiene, se via obrigada a despir-se no
meio do mato e daí caminhar nua para a água do rio ou do mar, escandalizando
aqueles moradores de sobrado que não compreendiam a vista ou a paisagem que se
gozava do alto de suas varandas maculada por manchas pardas, pretas e amarelas
de nudez plebeia. Além do que havia “prejuízo da saude dos habitantes” que
bebiam água de rios conspurcados pelos banhos da mesma plebe. Pelo que às
câmaras foram-se juntando os juízes de paz na perseguição aos indivíduos pobres
e de cor que, com seus banhos, conspurcavam as águas dos rios e “representavam
figuras contrarias á moral publica”, incorrendo assim nas penas estabelecidas
pelo Código do Processo Criminal no seu § 7º, artigo 12; e não apenas nos
castigos das posturas das câmaras.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">O que
indicam várias dessas imposições e proibições no interesse só de um grupo, ou
apenas de uma classe, de uma raça ou de uma cultura de minoria e de região –
raramente no interesse do público ou do grosso ou da maioria da população
nacional – é que, paralelo ao processo de europeização ou reeuropeização do
Brasil que caracterizou, nas principais áreas do país, a primeira metade do
século XIX, aguçou-se, entre nós, o processo, já antigo, de opressão não só de
escravos ou servos por senhores, como de pobres por ricos, de africanos e
indígenas por portadores exclusivistas da cultura europeia, agora encarnada
principalmente nos moradores principais das cidades. Nos moradores ou senhores
dos sobrados e das casas assobradadas. Opressão que não poderia deixar de
criar, como criou, revoltas ou insurreições como as já referidas: a dos
“Cabanos”, a dos “Balaios”, a dos “Quebra-Quilos”; e como a dos Malês, na
Bahia, em 1835.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">Não
era possível que se conservassem noutro estado senão no de crispação, no de
ressentimento e no de insurreição, grupos aos quais se proibiam de modo tão
simplistamente policial expansões de fervor religioso e de ardor recreativo à
maneira de suas velhas tradições e de velhos costumes de sua cultura materna:
cantos de trabalho; trajos regionais; joias, adornos, balangandãs. Os
indivíduos, aparentemente livres, aos quais se obrigava – como aos sertanejos,
aos matutos ou aos roceiros – num requinte de humilhação, que não entrassem nas
cidades montados ou sentados nos seus animais de carga, mas ao lado ou à frente
deles; e humildemente, a passo, pisando o chão e a lama como peões indignos de
se apresentarem aos olhos dos moradores de sobrados com aparência ou modos de
cavaleiros.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">O
direito de galopar ou esquipar ou andar a trote pelas ruas das cidades
repita-se que era exclusivo dos militares e dos milicianos. O de atravessá-las
montado senhorilmente a cavalo era privilégio do homem vestido e calçado à europeia.
A água dos rios poluía-se quando nela se banhava o moleque, o homem do povo, o
escravo. O ar das cidades enchia-se de ruídos como que nefandos quando eram os
africanos que cantavam seus cantos de trabalho, de xangô ou de maracatu, tão
diversos no som e nas palavras das ladainhas cantadas nas procissões católicas,
nas festas de pátio de igreja, nos terços diante dos nichos.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">O que
se verificava repita-se que era vasta tentativa de opressão das culturas não
europeias pela europeia, dos valores rurais pelos urbanos, das expansões
religiosas e lúdicas da população servil mais repugnantes aos padrões europeus
de vida e de comportamento da população senhoril, dona das câmaras municipais e
orientadora dos juízes de paz e dos chefes de polícia. Como esperar que a
primeira metade do século XIX fosse, entre nós – nas nossas áreas social ou
culturalmente decisivas – um período diverso do que foi? Foi um período de tão
frequentes conflitos sociais e de cultura entre grupos da população – conflitos
complexos com aparência de simplesmente políticos – que todo ele se distingue
pela trepidação e pela inquietação.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">Nos
séculos anteriores, houvera, talvez, maior prudência, maior sabedoria, mais
agudo senso de contemporização da parte das autoridades civis (quando não também
das eclesiásticas) e dos grandes senhores patriarcais, com relação a culturas e
a populações consideradas por eles inferiores; e encarnadas por elementos
quando não servis, oprimidos, degradados ou simplesmente ridicularizados pelos
brancos, pelos cristãos-velhos e pelos moradores de áreas urbanas ou dominadas
por casas-grandes mais requintadas em sua organização ou na sua estrutura
senhoril. Degradados ou ridicularizados por peculiaridades de raça e de classe,
de cultura e de região que repugnavam aos grupos dominantes da população,
representados por aquelas predominâncias de raça, de classe e de cultura que se
consideravam superiores.”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><sup><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">448</span></sup><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;"> “Postura da camara”, <i>Diário
de Pernambuco</i>, 13 de dezembro de 1831.<a name="449_1"></a><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><sup><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">449</span></sup><span lang="EN-US" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: EN-US; mso-themecolor: text1;"> John Warren, <i>Pará;
or scenes and adventures on the banks of the Amazon</i>, Nova York, 1851, p. 9.<a name="450_1"></a><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><sup><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">450</span></sup><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;"> Os primeiros banhos
públicos de mar da gente senhoril no Brasil não foram abertamente nas praias
mas em “casas de banho” ou em barcas de banho como a <i>Fluctuante</i> que nos
começos do século XIX fundeava “defronte do largo do Paço” no Rio de Janeiro,
recomendando-se pela “segurança, decencia [...] lugares separados para homens,
e senhoras”. O tempo do banho devia ser de “1/2 hora pelo preço de 320 reis” (<i>Gazeta
do Rio de Janeiro</i>, 2 de dezembro de 1811).<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">“</span><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">Há quem tenha por exagerada a importância por nós atribuída ao Oriente na
formação da cultura que aqui se desenvolveu com a sociedade patriarcal e foi,
em várias de suas formas, condicionada pelo tipo absorvente de organização de
economia e de política, de recreação e de arte, de religião e de assistência
social, de educação e de transporte – e não apenas de família, no sentido
apenas biológico da palavra – que é o patriarcal. A verdade é que o Oriente
chegou a dar considerável substância, e não apenas alguns dos seus brilhos mais
vistosos de cor, à cultura que aqui se formou e à paisagem que aqui se compôs
dentro de condições, predominantemente patriarcais de convivência humana, em
geral, e de exploração da terra pelo homem e dos homens de uma raça pelos de
outra, em particular. E não só substância e cor à cultura: o Oriente concorreu
para avivar as formas senhoris e servis dessa convivência entre nós: os modos
hierárquicos de viver o homem em família e em sociedade. Modos de viver, de
trajar e de transportar-se que não podem ter deixado de afetar os modos de
pensar.<a name="466"></a><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">Só o
vigor do capitalismo industrial britânico na sua necessidade às vezes sôfrega
de mercados não só coloniais como semicoloniais para sua produção, de repente
imensa, de artigos de vidro, ferro, carvão, lã, louça e cutelaria – produção
servida por um sistema verdadeiramente revolucionário de transporte –
conseguiria acinzentar, em tempo relativamente curto, a influência oriental
sobre a vida, a paisagem e a cultura brasileira. Pois o que parece é que, ao
findar o século XVIII e ao principiar o XIX, em nenhuma outra área americana o
palanquim, a esteira, a quitanda, o chafariz, o fogo de vista, a telha côncava,
o banguê, a rótula ou gelosia de madeira, o xale e o turbante de mulher, a casa
caiada de branco ou pintada de cor viva e em forma de pagode, as pontas de
beiral de telhado arrebitadas em cornos de lua, o azulejo, o coqueiro e a
mangueira da Índia, a elefantíase dos Árabes, o cuscuz, o alfeolo, o alfenim, o
arroz-doce com canela, o cravo das Molucas, a canela de Ceilão, a pimenta de
Cochim, o chá da China, a cânfora de Bornéu, a muscadeira de Bandu, a fazenda e
a louça da China e da Índia, os perfumes do Oriente, haviam se aclimado com o
mesmo à vontade que no Brasil; e formado com valores indígenas, europeus e de
outras procedências o mesmo conjunto simbiótico de natureza e cultura que
chegou a formar no nosso País. É como se ecologicamente nosso parentesco fosse
antes com o Oriente do que com o Ocidente que, em sua mística de pureza
etnocêntrica ou em sua intolerância sistemática do exótico, só se manifestaria,
entre nós, através de alguns daqueles estilos e de algumas daquelas substâncias
inglesas e francesas de cultura generalizadas no litoral brasileiro após a
chegada de D. João VI ao Rio de Janeiro. Ou por meio de um ou outro arreganho
de ocidentalismo ortodoxo da parte de portugueses mais em desarmonia com o
quase instinto ou a quase política portuguesa de expansão, que sempre se
afirmou no sentido da conciliação dos valores orientais com os ocidentais.”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">“Confirma-se
aqui o fato de que o brasileiro do litoral ou de cidade viveu, durante a
primeira metade do século XIX – na verdade durante o século inteiro – sob a
obsessão dos “olhos dos estrangeiros”. Preocupado com esses olhos. Sob o temor
desses olhos como outrora vivera sob o terror dos olhos do jesuíta ou dos da
Santa Inquisição. E os “olhos dos estrangeiros” eram os olhos da Europa. Eram
os olhos do Ocidente. Do Ocidente burguês, industrial, carbonífero, com cujos
estilos de cultura, modos de vida, composições de paisagem, chocavam-se as
nossas, particularmente impregnadas de sobrevivências do Oriente. Penetrado ou
desvirginado por Portugal, o Oriente como que se vingara do ousado conquistador
semiocidental avivando nele empalidecidos traços orientais de cultura e até de
sangue; e acrescentando a antigos característicos africanos e asiáticos dos
portugueses, vários novos. Desses traços muitos foram transmitidos ao Brasil
desde os primeiros anos de colonização; e aqui se desenvolveram a seu modo sob
o favor da política de segregação da Europa adotada pelos portugueses com
relação à sua colônia americana depois que se descobriram nesta parte da
América esmeraldas e diamantes, além do ouro das Gerais.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">No
próprio Portugal, os traços orientais chegaram ao século XIX com uma vivacidade
que talvez só fosse maior, na Europa inteira, na Turquia Asiática ou na parte
asiática da Rússia. Formavam eles forte contraste com os traços da Europa
propriamente ocidental, da qual, chegando ao Brasil, o Príncipe Regente e seus
orientadores tudo fizeram para aproximar o Brasil, mesmo afastando-o de
Portugal. É que os orientadores do Regente e ele próprio agiram menos em função
de uma política castiçamente portuguesa ou ibérica com relação ao Brasil, do
que de uma política imperialmente inglesa, ou britânica, de absorção e
dominação de povos e culturas extraeuropeias, para maior expansão dos produtos
de suas indústrias. Os “olhos dos estrangeiros”, ou antes, dos ingleses, é que
passaram a governar o Brasil através menos de cônsules e de caixeiros-viajantes,
que daqueles portugueses e brasileiros anglófilos do tipo do conde de Linhares
e do economista Silva Lisboa, para quem a salvação de Portugal ou do Brasil
estava em perderem, com a possível rapidez, quanto fosse forma ou cor oriental de
cultura para adquirirem as formas, as cores e os gestos dominantes no Ocidente
perfeitamente civilizado. E para eles o Ocidente perfeitamente civilizado eram
a Inglaterra e a França. Principalmente a Inglaterra. Donde o sentido
sociológico da frase que desde os princípios do século XIX se generalizou no
Brasil: “para inglês ver”.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">Os
“olhos dos estrangeiros”, sob os quais o Brasil devia ascender à condição de
Nação ou de Reino civilizado, seriam principalmente os olhos dos ingleses. Eram
eles que deviam substituir o olhar duro, exigente, tutelar dos jesuítas e da
Santa Inquisição na direção “política e moral” das atividades brasileiras. O
próprio anglófilo a quem já se fez referência a propósito do significativo
incidente de destruição das rótulas nos sobrados do Rio de Janeiro, é como
procura justificar a violência policial que então se praticou contra os
senhores dos mesmos sobrados: invocando “muitos motivos de consideração moral e
política”. Entre os de consideração política, estariam, como já sugerimos noutro
ensaio, os de política econômica que várias evidências indicam terem concorrido
para o desejo inglês de que as rótulas ou gelosias de madeira das cidades
principais do Brasil fossem substituídas, nos sobrados – só nos sobrados – por
janelas de vidraça e varandas de ferro.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">O fato
de alcançar a medida apenas os sobrados parece indicar que o costume da rótula
só era considerado “bisonho” neste tipo nobre de edifício: os “motivos de
consideração moral e política” contra as gelosias como que deixavam de existir
quando elas revestiam o tipo médio, ainda que já muito generalizado, de casa
urbana, que era a casa térrea: meio-termo entre o sobrado e o mucambo; entre o
palácio de rico e a palhoça de pobre ou miserável. Pelo ato violentamente
policial que acabou com as rótulas na cidade do Rio de Janeiro, deviam elas
desaparecer das “janellas dos sobrados [...] no termo de oito dias”,
tolerando-se pelo “espaço de seis mezes” as dos peitoris daquelas casas que não
tivessem ainda “grades de ferro”, para, durante esses breves seis meses,
processar-se a substituição da madeira pelo ferro, e não apenas do xadrez
mourisco pelo vidro de fabrico inglês. Excetuavam-se, porém, da violência, as
gelosias das já numerosas “casas terreas que nada influem na belleza do
prospecto...”.<a name="470"></a><sup>470</sup><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">Que
não influísse o casario térreo na beleza do “prospecto” ou do conjunto urbano,
é duvidoso. O que parece certo, porém, é que os moradores ou os proprietários
desse casario médio fossem, na sua maioria, indivíduos economicamente incapazes
de substituir em dias ou meses as gelosias de suas residências por janelas
envidraçadas. Razão para que só fossem consideradas “disformes” e “funebres” as
gelosias dos sobrados.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">O
Padre Sanctos informa terem elas caído por terra no meio de “geral satisfação”.
“Geral satisfação”, ao que parece, dos ocidentalistas que eram os reformistas
ou os modernistas da época, revoltados contra “os prejuisos, com que nos
criarão os nossos avós!”.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">Para
esses ocidentalistas era como se o desaparecimento de característico tão oriental
da arquitetura doméstica como a gelosia de madeira marcasse a vitória decisiva
do Ocidente sobre o Oriente na luta entre culturas ou civilizações a que o
Brasil vinha servindo há anos de campo; e ora tomando feições nitidamente
orientais nos costumes, nos gestos – inclusive no modo de sentar-se a mulher e
mesmo o homem: de pernas cruzadas, “como os turcos”, segundo notaram Kidder, no
Norte, e Debret, no Rio de Janeiro<a name="471"></a><sup>471</sup> – na
arquitetura, nos meios de transporte da gente e das coisas e na paisagem dos jardins
e das estradas; ora assumindo aspectos ocidentais de cultura e paisagem que
superavam os orientais. O sentimento que animava os ocidentalistas era, porém,
o de superação total do Ocidente na vida brasileira de modo a tornar-se o
Brasil área ocidental ou subeuropeia de cultura.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">Quando
os ocidentalistas eram também, como os industriais ingleses e os franceses da
primeira metade do século XIX, fabricantes de artigos de casa, de vestuário, de
gozo, de alimentação, de transporte, de recreação, ou importadores, como vários
brasileiros da mesma época, desses artigos domésticos e civis, ao sentimento
juntava-se o interesse: o interesse na absoluta ocidentalização da vida
brasileira para que daqui desaparecesse a tradição de artigos orientais ou o
gosto pelo seu uso. Donde a necessidade, enxergada com olhos quase de ingleses
e franceses, por ocidentalistas brasileiros, de levantarem-se as novas gerações
do seu País contra os “prejuisos dos avós” – caturras apegados a gelosias, a
esteiras e a palanquins do Oriente; a sedas, a porcelanas, a perfumes e a
leques da China; e até ao costume dos adultos, e não apenas dos pequenos,
divertirem-se soltando fogos de vista orientais e empinando papagaios de papel
de seda à maneira dos chineses. Costume – o de adultos empinarem papagaios,
como forma de recreação nobre ou fidalga – que viria até quase nossos dias,
devendo notar-se que foi empinando – já moço ilustre e até bacharel – baldes e
gamelas, que Augusto Severo de Albuquerque Maranhão teve seu interesse
particularmente voltado para o problema da navegação aérea, de que seria
mártir, com a queda do balão <i>Pax</i>, em Paris. Seu companheiro de recreação
oriental fora o seu primo, igualmente já adulto e grave, José Antônio Gonsalves
de Melo que, na República, seria um dos mais severos “bispos” do Tesouro
Nacional, do qual foi diretor.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">Para
os ocidentalistas, do que o Brasil necessitava era do que um deles, regozijado
com a violenta destruição das gelosias nos sobrados no Rio de Janeiro, em 1809,
chamava expressivamente de “desassombramento”.<a name="472"></a><sup>472</sup>
Desassombramento através do vidro inglês nas casas e nas carruagens ainda
orientalmente revestidas de gelosias e cortinas: as casas de “grades de xadrez”
que a Walsh recordaram as dos turcos.<a name="473"></a><sup>473</sup>
Desassombramento nas cidades, através de ruas largas como as do Ocidente que
substituíssem os becos orientalmente estreitos do Rio de Janeiro, de Salvador,
do Recife, de São Luís do Maranhão, de São Paulo, de Olinda, de todos os burgos
antigos do país. Desassombramento nas igrejas, através da substituição, pelas
senhoras, de capas, mantos, mantilhas ou xales orientalmente espessos, por
transparentes véus franceses que não escondessem os encantos de rosto e de
peito das iaiás. Desassombramento no rosto dos homens, por meio do corte, com
as tesouras e as navalhas inglesas de que se encheram as lojas brasileiras na
segunda metade do século XIX, dos excessos das barbas chamadas de “mouros”, de
“turcos”, de “nazarenos” – barbas ao mesmo tempo orientais e ortodoxamente
patriarcais, que seriam aos poucos substituídas por suíças, peras e <i>cavaignacs</i>
burgueses ou semiburgueses. Desassombramento através de poderosos
sistemas ocidentais de iluminação das ruas, das praças, das casas que
substituíssem o azeite de peixe, a vela de sebo, a lanterna oriental de papel,
a chamada “cabeça de alcatrão”, pelo lampião de querosene, pelo candeeiro
inglês, ou belga, também de querosene, pelo bico de gás. Desassombramento
nos costumes, nas maneiras, nos hábitos, nos gestos, nas relações entre homem e
mulher e entre pai e filho.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">Veremos
mais adiante que “desassombrando-se” sob a influência de técnicas ocidentais de
produção, de transporte, de urbanização, de iluminação, de pavimentação de
estradas, de habitação, de conservação e preparação de alimentos, de recreação,
de saneamento de ruas e de casas, o Brasil entrou em nova fase de vida moral e
material. Mas sem que essa fase nova fosse marcada só por vantagens para a
nossa gente e para a nossa cultura ainda em formação. Sob vários aspectos, o
que havia já entre nós de imitado, assimilado ou adotado do Oriente
representava uma já profunda e, às vezes, saudável adaptação do homem ao
trópico, que aquele “desassombramento” rompeu ou interrompeu quase de repente.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">Pois
não se vence o trópico sem de algum modo ensombrá-lo à moda dos árabes ou dos
orientais. Sem ruas estreitas. Sem xales, panos da Costa, guarda-sóis
orientalmente vastos para as caminhadas sob o sol dos dias mais quentes. Sem
sombras de grandes árvores asiáticas e africanas, como a mangueira, a jaqueira,
a gameleira, em volta das casas, nas praças e à beira das estradas. Sem telha
côncava nos edifícios. Sem largos beirais arrebitados nas pontas em cornos de
lua. Sem casas de telhado acachapado no estilo dos pagodes da China. Sem varanda
ou copiar, à moda indiana, ou dos bangalôs da Índia, nas habitações rústicas.
Sem cortinas, sem rótulas ou sem gelosias nas casas ou sobrados de cidade. Sem
esteiras dentro das casas, forrando o chão. Sem colchas da Índia nas camas dos
ricos. Sem refrescos de tamarindo, de limão, de água de coco, nas horas de
calor mais ardente. Sem muito azeite, muito cravo, muita pimenta, muito açafrão
avermelhando a comida, avivando-a, requeimando-a para melhor despertar o
paladar um tanto indolente das pessoas amolecidas pelo calor. E esses valores
orientais, o Brasil assimilara-os através do português, do mouro, do judeu, do
negro. O Brasil fizera-os valores seus. Ao findar o século XVIII eram valores
brasileiros. Ligavam amorosamente o homem e a sua casa à América tropical. Não
podiam deixar de afetar a mentalidade ou o espírito dos homens, certo como é
que o hábito tende a fazer o monge: tanto o hábito-trajo como o hábito-costume.”<a name="470_1"></a><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><sup><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">470</span></sup><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;"> O padre Luiz Gonçalves
dos Sanctos, em suas <i>Memorias para servir á historia do reino do Brasil
[...] Escriptas na Corte do Rio de Janeiro no anno de 1821 e offerecidas a S.
Magestade elrei Nosso Senhor D. João VI</i>, Lisboa, 1825, I, p. 137.<a name="471_1"></a><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><sup><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">471</span></sup><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;"> Em um almoço típico de
gente média do campo de que participou em Itamaracá, Kidder notou que a mesa,
presidiu-a “<i>the Senhor, sitting à la Turque</i>” (Daniel P. Kidder, Sketches
of residence and travels in Brazil, Filadélfia, 1845, II, p. 163). O costume
era ainda muito generalizado nas áreas rurais e, nas urbanas, limitado às
senhoras ou às mulheres. Já Debret observara, no Rio de Janeiro, entre senhoras
da classe alta, que, nas igrejas, sentavam-se à asiática (“<i>à l’asiatique</i>”),
“<i>usage</i>” – acrescenta – “<i>qu’on retrouve dans les réunions
particulières des classes inférieures de la population, toujours assises par
terre</i>” (op. cit., II, p. 91). Asiatismo ou orientalismo deve ser também
considerado o hábito de as mesmas senhoras não usarem em casa sapatos, mas
conservarem-se descalças, quando sentadas à asiática no meio de suas mucamas,
utilizando-se, para andarem dentro das salas, de “<i>une paire de souliers
fanés qui leur sert de pantoufles pour ne pas marcher pieds nus dans la maison</i>”
(ibid., p. 91).<a name="472_1"></a><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><sup><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">472</span></sup><span lang="EN-US" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: EN-US; mso-themecolor: text1;"> Padre Luiz Gonçalves
dos Sanctos, op. cit., II, p. 137.<a name="473_1"></a><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><sup><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">473</span></sup><span lang="EN-US" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: EN-US; mso-themecolor: text1;"> R. Walsh, Notices of
Brazil in 1828 and 1829, Londres, 1830, I, p. 86. Nas palavras do observador
inglês: “<i>The windows were barred up like those of the Turks, with lattices
of cross-barred laths, which acarcely admitted the light, and throught which it
was impossible to see or to be seen</i>”.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">“Os
anúncios de jornal revelam, desde os primeiros dias em que começou a haver
imprensa no Brasil até o terceiro decênio do século XIX, como persistiu na
população, resistindo ao impacto da produção industrial europeia, o gosto pelos
artigos orientais a cujo uso ou gozo o brasileiro se afeiçoara durante longo
período de sua experiência colonial; e que correspondiam melhor que os europeus
– produtos de uma civilização individualista, racionalista, secularista – ao
seu sistema de vida e aos seus estilos de cultura impregnados, como os do
Oriente, de familismo, de patriarcalismo e de religionismo ou misticismo. Os
conteúdos ou as substâncias eram, por certo, diferentes e até antagônicos; mas
as formas dos dois sistemas de vida – o oriental e o brasileiro – semelhantes.
Donde terem persistido, do modo por que persistiram, as afinidades entre as
duas áreas.”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">“</span><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">Infiltrações mais sutis que as de paladar, de olfato, de gesto, de trajo,
de formas de arquitetura, de moral e mesmo de estética, do Brasil pelo Oriente
teriam substituição mais lenta por equivalentes ou contrários europeus. Ou
substituição, durante longos anos, mais aparente do que real.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">Oriental
não fora só, no Brasil-Colônia e dos primeiros tempos do Império, o costume de
homens e mulheres se sentarem de pernas cruzadas sobre tapetes, esteiras ou no
chão – costume seguido pelas mulheres até nas festas de igreja. Fora, também, o
de bater a pessoa palmas à porta das casas, para se anunciar,<a name="537"></a><sup><span style="mso-bidi-font-weight: bold;">537</span></sup> o costume ainda hoje muito
brasileiro. Fora o gosto pelo chapéu de sol, não só para resguardar do sol o
homem importante como para marcar-lhe a condição socialmente superior de pessoa
fina. Fora o hábito das unhas crescidas, outra ostentação de importância social
ou de condição senhoril nos homens e nas mulheres fidalgas ou parafidalgas.
Fora o costume das sinhazinhas serem dadas em casamento ainda meninas a homens
às vezes mais velhos que seus próprios pais. O hábito de não aparecerem as
senhoras a estranhos. O de se revestirem de mantilhas ou de xales. O de armarem
as senhoras o cabelo em penteados altos – de preferência ao uso europeu de
chapéu – e o de adornarem as mucamas a cabeça com turbantes. O gosto pelas
cores quentes, pelos perfumes fortes, pelas comidas avivadas por temperos
também fortes.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">Fora
também oriental o rito de se reverenciarem, em solenidades oficiais, com
zumbaias características do extremo respeito dos governados pelos governantes,
quando não as pessoas, os retratos dos monarcas ou dos príncipes (prática que a
protestantes mais severos pareceu tão repugnante quanto a do beija-mão nos
palácios reais). Oriental o costume de se ajoelharem todos na rua à passagem da
rainha ou de qualquer dos príncipes da Família Real, desde que a ilustre
família se transferiu de Lisboa para o Rio de Janeiro; ou o da gente servil
curvar-se diante da senhoril em gestos que se tornaram conhecidos entre nós por
aquele nome indiano: zumbaias. Zumbaias também trocadas entre iguais na classe,
na raça e na cultura regional.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">“<i>Bien
des Portugais sont Nègres par cet usage</i>”, escreveu, referindo-se ao hábito
de se ajoelharem as pessoas à passagem da rainha ou dos príncipes, o francês
Arago,<a name="538"></a><sup><span style="mso-bidi-font-weight: bold;">538</span></sup>
para quem só gente de raça inferior ou de classe servil, como a negra ou a
africana, era capaz de se pôr humildemente de joelhos diante de príncipes. A
verdade é que no Oriente quase inteiro – inclusive no mais civilizado –
continuavam os príncipes, no século XIX, a despeito da Revolução Francesa e da
“Época das Luzes”, a ser pessoas quase divinas para seus súditos, que diante
deles se prostravam como os católicos do Ocidente diante não só do Santíssimo
Sacramento como do Santo Padre; e desses costumes de tal modo se impregnara o
português que só aos poucos a “grande Revolução” ou a “Época das Luzes” o
afetaria nos seus modos semiorientais de reverenciar príncipes, pais e avós.
“Não há país em que os filhos testemunhem maior respeito aos pais”, observou o
mesmo Arago no Brasil. “Depois da refeição, sempre lhes beijam as mãos e nunca
se sentam em sua presença, a menos que autorizados por um gesto ou olhar.”<a name="539"></a><sup><span style="mso-bidi-font-weight: bold;">539</span></sup> É
claro que Arago referia-se aos países ocidentais do seu conhecimento; pois o
Oriente encontraria ainda maiores demonstrações de respeito dos filhos aos pais
– e não apenas dos súditos aos monarcas – do que as observadas no Brasil do
tempo de D. João.”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><sup><span lang="EN-US" style="font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: EN-US; mso-bidi-font-weight: bold;">537</span></sup><span lang="EN-US" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: EN-US; mso-themecolor: text1;">
Debret, op. cit., III, p. 147. </span><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">Debret escreve: “<i>L’usage des cordons de sonnettes, encore inconnu,
laisse subsister l’ancienne coutume asiatique de frapper plusieurs dans les
mains pour s’annoncer: signal auquel descend le nègre valet de chambre et qui
se charge de vous conduire, et de vous reconduire au besoin</i>”.<a name="538_1"></a><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><sup><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: PT; mso-bidi-font-weight: bold; mso-themecolor: text1;">538</span></sup><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;"> J. Arago, <i>Promenade autour du monde</i>, Paris, s.
d., I, p. 115.<a name="539_1"></a><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><sup><span lang="EN-US" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: EN-US; mso-bidi-font-weight: bold; mso-themecolor: text1;">539</span></sup><span lang="EN-US" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: EN-US; mso-themecolor: text1;"> Ibid., I, p. 108.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="EN-US" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: EN-US; mso-bidi-font-size: 12.0pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="EN-US" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: EN-US; mso-bidi-font-size: 12.0pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">“</span><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">Em Minas Gerais, viu Mawe damas vestidas com fazendas inglesas e uma
“profusão de correntes de ouro em volta ao pescoço, sempre usadas quando as
senhoras fazem ou recebem visitas”.<a name="566"></a><sup>566</sup> Orientalismo
do bom em combinação com o ocidentalismo dos vestidos. Notou também o inglês
ser ainda raro entre as senhoras mineiras o hábito europeu das mulheres usarem
chapéu. A não ser as velhas,<a name="567"></a><sup>567</sup> nas quais tornou-se
insígnia de idade e de classe senhoril, até o fim do século XIX, o uso de
capotas, geralmente pretas. Enquanto as pobres ou de classe ou raça servil se
cobriam com xales, panos da costa ou baetas. Nos dias de Mawe no Brasil as
senhoras, mesmo vestidas à europeia, apresentavam-se sem chapéus, com o cabelo
orientalmente adornado de pentes “frequentemente de ouro”. Ficaram elas
espantadas de saber que as senhoras inglesas usavam chapéus.<a name="568"></a><sup>568</sup></span><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">Esse
orientalismo – o uso de grandes pentes no cabelo, em vez de chapéus – parece
explicar por que só no meado do século XIX o chapéu para senhora, de fabrico
inglês ou francês, se apoderou verdadeiramente do mercado brasileiro, fazendo
declinar o uso dos grandes pentes de ouro, de marfim e de tartaruga da Índia ou
de Moçambique, chamados “tapa-missas” ou “trepa-moleques”. Fazendo declinar
também o uso das mantilhas, mantos e xales entre as senhoras da classe alta.
Mantos e xales foram tornando-se insígnias de classe inferior, de raça negra ou
de mulher da roça. Os adornos de rendas – rendas de ouro ou de veludo – das
mantilhas ou dos mantos de mulher – que outrora distinguiam as classes ou
subclasses – passaram assim a perder seus antigos significados, ao lado
daquelas distinções de origem regional, dentro da procedência africana das
mulheres servis, indicadas pelo modo de usarem seus xales ou seus panos da
Costa que, antes do professor M. J. Herskovits na América do Norte, tentamos
estudar no norte do Brasil com a colaboração do Sr. Cícero Dias como
desenhista.<a name="569"></a><sup>569</sup> </span><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">(...) <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">Das
nossas igrejas da época colonial sabe-se que mais de uma se embelezou com
objetos vindos do Oriente, alguns dos quais podem ser vistos em museus como o
de Arte Sacra de Salvador. Schaeffer, quando esteve no Brasil em 1849,
admirou-se de ver num mosteiro do Rio de Janeiro, construído – diz ele – em
1671 – “<i>a large China figure of our Saviour in the Cross</i>” – numa capela
que brilhava de cores orientais: “<i>the walls with porcelain and China
squares, relived by gilt and scarlet lines</i>”.<a name="576"></a><sup>576</sup>
Em Sabará, em Minas Gerais, umas das igrejas por nós visitada em 1936 na
companhia do historiador Afonso Arinos de Melo Franco, ostenta adornos
orientais que dão ao interior do templo católico cores quase de pagode. De modo
que é possível que a cristianização ou a catequização dos indígenas por meio da
“pintura decorativa”, nas igrejas – pintura a que se refere o Sr. Luís Jardim,
em sugestivo estudo sobre igrejas de Minas Gerais<a name="577"></a><sup>577</sup>
– tenha se feito, mais de uma vez, no Brasil, com o emprego de adornos ou
decorações orientais. Buda e Islã parecem ter concorrido, no nosso País, para
conduzir a Cristo ou a Roma indígenas fascinados por vermelhos, amarelos e
azuis do Oriente.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">Oriental
– mouro, ao que parece – na origem mais remota dos seus requintes volutuosos
parece que se deve considerar o hábito, que o Brasil herdou de Portugal, das
senhoras, dos meninos e dos próprios senhores das casas-grandes e até dos
sobrados deixarem catar o cabelo ou coçar a cabeça por mãos ou dedos de
escravos que matavam, ou simulavam matar, piolhos, com pequenos trincos
característicos: os cafunés. Pois na ausência de piolhos, regalavam-se ioiôs ou
iaiás mais dengosas com trincos ou cafunés de mucamas, na cabeça e por entre o
cabelo, isto é, com a catação simulada ou simbólica de piolhos pelas pontas das
unhas finas das mulatas ou das negras. Às vezes era o contrário que se
verificava: a iaiá branca catava a mucama ou o malungo. No seu <i>Vocabulário
pernambucano</i>, Pereira da Costa recorda, a propósito desse tipo de cafuné,
os versos populares:<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">“Eu
adoro uma iaiá</span></i><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;"> <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">Que
quando está de maré</span></i><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;"> <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">Me
chama muito em segredo</span></i><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;"> <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">Pra me
dar seu cafuné</span></i><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;"> <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">Não
sei que jeito ela tem</span></i><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;"> <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">No
revolver dos dedinhos</span></i><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;"> <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">Qu’eu
fecho os olhos, suspiro</span></i><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;"> <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">Quando
sinto os estalinhos”.</span></i><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;"> <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">“Se se
acreditasse nas más línguas, algumas damas tinham razões mais poderosas para
cultivar assiduamente o cafuné do que o desejo de uma doce superexcitação de
nervos, seguido de um estado de prostração que chega ao êxtase”, escreveu
Charles Expilly.<a name="578"></a><sup>578</sup> Pormenoriza o europeu
escandalizado com o costume brasileiro volutuosamente oriental: “À hora do
grande calor [...] as senhoras recolhidas no interior dos aposentos deitam-se
no colo da mucama favorita, entregando-lhe a cabeça. A mucama passa e repassa
seus dedos indolentes na espessa cabeleira que se desenrola diante dela. Mexe
em todos os sentidos naquela luxuriante meada de seda. Coça delicadamente a
raiz dos cabelos, beliscando a pele com habilidade e fazendo ouvir, de tempos a
tempos, um estalido seco entre a unha do polegar e a do dedo médio. Esta
sensação torna-se uma fonte de prazer para o sensualismo das crioulas. Um
volutuoso arrepio percorre os seus membros ao contato dos dedos acariciadores.
Invadidas, vencidas pelo fluido que se espalha em todo o seu corpo, algumas
sucumbem à deliciosa sensação e desfalecem de prazer sobre os joelhos da
mucama”.<a name="579"></a><sup>579</sup> De onde a interpretação psicanalítica do
cafuné inteligentemente oferecida pelo professor Roger Bastide no seu
Psicanálise do cafuné.<a name="580"></a><sup>580</sup> Transcreve o professor
Roger Bastide do cronista francês do meado do século XIX<a name="581"></a><sup>581</sup>
a informação de ter sido o hábito do cafuné também regalo dos senhores, embora
principalmente das senhoras.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">Ao que
se deve acrescentar o regalo – este principalmente dos meninos das casas-grandes
e dos sobrados – de terem os pés catados por bonitas mucamas, peritas na
extração de bichos: extração quase sempre precedida de volutuosa comichão, a
que os dedos das mulatas sabiam dar alívio, abrandando-a numa espécie de
coceira pós-operatória. Era a extração de bicho-de-pé em menino ou menina, por
mão macia de mucama de sobrado ou casa-grande, uma como catação de piolho nos
pés. Volutuosa, também, como o cafuné. Em viagem, os próprios adultos tinham em
áreas como a mineira os pés catados por peritos em extrair bichos: “<i>at which
operation they are very expert</i>”,<a name="582"></a><sup>582</sup> escreveu dos
mineiros o inglês James Holman que, cego, parece ter tido olhos, e não apenas
sensibilidade, nas pontas dos dedos dos pés: olhos para acompanharem as
operações de extração de bichos, precedidas da lavagem dos pés em bacia ou
alguidar, por mãos de escravo ou escrava. Ora, o lava-pés mais ou menos
volutuoso pode ser incluído entre os orientalismos que caraterizam a vida
patriarcal no Brasil. O lava-pés e a catação, real ou simbólica, de piolhos na
cabeleira das mulheres ou no cabelo dos homens. Costumes de origem
evidentemente oriental. O cafuné, parece que não só de origem oriental como,
particularmente, moura. (...)<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">Evidentemente,
um caso extremo de gordura oriental de iaiá a tornar ridículo o uso de artigos
femininos inspirados nas formas ocidentais de mulher. Mas o fato é que o comum,
no Brasil patriarcal, eram as senhoras gordas ou moles. Ou corpulentas, como as
matronas que Luccock conheceu nos princípios do século XIX. Só as iaiazinhas
eram de ordinário finas e franzinas.”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><sup><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">566</span></sup><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: EN-US; mso-themecolor: text1;"> </span><i><span lang="EN-US" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: EN-US; mso-themecolor: text1;">Travels in the interior of Brazil</span></i><span lang="EN-US" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: EN-US; mso-themecolor: text1;">, 2ª ed., Londres, 1821, p. 218<a name="567_1"></a><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><sup><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">567</span></sup><span lang="EN-US" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: EN-US; mso-themecolor: text1;"> Ibid., p. 219.<a name="568_1"></a><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><sup><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">568</span></sup><span lang="EN-US" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: EN-US; mso-themecolor: text1;"> Ibid., p. 219.<a name="569_1"></a><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><sup><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">569</span></sup><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;"> Sobre o assunto
apresentamos nota prévia ao 1º Congresso Afro-Brasileiro, reunido no Recife em
1934. Extraviaram-se a nota e as excelentes ilustrações, feitas pelo pintor
Cícero Dias, dos diferentes modos por nós observados, de mulheres do povo de
Pernambuco usarem, até época recente, xales ou mantas, de acordo com diferentes
estilos dominantes nas áreas africanas de procedência de grupos cujas tradições
se conservaram no Brasil.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><sup><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">576</span></sup><span lang="EN-US" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: EN-US; mso-themecolor: text1;"> L. M. Shaeffer, <i>Sketches
of travels in South America, Mexico and California</i>, Nova York, 1860, p.
14-15.<a name="577_1"></a><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><sup><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">577</span></sup><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;"> Luís Jardim, “A pintura
decorativa em algumas igrejas de Minas”, <i>Revista do Serviço do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional</i>, Rio de Janeiro, 1939.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">O
historiador mineiro Augusto de Lima Júnior no seu estudo <i>A capitania das
Minas Gerais</i> (Lisboa, 1940) recorda à página 78 que do Oriente vieram para
Minas Gerais, na era colonial, “muitas reproduções em vulto, cortadas em
ébano”, da Virgem de São Lucas, da qual se fizeram, no Brasil, cópias em
jacarandá. Também em bens arrolados de padres ou bacharéis de Minas Gerais,
daquela época, encontravam-se peças de louça da Índia, destacando o historiador
mineiro à página 118 do seu ensaio: “... guarneciam as residências grande cópia
de louças da Índia, assim denominadas as procedentes do Oriente...”. Explica-se
assim que às igrejas tivessem também chegado peças decorativas do Oriente ou de
estilo oriental, fabricadas no Reino.<a name="578_1"></a><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><sup><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">578</span></sup><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;"> Charles Expilly, <i>Mulheres
e costumes do Brasil</i> (trad. de Gastão Penalva), São Paulo, 1940, p. 369.<a name="579_1"></a><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><sup><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">579</span></sup><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;"> Ibid., p. 366.<a name="580_1"></a><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><sup><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">580</span></sup><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;"> <i>Psicanálise do
cafuné e estudos de sociologia estética brasileira</i>, Curitiba, 194l.<a name="581_1"></a><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><sup><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">581</span></sup><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;"> Ibid., p. 57.<a name="582_1"></a><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><sup><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">582</span></sup><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;"> James Holman, <i>Travels
in Madeira, Sierra Leone, Teneriffe, S. Jago, Cape Coast, Fernando Po, Princess
Island</i> etc., Londres, 1840, I, p. 487.<o:p></o:p></span></p>Doneyhttp://www.blogger.com/profile/09476772224297324141noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1937976905822999004.post-53971041067021267172024-03-19T11:49:00.002-03:002024-03-22T17:27:33.138-03:00Sobrados e mucambos (Parte III), de Gilberto Freyre<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">Subtítulo</span></i><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-style: italic; mso-themecolor: text1;">: Decadência do patriarcado rural e
desenvolvimento do urbano<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 12.5pt; mso-themecolor: text1;">Editora</span></i><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 12.5pt; mso-themecolor: text1;">: Global<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">Opinião</span></i><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">: </span><span face=""Segoe UI Symbol","sans-serif"" style="color: black; font-size: 14pt; mso-bidi-font-family: "Segoe UI Symbol"; mso-themecolor: text1;">★★★★☆<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">ISBN</span></i><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">: 978-85-260-0835-9<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">Páginas</span></i><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">: 976<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><i><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">Sinopse</span></i><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">: Ver </span><a href="https://listadelivros-doney.blogspot.com/2024/03/sobrados-e-mucambos-parte-i-de-gilberto.html"><span style="font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt;">Parte I</span></a><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;"><o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><br /></p>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhA7SAx3Mg1_Sz3lOtN1x-olHtRZug6PJSZswS1KwxsoCyJ6LsLQCiZ4ON3dZVhasq2SrouOSVZcBFGkFzkkLxqRRVtwFgFGvNwF82dGc60XPf9a9cRGzTxklJPk2k_9yxUV0H8PCyDi-yi4QPFTONl-4w1tLTIVohlSLHY4mr9-5Qt1FOtZLMY-r6rXko/s1445/Sobrados%20e%20mucambos.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1445" data-original-width="1000" height="400" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhA7SAx3Mg1_Sz3lOtN1x-olHtRZug6PJSZswS1KwxsoCyJ6LsLQCiZ4ON3dZVhasq2SrouOSVZcBFGkFzkkLxqRRVtwFgFGvNwF82dGc60XPf9a9cRGzTxklJPk2k_9yxUV0H8PCyDi-yi4QPFTONl-4w1tLTIVohlSLHY4mr9-5Qt1FOtZLMY-r6rXko/w276-h400/Sobrados%20e%20mucambos.jpg" width="276" /></a></div><p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Georgia, "serif"; font-size: 14pt;"> </span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">“Francisco
de Sierra Y Mariscal em suas “Ideas geraes sobre a revolução do Brasil e suas
consequencias”, chegou a escrever, sob a impressão, ainda quente, da
independência política do Brasil, que aqui o “Commercio se se quer he quem he o
unico corpo aristocrata. Os previlegios dos senhores d’engenho, do unico que
lhes servem he de os dezacreditar, por que estão auctorisados até serto ponto
para não pagar a ninguem...”. E contra a ideia geral de serem os senhores de
engenho uma classe só, e esta opulenta e bem nutrida, observava: “[...]
qualquer pode ser senhor d’engenho e ha muitas qualidades d’engenho...”.
Acrescentando: “[...] tem chegado a maior parte d’elles a tal estado que para
comerem carne de vacca duas vezes por semana e terem hum cavallo d’estrebaria
se faz necessario que morrão 200 pessoas de fome, que são os escravos do
engenho, aquem lhes dão unicamente o Sabbado livre para com seu producto
sustentarem-se e trabalharem o resto da semana para seus senhores”.<a name="307"></a><sup>307</sup><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">Daí
terem os senhores de engenho – a maior parte deles – chegado aos princípios do
século XIX elemento de perturbação, e não de defesa, da ordem: “esta classe não
forma Ordem”, isto é, ordem aristocrática no sentido de conservadora. Ao
contrário: pertenciam, em grande parte, à ordem democrata dos que “nada tem a
perder [...]. Os senhores d’engenho estão nesta ordem por que he o partido das
Revoluções e com ellas se vem livres dos seus credores”. Na mesma situação
estava “a maior parte do clero, pela mesma razão”; e também “os empregados publicos
que ambecionão os restos da fortuna dos europeos”. Todos instáveis: mesmo os
aparentemente ricos pois raros cuidavam de conservar ou desenvolver as
riquezas.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">O
resultado é que muitos, nascidos ricos, chegavam à velhice melancolicamente
pobres. Mas sempre desdenhosos de ofícios mecânicos que abandonavam a europeus
e a escravos. Daí o violento contraste entre europeus que aqui chegavam pobres
e morriam ricos e brasileiros nascidos ricos que envelheciam e morriam pobres.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">Sierra
y Mariscal fixou o contraste entre o filho de brasileiro rico que, apenas saído
da infância, “porque o carinho paternal lhe da Rendas soltas”, degradava-se, e
o filho de português que chegava ao Brasil tendo deixado a “Caza Paternal”
apenas com “suas proprias e fracas forças”; na falta de conhecido ou parente no
Brasil, fazia do “portico d’huma Igreja [...] o seu primeiro leito e a sua
primeira morada”; recebido “ou de Caixeiro ou de Aprendiz não há nada a que
elle se não sugeite”; “com a economia e o trabalho” chegava a ter “grandes cabedaes”;
uma vez rico, chegava a ter “consideração”; desprezado pelos brasileiros por
ter chegado aqui pobre ou miserável, depois de rico, ele é que desprezava os
brasileiros por serem “fracos, immoraes, preguiçozos e pobres”; e tendo, na sua
mocidade de pobre, contraído relações com “mulheres pobres” – muitos, poderia
Sierra y Mariscal ter acrescentado, com mulheres pobres de cor, enquanto
outros, com filhas mestiças e ricas de patrões também portugueses – “isto
tambem tem sido hum ellemento de reproxes mutuos”. E ainda não tendo sido o
portuguesinho aqui chegado aos dez ou doze anos, bem-educado na mocidade,
raramente sabia educar bem os filhos.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">Mesmo
assim, tornara-se o comércio, no Brasil, para observadores como Sierra y
Mariscal, “o único corpo aristocrata”, por ser o mais estável na sua condição e
o mais interessado na manutenção do Estado tal como o concebia no Brasil o
patriarcalismo da época, isto é, um patriarcalismo já um tanto mais urbano do
que rural nas suas tendências decisivas. Para esse patriarcalismo o Estado era
o pai dos pais de família. Principalmente dos mais ricos, dos mais conformados
com a ordem estabelecida, dos mais ordeiros; e só dentro da ordem, mais
progressistas. Estes amigos da ordem e, apenas em segundo lugar, do progresso,
já não eram, no século XVIII, senão em número pequeno, os senhores de engenho,
os senhores de terras, os fazendeiros, tantos deles endividados e, como todos
os endividados, predispostos à inquietação, à revolta, à desordem; e sim os
grandes do comércio, da indústria e das próprias artes mecânicas consideradas
ingresias em contraste com as francesias (que significavam principalmente
novidades em matéria de governo e de organização social e não apenas de trajo).<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">Principalmente
os grandes do comércio e da indústria das grandes cidades tornaram-se os
defensores por excelência da “ordem”. Novos comendadores, novos barões, novos
viscondes em cujo champanha de dia de festa podia sentir-se, como no champanha
de certo negociante opulento do Recife enriquecido no comércio de peixe seco,
sentiu um humorista boêmio do fim do século XIX “gosto de bacalhau”; mas que
passaram a constituir uma força mais sólida, na economia nacional, do que a
nobreza da terra com todo o aroma de mel de cana que irradiava de suas terras,
de suas plantações, de suas fábricas, de seus tachos, de suas casas, de suas
próprias pessoas, outrora quase sagradas. Tão sagradas que na era colonial se
julgavam com o direito de não pagar dívidas, de insultar credores, de adulterar
produtos, embora considerando-se sempre superiores aos “vilões”, aos
“traficantes”, aos “taverneiros”, aos “mecânicos”. Não imaginavam então que
viria época de mendigarem crédito, esse crédito que, em 4 de dezembro de 1875,
escrevia na Província “Um negociante”, em “Breves considerações sobre a praça
comercial de Pernambuco”, ter desaparecido para os senhores de terras da velha
província agrária.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">Não
foi, entretanto, o plantador ou lavrador na fase de transição da sede do
domínio patriarcal no Brasil das casas-grandes do interior para os sobrados das
capitais – isto é, nas áreas do País social e culturalmente mais importantes na
época decisiva dessa transição – vítima passiva ou inerme dos novos poderosos.
Ele próprio concorreu para sua degradação.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">Como
observava um cronista do meado do século XIX, se era certo que os “desgovernos”
do Império vinham fazendo a agricultura definhar com o excesso de “tributos”,
dela exigidos em benefício da Corte e das cidades, por outro lado, “os
lavradores dos nossos campos são ainda mais culpados e dignos da mais aspera
censura pelo desleixo e estupida miseria com que trabalhão”. Ao trabalho
escravo juntavam-se pragas como as de “formigas, bezouros, gafanhotos”: “mas
accresce a tudo isto a mandreisse orgulhosa em que vivem a maior parte dos
nossos proprietarios de lavouras, respondendo com fofa basofia a tudo...”,
julgando-se “os fidalgos da provincia”, “os ricos da terra”, os “protectores do
commercio” quando “da forma em que vão são os impostores da provincia, são os
pobres da terra, são os sanguesugas do commercio”: “os tributos que pagão á
nação não equivalem aos calotes que pregão aos particulares, salvas algumas
excepções que são tão poucas como dias de sol em tempo de inverno”.
Acrescentava o cronista, referindo-se principalmente à província da Bahia:
“Falla-se em machinas, falla-se em apparelhos”. Mas em vez de chegarem os
agricultores a soluções concretas, dos problemas de substituição de escravos e
animais por máquinas, ficavam tontos com palavras e cálculos em torno de
máquinas e aparelhos; e continuavam explorando os negros e os bois, embora sem
cuidarem de sua conservação como os antigos agricultores. O que primeiro deviam
fazer era “dar estimação aos escravos e aos bois, principais moveis ou
utencilios da lavoura...”. Em vez disso, o que se via agora “por este desalmado
reconcavo”? Negros alimentados com “uma triste ração de carne secca podre”,
surrados e “tendo por botica e medico, purgante de sal e vomitorio de Leroy,
applicados estes remedios loucamente por uma negra chamada enfermeira que por
ser bruta no serviço do engenho é removida para directora do hospital; os bois,
esses dão alguns passos e puxão os carros opprimidos pelas cangas e fustigados
pelas espetadelas do ferrão: findo o trabalho são elles atirados ao campo e ahi
ficão ao desamparo de dia e de noite, expostos á chuva, sol e sereno; e se por
maior desgraça o boi é novato no sitio e não pode saber dirigir-se a um certo
charco chamado tanque que ha no pasto, ahi morre elle berrando damnado de sede.
E ainda se queixão da morte de escravos e da falta de gado!”. E sarcástico,
caricaturesco, exagerado, notava que se resguardavam nos engenhos e fazendas da
Bahia “os objectos ou obras materiais de ferro e de madeira, porque podem se
estragar”. Mas não se resguardava o corpo dos bois: “o boi que morre ao
desamparo do campo devia ser immediatamente esfolado e o couro ser vestido no
Sr. de engenho para andar de quatro pés e outros animaes vivos fazerem delle o
bumba meu boi”.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">Assim
se expressava desabusado crítico do estado da lavoura na província da Bahia em
artigo, “A agricultura”, que <i>A Marmota Pernambucana</i> publicou a 30 de
julho de 1850, naturalmente por se aplicar parte da crítica à situação de
outras áreas do Império, tão desintegradas ou minadas nas suas antigas bases
patriarcais de economia quanto o recôncavo. Era artigo em que também se
criticava a “agricultura dos quintaes”, ou das “roças” ou “sitios” em torno das
casas de chácaras dos arredores de Salvador: roças, em geral, “reduzidas a
plantar capim tão somente, o que dá muito má idéa da cidade aos observadores de
fora...”. Entretanto, por essas casas e pelas ruas, era grande o número de
“escravos ociozos e desnecessarios”, fora “um milhão de negras africanas e
creoulas” ocupadas em vender “mamões entupidos” e “cocadas remellosas que o
lucro que dão não serve nem para o concerto do taxo”. E sem contar os
crioulinhos vadios – “crias de vóvó” que levavam os dias inteiros a quebrar
telhados – as “cevadas creoulas [...] intituladas costureiras, rendeiras e
bordadeiras” das quais havia então em Salvador “um quarteirão em cada casa”.<a name="308"></a><sup>308</sup> Pois o crítico não deixava de salientar que, em
contraste com os negros de eito do recôncavo – um recôncavo já perturbado nas
suas antigas e doces condições de economia patriarcal pela introdução de
máquinas em outras áreas tropicais – os domésticos e os suburbanos e urbanos
viviam no ócio ou quase no ócio, muitos deles bem alimentados e até cevados
pelos senhores dos sobrados. Sobrados – acentue-se sempre – já burgueses e
ainda patriarcais onde o luxo tomou relevos raramente atingidos pelas
casas-grandes que, para alguns dos senhores de engenho mais ricos do Rio de
Janeiro, da Bahia, de Pernambuco, desde a primeira metade do século XIX
passaram à condição de casas de campo, enquanto os sobrados de cidade se elevaram
à de palacetes onde os mesmos senhores residiam mais tempo do que no interior.
“Proporcionalmente ás nossas circumstancias creio que não ha no mundo cidade
onde o luxo tenha chegado a tão alto ponto como em o nosso Pernambuco”,
escrevia o padre d’<i>O Carapuceiro</i> em artigo “O luxo no nosso Pernambuco”,
transcrito pelo <i>Diário de Pernambuco</i> de 31 de outubro de 1843. Era o
luxo de senhores de engenho, residentes principalmente em sobrados urbanos, a
rivalizar com o dos negociantes fortes, seus comissários e armazenários, donos
de sobrados igualmente suntuosos.”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><sup><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">307</span></sup><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;"> <i>Anais da Biblioteca
Nacional do Rio de Janeiro</i>, 1920-21, vol. XLIII-IV, p. 62.<a name="308_1"></a><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><sup><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">308</span></sup><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;"> <i>Marmota Pernambucana</i>,
30 de julho de 1850.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-bidi-font-size: 12.0pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-bidi-font-size: 12.0pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">“Andrew
Grant observou que a atividade dos homens de prol do Brasil dos começos do
século XIX com relação às atividades industriais vinha alterando-se nos
“últimos poucos anos”. Até mesmo os “inveterados preconceitos” contra o
comércio, da parte dos nobres, vinham modificando-se sob a “crescente
liberalidade” – ou libera-lismo – da época. Vários deles, nobres, estavam
ligados a manufaturas estabelecidas no Rio de Janeiro. Um “<i>gentleman of high
rank</i>” levantara uma casa de beneficiar arroz, empregando aí cerca de cem
escravos.</span><a name="315"></a><sup><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">315</span></sup><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">Era
pena – para o observador inglês – que, ao lado do desenvolvimento das
indústrias, das artes e do comércio, continuasse o Brasil a importar negros
como se importasse gado. O que sucedia era o senhor branco, mesmo quando
morador de “mansões” suntuosas – isto é, casas-grandes e sobrados – ser criatura
mais degradada e infeliz que o escravo.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">Realmente
sucedeu, no Brasil, verificar-se a transigência da parte intelectualmente mais
avançada da nobreza rural com as indústrias, com as artes, com o próprio
comércio – com ingresias e até com francesias essencialmente burguesas – sem
que se verificasse o abandono do sistema de trabalho escravo. Nessa combinação
de contrastes, anteciparam-se Minas Gerais e, de certo modo, Pernambuco, no
século XVIII e no próprio século XVII. Mas onde o contraste tornou-se mais
evidente, cremos que foi no Maranhão dos princípios do século XIX – ao mesmo
tempo tão rotineiro e tão progressista.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">“Instrumentos
agrarios não ha, senão a simples enxada, e machina, senão o miseravel
escravo... As conduções em geral são feitas pelos rios e algumas que se fazem
por terra são em carros de bois, ainda mais defeituosos que os que se usão em
Portugal...” Assim escrevia em livro publicado em Lisboa em 1822 – <i>Estatistica
historica-geographica da provincia do Maranhão offerecida ao soberano congresso
das cortes geraes</i> – Antônio Bernardino Pereira do Lago.</span><a name="316"></a><sup><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">316</span></sup><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;"> Observava mais haver naquela área colonial
brasileira, apesar do alvará de 5 de janeiro de 1785 que proibira fábricas ou
indústrias no Brasil, “fabricas de descascar arroz, de descaroçar algodão, de
fazer assucar, de distillações e de tecer pano de algodão”. Fábricas movidas
antes a braço de escravo que a máquina: “[...] podemos dizer que a força motriz
de todas he só a resultante de muitos braços de escravos, parecendo aquellas
fabricas mais huma masmorra d’Africa que interessante e agradavel edifício de
industria”.</span><a name="317"></a><sup><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">317</span></sup><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">Vê-se
por depoimentos como este que a área maranhense – enobrecida desde o começo do
século XIX por sobrados rivais dos baianos e dos pernambucanos – antecipou-se à
paulista, do café – que só mais tarde seria enobrecida por tais sobrados – e
acompanhou de perto a da mineração – desde o século XVIII famosa por cidades
bem edificadas – como área de precoce ou prematura industrialização, mas não de
mecanização, de sua economia, que continuou a basear-se, tanto quanto a
agrária, ou ainda mais que a rusticamente agrária, na energia ou no trabalho do
escravo. Perdeu, entretanto, sua organização social, com aquela antecipação,
alguns dos traços mais doces de familismo tutelar ou de patriarcalismo
benevolente. Explica-se assim terem sido aquelas três áreas caracterizadas, nas
suas fases de precoce industrialização da economia, por um abandono do escravo
pelo senhor ou por uma exploração do operário – reduzido à condição de
substituto de máquina – pelo patrão, que não caracterizaram nem o nordeste
agrário nem o Rio Grande do Sul e os sertões pastoris, nas suas relações entre
senhores e escravos ou servos: entre senhores de engenho tutelares e escravos
quase pessoas da família; entre fazendeiros e estancieiros, igualmente
tutelares, e servos quase pessoas de casa.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">Tais
relações teriam de refletir-se, como se refletiram, na alimentação dos escravos
que, nas áreas industrializadas, alterou-se quase sempre no sentido de sua
degradação, desde que ao industrial precoce – como foram o mineiro, desde o
século XVIII, e o maranhense e o paulista, desde o começo do século XIX –
interessava mais esgotar rápida, comercial e eficientemente a energia moça do
escravo (substituto de máquina e não apenas de animal) que prolongar-lhe a vida
de pessoa servil e útil – mas pessoa ou, no mínimo, animal – através de
alimentação farta e protetora – embora com aparência de rude – e de habitação
igualmente protetora – embora com característicos de prisão: as senzalas de
pedra e cal.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">Foram
estes os escravos – evidentemente a maioria da população escrava da época
colonial e dos primeiros decênios do Império, dado o fato de que o Brasil
ortodoxamente patriarcal foi antes agrário e pastoril que industrial e urbano
como na área de mineração – que impressionaram os observadores estrangeiros
mais penetrantes e mais objetivos nos seus reparos sobre condições de vida e de
alimentação que pareceram a vários deles – Tollenare, Pfeiffer e Hamlet Clark –
superiores às dos operários ou camponeses europeus e livres da mesma época.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">O que
conhecemos, por outras fontes de informação, do regime alimentar daqueles
escravos que foram os típicos – e não os atípicos – do nosso sistema
patriarcal, autoriza-nos a generalizar ter sido o escravo de casa-grande ou
sobrado grande, de todos os elementos da sociedade patriarcal brasileira, o
mais bem nutrido. Nutrido com feijão e toucinho; com milho ou angu; com pirão
de mandioca; com inhame; com arroz – dado pelo geógrafo alemão A. W. Sellin
como, em algumas regiões brasileiras, “alimento fundamental”<a name="318"></a><sup><span style="mso-bidi-font-weight: bold;">318</span></sup> “para os escravos” e não
apenas para os senhores.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">Também
o quiabo, o dendê, a taioba e outras “folhas”, outros “verdes” ou “matos” de
fácil e barato cultivo, e desprezados pelos senhores, entravam na alimentação
do escravo típico. São “matos” cuja introdução na cozinha brasileira – em geral
indiferente ou hostil à verdura – se deve ao africano: como quituteiro ou
cozinheiro, contribuiu ele – principalmente através da chamada “cozinha baiana”
– para o enriquecimento da alimentação brasileira no sentido do maior uso de
óleos, de vegetais, de “folhas verdes”. E até – com os Malês – de leite e de
mel de abelha. Escravo, o africano foi, de modo geral, elemento mais bem nutrido
que o negro ou o mestiço livre e que o branco pobre de mucambo ou palhoça do
interior ou das cidades, cuja alimentação teve de limitar-se, de ordinário, ao
charque ou ao bacalhau com farinha. Mais bem nutrido que o próprio senhor de
engenho ou o fazendeiro ou o dono de minas quando meão ou médio nos seus
recursos – e os fazendeiros ou senhores de engenho desse tipo foram, entre nós,
a maioria – de alimentação também caracterizada pelo uso excessivo do charque e
de bacalhau mandados vir das cidades, junto com a bolacha, o peixe seco e a
farinha de mandioca. Enquanto à mesa do estancieiro, farta de carne fresca ou
sangrenta, parecem ter sempre faltado o legume, e, por muito tempo, o arroz,
ausente também da mesa do sertanejo do Norte, farta apenas de queijo e de carne
chamada de sol ou de vento; e tão pobre de legume quanto as outras mesas de
patriarcas.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">Quanto
à mesa dos ricos senhores de casas-grandes e dos sobrados mais opulentos, não
nos esqueçamos de que foi ela quase sempre prejudicada pelo excesso de conservas
importadas da Europa, em condições de transporte que estavam longe de
comparar-se, do ponto de vista da higiene ou da técnica de conservação de
alimentos, com as dominantes no século atual. De onde muito alimento
deteriorado ou rançoso consumido pela gente nobre dos sobrados que desdenhava
das verduras ou matos frescos, comidos pelos negros ou pelos escravos.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">São
pontos, estes, que devem ser recordados com insistência contra a generalização,
baseada quase sempre no sentimentalismo antiescravocrático ou no furor
doutrinário dos que desejam acomodar a história das sociedades patriarcais a
este ou aquele <i>ismo</i>, de que, em tais sociedades, o escravo foi sempre e
sob todos os aspectos, um “mártir”, um “sofredor”, um “mal-alimentado”. A
verdade é que houve sociedades, como a brasileira, nas quais, de modo geral, o
escravo das áreas ortodoxamente patriarcais – as caracterizadas pelo maior
domínio de família tutelar – tiveram um tratamento, um regime de alimentação,
um gênero de vida superiores aos dos escravos em áreas já industriais ou
comerciais, embora ainda de escravidão, caracterizadas pela tendência à
impersonalização ou despersonalização das relações de senhor com escravo,
reduzido à condição impessoal de máquina e não apenas de animal.”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><sup><span lang="EN-US" style="font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: EN-US; mso-bidi-font-weight: bold;">315</span></sup><span lang="EN-US" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: EN-US; mso-themecolor: text1;">
Andrew Grant, <i>History of Brazil</i>, Londres, 1809, p. 151.<a name="316_1"></a><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><sup><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: PT; mso-bidi-font-weight: bold; mso-themecolor: text1;">316</span></sup><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;"> Página 56.<a name="317_1"></a><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><sup><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: PT; mso-bidi-font-weight: bold; mso-themecolor: text1;">317</span></sup><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;"> Página 64.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><sup><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">318</span></sup><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;"> Geografia geral do
Brasil, 2ª ed., Rio de Janeiro, 1889, p. 146.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-bidi-font-size: 12.0pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-bidi-font-size: 12.0pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">“</span><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">Dizem que D. João VI quando chegou à Bahia em 1808 foi logo mandando
iluminar a cidade: era “para o inglês ver”. Outros dizem que a frase célebre
data dos dias de proibição do tráfico de escravos, quando no Brasil se votavam
leis menos para serem cumpridas do que para satisfazerem exigências britânicas.
Foi a versão colhida no Rio de Janeiro por Emile Allain que a apresenta como
equivalente do francês “<i>pour jeter de la poudre aux yeux</i>”.</span><sup><span lang="PT" style="font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-bidi-font-weight: bold;">357</span></sup><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;"> De qualquer modo a frase ficou. E é bem característica
da atitude de simulação ou fingimento do brasileiro, como também do português,
diante do estrangeiro. Principalmente diante do inglês, em 1808, não mais o
herege nem o “bicho” que era preciso salpicar de água benta, para se receber
dentro de casa, mas, ao contrário, criatura considerada, em muitos respeitos,
superior.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">Sob o
olhar desse ente superior, o brasileiro do século XIX foi abandonando muitos de
seus hábitos tradicionais – como o de dançar dentro das igrejas no dia de São
Gonçalo, por exemplo – para adotar as maneiras, os estilos e o trem de vida da
nova camada de europeus que foram se estabelecendo nas nossas cidades. Desde as
dentaduras postiças ao uso – até o contato maior com os ingleses quase
insignificante – do pão e da cerveja.”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><sup><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">357</span></sup><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;"> Émile Allain, Rio de
Janeiro. <i>Quelques données sur la capitale et sur l’administration du Brésil</i>,
2ª ed., Rio de Janeiro-Paris, 1886, p. 147.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">Afirma
Pereira da Costa (<i>Vocabulário pernambucano</i>, cit.), a propósito da
expressão “para inglês ver”, que sua origem é a seguinte: “Tocando na Bahia na
tarde de 22 de janeiro de 1808 a esquadra que conduzia de Lisboa para o Rio de
Janeiro a fugitiva família real portuguesa e não desembarcando ninguém pelo
adiantado da hora, à noite, a geral iluminação da cidade, acompanhando a todas
as suas sinuosidades, apresentava um deslumbrante aspecto. Extasiado e
entusiasmado o príncipe regente D. João, ao contemplar do tombadilho da nau
capitânia tão belo espetáculo, exclama radiante de alegria, voltando-se para a
gente da Corte que o rodeava: ‘<i>Está bem para o inglês ver</i>’, indicando
com um gesto o lugar em que fundeava a nau Bedford, da marinha de guerra
britânica, sob a chefia do Almirante Jervis, de comboio à frota real
portuguesa”.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-bidi-font-size: 12.0pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-bidi-font-size: 12.0pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">“</span><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">No Brasil dos princípios do século XIX e fins do XVIII, a reeuropeização se
verificou (perdoe o leitor os muitos mas inevitáveis “ão”) pela assimilação, da
parte de raros, pela imitação (no sentido sociológico, primeiro fixado por
Tarde), da parte do maior número; e também por coação ou coerção, os ingleses,
por exemplo, impondo à colônia portuguesa da América – através do Tratado de
Methuen, quase colônia deles, Portugal só fazendo reinar politicamente sobre o
Brasil – e mais tarde ao Império, uma série de atitudes morais e de padrões de
vida que, espontaneamente, não teriam sido adotados pelos brasileiros. Pelo
menos com a rapidez com que foram seguidos pelas maiorias decisivas nessas
transformações sociais.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">A
reconquista, porém, teve de seguir suas cautelas. De tomar suas precauções.
Porque houve resistências, de ordem natural, umas, outras de ordem cultural. O
clima, por exemplo, resistiu ao nórdico. E sob o favor do clima, a malária e a
febre amarela agiram contra o europeu. À sombra das condições precárias de
higiene, agiram contra ele a peste bubônica, a sífilis, a bexiga, o
bicho-de-pé. Elementos, todos esses, de resistência antieuropeia; alguns de
origem terrivelmente asiática ou africana. Operaram eles no sentido de moderar
a reeuropeização do Brasil e de conservar o mais possível, no País, os traços e
as cores extraeuropeias, avivadas durante séculos profundos de segregação.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">Houve
mesmo nativistas que se regozijaram com a ação violentamente antieuropeia da
febre amarela. Febre terrível que, poupando o nativo, não perdoava o
estrangeiro. Principalmente o louro, de olhos azuis, sardas pelo rosto.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">Mas o
estrangeiro louro insistiu em firmar-se em terra tão sua inimiga com um
heroísmo que ainda não foi celebrado. Só visitando hoje alguns dos velhos
cemitérios protestantes no Brasil – o do Recife ou o de Salvador ou o do Rio de
Janeiro – que datam dos princípios do século XIX, e vendo quanta vítima da
febre apodrecer por esses chãos úmidos e cheios de tapuru, debaixo de palmeiras
gordas, tropicalmente triunfantes sobre o invasor nórdico, faz alguém ideia
exata da tenacidade com que o inglês, para conquistar o mercado brasileiro e
firmar nova zona de influência para o seu imperialismo, se expôs a morrer de
febre tão má nesta parte dos trópicos. </span><span lang="EN-US" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: EN-US; mso-themecolor: text1;">As inscrições se sucedem em uma monotonia
melancólica: “<i>James Adcock – architect of civil engineer who after nearly
three years of residence died here of yellow fever in the 39th year of his
age”; “in memory of Robert Short – fifth son of William Short of Harrogate –
died of yellow fever – aged 19 years”; “in loving memory of my beloved husband
Ernest Renge Williams who died of yellow fever – age 26...</i>””<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="EN-US" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: EN-US; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="EN-US" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: EN-US; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">“</span><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">A parte estritamente médica das palavras do Dr. Aquino Fonseca – que,
aliás, estudara medicina na França – tem o pitoresco das terminologias
arcaicas; mas não lhe falta sua nota de bom senso. “Outrora os vestuarios” –
dizia o dr. Aquino – “eram ligeiros e feitos com amplidão; e isto estava
inteiramente em harmonia com o clima quente da cidade, e facilitava não só os
movimentos respiratórios, e por consequencia a hematose, como vedava que se
estabelecesse a transpiração, evitando por este modo que qualquer viração, tão
frequente aqui, désse causa a sua suppressão, donde resultam males
incontestáveis; mas as modas francezas, trazendo a necessidade de arrocho, para
que se possam corrigir as formas irregulares de certos individuos ou fazer
sobresahir as regulares, embaraçam o jogo respiratorio das costellas e
diaphragma, e influem sobre a hematose; e os pannos espessos de lan, reduzindo
os vestuarios a verdadeiras estufas, tornam os homens sempre dispostos a
contrahir affecções do systema respiratorio, pela suppressão da transpiração,
que por muitas vezes e com facilidade tem logar”.<a name="360"></a><sup>360</sup>
Daí, ao seu ver, o aumento alarmante da tuberculose coincidir com o período de
reeuropeização ou europeização dos hábitos de comer e de vestir: ou com as
modas francesas e inglesas de roupa a que se refere quase furioso.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">No
século XVIII – que foi, talvez, quanto aos costumes, o mais autônomo, o mais
agreste, o mais brasileiro na história social do País – Vilhena rebatera as
críticas de alguns viajantes europeus, com relação ao trajo solto, à vontade,
chamado “á fresca”, dos brasileiros, quando na intimidade de suas casas.
Mostrara que esse relaxamento, tão repugnante para quem vinha de climas mais
frios, correspondia às condições de clima tropical da colônia.<a name="361"></a><sup>361</sup>
Luccock, crítico tão severo das nossas maneiras nos últimos tempos de vida
propriamente colonial, associou o fato de as crianças andarem em casa nuas,
algumas só de roupa de baixo “<i>nothing but under linen garment</i>”, os
antigos sunga-nenens – ao clima quente, inimigo das roupas de pano grosso.<a name="362"></a><sup>362</sup></span><span lang="EN-US" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: EN-US; mso-themecolor: text1;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">Mas
com a reeuropeização do País, as próprias crianças tornaram-se martirezinhos
das modas europeias de vestuário. Os maiores mártires – talvez se possa dizer.
As meninas, sobretudo. Os figurinos do meado do século XIX vêm cheios de
modelos de vestidos para meninas de cinco, sete, nove anos, que eram quase camisinhas
de força feitas de seda, de tafetá ou de “<i>poil de chèvre</i>”. Meninas de
cinco anos que já tinham de usar duas, três saias, por cima das calçolas, as de
baixo bordadas com “ponto de espinhos” e guarnecidas com franja Tom-Pouce. Ou
então saias guarnecidas com três ordens de fofos. E não só excesso de saias:
gorra de veludo preto. Botinas de pelica preta até o alto da perna. Penas de
perdiz enfeitando a gorra.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">Em vão
clamavam os Aquino Fonseca, os Correia de Azevedo, anos mais tarde, os Torres
Homem. Correia de Azevedo dizendo que no caso do menino brasileiro, o vestuário
devia “apenas resguardar-lhe o corpo das variedades da temperatura”. Que as
crianças, num país tropical, não podiam nem deviam “ser criadas nem à inglesa,
nem à alemã, nem à russa”.<a name="363"></a><sup>363</sup> Os pais brasileiros,
principalmente nas cidades, não queriam saber dessas advertências de médicos
esquisitos. Vestiam seus filhos ortodoxamente à europeia. Os coitados que
sofressem de brotoejas pelo corpo, assaduras entre as pernas. A questão é que
parecessem inglesinhos e francesinhos.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">Mas
não foi só o vestuário da criança: a educação toda reeuropeizou-se, ao contato
maior da colônia e, mais tarde, do Império, com as ideias e as modas inglesas e
francesas. E aqui se observe um contraste: o contato com as modas inglesas e
francesas operou, principalmente, no sentido de nos artificializar a vida, de
nos abafar os sentidos e de nos tirar dos olhos o gosto das coisas puras e
naturais; mas o contato com as ideias, ao contrário, nos trouxe, em muitos
pontos, noções mais exatas do mundo e da própria natureza tropical. Uma
espontaneidade que a educação portuguesa e clerical fizera secar no brasileiro.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">A
monocultura, devastando a paisagem física, em torno das casas, o ensino de
colégio de padre jesuíta devastando a paisagem intelectual em torno dos homens,
para só deixar crescer no indivíduo ideias ortodoxamente católicas, que para os
jesuítas eram só as jesuíticas, quebrara no brasileiro, principalmente no da
classe educada, não só as relações líricas entre o homem e a natureza – rotura
cujos efeitos ainda hoje se notam em nossa ignorância dos nomes de plantas e
animais que nos cercam e na indiferença pelos seus hábitos ou pelas suas
particularidades – como a curiosidade de saber, a ânsia e o gosto de conhecer,
a alegria das aventuras de inteligência, de sensibilidade e de exploração
científica da natureza. Essa curiosidade, esse gosto, essa alegria nos foram
comunicados nos fins do século XVIII, e através do XIX, pelos enciclopedistas e
pelos revolucionários franceses e anglo-americanos. Através do século XIX,
também por mestres franceses e ingleses que aqui estabeleceram colégios, para
grande indignação dos padres.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">Esses
mestres, como aqueles enciclopedistas, fizeram ao brasileiro um bocado de mal,
comunicando-lhe um liberalismo falso; mas fizeram-lhe também algum bem.
Abriram-lhe nova zona de sensibilidade e de cultura, refazendo um pouco da
espontaneidade intelectual, em tantos pontos abafada, não tanto pelo Santo
Ofício, como pelo ensino uniformizador dos padres da Companhia. Ensino
uniformizador útil, utilíssimo à integração social do Brasil, como já foi
acentuado em capítulo anterior; mas que nos retardou e quase nos feriu de morte
a inteligência, a capacidade de diferenciação, de iniciativa, de crítica, de
criação.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">Nada
mais amolecedor da inteligência que o ensino exclusivo ou quase exclusivo do
latim ou de qualquer língua morta. Foi o ensino que se desenvolveu entre nós
sob a influência dos colégios de padre.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">À
proporção que o ensino dos jesuítas foi criando pelas cidades da colônia
elitezinhas de letrados, quase todos simples latinistas untuosos, seráficos, de
livro de missa no bolso – dos quais, entretanto, se desgarraram alguns
temperamentos agrestes como o de Gregório de Matos – a leitura dos livros
latinos tornou-se a única leitura nobre e digna: Virgílio, Tito Lívio, Horácio,
Ovídio. Quem lesse <i>Diana</i> ou alguma novela ou romance em língua popular
tinha o olhar desconfiado do Santo Ofício e do jesuíta dentro de casa. O único
prazer intelectual dos bacharéis e mestres em artes formados pelos jesuítas era
ler e decorar os velhos poetas latinos. Sabendo de cor trechos enormes dos
autores clássicos alguns rivalizavam com os padres no conhecimento da língua
oficial da Igreja que, dando-lhe acesso a tão grandes riquezas antigas,
segregava-os da literatura viva, moderna, atual.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">Também
nos seminários fundados no Rio de Janeiro nos princípios do século XVIII e no
de Mariana e no de Olinda – estabelecimentos de orientação pedagógica já
diversa da dos jesuítas e até em antagonismo com o ensino da S. J. –
continuou-se a dar importância quase exclusiva ao estudo do latim, embora no de
Olinda cuidando-se já do estudo das ciências e das letras vivas. Sistematizado
pelo padre Pereira na sua gramática – o <i>Novo Método</i> – e começando com a
leitura das Fábulas de Fedro, o ensino do latim ia até Ovídio e Horácio. Era
uma disciplina severa; e teria sido ótimo, se não fosse exclusivo. O aluno
atravessava a fase mais dura das declinações e dos verbos sob a vara de marmelo
e a palmatória do padre-mestre. Mas acabava não sabendo escrever um bilhete,
senão com palavras solenes e mortas; e evitando as palavras vivas até na
conversa.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">A
retórica se estudava nos autores latinos – lendo Quintiliano, recitando
Horácio, decorando as orações de Cícero. Lógica e Filosofia, também: eram ainda
os discursos de Cícero que constituíam os elementos principais de estudo. A
filosofia era a dos oradores e a dos padres. Muita palavra e o tom sempre o dos
apologetas que corrompe a dignidade da análise e compromete a honestidade da
crítica. Daí a tendência para a oratória que ficou no brasileiro, perturbando-o
tanto no esforço de pensar como no de analisar as coisas, os fatos, as pessoas.
Mesmo ocupando-se de assuntos que peçam a maior sobriedade verbal, a precisão,
de preferência ao efeito literário, o tom de conversa em vez do de discurso, a
maior pureza possível de objetividade, o brasileiro insensivelmente levanta a
voz e arredonda a frase como se estivesse prestando exame de retórica em
colégio de padre. Efeito do muito latim; da muita retórica de padre de que se
impregnou entre nós o ensino; de que se deixou marcar a formação intelectual
dos homens.”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><sup><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">360</span></sup><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;"> Joaquim de Aquino
Fonseca, cit. por Otávio de Freitas, <i>A tuberculose em Pernambuco</i>,
Recife, 1896.<a name="361_1"></a><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><sup><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">361</span></sup><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;"> Vilhena, <i>Cartas</i>,
cit., p. 89.<a name="362_1"></a><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><sup><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">362</span></sup><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;"> Luccock, op. cit., p.
127.<a name="363_1"></a><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><sup><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">363</span></sup><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;"> Para Correia de Azevedo
o Brasil devia fugir do “moderno francesismo”, inclusive em relação ao
vestuário das crianças: “O mesmo brasileiro, em consequência do clima e dos
acidentes das localidades em que habita, tem de seguir uma higiene à parte, só
para ele formulada. Nossas crianças não podem e não devem ser criadas nem à
inglesa, nem à alemã, nem à russa [...]. O seu vestuário deve apenas
resguardar-lhe o corpo das variedades da temperatura” (“Concorrerá o modo por
que são dirigidos entre nós a educação e a instrução da mocidade para o
benéfico desenvolvimento físico e moral do homem?”, <i>Anais Brasilienses de
Medicina</i>, Rio de Janeiro, abril de 1872, tomo XXIII, p. 435).<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">“Se,
em grande número de casos, a cristianização ou a europeização de ameríndios e
de africanos e de seus descendentes foi obra de superfície, não os arrancando
senão aparentemente de seus hábitos de “raças inferiores” transformadas em
classes servis, noutros casos resultou em fazer de descendentes de selvagens ou
primitivos uns quase fanáticos das ortodoxias – a política, a moral e a
religiosa – por eles mal assimiladas dos primeiros europeus. Nessas ortodoxias
– talvez mais por fidelidade ou apego à região mais propícia aos homens de
cultura primitiva e de economia antes rústica que urbana, isto é, o senão, que
por motivos principalmente de “raça” ou de classe – alguns grupos se fixaram
com unhas e dentes, contra desvios ou invasões dos próprios brancos do litoral.
Daí o seu modo nem sempre lógico de participação em lutas civis travadas no
Brasil, depois de já aqui estabelecidas formas patriarcais de convivência. Em
vez de investirem contra as ordens estabelecidas pelos brancos, a atitude de
caboclos e homens de cor foi, mais de uma vez, a de defesa de valores europeus
ortodoxos, ou já tradicionais, no Brasil. Valores que julgavam ameaçados por
inovações.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">Não
foi outro o modo de se justificarem os <i>cabanos</i> e os <i>papa-mel</i> do
Norte – grande número dos quais, sertanejos e matutos com sangue ameríndio, a
quem se juntaram negros e pardos de engenhos, atraídos pela possibilidade de se
libertarem – de sua guerra de morte a liberais, progressistas e inovadores dos
sobrados do litoral ou das cidades. “Os liberaes não querem mais desigualdade,
quando desde que Christo se humanisou que ha desigualdade”, diziam os <i>papa-mel</i>
de Alagoas em resposta à proclamação legalista de 11 de setembro de 1832.
Justificavam-se assim esses homens quase de mucambos do seu monarquismo absolutista
e do seu patriarcalismo severo e a seu modo hierárquico de rústicos. E
acrescentavam: “querem os liberaes que os filhos não obedeçam aos paes, os
sobrinhos aos tios, os afilhados aos padrinhos: querem, si agradar, a filha dos
outros, carregal-a e da mesma sorte a mulher mais bonita... o mais a proporção
como estão obrando contra a lei de Nosso Senhor Jesus Christo. Finalmente não
querem obedecer ao monarcha e o mesmo Deus disse ao rei que quando os povos lhe
faltassem com a obediencia que elle os destruirá com peste, fome e guerra”.<a name="412"></a><sup>412</sup><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">Ora,
desse movimento a um tempo patriarcalista e monarquista, de homens rústicos
contra liberais e progressistas das cidades, não participaram só pequenos
agricultores e criadores de gado, dos quais muitos, descendentes de caboclos;
nem apenas negros e homens de cor, escravos de engenhos da região – região de
engenhos pequenos. Também participaram dele ameríndios recém-civilizados como
os do Jacuípe, com seu capitão-mor,<a name="413"></a><sup>413</sup> envolvidos na
luta – luta de absolutistas contra constitucionalistas, de restauradores de D.
Pedro I contra nacionalistas partidários de Pedro II – talvez por solidariedade
com a região ou por “consciência de espécie” regional – sertanejos contra o
litoral – talvez por vago sentimento de lealdade à monarquia, sabido como é
que, no Brasil, os reis de Portugal deixaram bem estabelecida a tradição de ser
a Coroa amiga dos indígenas, em particular, e das gentes de cor, em geral. E na
verdade mais de uma vez defendeu a Coroa as gentes de cor, contra os interesses
dos particulares ricos ou contra a exploração ou os excessos de religiosos
poderosos. Contra a própria discriminação de raça ou de cor da parte de
jesuítas contra pardos.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">Da
crise de Pedra Bonita – onde sertanejos de Pajeú das Flores, na província de Pernambuco,
na sua maioria caboclos, dominados por um místico que foi uma espécie de esboço
traçado a sangue do fanático ou monge de Canudos, chegaram ao sacrifício humano<a name="414"></a><sup>414</sup> – não nos esqueçamos de que foi a seu modo
sebastianista: expressão de sentimento ou desejo de regresso à monarquia
absoluta e, ao mesmo tempo, de repúdio àquelas formas dominantes de grande
propriedade – a das casas-grandes – que não se conciliavam com a independência
das “casas de caboclos”, donos apenas de cabras de leite. Antes de haver no
Brasil uma “guarda negra”, de defesa à monarquia paternalista ou maternalista
dos Braganças e composta de africanos e descendentes de africanos – capoeiras,
capadócios, capangas – que grandemente dificultaram a ação antimonárquica de
bacharéis brancos como Silva Jardim ou a de propagandistas da República
mestiços como Saldanha Marinho e Glycerio, houve caboclos e descendentes de
caboclos, mestiços e cafuzos que, em grupos numerosos, se puseram ao lado das
instituições mais antigas para aqui transplantadas da Europa – mesmo as mais
duramente hierárquicas, como a monarquia absoluta ou a forma mais severamente
patriarcal de família – e contra as inovações, mesmo as igualitárias:
igualitarismo que, praticado, tenderia a beneficiá-los. É que, como raças subjugadas,
se sentiam necessitados menos de liberdades abstratas que da proteção efetiva
que reis e papas pareciam ser os mais aptos a lhes conceder contra senhores
brancos e padres católicos desabusados no exercício, ou na perversão, do
domínio econômico, político ou religioso sobre as gentes de cor. Dos reis e dos
papas, na verdade, é que mais de uma vez tiveram os nativos do Brasil e mesmo
os negros vindos da África, proteção efetiva contra abusos de particulares e
até de religiosos; e essa proteção é natural que tenha criado nos ameríndios e
nos seus descendentes e nos negros e descendentes de negros sentimentos de
classe capazes de superar os de raça: vermelhos, pretos ou pardos eram tão
filhos de Deus e de Maria Santíssima como qualquer branco; vermelhos ou pardos
eram tão súditos del-Rei como qualquer português. Nem a colonização portuguesa
do Brasil – já o acentuamos em outras páginas – se fez sobre outra base: a da
importância capital ser a do <i>status</i> religioso e não a do de raça; a do <i>status</i>
político e não a do de cor.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">O que
desde cedo resultou na transferência de valores e sentimentos, em outras áreas
presos principalmente à condição de raça, para a condição, quase pura, de
classe: o homem de cor, civilizado e cristianizado, podia ser socialmente tão
português como qualquer português e tão cristão como qualquer cristão, desde
anos remotos tendo se aberto aos ameríndios o próprio sacerdócio, franqueado
também, em casos excepcionais, a descendentes de africanos como o grande
Antônio Vieira; desde anos remotos tendo se aberto aos dois elementos
extraeuropeus, por imposição de necessidades de defesa militar da colônia, a
própria carreira das armas, na qual podiam chegar a postos elevados da
confiança especial del-Rei. O caso de Camarão e o de Henrique Dias, entre
outros.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">E
tendo sido esta a tendência, em nosso país, desde dias remotos, é natural que
as gentes de cor venham se comportando menos como duas raças oprimidas pela
branca, que vária ou diversamente, segundo <i>status</i> de cada indivíduo ou
de cada família na sociedade (classe) e no espaço físico-social ou
físico-cultural (região). Pois não devemos nos esquecer da força com que, entre
nós, a situação regional do indivíduo ou da família a tem impelido para
integrar-se, independente da cor, da raça, da classe, e da própria condição de
naturalizado ou de nato, em culturas, ou configurações regionais de cultura,
como a sertaneja, a caipira ou a gaúcha. Que o diga, além dos exemplos já
invocados, o de Canudos onde se reuniram, em torno do conselheiro, indivíduos e
famílias de procedências e situações étnicas diversas, cuja “consciência de
espécie” era principalmente a de sertanejos estagnados em sua concepção ao
mesmo tempo pastoril e patriarcal de vida, em fase remota de transição de
culturas primitivas para a europeia e católica. Que o diga, por outro lado, a
situação do ameríndio e do próprio negro nas estâncias rústicas do Rio Grande
do Sul, onde, segundo esclarecido historiador moderno da região, “o negro foi
mais companheiro do que servo”.<a name="415"></a><sup>415</sup> Situação que se
acentuou quando o negro, numa área brasileira eminentemente militar como a
sul-riograndense pastoril, encontrou na atividade bélica, ou no serviço de
guerra a pé e a cavalo, o caminho para sua elevação social. O mesmo caminho que
encontrara no Nordeste do século XVII, isto é, durante os dias de uma guerra de
efeitos confraternizantes sobre portugueses e brasileiros de todas as classes,
raças e até regiões – pois os próprios paulistas participaram da luta –
reunidos contra o inimigo comum, que era o invasor holandês.<a name="416"></a><sup>416</sup>”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><sup><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">412</span></sup><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;"> M. Lopes Machado, “O 14
de abril de 1832, em Pernambuco”, <i>Rev. do Inst. Arq. Hist. Geog.
Pernambucano</i>, XXXIII, p. 62. Para esse historiador os insurretos de 1832
deram provas de “heroicidade, de amor ao lar e à família...” (p. 65) supondo
“defender a família, o lar e a religião” (p. 62). Foram uma espécie de
antecipação e, ao mesmo tempo, de miniatura de Canudos: “Dos píncaros mais
agrestes, dos alcantis mais escabrosos, das brenhas mais enredadas daqueles
lugares, caíam de improviso sobre as avançadas do governo, ou os atraíam a
veredas enguerrilhadas para os destruir e aniquilar e quando surpreendidos todos
ou separados na refrega, morriam motejando, sem nunca se renderem” (p. 61).
Note-se, ainda, que, “dividiam-se em bandos sem disciplina militar mas
obedientes ao chefe” (p. 61), isto é, ao chefe de cada bando. São muitas as
semelhanças entre o movimento chamado dos “cabanos”, no Nordeste, e os quase
contemporâneos que ocorreram no Maranhão (“Balaiada”) e no extremo Norte do
Império (“Cabanagem”), o primeiro estudado pelo Sr. Astolfo Serra no seu ensaio
<i>A Balaiada</i>, Rio de Janeiro, 1946, o segundo pelo Sr. Ernesto Cruz, no
seu trabalho <i>Nos bastidores da Cabanagem</i>, Belém, 1942.<a name="413_1"></a><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><sup><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">413</span></sup><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;"> Ibid., p. 63.<a name="414_1"></a><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><sup><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">414</span></sup><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;"> Note-se que em Pedra
Bonita a superstição dominante foi a de que ali, depois do sacrifício de certo
número de inocentes, se desencantaria um reino “onde o proletário [...]
ressurgiria nobre, rico e poderoso”, como lembra o conselheiro Tristão de
Alencar Araripe em prefácio a <i>Fanatismo religioso – Memória sobre o reino
encantado na comarca de Vila Bela</i>, de Antônio Ático de Sousa Leite, 2ª
edição por Solidônio Ático Leite, Juiz de Fora, 1898, p. 8. E pormenor
significativo: além do sacrifício de criaturas humanas, houve “o sacrifício de
cães, verdadeiros molossos, que no dia do grande evento levantar-se-iam como
valentes e indômitos dragões para devorar os proprietários” (p. 9).<a name="415_1"></a><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><sup><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">415</span></sup><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;"> Dante de Laytano, <i>O
negro no Rio Grande do Sul</i>, Porto Alegre, 1941, p. 8.<a name="416_1"></a><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><sup><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">416</span></sup><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;"> Em seu ensaio <i>O
banguê nas Alagoas</i> (Rio de Janeiro, 1949), o Sr. Manuel Diegues Júnior
recorda que na luta contra os holandeses o próprio escravo negro “acompanhou o
senhor de engenho no seu sofrimento e na sua reação.” E acrescenta: “Moradores
e cabras de engenho, gente do eito e da bagaceira, pessoal da moenda e da
casa-grande, juntaram-se todos no mesmo sentimento de confraternização com os
proprietários rurais, reagindo contra os holandeses”. Em comentário ao mesmo
ensaio, já salientamos em trabalho publicado em <i>Cultura</i>, Rio de Janeiro,
no I, setembro-dezembro de 1948, que o patriarcado no Brasil “não só tornou o
senhor dependente do escravo e o escravo dependente do senhor como criou entre
senhor e escravo, nos dias normais e não apenas nos de guerra, sentimentos de
solidariedade mais de uma vez superiores aos de classe ou de raça de cada um
daqueles elementos. Donde podermos concluir que tais elementos nem sempre foram
antagônicos mas, ao contrário, sob mais de um aspecto, simbióticos.” E mais:
“...não devemos nos esquecer de que nas Alagoas, como noutras partes do Brasil,
a tendência dominante foi para o escravo sentir-se membro da família de que era
escravo, a ponto de identificar-se com seus sentimentos, sua linguagem, seus
gestos, seus deuses domésticos, suas devoções e seus símbolos. Sabe-se que
houve escravos, por este vasto Brasil, de tal modo identificados com a política
de seus senhores que, homens feitos, usavam, como os senhores, o cavanhaque ou
a pera que se tornara insígnia dos membros do Partido Conservador” (p. 121).<o:p></o:p></span></p>Doneyhttp://www.blogger.com/profile/09476772224297324141noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1937976905822999004.post-73820501752078068092024-03-19T11:46:00.003-03:002024-03-22T17:30:58.645-03:00Sobrados e mucambos (Parte II), de Gilberto Freyre<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">Subtítulo</span></i><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-style: italic; mso-themecolor: text1;">: Decadência do patriarcado rural e
desenvolvimento do urbano<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 12.5pt; mso-themecolor: text1;">Editora</span></i><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 12.5pt; mso-themecolor: text1;">: Global<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">Opinião</span></i><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">: </span><span face=""Segoe UI Symbol","sans-serif"" style="color: black; font-size: 14pt; mso-bidi-font-family: "Segoe UI Symbol"; mso-themecolor: text1;">★★★★☆<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">ISBN</span></i><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">: 978-85-260-0835-9<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">Páginas</span></i><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">: 976<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><i><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">Sinopse</span></i><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">: Ver </span><a href="https://listadelivros-doney.blogspot.com/2024/03/sobrados-e-mucambos-parte-i-de-gilberto.html"><span style="font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt;">Parte I</span></a><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;"><o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><br /></p>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi-BAafxeyOZN2PpVprsUo5Kb8BkMoael6tIPCBrw1AM4LQvOINHO3kF7JaqERJ5CXxsU4CqxGn-_kBUhbuawAN5BUv1v2UlNol1MINXDtbPkISH-qV9rFEVyYfbqVBrWZlKz1IJmzhRVuj-PMC0v-hW6WPKv9wcJZL-17FN6wCjDBbZ5nDbwcO8t65XWA/s1445/Sobrados%20e%20mucambos.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1445" data-original-width="1000" height="400" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi-BAafxeyOZN2PpVprsUo5Kb8BkMoael6tIPCBrw1AM4LQvOINHO3kF7JaqERJ5CXxsU4CqxGn-_kBUhbuawAN5BUv1v2UlNol1MINXDtbPkISH-qV9rFEVyYfbqVBrWZlKz1IJmzhRVuj-PMC0v-hW6WPKv9wcJZL-17FN6wCjDBbZ5nDbwcO8t65XWA/w276-h400/Sobrados%20e%20mucambos.jpg" width="276" /></a></div><p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><br /></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">“Interessante
para o leitor brasileiro o capítulo “Índole de la economía colonial” que dedica
à interpenetração de feudalismo e de capitalismo na economia colonial da
América Latina, inclusive na do Brasil, o Sr. Sérgio Bagu, no seu recente
Economía de la sociedad colonial – Ensayo de historia comparada de la América
Latina, Buenos Aires, 1949. </span><span lang="ES" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: ES; mso-themecolor: text1;">Para esse economista “hay una etapa en la historia capitalista en la cual
renacen ciertas formas feudales con inusitado vigor: la expansión del
capitalismo colonial”.</span><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">Foi o
que sucedeu, de modo geral, na América Latina, e no Brasil, em particular, onde
os engenhos tornaram-se a base feudal da sociedade colonial, com sobrevivências
na imperial: a interpenetração de feudalismo e capitalismo. Exigindo o escravo,
o feudalismo brasileiro apoiou-se em um tráfico que o Sr. Bagu considera, com
razão, do ponto de vista estritamente econômico em que se coloca, de base
capitalista.</span><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">Mesmo,
porém, separando-se, um tanto arbitrariamente o aspecto econômico do todo
social, é preciso reconhecer-se, como reconhece o Sr. Bagu, que o chamado
“capitalismo colonial presenta reiteradamente en los distintos continentes
ciertas manifestaciones externas que lo assemejan al feudalismo.” Daí o seu
“perfil equívoco”, como escreve à página 143. O que é inegável é que, através
do comércio internacional, que madrugou entre nós, a América Latina contribuiu,
como contribuiu a África, para “el deslumbrante florecimento del capitalista
europeo”. Mas sem deixarem de ser, em várias áreas, feudalistas a seu modo.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">Equívoca
na sua economia a ponto de parecer ora feudal, ora capitalista, a sociedade
brasileira da época colonial, e até certo ponto da imperial, foi, nas suas
formas, predominantemente feudal: um neofeudalismo penetrado por influências
capitalistas com as quais chegou a entrar em “conflitos armados”, como
reconhece o Sr. Bagu, para emergir, desses conflitos, uma sociedade complexa em
que – como já salientamos mais de uma vez – “mascates” como Fernandes Vieira
tornaram-se, pelo casamento, senhores feudais, imitadas as formas feudais de
vida dos elementos economicamente vencidos pelos economicamente vencedores.
Aspecto que tem escapado à observação dos estudiosos menos profundos do
assunto.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">Sobre
as revivescências de feudalismo, veja-se principalmente o estudo de Wilhelm
Röpke, Die Gesellschafterkrisis der Gegenward (1942), traduzido ao espanhol e
publicado em Madri em 1947 sob o título La crisis social de nuestro tiempo.
Salienta o professor Röpke à página 145 do seu ensaio que “os característicos
feudal-absolutistas” de organização social podem apresentar-se em diferenças
extremas sobre poderosos e fracos que correspondem a razões extraeconômicas,
explicando-se assim, segundo ele, a sobrevivência do feudalismo dentro do
próprio capitalismo.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">Em
1822, em Memórias econopolíticas sobre a administração pública no Brasil (Rio
de Janeiro, 1822-1823), escrevia à página 4 da “Primeira memoria” “Hum
portuguez” que a organização colonial no Brasil “não diferia do feudalismo”
senão na substituição dos “pequenos senhorios” pelo “pretos escravos” que
lavravam para si e não apenas para os senhores. “Hum portuguez” percebia que
dentro das mesmas formas podem variar os conteúdos, sem alteração sociológica
das formas.”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">“Mas a
educação do jesuíta, enquanto pôde fazer sombra à autoridade do senhor da
casa-grande sobre o menino, foi a mesma que a doméstica e patriarcal nos seus
métodos de dominação, embora visando fins diversos dos patriarcais. A mesma no
empenho de quebrar a individualidade da criança, visando adultos passivos e
subservientes. Passivos perante o Senhor do Céu e da Terra e a Santa Madre
Igreja e não tanto diante do pai nem da mãe simplesmente de carne.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">Daí a
tática terrível, porém sutil, dos educadores jesuítas, de conseguirem dos
índios que lhes dessem seus culumins, dos colonos brancos que lhes confiassem
seus filhos, para educarem a todos nos seus internatos, no temor do Senhor e da
Madre Igreja, lançando depois os meninos, assim educados, contra os próprios
pais. Tornando-os filhos mais deles, padres, e dela, Igreja, do que dos
caciques e das mães caboclas, dos senhores e das senhoras de engenho ou de
sobrado.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">Os
padres esforçaram-se em fazer dos meninos, o mais depressa possível, homens ou
adultos, que fizessem frente ao caciquismo das tabas e ao patriarcalismo dos
velhos das casas-grandes. Regozijavam-se diante dos meninos mais precoces que,
logo cedo, amadurecidos à força, cantassem em latim, pregassem a Paixão,
discutissem teses, parecessem aos pais criaturas superiores, sem nenhum jeito
ou modo de menino. Visando, ao que parece, aquele domínio social, estimularam a
precocidade literária, que se tornou tão caraterística do menino brasileiro, no
regime de vida patriarcal de nossa formação.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">Uma
carta enviada do Espírito Santo em 1562, “para o padre doctor Torres por
commissão do padre bras Lourenço” refere o caso de “hu Indiosinho da Baya”,
menino de seus treze anos, que já pregava a Paixão em português a gente de
fora; e com tanto fervor que movia muito os ouvintes. Desses alunos precoces,
aliados dos padres contra os próprios pais, deve ter havido também brancos ou
mestiços. As cartas dos jesuítas<a name="82"></a><sup>82</sup> constituem
precioso documentário do esforço dos padres no sentido de subtraírem os meninos
mais inteligentes ao domínio dos pais, em idade ainda angélica.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">Essa precocidade
era conseguida não só por uma série de estímulos à vitória do indivíduo mais
brilhante, e não do mais profundo em coisas intelectuais – estímulos muito
caraterísticos da antiga pedagogia jesuítica: a maior responsável, talvez,
pelas escolas campos de batalha, com os alunos desafiando-se em latim para as
competições em que vencia justamente o melhor polemista, o argumentador de
palavra mais fácil e de memória mais fértil – como também à custa de vara. A
vara, já o bom do Anchieta a considerava a melhor pregação entre caboclos. Deve
ter sido também o auxiliar mais poderoso dos padres-mestres, nos primeiros
colégios que a Companhia fundou no Brasil.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">Do
irmão Antônio Rodrigues, tutor em um desses primeiros colégios, sabe-se por uma
carta de Antônio Blasquez, que era tão camarada dos alunos que andava no meio
deles pescando pelas praias; e quando os meninos tinham vergonha de dizer a
doutrina “lh’a tirava elle a seu exemplo dizendo que pois elle era mais antigo
e como pae de todos, e com isto não tinha pejo, quanto mais elles que eram
ainda moços”; mas fosse algum interno comportar-se mal durante as aulas ou
exercícios de religião que Rodrigues “lhe ia á mão, e lhe fazia estar quedo”.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">Se
eram assim os irmãos, imaginem-se os padres. Representantes do Senhor e
ensinando gramática e latim para maior glória de Deus, eles não deixavam que o
ensino sofresse o menor desrespeito da parte de meninos desatentos ou de
estudantes vadios. As aulas tinham alguma coisa de religioso naqueles primeiros
colégios de padres, alguns funcionando – o da Bahia, pelo menos – em sobrado
que Gabriel Soares chama “sumptuoso”: casarão de pedra e cal com todas as
escadas, portas e janelas de pedraria com varanda; “grandes dormitorios e muito
bem acabados, parte dos quaes ficão sobre o mar com grande vista”; “cubiculos
mui bem forrados, e os claustros por baixo lageados com muita perfeição”;
grandes cercas até o mar “com agua muito boa por dentro”.<a name="83"></a><sup>83</sup><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">Na
arquitetura escolar parece ter se antecipado entre nós a arquitetura urbana
mais grandiosa que não foi assim a propriamente eclesiástica – catedral ou
igreja – nem a puramente civil: as casas de governo, as casas de Câmara, as
casas chamadas de função. Nem mesmo os grandes sobrados dos ricos. Os colégios
dos padres, como o da Bahia, com seus cubículos para 80 religiosos, seus
dormitórios para 200 meninos, foram talvez as massas mais imponentes de
edificação urbana no Brasil dos primeiros séculos coloniais. Urbana e
talássica. Alguns daqueles edifícios mais grandiosos, como o próprio colégio
dos jesuítas na Bahia, eram sobrados “com humas terracenas onde recolhem o que
lhe vem embarcado de fora”.<a name="84"></a><sup>84</sup><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">O que
lhes vinha por mar era quase tudo: sementes, ferramentas, livros. Tudo da
Europa. E drogas de todo o mundo. Havia sempre um Antônio Pires pedindo que lhe
mandassem de Portugal ferramentas; um Vicente Rodrigues pedindo que lhe
enviassem sementes; mas principalmente padres Nóbrega, padres Navarros,
padres-mestres, gramáticos, teólogos, insistindo nos livros cuja falta não se
cansavam de lamentar. “Porque nos fazem muita mingua para as duvidas que cá ha
que todas se preguntam a mim”, escrevia em 1549 o padre Nóbrega ao padre-mestre
Simão. E muitas dessas coisas essenciais – sementes, ferramentas, livros – não
chegaram ao Brasil pelo desembarcadouro geral que havia nas cidades, mas pelas
tais terracenas particulares dos colégios de padres.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">Nesses
sobradões de pedra e cal, em que se expandiram as primeiras escolas dos
jesuítas, algumas tão miseráveis nos seus começos – a de Piratininga, por
exemplo, mucambo de palha com o pobre do padre Anchieta magro, corcunda, um ar
de velho aos trinta anos, mal se podendo mover entre os meninos, um frio
horrível a torturá-lo e aos pequenos de manhã cedo, todos tiritando de frio, e
o próprio padre tendo de escrever, um a um, os livros para os alunos estudarem,
em vez de recebê-los impressos da Europa, em caixotes, nas terracenas dos
sobrados; nesses enormes sobrados de pedra e cal, prepararam-se no Brasil os
primeiros letrados, que seriam os primeiros bacharéis, os primeiros juízes,
padres, desembargadores, homens mais da cidade que da “roça” ou da “mata”.
Muito lhe deve a cultura literária com que o Brasil dos primeiros tempos
coloniais adornou-se precocemente.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">Os
organizadores ou consolidadores da nossa vida civil e intelectual, os
revolucionários da Bahia e de Vila Rica, os poetas, oradores, escritores dos
tempos coloniais foram quase todos alunos de jesuítas. O gosto pelo diploma de
bacharel, pelo título de mestre, criaram-no bem cedo os jesuítas no rapaz
brasileiro. No século XVI já o brasileiro se deliciava em estudar a retórica e
latim para receber o título de bacharel ou de mestre em artes.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">Já a
beca dava uma nobreza toda especial ao adolescente pálido que saía dos “pátios”
dos jesuítas. Nele se anunciava o bacharel do século XIX – o que faria a
Abolição e a República, com a adesão até dos bispos, dos generais e dos barões
do Império. Todos um tanto fascinados pelo brilho dos bacharéis.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">Mas
toda aquela cultura precoce e um tanto tristonha, saliente-se mais uma vez que
os jesuítas a impuseram aos filhos mais inteligentes dos colonos e aos
culuminzinhos arrancados às tabas, à força de muita disciplina e de muito
castigo. Tradição que se perpetuaria nos colégios de padre até os fins do
século XIX.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">Os
jesuítas – repita-se – deram no século XVI valor exagerado ao menino
inteligente, com queda para as letras, tornando-o mesmo criatura um tanto
sagrada aos olhos dos adultos, que se admiravam de ver os filhos tão
brilhantes, tão retóricos, tão adiantados a eles em conhecimentos. Mas essa
valorização artificial era conseguida, sacrificando-se na criança sua meninice,
abafando-se sua espontaneidade, secando-se antes de tempo sua ternura de
criança. E por meio de castigos e privações é que, mais tarde, os outros
padres, também mestres de meninos, tornaram seus colégios ainda mais sombrios
que os da S. J. Os jesuítas em parte falharam na sua brava oposição ao sistema
patriarcal das casas-grandes: aos seus excessos de absorção do filho pelo pai,
do indivíduo pela família. Mas esses outros colégios vieram no momento certo de
concorrerem para o declínio do pátrio poder no Brasil. Ou para a sua
desintegração em benefício do maior poder da Igreja.”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><sup><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">82</span></sup><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;"> São várias as cartas
dos jesuítas, escritas no século XVI, que revelam o esforço dos padres no
sentido de oporem ao poder patriarcal absoluto dos pais a superioridade moral e
intelectual dos meninos, educados por eles, padres, nos seus colégios, que foram,
naquele século e mesmo no seguinte, sistema rival ao formado pelos patriarcas.<a name="83_1"></a><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><sup><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">83</span></sup><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;"> A descrição do colégio
levantada pelos jesuítas na capital da Bahia, feita por Gabriel Soares, mostra
que a arquitetura dos colégios de padres – padres, ao nosso ver, decididos,
desde o início, a enfrentarem, como rivais, o poder supremo dos pais de família
e a reduzirem-no em benefício da Santa Madre Igreja – foi, para a época,
monumental, mesmo em comparação com as grandes casas-grandes patriarcais como a
da Torre. Diz, com efeito, Gabriel Soares: “E occupa este terreiro e parte da
rua da banda do mar um sumptuoso collegio dos padres da Companhia de Jesus
[...]. Tem este collegio grandes dormitorios e muito bem acabados, parte dos
quaes ficão sobre o mar com grande vista; cuja obra é de pedra e cal, com todas
as escadas, portas e janelas de pedrarias, com varandas e cubiculos mui bem
forrados, e os claustros por baixo lageados com muita perfeição [...]” (Gabriel
Soares de Sousa, <i>Notícia do Brasil</i>, São Paulo, s. d., I, p. 260).<a name="84_1"></a><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><sup><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">84</span></sup><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;"> É ainda de Gabriel
Soares de Sousa a informação: “[...] o qual collegio tem grandes cercas até o
mar, com agua muito boa por dentro, e ao longo do mar humas terracenas onde
recolhem o que lhe vem embarcada de fora”. (Ibid., I, p. 260: Terracenas informa
o anotador da edição, professor Pirajá da Silva, serem “tulhas, celeiros ou
armazéns à beira do rio ou perto do cais”, que completavam, então, as
casas-grandes e sobrados mais importantes.)<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">“Tollenare
achou no seminário de Olinda certo aspecto de liceu francês – dos
departamentais, não dos metropolitanos – com alunos que se destinavam não só às
ordens sacras, mas a outras carreiras: rapazinhos desejosos de fazer os estudos
de Humanidades; e estudando não só latim e filosofia, mas matemáticas, física, desenho.
Era a orientação de Azeredo Coutinho que assim rompia com os restos da tradição
jesuítica de ensino colonial.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">Já
outra era a fisionomia dos colégios que pela mesma época – fins do século
XVIII, princípios do XIX – substituíram no Rio de Janeiro as antigas escolas
dos jesuítas. Luccock, pelo menos, teve impressão má do seminário de São
Joaquim. E um dos aspectos que mais o impressionaram foi o atraso com relação
às ciências: o ensino era ainda todo literário e eclesiástico. Jesuiticamente
literário. Outro aspecto que o horrorizou foi a tristeza dos meninos. Meninos
calados, doentes, de olhos fundos.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">Era a
precocidade. Era a opressão da pedagogia sádica, exercendo-se sobre o órfão,
sobre o enjeitado, sobre o aluno com o pai vivo mas aliado do mestre, no
esforço de oprimir a criança. Todos – o pai e o mestre – inimigos do menino e
querendo-o homem o mais breve possível. O próprio menino, inimigo de si mesmo e
querendo ver-se homem antes do tempo.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">É bem
expressiva a alcunha que o povo do Rio de Janeiro pôs nos meninos de São
Joaquim: carneiros. Carneirinhos. Calados, olhos tristes, sem vontade própria,
eram mesmo uns carneiros. E o trajo ainda lhes dava mais o ar de carneiros: uma
batina branca com uma cruz vermelha no peito; um cinto de cadarço preto.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">No
tempo do Império, passada já a época do colegial andar de batina, os meninos de
colégio continuaram meninos tristes, agora de sobrecasaca preta, roupa de
homem, alguns já viciados no fumo, diz o padre Gama que até no rapé. O ensino
nos colégios menos eclesiástico, mas a vida de internato ainda triste. E a
tendência da pedagogia, ainda a colonial, de amadurecer a criança à força e
animar a precocidade. O próprio D. Pedro II foi um precoce que aos quinze anos
já era imperador, cercado de ministros provectos, de titulares de barba longa
entre os quais, ele, logo que pôde, apareceu também com grande barba loura a
escorrer-lhe pelo peito.”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">“A
transição do patriarcalismo absoluto para o semipatriarcalismo, ou do
patriarcalismo rural para o que se desenvolveu nas cidades, alguém já se
lembrou de comparar à transição da monarquia absoluta para a constitucional. A
comparação é das melhores e abrange alguns dos aspectos mais característicos do
fenômeno jurídico, tanto quanto do moral e social, daquela transição. (...)<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">O
absolutismo do <i>pater famílias</i> na vida brasileira – <i>pater famílias</i>
que na sua maior pureza de traços foi o senhor de casa-grande de engenho ou de
fazenda – foi se dissolvendo à medida que outras figuras de homem criaram
prestígio na sociedade escravocrática: o médico, por exemplo; o mestre-régio; o
diretor de colégio; o presidente de província; o chefe de polícia; o juiz; o
correspondente comercial. À medida que outras instituições cresceram em torno
da casa-grande, diminuindo-a, desprestigiando-a, opondo-lhe contrapesos à
influência: a Igreja pela voz mais independente dos bispos, o governo, o banco,
o colégio, a fábrica, a oficina, a loja. Com a ascendência dessas figuras e
dessas instituições, a figura da mulher foi, por sua vez, libertando-se da excessiva
autoridade patriarcal, e, com o filho e o escravo, elevando-se jurídica e
moralmente. Também o casamento de bacharel pobre ou mulato ou de militar plebeu
com moça rica, com branca fina de casa-grande, com iaiá de sobrado, às vezes
prestigiou a mulher, criando entre nós – já o acentuamos – uma espécie de
descendência matrilinear: os filhos que tomaram os nomes ilustres e bonitos das
mães – Castelo Branco, Albuquerque e Melo, Rocha Wanderley, Holanda Cavalcanti,
Silva Prado, Argôlo, Osório – e não os dos pais. O elemento de decoração social
não podia deixar de repercutir moral ou psicologicamente, em tais casos, a
favor da mulher.”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">“O
fato, alegado por Proudhon, de que a mulher nem a roca inventou, não tem a
significação que à primeira vista parece ter para justificar teorias de
“inferioridade” do sexo feminino, tão frágeis como a maior parte das teorias de
“inferioridade” da raça africana ou das “raças de cor”. Explica-o, em grande
parte, o constrangimento em que viveu o sexo chamado fraco durante a fase da
indústria doméstica, correspondente ao patriarcalismo. O homem, pelo seu
domínio sobre a cultura acumulada dentro de sistemas de civilização masculinos,
tem desfrutado – salientam os antropólogos e os sociólogos – melhores
oportunidades de expressão e de realização cultural. Quase o mesmo caso das
raças consideradas superiores, cuja maior riqueza de expressão ou de realização
cultural se prende, pelo menos até certo ponto, a melhores oportunidades
históricas de acumulação de cultura pelo contato, pela imitação, pela
assimilação.”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">“Em
1865, o médico Manuel da Gama Lobo observava que a alimentação dos escravos – e
podia acrescentar que a dos senhores também, embora em menor escala – variava
não só das cidades para as fazendas, como das regiões do açúcar e do café para
as de relativa variedade de produção: Rio Grande do Sul, Mato Grosso, Pará,
Amazonas. Nas províncias de monocultura, cuja população – principalmente a dos
mucambos – raramente comia carne e peixe, eram mais frequentes os abortos;
comuns as úlceras crônicas e a cegueira noturna. Naquelas de produção mais
variada onde até fruta entrava na dieta dos negros em quantidade apreciável, as
moléstias pareciam mais raras, a reprodução abundante, a duração de vida mais
longa.<a name="199"></a><sup>199</sup><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">Muita
gente imagina que a alimentação nas casas-grandes de engenho era sempre
superior à dos sobrados da cidade. Mas já sugerimos que não. Muito sobrado
recebia da Europa uma variedade de alimentos finos que faltavam à mesa
patriarcal dos engenhos e das fazendas menos opulentas. E a esses alimentos
finos podiam juntar frutas e legumes dos seus próprios sítios ou quintais,
consumidos também pelos negros das senzalas urbanas e suburbanas.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">Quanto
a esses negros das senzalas, as evidências, ou pelo menos os indícios são de
que, como nos engenhos e fazendas, eles foram beneficiados por uma alimentação
mais regular e por um passadio mais fano que o da gente livre dos cortiços, dos
mucambos e das casas térreas das cidades; e que os moradores aparentemente
livres das próprias fazendas e engenhos. Isto de modo geral, sem nos
esquecermos de que havia fazendas ou engenhos de proprietários que apenas
começavam a fazer fortuna: homens ansiosos de lucros rápidos. Fazendas ou
engenhos onde se explorava o escravo do modo mais rude: espremendo-se o coitado
até o último pingo de rendimento. E o mesmo sucedia nas engenhocas de senhores
mais pobres. Estes, na falta de outros recursos, procuravam tirar todo o
proveito do seu capital-homem. Daí fazendas onde os senhores davam apenas aos
escravos feijão cozido com angu, um bocado de toucinho, jerimum ou abóbora
cozida; e esta comida rala, a homens que na região cafeeira tinham de
levantar-se às três da madrugada para trabalharem até nove ou dez da noite.
Homens que trabalhando tanto só dormiam cinco ou seis horas por dia. Porque
mesmo no tempo de chuva, o negro de fazenda tinha de levantar-se durante a
noite para recolher o café. “O trabalho excessivo, a alimentação insufficiente,
os castigos corporaes em excesso” – escreveu um observador do regime de trabalho
escravo nas fazendas de café: o Dr. David Jardim – “transformam estes entes
miseraveis em verdadeiras machinas de fazer dinheiro [...] sem laço algum de
amisade que os ligue sobre a terra...”.<a name="200"></a><sup>200</sup><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">O
surto do café representou no Brasil a transição da economia patriarcal para a
industrial, com o escravo menos pessoa da família do que simples operário ou
“machina de fazer dinheiro” – assunto que voltaremos a ferir em outro capítulo.
O Dr. David Gomes Jardim, indagando de um fazendeiro, dos tais em que se encarnava
o espírito dessa fase de escravidão mais industrial que patriarcal que foi se
desenvolvendo no Sul, porque lhe adoeciam e morriam tantos negros, ficou
surpreendido com a resposta: “Respondeu-nos pressuroso que [a mortandade], pelo
contrario, não dava damno algum, pois que quando comprava um escravo era só com
o intuito de desfructal-o durante um anno, tempo alem do qual poucos poderiam
sobreviver, mas que não obstante fazia-os trabalhar por um modo que chegava não
só para recuperar o capital que nelles havia empregado, porem ainda a tirar
lucro consideravel”.<a name="201"></a><sup>201</sup><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">À
mesma fase de industrialização, do trabalho negro, refere-se Sebastião Ferreira
Soares, quando escreve nas suas já citadas <i>Notas estatísticas</i>: “[...]
sou informado que o fazendeiro que comprava 100 captivos, calculava tirar no
fim de tres annos 25 escravos para seu serviço”. O resto ou tinha morrido ou
fugido. O horror dos escravos do Nordeste mais docemente patriarcal, ou mesmo
do recôncavo da Bahia, ao castigo, de que os ameaçavam os senhores nos seus
dias mais terríveis de zanga, de os venderem para as fazendas de São Paulo,
para as minas, para as engenhocas do Maranhão e do Pará, representava,
evidentemente, o pavor do negro ao regime de escravidão industrial, ao trabalho
sob senhores pobres ou de fortuna apenas em começo.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">Havia
escravos que fugiam de engenhos de senhores pobres ou sovinas para os senhores
mais abonados, moradores de casas-grandes assobradadas e homens quase sempre
mais liberais nas suas relações com os escravos e nas suas exigências de
trabalho que os menos opulentos. É que nesses engenhos grandes o trabalho era
mais dividido e portanto menos áspero.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">Quanto
à fuga de negros, e sobretudo mulatos, dos engenhos para as cidades, tinha
provavelmente outro fim: o de passarem por livres. Os mais peritos em ofícios –
funileiro, marceneiro, ferreiro – às vezes ganhavam com a aventura, não só a
liberdade, como o sucesso profissional e social. As mulatas e as negras mais
jeitosas se amigavam com os portugueses e italianos recém-chegados da Europa
aos quais convinham mulheres de cor capazes de ajudá-los com os lucros de suas
atividades de lavadeiras, engomadeiras, boleiras, quitandeiras. E algumas,
sempre fiéis a esses primeiros amantes, acabaram esposas de negociantes ricos e
até de “senhores comendadores”: senhores de sobrados.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">Quando
não tinham sorte, no ofício ou no amor, o destino dessas mulatas e daqueles
mulatos não seria melhor que o dos escravos das senzalas de engenho, muitas
delas, casas de pedra e cal, com janela e alpendre; casas superiores a
habitações de trabalhadores rurais na França, como notou Tollenare em
Pernambuco;<a name="202"></a><sup>202</sup> e onde a comida podia ser sempre a
mesma ou variar pouco, mas não faltava nunca. Nem comida, nem mel de furo, nem
cachaça.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">A
liberdade não era bastante para dar melhor sabor, pelo menos físico, à vida dos
negros fugidos que simplesmente conseguiam passar por livres nas cidades.
Dissolvendo-se no proletariado de mucambo e de cortiço, seus padrões de vida e
de alimentação muitas vezes baixaram. Seus meios de subsistência tornaram-se
irregulares e precários. Os de habitação às vezes degradaram-se. Muito
ex-escravo, assim degradado pela liberdade e pelas condições de vida no meio
urbano, tornou-se malandro de cais, capoeira, ladrão, prostituta e até assassino.
O terror da burguesia dos sobrados.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">Os
ex-escravos bem-sucedidos é que aos poucos iam melhorando de vida. As negras e
mulatas, amigadas com portugueses ou italianos, repita-se que chegaram às vezes
até aos sobrados; algumas tornaram-se senhoras de escravos. E os negros e
mulatos marceneiros, ferreiros, funileiros, chegaram às vezes à pequena
burguesia. A moradores de casas térreas de porta e janela.”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><sup><span style="font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.5pt;">199</span></sup><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;"> Manuel da Gama Lobo, “Ophtalmia Brasiliana”, Anais Brasilienses de
Medicina, Rio de Janeiro, 1865, vol. XXX, p. 16. Gama Lobo foi um dos primeiros
estudiosos dos problemas brasileiros de alimentação a se aproximarem de um
critério regional de exame do mesmo problema, partindo de investigações de
médico sobre os males de subnutrição acentuados nas áreas de monocultura.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">Já
Sebastião Ferreira Soares (op. cit.) chegara à conclusão de que a carestia dos
gêneros alimentícios, acentuada no Brasil no meado do século XIX, “não tinha
por principal causa a cessação do tráfico” e sim “o monopólio dos
especuladores”, visto que nas províncias do Rio Grande do Sul e Santa Catarina
(isto é, nas províncias mais livres da monocultura) os dados da estatística
oficial mostraram ter aumentado a produção dos mesmos gêneros alimentícios.
Sendo estas províncias as que “abastecião as cidades do Rio de Janeiro, Bahia e
Pernambuco, nem mesmo nas epocas das colheitas esses generos baixavão de preço
nos seus mercados, ao mesmo passo que se observavam os depositos repletos de
farinha, feijão e milho”. De modo que, estudado objetivamente o assunto,
descobre-se por trás da alta de preços, favorecida pelo sistema monocultor,
escravocrático e latifundiário de economia patriarcal do Brasil, “o mais
revoltante e immoral monopolio [...] flagelando o misero povo brasileiro”.
Muito, nas áreas de intensa monocultura, e menos nas de policultura, como era
no meado do século XIX grande parte do Rio Grande do Sul, de Santa Catarina, de
São Paulo e de Minas Gerais.<a name="200_1"></a><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><sup><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">200</span></sup><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;"> David Gomes Jardim, <i>Algumas
considerações sobre a higiene dos escravos</i> (tese apresentada à Faculdade de
Medicina do Rio de Janeiro), Rio de Janeiro, 1842, p. 10.<a name="201_1"></a><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><sup><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">201</span></sup><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;"> Ibid., p. 12. Sobre
cuidados de senhores com escravos, são expressivos os testamentos da época
patriarcal, como – para citar documento típico – o de Da. Ana Maria de Assunção
Vieira, Maranhão, 1798, manuscritos, Registro da Sé: “... Ordeno que logo
depois da minha morte separem cartas de alforria a preta Eufrazia e a seus dois
filhos o mulatto Clemente e a mulatta Eugenia e da mesma sorte ao cosinheiro
João da Costa Preto Angola...”.<a name="202_1"></a><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><sup><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">202</span></sup><span lang="EN-US" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: EN-US; mso-themecolor: text1;"> Tollenare, loc.
cit., p. 118.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="EN-US" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: EN-US; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="EN-US" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: EN-US; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">“</span><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">A casa-grande de cidade e de subúrbio – o sobrado com a porta e a varanda
para a rua, a chácara, a casa de sítio – tem tido, como a de engenho, seus
detratores, do mesmo modo que apologistas líricos ou sentimentais. Quem é que
às vezes não se lembra da casa, às vezes feia, onde nasceu e brincou menino,
repetindo o poeta: “<i>A minha casa, a minha casinha, não há casa como a minha?</i>”
E é mais fácil de perdoar-se o tradicionalista sentimental que o modernista sem
sentimentos: o que pretende sentenciar sobre o passado, sem se colocar no
ambiente ou nas condições do passado.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">Para
criticar o sobrado ou a casa de sítio patriarcal – no sentido de discriminar
suas qualidades dos seus defeitos e não no outro, de detratá-lo puramente –
devemos considerar seu plano de arquitetura em relação não somente com o clima
mas com as necessidades e exigências sociais do tipo de cultura, de família e
de economia então predominante. Também quanto ao material empregado não apenas por
imposição do meio físico como pela maior ou menor pressão dos estilos europeus
de vida sobre a fidalguia das cidades.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">Ainda
se deve atentar no fato de que, dentro do ambiente de desonestidade nas
transações e nos negócios que costuma criar em torno de si o sistema
escravocrático, quando menos feudal e mais comercial, muitas vezes se adulterou
e falsificou entre nós o material usado na construção dos sobrados e de outras
casas urbanas. De modo que alguns defeitos dos velhos sobradões atribuídos ao
plano de arquitetura resultavam do material inferior, desonestamente empregado
em lugar do bom.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">Não
que o plano de arquitetura das velhas casas urbanas fosse no Brasil um ideal de
higiene doméstica para os trópicos. A higiene dificilmente se conciliava com as
exigências, mais graves para a época, de ordem moral e de natureza econômica. O
sistema patriarcal de família queria as mulheres, sobretudo as moças, as
meninotas, as donzelas, dormindo nas camarinhas ou alcovas de feitio árabe:
quartos sem janela, no interior da casa, onde não chegasse nem sequer o reflexo
do olhar pegajento dos donjuans, tão mais afoitos nas cidades do que no
interior. Queria que elas, mulheres, pudessem espiar a rua, sem ser vistas por
nenhum atrevido: através das rótulas, das gelosias, dos ralos de convento, pois
só aos poucos é que as varandas se abriram para a rua e que apareceram os
palanques, estes mesmos recatados, cobertos de trepadeiras. Queria a gente toda
da casa, especialmente as senhoras e os meninos, resguardados do sol, que dava
febre e fazia mal; do sereno; do ar encanado; das correntes de ar; do vento; da
chuva; dos maus cheiros da rua; dos cães danados; dos cavalos desembestados;
dos marinheiros bêbados; dos ladrões; dos ciganos. Dentro das paredes grossas
dos sobrados não nos esqueçamos de que se enterravam dinheiro, ouro, joia –
valores cobiçados pelos ciganos, pelos ladrões, pelos malandros.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">Daí a
fisionomia um tanto severa dos sobrados; seu aspecto quase de inimigo da rua;
os cacos de garrafa de seus muros; as lanças pontudas dos seus portões e das
suas grades de ferro (onde às vezes os molecotes, simples ladrões de manga ou
de sapoti, perseguidos pelos cachorros, deixavam fiapos de carne); a grossura
de suas paredes; sua umidade por dentro; seu ar abafado; sua escuridão; o olhar
zangado das figuras de dragão, de leão ou de cachorro nos umbrais dos portões,
defendendo a casa, da rua, amedrontando os moleques que às vezes se afoitavam a
pular o muro para roubar fruta; ou simplesmente sujá-lo com palavras ou figuras
obscenas. Contra este último abuso a Câmara Municipal de Salvador
pronunciava-se de modo severo nas posturas de 17 de junho aprovadas pelo
Conselho Geral da Província, de acordo com o artigo 71 da lei de 1º de outubro
de 1828: “Todo aquelle que escrever nos muros ou paredes de qualquer edifício
palavras obscenas ou sobre elles pintar figuras deshonestas, soffrerá quatro
dias de prisão”.”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">“</span><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">A casa de sítio, recordaremos mais uma vez que conservou, perto das
cidades, quase dentro delas, farturas de casa de engenho ou de fazenda. Foi,
quanto pôde, casa-grande rural. O que permitiu que em torno dela se espalhassem
jardins extensos, quase parques, que purificavam ou perfumavam o ar das ruas ou
estradas. Verdadeiras criações brasileiras de arquitetura paisagista que, segundo
Araújo Viana, foram ensaiadas primeiro nos pequenos jardins dos quintais mais
burgueses.<a name="253"></a><sup>253</sup></span><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">O
sítio foi o ponto de confluência das duas especializações de habitação
patriarcal e de arquitetura paisagista no Brasil: a urbana – isto é, o sobrado,
com a porta e a varanda para a rua – e a casa de engenho ou de fazenda, do tipo
da de Elias José Lopes, no Sul, ou da de Caraúna, no Norte. Foi nas casas de
sítio que Mansfield viu os jardins mais bonitos do Recife – “jardins e hortas”.<a name="254"></a><sup>254</sup> Os arredores da cidade lhe pareceram formar “um
grande jardim, um pouco descuidado”, o de uma casa quase emendando com o da
outra; todos com suas bananeiras, suas palmeiras, seus coqueiros.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">Na sua
arquitetura, a casa de sítio ou a chácara parece que foi por muito tempo mais
casa de fazenda do que de cidade. Mais horizontal do que vertical. Mais casa
assobradada do que sobrado. Mesmo assobradada, sua massa era quase um cubo.
(...)<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">O que
é certo, entretanto, é que dentro de um velho sobrado urbano, mais
ortodoxamente patriarcal, estava-se quase sempre, no Brasil do século XVIII ou
da primeira metade do século XIX, como num interior de igreja. A luz só entrava
pela sala da frente e um pouco pelo pátio ou pela sala dos fundos; pelas
frinchas das janelas ou pela telha-vã dos quartos. Evitava-se o sol. Tinha-se
medo do ar.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">Os
morcegos é que gostavam desse escuro de igreja: e eram íntimos amigos dos
velhos sobrados e das casas-grandes mais sombrias. Eles, os camundongos, as
baratas, os grilos, as próprias corujas. Todos os bichos que gostam do escuro.
Os morcegos rondavam também as casas de sítio; mas por causa dos sapotis e dos
cavalos. E não tanto pelo escuro do interior dos quartos. Os oratórios ou as
capelas de casas-grandes ou de casas assobradadas é que principalmente atraíam
as corujas.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">As
paredes grossas refrescavam o interior dos sobradões patriarcais, quando o
material ruim não as tornava úmidas e pegajentas, como adiante veremos. Eram
paredes, como notou Fletcher, quase de fortaleza; nas próprias casas de taipa –
algumas construídas tão solidamente que atravessaram séculos – as paredes
tinham uma grossura espantosa; dois, três palmos.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">Naturalmente,
a arquitetura patriarcal dos portugueses, na sua adaptação ao Brasil, teve de
resolver o problema de excesso de luminosidade e de calor. O que os portugueses
em parte conseguiram, valendo-se da experiência adquirida por eles na Ásia e na
África. (...)<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">A
proteção do interior da casa de cidade contra os excessos de luminosidade e de
insolação direta foi grandemente exagerada no Brasil patriarcal, devido
principalmente a preconceitos morais e sanitários da época e por imposição do
regime social então dominante. Procurava-se a segregação da família contra uma
série de inimigos exteriores: desde o ar e o sol até os raptores, os ladrões e
os moleques. Dormia-se com as portas e as janelas de madeira trancadas, o ar só
entrando pelas frinchas. De modo que os quartos de dormir impregnavam-se de um
cheiro composto de sexo, de urina, de pé, de sovaco, de barata, de mofo. Porque
nas alcovas também se guardavam roupas, às vezes penduradas do teto – como
certas comidas na despensa – por causa dos ratos, dos bichos, da umidade.
Quando a inhaca era maior, queimavam-se ervas cheirosas dentro dos quartos.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">Só nos
tempos como o do Correia – o terrível chefe de polícia do governador D. Thomaz
de Mello, da capitania de Pernambuco, que embuçado num capote e empunhando uma
espada rondava as ruas a noite inteira, atrás de gatunos e de malandros – os
burgueses dos sobrados puderam dormir sossegados: de “janelas abertas ao
refrigerio dos aliseos”, diz um cronista.<a name="259"></a><sup>259</sup> O ar
entrando, se não pelos quartos, pelas salas e desabafando-as.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">Ao
contrário da casa de engenho e da de sítio – protegidas dos exageros de
insolação direta pelas mesmas paredes grossas e pelos mesmos telhados de beiral
acachapado, mas com os oitões todos livres e às vezes com alpendres ou copiares
rodeando a casa e vigias rondando-lhe as imediações durante a noite – o sobrado
de rua, de tanto se defender do excesso de sol, do perigo dos ladrões e das correntes
de ar, tornou-se uma habitação úmida, fechada. Quase uma prisão.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">O
comandante Vaillant notou nas casas do Rio de Janeiro do tempo de Pedro I que
não eram bem construções para o clima dos trópicos. Ao contrário: mal
ventiladas. Não tinham a leveza que ao seu ver devia ser a primeira qualidade
das casas nos países quentes.<a name="260"></a><sup>260</sup>”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><sup><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">253</span></sup><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;"> São muitos os anúncios
de casas – “casas-grandes”, “grandes casas”, “casas nobres”, “casas
assobradadas” – nas gazetas brasileiras da primeira metade do século XIX, nos
quais se salienta o fato de juntarem às casas baixas de capim, olhos-d’água,
arvoredo, cocheira, “formosos jardins”. Pode ser considerado típico o anúncio,
aparecido na <i>Gazeta do Rio de Janeiro</i> de 2 de outubro de l821: “...huma
casa assobradada” construída com “perfeição e fortaleza”, “com acommodações
para numeroza família”, “cavalherice”, “cocheira”, “jardim”, “horta”, “boa
agoa”, “duas cozinhas” etc.<a name="254_1"></a><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><sup><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">254</span></sup><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;"> Tanto quanto Ouseley
com relação aos jardins das chácaras mais elegantes do Rio de Janeiro,
Mansfield destaca o encanto dos jardins que conheceu no Recife do meado do
século XIX (Charles B. Mansfield, <i>Paraguay, Brazil and the plate</i>,
Cambridge, 1856, p. 95).<a name="255_1"></a><a name="257_1"></a><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><sup><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">259</span></sup><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;"> Segundo Alfredo de
Carvalho, nomeado chefe de polícia do capitão-general de Pernambuco, D. Tomás
de Melo, a valente e agigantado José Correia da Silva, alcunhado “o Onça” – que
“rondava noites inteiras no encalço de vagabundos e criminosos” – os moradores
dos sobrados ou das casas do Recife passaram a dormir sossegados, nas “noites
cálidas de estio [...] de janelas abertas ao refrigério dos alísios” (<i>Frases
e palavras</i>, cit., p. 53).<a name="260_1"></a><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><sup><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">260</span></sup><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;"> O comandante Vaillant,
cujos reparos sobre o Rio de Janeiro da primeira metade do século XIX vêm
resumidos por C. de Melo Leitão (op. cit., p. 79), generalizou sobre as casas:
“... não procuraram apropriá-las às exigências particulares de um clima
diferente do da Europa, nada tendo sido previsto para a proteção contra o calor
excessivo. Aqui não se veem, como na maioria dos países quentes, essas
construções leves onde tudo é previsto para melhorar a ventilação”.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">“</span><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">Já Vaillant notara que no Rio tudo era europeu e, por consequência,
antitropical, casa, mobiliário, modo de vestir. Mas é Paula Cândido quem melhor
pormenoriza os inconvenientes da europeização das casas burguesas, algumas
delas construídas “sobre hum pavimento...”. E quanto ao plano: “huma fatal
alcova, dormitorio predilecto; escura e modesta sala com hum corredor escuro;
huma sala de jantar, de costura, de tudo, excepto de saude, pouco mais escura
que a sala da frente, mas munida de infallivel alcova, mediante ou não outro
corredor”, a “cozinha terrea”.<a name="265"></a><sup>265</sup> Tal era a
habitação da família burguesa menos abastada.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">A
gente mais rica, dos sobrados, não vivia em condições muito diversas: suas
casas eram também mal divididas e escuras. Nelas Paula Cândido não perdoava o
mau hábito de se reservarem os melhores salões das casas às visitas – “aos
outros”, dizia ele – enquanto a dormida era a pior possível, nas tais alcovas
entaipadas, nos quartos úmidos e sem janela. Aí, “envolvido em mosqueteiro”, o
burguês mais opulento do meado do século XIX passava pelo menos “huma quarta
parte da sua vida, depois das 11 da noite até às 6 da manhã...”. Isto quando
não se dava aos prazeres da “apopletica sesta”.<a name="266"></a><sup>266</sup></span><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">Na
habitação do burguês intermediário, tanto quanto na do menos abastado e na do
mais opulento, o sistema de divisão de peças era o mesmo: sala da frente,
grande e às vezes bem arejada; o resto da casa, úmido, escuro. Alcova e
corredores sombrios. A cozinha, dada a sujeira que Luccock surpreendeu nas
casas do Rio de Janeiro e Mawe nas do sul do Brasil, devia ser igualmente suja
nos sobrados do Recife e da Bahia. Dos escravos que fugiam das casas burguesas,
salientavam alguns anúncios que estavam “imundos por serem cozinheiros” ou “se
ocuparem da cozinha”. Luccock diz que nas casas do Rio de Janeiro os fornos de
cozinha eram uns buracos de tijolo; não havia grelha;<a name="267"></a><sup>267</sup>
tudo muito rudimentar e muito sujo. O fogo se animava com abanos de folha;
tirava-se água das jarras com quengas de coco. Isto no maior número das casas;
nos sobrados patriarcais mais opulentos havia cocos de prata.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">As
casas, levantavam-se quase todas ao sabor dos próprios donos, cada qual
“arvorado em engenheiro”; “cada proprietario traça o risco de seu predio”. Daí
erros grosseiros de construção. De Freycinet salientou as escadas – quase
sempre tão mal construídas que eram “verdadeiros quebra-costas...”.<a name="268"></a><sup>268</sup></span><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">Quase
meio século depois de de Freycinet, já no Segundo Reinado, o Dr. Luís Correia
de Azevedo, em discurso na Academia Imperial de Medicina, dizia que a
construção das habitações no Rio de Janeiro era “a mais defeituosa que existe
no mundo”. E quase repetindo o velho Paula Cândido: “Ao examinal-as suppõe-se
serem construcções para o Esquimó ou Groenlandia; pequenas e estreitas
janellas, portas baixas e não largas, nenhuma condição de ventilação, salas
quentes e abafadas, alcovas humidas, escuras e suffocantes, corredores
estreitissimos, e sempre esse exgotto na cozinha, essa sujidade bem junto á
preparação dos alimentos quotidianos, tendo ao lado uma area, lugar infecto,
nauseabundo, onde os despejos agglomerados produzem toda a sorte de miasmas”.<a name="269"></a><sup>269</sup> Os miasmas eram a obsessão dos higienistas da época.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">Deve-se
notar, entretanto, a solidez de muitos dos sobrados do tempo do Império, sempre
que o material era de primeira qualidade, e não de segunda; ou adulterado. A
adulteração de material, como já sugerimos, foi praticada à grande nas
construções urbanas. Os comerciantes de tijolo e de madeira impingiam aos
proprietários incautos, ou forneciam-lhes por preços mais baixos, material
ruim, só com a aparência de bom. Daí resultava se agravarem as condições de
umidade das casas, determinadas pelo próprio plano dos edifícios. Estes
tornavam-se “eterna morada de erysipelas” e de outras doenças, da descrição
melancólica de Paula Cândido. Ou “tumulos em vida”. Resultado da desonestidade
dos fornecedores de material de construção e não tanto da incompetência dos mestres
de obras ou da ganância dos capitalistas.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">Sem
pretendermos inocentar os mestres de obras nem tampouco os capitalistas,
construtores de sobrados, muito menos diminuir a importância do fato, que
Correia de Azevedo já destacava em 1871, da arquitetura nas cidades do Império
servir só e baixamente “à economia individual, que pretende haurir altos
aluguéis de tugúrios mal levantados e, ainda mais, mal divididos” e construídos
com o mínimo de gastos por “analfabetos mestres de obras, maus pedreiros ou péssimos
carpinteiros”<a name="270"></a><sup>270</sup> – tudo reflexo do sistema econômico
de escravidão então dominante – devemos fixar a responsabilidade dos
comerciantes de material de construção. O tijolo que vinha sendo empregado há
anos nas construções da Corte, informava em memória apresentada ao Ministro e
Secretário de Estado dos Negócios do Império em 1884, o engenheiro Antônio de
Paula Freitas, depois de estudo minucioso do assunto, que era “geralmente mal
feito e de má qualidade, provindo este resultado não somente da má preparação
do barro, que nem sempre é lavado ou expurgado de certas substâncias estranhas,
prejudiciais à construção, como de os fabricantes empregarem frequentemente na
confecção da pasta a areia, que além de não ser conveniente e necessária, não é
escrupulosamente escolhida, pois quase sempre a extraem do mar”. Daí o fato de,
demolindo-se um prédio antigo, encontrarem-se “as suas paredes carregadas de
umidade até nas partes mais elevadas”.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">Seria
que o barro da região não fosse bom? Ao contrário: “do melhor que se pode
imaginar”, escrevia no seu relatório o engenheiro Paula Freitas. E “muitas
vezes ao lado da barreira encontra-se o rio que fornece água doce...”. O que
sucedia era a má fabricação da pasta – defeito já notado por Freycinet – ou
imperícia técnica do mestre de obras ou do operário, talvez escravo; por
sovinice do proprietário (que desejava seus prédios construídos com o menor
gasto possível, devendo-se ter na lembrança o fato de que grande parte do
capital empregado em sobrados urbanos no Brasil foi o de capitalistas
impossibilitados de continuarem a negociar com a importação legítima ou
clandestina de africanos); ou ainda, por desonestidade do fornecedor de
material, que vendia às vezes pelo preço da telha ou do tijolo de primeira, o
de segunda ou de terceira. O que é certo é ter sofrido grande parte da
população urbana dos maus efeitos de tanta casa construída ao sabor dos
interesses da economia privada; material, o pior possível; tijolo, mal
fabricado; argamassa de areia de água salgada; cal “contendo matérias
deliquescentes em maior ou menor quantidade”, operários de terceira ordem ou
simples escravos (que os de primeira e livres só trabalhavam por salários que
os ricaços achavam exagerados). E o plano – o risco dos proprietários. A
fiscalização do governo, nula. Poucos cogitavam “de obter bom material”,
diz-nos Paula Freitas dos fornecedores e fabricantes de tijolo e cal: “tratam
apenas de produzir muito e barato; porque geralmente os compradores fazem
somente questão de preço”.<a name="271"></a><sup>271</sup></span><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">O
morador que suportasse a umidade das paredes, da telha, do tijolo ruim. Telhas
que apodreciam sob uma crosta pegajenta de limo. Paredes de onde escorria
sempre soro esverdinhado. Paredes que soravam sempre. E essa umidade envolvendo
tudo o mais na estrutura como na superfície da casa: as madeiras, os metais, a
camada de pintura a óleo ou o papel pintado das paredes. De fibrosa, a madeira
ficava granulosa; e sob a ação dos parasitas vegetais – “certos protococos e os
insetos xilófagos”, diz-nos o engenheiro Paula Freitas na sua linguagem dura de
técnico – não tardava a madeira a danar-se, esfarelando-se. O cupim regalava-se
nessas casas úmidas; esfuracava traves; das traves descia aos móveis, aos
livros, às roupas guardadas nas arcas e nos armários ou penduradas nos caibros.
Com a umidade, oxidavam-se os metais; o ferro perdia parte de sua resistência;
alteravam-se o zinco, o chumbo e o cobre; e a família patriarcal, condenada a
viver nesses sobrados úmidos, essa também sofria; que a sua carne não era mais
forte que os metais; nem seus ossos mais resistentes que o ferro.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">Daí o
brado de higienistas como Correia de Azevedo contra a indiferença das câmaras
municipais. As câmaras municipais cruzavam os braços diante da comercialização
criminosa da arquitetura pela economia privada, tão ansiosa de lucros
exagerados com a construção de sobrados como com a importação de africanos,
mesmo doentes.<a name="272"></a><sup>272</sup> “Ella” – dizia Correia de Azevedo
referindo-se à Câmara do Rio de Janeiro imperial – “não diz ao constructor de
casas que exhiba documentos de sua capacidade, não exige garantias de
intelligencia e boa fé daquelles que edificam, não se occupa do risco interno,
nem da luz e da ventilação das habitações...”. Ainda mais: “consente que se
abrão janellas e portas das dimensões de jaulas e viveiros”. “E, no entretanto,
senhores da Academia” – bradava o médico – “é a vida nacional que atacão, é o
organismo brasileiro que destroem, é a educação que nullificão, é a moral
publica que violão”. De que valeria educar-se a população, deixando-se, por
outro lado, que a maior parte apodrecesse dentro daqueles sobrados úmidos, para
não falar em casas piores, da gente mais pobre nos sobrados reduzidos a
cortiços, por exemplo? Porque a casa, como lembrou-se de dizer o Dr. Correia de
Azevedo em palavras um tanto retóricas, mas meio freudianas, era o “segundo
utero” do homem: “Privar esse utero da circulação e da vida que o torna apto a
funccionar nesse grande corpo atmospherico e do solo, é o mesmo que dar a morte
ao filho adeantado na existencia, é tornal-o menos apto a viver, é prival-o de
suas condições de força no acto de sahir á luz das epocas da infancia”.<a name="273"></a><sup>273</sup></span><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><sup><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">265</span></sup><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;"> Ibid., p. 18. Ainda
sobre inconvenientes de casas térreas, vejam-se nossas notas às cartas do
engenheiro francês L. L. Vauthier, cit. Veja-se também sobre casas térreas,
Debret, cit., I, p. 214, que as caracteriza como <i>“petites maisons à
rez-de-chaussée contiguës...”<a name="266_1"></a><o:p></o:p></i></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><sup><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">266</span></sup><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;"> Paula Cândido, op.
cit., p. 19.<a name="267_1"></a><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><sup><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">267</span></sup><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;"> Luccock, op. cit., p.
122. A Luccock, que tanto criticou as cozinhas das casas coloniais brasileiras,
teriam agradado anúncios como os que aparecem nos jornais do Rio de Janeiro dos
primeiros anos da Independência, relativos a “cosinhas de ferro inglezas” (<i>Diário
do Rio de Janeiro</i>, 13 de abril de 1830). No <i>Diário do Rio de Janeiro</i>
aparecia a 23 de fevereiro de 1822 o anúncio: “Vende-se hum fogão Inglez com
lugar para cinco panellas o qual conserva hum grao certo de calor, por cuja
razão he melhor o seu cosinhado, não gasta mais de hum feixe de lenha por
dia...”<a name="268_1"></a><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><sup><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">268</span></sup><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;"> Louis de Freycinet (op.
cit., p. 181) refere-se, escandalizado, às escadas dos sobrados brasileiros:
“... a parte mais defeituosa da casa, às vezes verdadeiro quebra-costas, em
falta de bons arquitetos...”. Muitos seriam os acidentes, nos mesmos sobrados,
em consequência das escadas mal construídas. Em compensação os soalhos
repousavam sobre vigas de desmesurada grossura e muito aproximadas, o que – notou
o francês – os proprietários faziam por ostentação: para mostrar que nada
poupavam. Anúncios nos jornais brasileiros dos primeiros decênios do século XIX
nos deixam acompanhar a crescente ostentação, da parte dos proprietários ou
moradores de sobrados no Rio de Janeiro, de ferros nas varandas e vidros nas
janelas, em vez de gelosias de madeira, como outrora. Assim, “hum predio
edificado na rua do Sabão [...] sobrado”, no Rio de Janeiro, em 1822 ostentava
“3 janellas, sacadas de cantaria da Pedreira da Gloria com grades de ferro”;
seu pé-direiro era “de mais de 21 palmos bem construidos e boas paredes
mestras”; por baixo tinha “boa entrada para sege” (<i>Diário do Rio de Janeiro</i>,
4 de abril de 1822). Outro anúncio típico: “[...] huma morada de casas de
sobrado, de quatro janellas a frente, grades de ferro, muitos commodos...” (<i>Diário
do Rio de Janeiro</i>, 10 de janeiro de 1825). Ainda outro: “[...] huma morada
de cazas boas, de grade de ferro, muito decente para huma família, com commodos
para muitos escravos e animaes” (<i>Diário do Rio de Janeiro</i>, 14 de janeiro
de 1825).<a name="269_1"></a><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><sup><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">269</span></sup><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;"> Além de Correia de
Azevedo que se ocupou inteligentemente do problema das habitações no Rio de
Janeiro ainda patriarcal, outro médico do século XIX versou o assunto de modo
notável: o então conselheiro Dr. José Pereira Rego em discurso na sessão solene
da Academia Imperial de Medicina de 30 de junho de 1871. São deste as palavras,
ainda impregnadas de concepção patriarcal de administração urbana (“gerir os
negócios de uma grande família constituída por uma cidade, uma vila, um
município...”) com que o ilustre higienista do meado do século XIX levantava-se
contra o domínio da Câmara Municipal da Corte por “interesses individuais:
[...] o desejo de apadrinhar alguns interesses individuais que tanta proteção
encontram sempre nas deliberações daquele corpo” (<i>Anais Brasilienses de
Medicina</i>, Rio de Janeiro, julho de 187l, tomo XXIII, nº 2, p. 54-55). E
particularizando: “Aí estão como exemplos vivos deste asserto o estado da
limpeza pública, a construção dos edifícios, muito particularmente os da classe
pobre, o aterro da cidade com o lixo e imundices removidos de uns para outros
pontos...” (p. 56). Quanto a habitações: “... cumpre não deixar ao arbítrio de
cada construir casas como lhe convier, torna-se indispensável adotar um plano
geral de edificações...”. A seu ver “os preceitos estatuídos para garantir a
salubridade e asseio das habitações devem ser prescritos por lei e não
unicamente recomendados...”. (p. 59). É que há 33 anos fora publicado o Código de
Posturas, ainda em vigor sem que aí se cuidasse das condições higiênicas das
habitações ou se impedisse construção dos cortiços, “hoje tão favoráveis à
ganância em virtude dos excessivos lucros que com prejuízo da saúde e bem-estar
de seus habitantes, proporcionam a seus edificadores...” (p. 60). Apenas se
haviam estabelecido preceitos relativos ao alinhamento, largura das ruas,
alturas dos prédios etc. Segundo estatística citada por Pereira Rego, os
cortiços abrigavam em 1870 no Rio de Janeiro, 20.000 almas. Eram habitações não
só anti-higiênicas como “construídas em sua maior parte em lugares insalubres”,
aterro feito com “imundices de toda a espécie” (p. 62).<a name="270_1"></a><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><sup><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">270</span></sup><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;"> Ibid., p. 70.<a name="271_1"></a><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><sup><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">271</span></sup><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;"> Paula Freitas, <i>Saneamento
da cidade do Rio de Janeiro</i>, Rio de Janeiro, 1884. Vejam-se também
Francisco Lopes de Oliveira Araújo, <i>Considerações gerais sobre a topografia
físico-médica da cidade do Rio de Janeiro</i>, Rio de Janeiro, 1852; Charles
Hanbury, <i>Limpeza da cidade do Rio de Janeiro</i>, Rio de Janeiro, 1854;
Vieira Souto, <i>Melhoramentos da cidade do Rio de Janeiro</i>, Rio de Janeiro,
1875; Tomás Delfino Santos, <i>Melhoramentos para tornar a cidade mais salubre</i>,
Rio de Janeiro, 1882; <i>Relatório da comissão de melhoramentos da cidade do
Rio de Janeiro</i>, Rio de Janeiro, 1875; Pedro Soares Caldeira, <i>O corte do
mangue</i>, Rio de Janeiro, 1884; Gama Rosa, <i>Algumas ideias sobre o
saneamento do Rio de Janeiro</i>, Rio de Janeiro, 1879.<a name="272_1"></a><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><sup><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">272</span></sup><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;"> Parece que em nenhum
ponto o interesse privado, cruamente representado no Brasil de economia
escravocrática pelo importador de negros, chocou-se mais violentamente com o
interesse público, representado principalmente pela higiene urbana, do que
neste; a importação de negros doentes. Desembarcados dos negreiros, eram de
ordinário as cidades como Salvador, Rio de Janeiro, Recife, os pontos mais
perigosamente contaminados por eles que também ofendiam a moral europeia ou o
pudor cristão da burguesia ou da fidalguia dos sobrados, andando nus ou quase
nus pelas ruas; fazendo das cidades brasileiras, aldeias africanas. Aos ciganos
ou gringos, quase sempre encarregados de administrarem esse comércio de homens
ou escravos, pouco incomodava a ofensa que a nudez dos negros causasse aos
moradores cristãos dos burgos por onde se fazia a importação de operários para
as indústrias e de trabalhadores para as lavouras do Brasil. De onde as
reclamações que, ainda nos últimos tempos do Brasil-Reino, foram aparecendo nos
jornais, contra o escândalo: “Roga-se a alguns dos senhores negociantes de
escravos da rua do Valongo queirão ter a bondade de vestirem os escravos que
dezembarcão para os armazens; pois he inteiramente indecorozo em huma Corte
civilizada andarem pelas ruas publicas individuos de hum e outro sexo nus e
outros quasi nus, com tanta offença da modestia e escandalo das famílias que
tem a infelicidade de morarem naquella rua...”. Mas ao problema moral da nudez
juntava-se o da doença, comum como era a importação ou a venda de negros
doentes, alguns dos quais os ciganos tratavam de fazer passar por bons e
válidos aos olhos dos compradores menos meticulosos ou menos perspicazes:
“Roga-se tãobem aos ditos senhores que por caridade queirão ter a bondade de
preferir a vida, e saude dos seus concidadãos aos mesquinho valor dos escravos
infestados e moribundos, porque, devendo estes ficar a bordo dos navios depois
da vizita da Saude como empestados, logo que se auzenta a vizita, e sem irem ao
lazareto, são passados das lanchas dos navios para os armazens”. Havia, a mais,
o problema dos negros mortos: “E finalmente os cadaveres desses infelizes sejão
cobertos com mortalhas para não ver-se com vergonha nossa, e admiração dos
extranhos huma continuada provisão de defuntos nus... conduzidos quasi a rastro
para o malfadado sitio da Gamboa” (<i>Diário do Rio de Janeiro</i>, 21 de março
de 1822).<a name="273_1"></a><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><sup><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;">273</span></sup><span lang="PT" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: PT; mso-themecolor: text1;"> Correia de Azevedo,
trabalho apresentado à Academia Imperial de Medicina do Rio de Janeiro, <i>Anais
Brasileiros de Medicina</i>, tomo XXIII, nº 11, p. 426, abril de 1872.<o:p></o:p></span></p>Doneyhttp://www.blogger.com/profile/09476772224297324141noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1937976905822999004.post-55887503721427273792024-03-19T11:44:00.011-03:002024-03-23T18:55:40.567-03:00Sobrados e mucambos (Parte I), de Gilberto Freyre<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">Subtítulo</span></i><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-style: italic; mso-themecolor: text1;">: Decadência do patriarcado rural e
desenvolvimento do urbano<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 12.5pt; mso-themecolor: text1;">Editora</span></i><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 12.5pt; mso-themecolor: text1;">: Global<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">Opinião</span></i><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">: </span><span face=""Segoe UI Symbol","sans-serif"" style="color: black; font-size: 14pt; mso-bidi-font-family: "Segoe UI Symbol"; mso-themecolor: text1;">★★★★☆<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">ISBN</span></i><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">: 978-85-260-0835-9<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">Páginas</span></i><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">: 976<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><i><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">Sinopse</span></i><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">: Em
excepcional apresentação gráfica, a presente edição de “Sobrados e Mucambos”
vem enriquecida com um excelente prefácio de Roberto DaMatta. Com a mesma
ousadia de estilos de </span><a href="https://listadelivros-doney.blogspot.com.br/2016/07/casa-grande-senzala-formacao-da-familia.html"><span style="font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt;">Casa-Grande &
Senzala</span></a><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">, esta obra é um atestado de como o estudo
clássico de Gilberto Freyre sobre a decadência do patriarcado rural e o
desenvolvimento do urbano continua atual, instigante e insuperável.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;"><br /></span></p>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhXIH5IMxmdQ86Q4_fDs2pjd8FVKn3EUM5lcXi6vgeBftKNLLTnNKZh3_5ifcYyRvgEP2CxPjlMpG_2u7sNgZcVoskxnNJ6zcBZHcQqW1GAyHTUdS7bDzAvk_DCnMQzqHGMnm8LqlR3oSOte7-7A5tPNoXk96xxLnB-kV0uU3e_oRdzMbHEDsZ_hhAYGO0/s1445/Sobrados%20e%20mucambos.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1445" data-original-width="1000" height="400" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhXIH5IMxmdQ86Q4_fDs2pjd8FVKn3EUM5lcXi6vgeBftKNLLTnNKZh3_5ifcYyRvgEP2CxPjlMpG_2u7sNgZcVoskxnNJ6zcBZHcQqW1GAyHTUdS7bDzAvk_DCnMQzqHGMnm8LqlR3oSOte7-7A5tPNoXk96xxLnB-kV0uU3e_oRdzMbHEDsZ_hhAYGO0/w276-h400/Sobrados%20e%20mucambos.jpg" width="276" /></a></div><p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Georgia, "serif"; font-size: 14pt;"> </span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">“Aqueles
momentos de confraternização entre os extremos sociais, a que nos referimos – a
procissão, a festa de igreja, o entrudo – é que foram fazendo das ruas e praças
mais largas – da rua em geral – zonas de confraternização. Marcaram um
prestígio novo no nosso sistema de relações sociais: o prestígio da rua.”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">“É
tempo de procurarmos ver na formação brasileira a série de desajustamentos
profundos, ao lado dos ajustamentos e dos equilíbrios. E de vê-los em conjunto,
desembaraçando-nos de pontos de vista estreitos e de ânsias de conclusão
interessada. Do estreito ponto de vista econômico, ora tão em moda, como do
estreito ponto de vista político, até pouco tempo quase o exclusivo. O humano
só pode ser compreendido pelo humano – até onde pode ser compreendido; e
compreensão importa em maior ou menor sacrifício da objetividade à
subjetividade. Pois tratando-se de passado humano, há que se deixar espaço para
a dúvida e até para o mistério: a história de uma instituição, quando feita ou
tentada sob critério sociológico que se alongue em psicológico, está sempre nos
levando a zonas de mistério, onde seria ridículo nos declararmos satisfeitos
com interpretações marxistas ou explicações behavioristas ou paretistas; com
puras descrições semelhantes às da história natural de comunidades botânicas ou
animais.”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">“Desse
complexo a amplitude pode ser apenas sugerida, nunca perfeitamente definida,
com os qualificativos de que vimos nos utilizando desde a publicação do nosso
primeiro estudo sobre o sistema patriarcal brasileiro: <i>patriarcal</i>, <i>monocultor</i>,
<i>latifundiário</i>, <i>escravocrático</i> e, sociologicamente, feudal, embora
já misto, semifeudal, semicapitalista, em sua economia. A interpenetração
desses vários característicos até formarem um conjunto predominantemente
patriarcal, e, por conseguinte, com tendências a monossexual ao mesmo tempo que
a monocultor – tal a importância atribuída ao sexo nobre e ao artigo, também
nobre, de exploração agrária, acreditamos ter sido o primeiro a esboçar, numa
tentativa menos de descrever que de fixar e interpretar, tanto quanto possível
dentro de uma sistemática nova – antes psicossociológica, socioecológica e
histórico-social, que puramente sociológica –, a formação brasileira.
Interpretação em termos, também, dialéticos, sugeridos pelos títulos simbólicos
por nós atribuídos às fases que nos parecem histórica, ecológica e, ao mesmo
tempo, psicossociologicamente, mais expressivas do desenvolvimento social da
gente brasileira no vasto território em que Portugal, primeiro, e depois o
próprio Brasil, pelo esforço principalmente do bandeirante, se expandiu na
América: </span><a href="https://listadelivros-doney.blogspot.com/2016/07/casa-grande-senzala-formacao-da-familia.html"><i><span lang="pt" style="font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016;">Casa-grande & senzala</span></i></a><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">, <i>Sobrados e mucambos</i>, <i>Ordem e progresso</i>.
(...)<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Daí
o método – ou a pluralidade de métodos ou de técnicas – de indagação e estudo,
adotado pelo autor neste ensaio, como no que o precedeu. Sob o critério
psicossociológico, e, ao mesmo tempo, histórico-social, de estudo, várias
técnicas, e não uma só, de tentativa de revelação, compreensão e interpretação
do assunto foram utilizadas: a ecológica, a sociológica, a psicológica, a
antropológica, a folclórica. O sobrado patriarcal brasileiro, procuramos
retratá-lo por todos os meios que nos facilitassem o conhecimento de sua
realidade; e não apenas pelo convencionalmente objetivo ou o cientificamente
fotográfico. Pois o que nos interessa nos nossos estudos da sociedade
patriarcal no Brasil não é darmos prova de ser possível a alguém estudar este
ou outro assunto sob critério único e por meio de um só método – o sociológico,
por exemplo; ou o histórico. O que nos interessa é o máximo de revelação do
assunto: assunto, na sua generalidade, independente de tempo e de espaço, e,
nas suas peculiaridades, limitado no tempo e no espaço. Daí não nos repugnar,
quando necessário, o próprio impressionismo: aquele que, em literatura, mesmo
histórica, é, como o empregado na pintura, tentativa de surpreender a vida em
movimento e, por conseguinte, diversa segundo o critério interpretativo com que
for surpreendida. Devemos nos guardar do impressionismo fácil e irresponsável,
que é o jornalístico ou o beletrista, sem desprezo pelo que ilumine de visão
direta e como que imediata, um fato visto ou reconstituído quase a olho nu; e confirmado
ou não por técnicas de verificação. Do passado se pode escrever o que Proust
escreveu do mundo: que está sendo sempre recriado pela arte. E quase como a
arte pode ser a ciência, busca ou procura de realidade complexa que adormeça em
fatos aparentemente mortos tanto como em naturezas chamadas igualmente mortas:
uns e outros valorizados e incorporados ao conhecimento humano pelo
impressionismo revelador de aspectos esquivos ou fugazes de realidade
ostensivamente viva ou aparentemente morta.”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">“Se
das ciências, em geral, não é possível afastar o hipotético, a necessidade de
hipóteses aumenta nas chamadas ciências sociais, sempre que nelas se empreenda
obra de compreensão e não apenas de descrição; tentativa de interpretação e não
apenas de mensuração do comportamento de um grupo humano. Em qualquer obra
dessas é também maior que nas de ciências chamadas exatas a necessidade de
história; pois como salienta, com a lucidez de sempre, o professor Morris R.
Cohen, “necessita-se de mais história para compreender-se a reação de um
búlgaro a um sérvio que para compreender-se a reação da água a uma corrente
elétrica”. Necessita-se igualmente de muita história – de história total mas
principalmente de história orientada pela psicologia – para compreender-se a reação
de um brasileiro de hoje – produto de quatro séculos de Brasil, isto é, de
quatro séculos de interpenetração de influências de culturas diversas, dentro
de condições peculiares a determinado espaço geométrico, e não apenas social –
a um sueco ou a um belga, produtos de outros espaços, de outras experiências,
de outras combinações de cultura.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">A
sociologia que se faça sem história e sem psicologia, esta sim, é uma
sociologia vã ou, pelo menos, precária; não há “eloquência de números” que lhe
dê solidez ou autenticidade. Sempre lhe faltará o apoio que vem do conhecimento
das raízes que prendem à terra, à carne e ao espírito dos homens qualquer
instituição. Pois considerados no vácuo, instituições ou grupos humanos podem
ter extraordinário interesse como curiosidades etnográficas ou aparências
estéticas mas não como realidades sociológicas. A realidade sociológica é das
que não prescindem de história. O conhecimento sociológico do brasileiro não é
possível sem o conhecimento de suas origens e do seu desenvolvimento
considerados sociologicamente: sociologia genética. A sociologia genética sendo
principalmente a sociologia da família, desta seria erro básico separar o
estudo sociológico da casa que corresponde ao tipo dominante de família,
inseparável, por sua vez, das condições físicas e sociais de ocupação ou
dominação do espaço por grupo humano: ecologia. E não apenas das técnicas de
produção: economia. Sempre <i>eco</i>, isto é, <i>casa</i>.”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">“É
claro que, morto o sistema, seu tipo de residência não deve ser caprichosa ou
arbitrariamente perpetuado numa sociedade que se coletiviza, por um lado, e por
outro se individualiza, em oposição ao privativismo da economia ou da
organização patriarcal, a um tempo personalista e solidarista, dada a absorção
do indivíduo pela família e a subordinação do Estado à pessoa nobre. Mas nem
por isso se deve deixar de reconhecer no sobrado, como na casa-grande
patriarcal brasileira, fontes de sugestões valiosas para o arquiteto que deseje
fazer arquitetura coletivista, que seja também personalista, no Brasil, dentro
das lições da experiência brasileira; e não, por paixão política ou sectarismo
estético, sistematicamente contrária à mesma experiência; ou no vácuo.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Pois
o que, no Brasil, se exprimiu em tipos de residência harmonizados com a terra e
com o meio como a casa-grande, o sobrado ou o próprio mucambo, não foi apenas
um sistema de economia ou de família ou de cultura; foi também o homem
brasileiro, isto é, o homem de várias origens que aqui precisou vencer a
hostilidade do trópico àquelas formas já altas de civilização cristã e de
civilização muçulmana trazidas para a colônia americana de Portugal, não só por
europeus como, em muito menor escala, por africanos. Essas formas já altas de
civilização aqui se amoleceram, é certo, ou se deturparam. Mas é extraordinário
que tantas delas tenham se generalizado, mesmo amolecidas ou impuras, sobre
espaço fisicamente tão extenso e socialmente tão árido como o Brasil dos primeiros
tempos de colonização.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Dessa
disseminação de formas altas de civilização em tão vasta terra tropical,
resultou a primeira grande civilização moderna nos trópicos: a brasileira. E
imensa como foi a obra dos missionários carmelitas, beneditinos, jesuítas,
franciscanos e dos agentes da coroa ou do governo, a verdade é que essa
disseminação parece que se fez, principalmente, através das casas patriarcais
ou tutelares e de suas capelas; e não tanto através dos puros conventos ou das
puras catedrais, nem das fortalezas ou estabelecimentos del-Rei ou, já
independente o Brasil, de S.M. o imperador.”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">“Ao
intérprete do desenvolvimento ou da formação brasileira cujo critério dominante
de interpretação for o sociológico, o que principalmente interessa é descobrir
e revelar sob que predominâncias de forma ou de processo se realizou tal
desenvolvimento; e não, que diferenças de substâncias econômica ou de
composição étnica ou de conteúdo cultural separam uns grupos dos outros para
efeito de outros estudos ou de outras considerações de ordem prática,
administrativa ou estatística.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">A
nós, parece, hoje, evidente – depois de estudos já longos da formação
brasileira – que o Brasil teve no complexo ou sistema patriarcal, ou tutelar,
de família, de economia, de organização social, na forma patriarcal de
habitação – a casa-grande completada simbioticamente pela senzala, o sobrado em
oposição extrema ao mucambo, à palhoça ou ao rancho – e na forma patriarcal de
devoção religiosa, de assistência social e de ação política – seu principal
elemento sociológico de unidade. Mais do que a própria igreja, considerada
elemento independente da família e do Estado, foi a família patriarcal ou
tutelar o principal elemento sociológico de unidade brasileira. Daí nos parecer
aquele complexo, de todas as chaves de interpretação com que possa um sociólogo
aproximar-se do passado ou do caráter brasileiro, a capaz de abrir maior número
de portas; a capaz de anicular maior número de passados regionais brasileiros
num passado compreensivamente nacional: caracteristicamente luso-afro-ameríndio
em seus traços principais – e não únicos – de composição cultural e de
expressão social.”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">“O
que houve de região para região, de área para área, de subárea para subárea,
dentro do complexo patriarcal no Brasil, repita-se que foi diferença antes de
intensidade que de qualidade de característicos comuns aos vários tipos de
sociedades baseadas sobre a monocultura latifundiária e patriarcal. Dentro
desses característicos comuns é que se formou e se desenvolveu a sociedade
brasileira nas áreas mais antigas de colonização portuguesa da América: a do
açúcar, a do couro, a do cacau. Depois, nas do café, do ouro, da borracha,
houve zonas ou áreas de exceção: porém insignificantes do ponto de vista
sociológico ou histórico-social que não deve ser confundido nunca – acentue-se
mais uma vez – com o etnográfico.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Sob
o critério de generalidade de formas sociológicas – e não de peculiaridades
etnográficas – é que vimos procurando estudar e interpretar a mesma sociedade;
é que vimos acompanhando seu desenvolvimento até os nossos dias: época de
franca desintegração do sistema patriarcal se não em todas as áreas
brasileiras, nas mais expostas ao impacto das influências individualistas,
estatistas ou coletivistas mais particularmente hostis às antigas hierarquias
sociais dominantes entre nós – país de quase tanto familismo quanto à China – e
às antigas formas de domínio do Estado pela pessoa ou pela família
economicamente poderosa; e da própria religião pela família patriarcal e semipatriarcal.
Estudo por nós empreendido desde a mocidade com um pouco daquela esperança que
o inglês Lecky confessou certa vez, em carta a um amigo, ter animado suas
pesquisas de historiador: “[...] <i>to detect in the slow movements of the past
the great permanent forces</i> [...]”.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">A
família, sob a forma patriarcal, ou tutelar, tem sido no Brasil uma dessas
“grandes forças permanentes”. Em torno dela é que os principais acontecimentos
brasileiros giraram durante quatro séculos; e não em torno dos reis ou dos bispos,
de chefes de Estado ou de chefes de igreja. Tudo indica que a família entre nós
não deixará completamente de ser a influência se não criadora, conservadora e
disseminadora de valores, que foi na sua fase patriarcal. O personalismo do
brasileiro vem de sua formação patriarcal ao mesmo tempo que cristã – um
cristianismo colorido pelo islamismo e por outras formas africanas de
religiosidade inseparáveis da situação familial da pessoa; e dificilmente
desaparecerá de qualquer de nós.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Sob
forma nova, que lhe permita resistir à pressão de forças hoje mais poderosas do
que ela, e adaptar-se a novas circunstâncias de convivência humana, a família,
no Brasil, tende a desenvolver-se com a igreja, a cooperativa, a comuna, o
sindicato, a escola, num dos órgãos de renovação e de descentralização de
poder, numa sociedade, como a nossa, ainda impregnada de sobrevivências feudais
e tutelares. Como família patriarcal, ou poder tutelar, porém a energia da
família está quase extinta no Brasil; e sua missão bem ou mal cumprida.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Suas
sobrevivências terão, porém, vida longa e talvez eterna não tanto na paisagem
quanto no caráter e na própria vida política do brasileiro. O patriarcal tende
a prolongar-se no paternal, no paternalista, no culto sentimental ou místico do
pai ainda identificado, entre nós, com as imagens de homem protetor, de homem
providencial, de homem necessário ao governo geral da sociedade; o tutelar –
que inclui a figura da mãe de família – tende a manifestar-se também no culto,
igualmente sentimental e místico, da Mãe, identificada pelo brasileiro com
imagens de pessoas ou instituições protetoras: Maria, mãe de Deus e senhora dos
homens; a igreja; a madrinha; a mãe – figuras que frequentemente intervêm na
vida política ou administrativa do país, para protegerem, a seu modo, filhos,
afilhados e genros.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">De
maternalismo, ou maternismo, se mostra, na verdade, impregnado quase todo
brasileiro de formação patriarcal ou tutelar. Era como se no extremo amor à mãe
ou à madrinha ou à mãe-preta o menino e o próprio adolescente se refugiassem do
temor excessivo ao pai, ao patriarca, ao velho – senhor, às vezes sádico, de
escravos, de mulheres e de meninos.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Ainda
há pouco estivemos relendo velha carta de Joaquim Nabuco conservada por Pedro
Afonso Ferreira, senhor do Engenho Japaranduba e genro do visconde de Rio
Branco – carta que o filho de Pedro Afonso destacou, há mais de vinte anos, do
arquivo daquele engenho para que a guardássemos entre nossos papéis de estudo.
“A perda da nossa Mãe” – escrevia Nabuco em 1885 – “é o maior golpe que pode
ferir o coração de cada um de nós...”. Maternalismo do mais puro. E
maternalismo manifestado por alguém que, dentro da estrutura patriarcal em que
nasceu, teve formação um tanto diferente da comum, criado, como foi, com muito
mimo, mais pela madrinha, senhora de engenho, que pela própria mãe ou pelo
próprio pai, ao qual cedo passou, aliás, a admirar e não apenas a temer.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Entre
as figuras paterna e materna parece que, no Brasil, se desenrolou o drama de
muito menino de formação patriarcal ou tutelar, a figura materna servindo de
refúgio ao temor e às vezes terror à figura do patriarca. Esse terror ao pai
patriarcal e aquele refúgio à sombra da figura da mãe e quase sempre
companheira de sofrimento ou experiências de opressão às vezes se prolongou em
traços característicos de personalidade em alguns dos homens mais
representativos da antiga ordem brasileira.”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">“A
extrema receptividade do brasileiro ao culto de Maria, mãe de Deus, da mãe dos
homens, de Nossa Senhora que, em nosso cristianismo mais popular e mais lírico,
chega a sobrepujar o culto de Deus Pai e de Cristo Nosso Senhor, talvez
encontre sua explicação naquele maternalismo, moral e psiquicamente compensador
dos excessos de patriarcalismo em nossa formação. Excessos identificados com o
despotismo ou a tirania do homem sobre a mulher, do pai sobre o filho, do
senhor sobre o escravo, do branco sobre o preto.”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">“Seu
ilustre biógrafo, o escritor Celso Mariz, recordando as atividades de Ibiapina
como magistrado, descreve-o como “adepto convicto do sistema liberal; e,
realmente, num ofício dirigido em 1835 ao presidente do Ceará o então juiz
Ibiapina refere-se às “ideas do seculo XIX” que ele desejaria ver triunfantes
sobre “antigos prejuisos que não podem casar com o nosso systema liberal”.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Num
desses “prejuisos” talvez ele não tivesse cogitado no momento: o prejuízo das
moças casarem não por amor, mas por conveniência – a conveniência dos pais ou
da família. Neste particular, Ibiapina foi de certo modo vítima do nascente
“sistema liberal” em conflito com o “feudal”. No Ceará, como em outras partes
do Brasil, semelhante liberalismo se manifestou através de fugas de moças com
os homens de sua predileção, ficando os noivos oficiais – ou seus pais, ou os
pais das moças – frustrados na sua escolha ou nos seus planos; e quebrando-se
num dos seus fundamentos a ortodoxia patriarcal: a absoluta obediência da filha
ao patriarca, que era quem escolhia não só noivos para as filhas como
profissões para os filhos. Já o pai de Ibiapina – o mesmo que em 1824 se
rebelara contra o imperador – rebelara-se contra a decisão da família de
fazê-lo padre, fugindo com uma moça, Teresa de Jesus, nas vésperas de partir de
Sobral para o seminário de Olinda. Desintegração do patriarcado.
Enfraquecimento do poder dos patriarcas. Rebelião dos filhos contra os pais, ao
mesmo tempo que das mulheres contra os homens, dos indivíduos contra as
famílias, dos súditos contra o rei. O que indica que, na história de uma
família ou de uma personalidade caraterística, se resume muitas vezes a
história de uma sociedade se procurarmos considerá-la e interpretá-la não só
econômica como cultural e psicologicamente. E também ecologicamente: em termos
de relação dos subgrupos com o grupo e deste com o meio ou com o espaço. Em
termos de posição ou da situação de pessoas ou grupos no espaço social.”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">“Dentro
desse critério é que, no ensaio que se segue, procura-se considerar e
interpretar a história da sociedade patriarcal brasileira na primeira fase da
desintegração do poder ou do sistema patriarcal ou tutelar nas áreas econômica
e politicamente mais expressivas do Brasil: como um processo de alteração de <i>status</i>
em que o indivíduo, desprotegido pela família, torna-se desde adolescente uma
espécie de protetor individual da mesma família, em começo de desintegração.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Essa
desintegração seguiu ritmos diversos em áreas diferentes sem que tal
diversidade nos obrigue a evitar falar em desintegração do patriarcado no
Brasil desde o primeiro reinado por não ter o processo seguido o mesmo ritmo em
todas as áreas; e ter-se antecipado nas agrárias às pastoris, por exemplo; ou
nas semiurbanas, às puramente rurais. Constelação de áreas – como é socialmente
o Brasil – o que nos deve orientar na classificação da sociedade brasileira é o
ocorrido nas áreas econômica e politicamente decisivas que nem sempre têm sido
as mesmas quanto a limites de espaço físico. Essas áreas decisivas ou esses
espaços sociais preponderantes moveram-se do norte – de Pernambuco e da Bahia –
para o centro mineiro e, depois, para o sul do café. Moveram-se, conservando
uma constância de característicos sociais, de forma, ou psicossociais, de
processo e função, que explicam, em grande parte, a unidade brasileira no meio
de toda a diversidade que a contraria ou a dificulta. Dentre tais
característicos é que se salienta, como forma ou estilo de organização social,
o sistema patriarcal: o de dominação da família, da economia e da cultura pelo
homem às vezes sádico no exercício do poder ou do mando, embora o poder ou o
domínio ele o exerça menos como indivíduo ou como sexo chamado “forte” ou
“nobre” do que como expressão ou representante do poderio familial. Daí o fato
de ter sido esse poder exercido às vezes por mulher: mulher cuja função era a
de patriarca e cuja forma de domínio era a patriarcal.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Semelhante
constância nos autoriza a falar de uma sociedade predominantemente patriarcal
que, com substâncias diversas, foi, no Brasil, sociologicamente a mesma – a
mesma nas formas, nas funções, nos processos – nas várias áreas por onde se
expandiu. Como notas identificadoras dessa expansão – a do sistema patriarcal
no Brasil – é que repetimos não conhecer melhores símbolos, do ponto de vista
da caracterização social da paisagem, que as casas-grandes e os sobrados
acompanhados de senzalas ou de mucambos ou dos seus equivalentes sociais; e
completados por capelas, e, principalmente, por irmandades e túmulos
correspondentes às diferenças de <i>status</i> entre os moradores dos vários
tipos de casa.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Também
a decadência moral e material dessas mesmas casas e sobrados e dos túmulos de
família, às vezes monumentais, constitui índice valioso de desintegração do
patriarcado nas diversas áreas onde sua presença foi um dia imperial. Sob esse
critério poderia traçar-se mais de um mapa ilustrativo da formação e da
desintegração da sociedade ou da família patriarcal no Brasil: trabalho em que
colaborassem sociólogos, historiadores e arquitetos. Também dentro desse
critério poderia empreender-se a classificação ou seleção de retratos de
família – das famílias patriarcais em quem mais tipicamente se encarnou a
família ou a sociedade patriarcal no Brasil – segundo áreas e épocas diversas
quanto à integração ou a desintegração do sistema. Semelhante material
revelaria, talvez, a unidade de tipo social e, até certo ponto, físico, da
aristocracia brasileira da época patriarcal. Chamada, numa área, aristocracia
do açúcar, noutra do café, noutra da banha, noutra disto, noutra daquilo, ela
foi sempre a mesma em sua forma sociológica, e quase a mesma em sua composição
étnica: predominância do elemento europeu e, dentre o elemento europeu, do
lusitano, com presença às vezes acentuada do ameríndio e, acidental ou
distante, do africano.”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">“À
importação de escravos do norte pelo sul correspondeu a importação, pela mesma
região, magnificamente próspera, de bacharéis baianos, pernambucanos,
maranhenses, cearenses, alagoanos, paraibanos, alguns dos quais, filhos de
velhas famílias empobrecidas ou apenas moços pobres – e nem sempre louros – de
extraordinário talento. Talento que às vezes atenuava a origem humilde e até a
cor escura dos portadores de títulos acadêmicos. E ambas as importações – a de
massa e a de <i>élite</i> levaram do norte para o sul rebelados contra a ordem
dominante com os quais transferiram-se também de uma região para a outra velhas
insatisfações contra o governo e contra a Igreja – ou pelo menos, contra os
bispos ou contra os padres; e contra a grande propriedade. Velhas insatisfações
responsáveis por movimentos por longo tempo mais característicos do norte que
do sul: Palmares, a Guerra dos Mascates, a Revolução dos Alfaiates, a dos
Malés, a de 17, a de 24, a de 48, a Balaiada, a Cabanada, o Quebra-quilos. Luiz
Gama – filho de africana, nascido na Bahia – foi um desses rebelados desde moço
radicado no sul. Saldanha Marinho foi outro. E poucos indivíduos tiveram ação
mais vigorosa do que esses dois mestiços do norte, transferidos para o sul,
contra o sistema patriarcal brasileiro em suas formas ortodoxas de exploração
do homem pelo homem: do escravo pelo senhor, do preto pelo branco, da mulher
pelo homem, do súdito pelo rei.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Da
mãe de Luiz Gama se sabe que fora uma africana livre da Bahia, chamada Luísa. O
futuro abolicionista nascera dos amores dessa preta inquieta com “um moço de
boa sociedade”. De dois “levantes de raça” participara Luísa; e tendo
participado também da Sabinada fugira da Bahia num saveiro, diante da vitória
do governo imperial sobre os rebeldes, para vir esconder-se no Rio de Janeiro
onde, entretanto, a polícia a descobrira, embarcando-a, segundo se diz, para a
África. Na ausência de Luísa é que o pai de Luís o teria vendido como escravo a
bordo de um patacho a fazer-se de velas para São Paulo; e o teria feito “num
instante de... depressão moral e financeira”. É o que conta Sud Menucci no seu
estudo sobre Luiz Gama.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Enquanto
o futuro Conselheiro Saldanha Marinho – que se considerava altivamente caboclo –
vinha de Pernambuco. Nascera no mais eclesiástico dos burgos da velha
capitania: Olinda. Descendente de revolucionário de 17, tivera talvez, no seu
passado, drama semelhante ao de Luiz Gama e que também o predispusera à
atividade revolucionária; à oposição à ordem estabelecida, responsável por
injustiças que a igreja, pelos seus bispos, não desaprovava, tolerando-as da
parte dos senhores patriarcais e dos governos despóticos. Daí o se
anticlericalismo ao lado do seu antimonarquismo. Daí seu antiautoritarismo e
seu ardente fraternalismo de líder maçônico. É possível que guardasse
ressentimento particular de mestre ou de padrinho ou de algum padre, conhecido
na meninice: talvez algum padre-mestre mais sádico nos seus métodos de ensino,
principalmente tratando-se de menino pobre e escuro.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Embora
deva-se observar que, de ordinário, os antigos padres brasileiros cuidavam,
como bons patriarcas ou como bons mestres de primeiras letras e de latim, de
seus discípulos, de seus afilhados, de seus descendentes, de seus aprendizes e
de suas crias, não os abandonando nem os vendendo como escravos; e também que
vários deles, padres ou padres-mestres, eram maçons e, por conseguinte,
fraternalistas e não apenas paternalistas em visão do mundo, o fraternalismo
maçônico tomou, entre nós, feição rasgadamente anticlerical. A verdade, porém,
é que se os sacerdotes não se destacaram como abolicionistas, na campanha que
se travou, no Brasil, contra o sistema patriarcal e escravocrático, poucos
foram os padres mais caracteristicamente brasileiros que se celebrizaram como
senhores maus ou insensíveis à sorte dos escravos a ponto de venderem os
próprios filhos de cor. Mesmo porque, com a estabilidade que lhes dava sua
condição de funcionários da coroa não eram tão frequentes em sua vida, como na
dos fazendeiros ou filhos de fazendeiros, ou na dos negociantes ou filhos de
negociantes menos sólidos, as “depressões financeiras” que se sobrepusessem a
considerações de ordem sentimental, isto é, a sentimentos de pais para com
filhos ou de padrinhos para com afilhados, tios para com sobrinhos, senhores
para com crias, acima dos deveres de paternidade para com todos os descendentes
e não apenas para com os legítimos; ou acima dos deveres de paternidade
espiritual para com meninos pobres e filhos de escravos que se revelassem, pela
inteligência, merecedora de proteção especial.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Deve-se
notar que mesmo em homens eminentemente fraternalistas, como os Luiz Gama, os
Saldanha Marinho, os Titos Lívios de Castro e, até certo ponto, os Rebouças, o
amor à imagem materna parece não ter deixado de manifestar-se simbolicamente em
apegos a instituições que substituíssem ou prolongassem as figuras de mães ou
de mulheres maternais por eles recordadas como vítimas de pais ou, pelo menos,
do paternalismo mais ou menos despótico então dominante. Daí, talvez, o carinho
quase de filho por mãe, de alguns desses homens – mestiços e, vários deles,
bacharéis – por imagens ideológicas femininas em suas expressões ou convenções
simbólicas como “República”, “Justiça”, “América”, “França”, “Revolução
Francesa”, “Ciência”, ligadas a sonhos fraternalistas que, mesmo ardentes,
pareciam não lhes satisfazer de todo as solicitações sentimentais ou místicas
de homens, psicologicamente ainda <i>filhos</i> ou ainda necessitados de <i>mães</i>
e mesmo de <i>pais</i> que os protegessem. José do Patrocínio viria encontrar
essa imagem substituta da materna numa figura de princesa imperial – Isabel, a
Redentora – na qual milhares de brasileiros de cor, menos intelectualizados ou
menos aliteratados que o famoso abolicionista, encontraram a idealização da
figura de Mãe que outros, menos trepidantes, já haviam encontrado na pessoa da
imperatriz Dona Teresa Cristina – a chamada “Mãe dos Brasileiros”. Os Rebouças
mestiços, cujas relações com o velho Rebouças, seu pai, parecem ter sido sempre
felizes ou saudáveis –, nunca resvalariam naquele antipaternalismo inimigo do
monarca ou do governo imperial que caraterizou o fraternalismo de Saldanha
Marinho. Ao contrário: neles a devoção pela pessoa do imperador só fez aumentar
com a idade. O que neles se desenvolveu – neles e nesse outro mestiço
admiravelmente lúcido que foi, no Brasil da primeira metade do século XIX, o
socialista A. P. de Figueiredo – foi um fraternalismo socialmente mais
adiantado que o democratismo republicano e maçônico de Saldanha Marinho. Um
fraternalismo já socialista, embora sempre familista, o deles. E é
significativo o fato, de nos Rebouças, nem o maternalismo nem o fraternalismo
terem se exaltado em idealizações mórbidas que excluíssem o respeito ou a
veneração pela figura paternal do imperador: o Pai dos Pais como a santa madre
igreja foi, no Brasil patriarcal, a Mãe das Mães, à sombra da qual se
refugiaram tantos revoltados contra o excesso de despotismo paternal ou
imperial. Procura de compensação.”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">“A
ascensão de elementos dos sobrados e, até, das casas térreas ou dos casebres
aos casarões dos grandes proprietários de terras, seria mais frequente no
século XIX, com o maior prestígio das cidades; com o prestígio de um elemento
novo e brilhante – os bacharéis e médicos, alguns filhos de mecânicos ou de
mascates com negras ou mulatas; com a maior dependência dos senhores rurais de
seus correspondentes e comissários de escravos, de açúcar e de café.
Dependência que só veio a enfraquecer-se com o desenvolvimento das comunicações
por estrada de ferro, já quase no fim da era imperial. Mas para acentuar-se
outra: a da lavoura com relação aos bancos – ainda mais desprestigiadores da
gente rural endividada ou necessitada de adiantamentos.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Os
senhores rurais, pelas próprias condições sociologicamente feudais em que se
iniciou a colonização agrária do Brasil – condições que vêm resumidas do modo
mais claro no <i>Regimento</i> de Tomé de Sousa – como que se tinham habituado
a um regime de responsabilidade frouxa, ou mesmo de irresponsabilidade, com
relação aos financiadores de suas lavouras. Nisso os favoreceu por longo tempo
a Coroa, interessada nos lucros dos grandes proprietários e necessitando deles
e de seus cabras e índios de arco e flecha, para a segurança da colônia contra
as tentativas de invasão de estrangeiros.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Mesmo
cheio de riscos, o financiamento à grande lavoura colonial – a de açúcar –
atraiu desde cedo agiotas, que parecem ter se dedicado ao mesmo tempo à
importação de escravos para as plantações. E há indícios de haverem
preponderado, entre esses negociantes, judeus com o espírito de aventura
comercial aguçado como em nenhuma outra gente. Daí, talvez, o relevo que alguns
historiadores – um deles Sombart – dão aos judeus na fundação da lavoura de
cana e na indústria do açúcar no Brasil.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Com
esses intermediários, talvez em grande número judeus, parece ter se iniciado a
riqueza das cidades coloniais no Brasil. A capacidade de diferenciação que
revelaram esses burgos, crescendo de simples pontos de armazenagem e embarque
dos produtos da terra, em populações autônomas, com os senhores dos sobrados
falando grosso e forte para os das casas-grandes do interior, ou perdoando-lhes
as dívidas mediante os ajustes de casamento entre a moça burguesa e o filho de
senhor de engenho, ou então entre o filho do mercador, ou o próprio mercador, e
a sinhazinha fina da casa-grande – ajustes de que falam tantas tradições de
família – parece ter sido, em grande parte, consequência das fortunas
acumuladas pelos intermediários e negociantes, alguns de origem israelita.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">A
situação de endividados, dos senhores de engenho do Norte, é fato que vem
indicado pelas primeiras crônicas: pela do padre Cardim, por exemplo, que aliás
sugere a ligação entre esse estado de coisas e a base principal da riqueza
colonial – o escravo. Riqueza, na verdade, em extremo corruptível, apodrecendo
facilmente a um sopro mais forte de epidemia de bexiga ou de cólera.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">De
modo que a figura do intermediário – negociando principalmente com escravos –
não podia deixar de assumir importância considerável dentro do regime mórbido
de economia patriarcal. Este a exigiu pelas duas feridas sempre abertas da
monocultura e da escravidão. Duas bocas enormes pedindo dinheiro e pedindo
negro. O intermediário viveu, como médico de um doente a quem explorasse,
dessas feridas conservadas abertas. E as cidades começaram a crescer à custa
dos senhores de terras e de escravos, assim explorados.”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">“A senhora de engenho quase nunca aparecia aos estranhos, é
verdade; era entrar homem estranho em casa e ouvia-se logo o ruge-ruge de saias
de mulher fugindo, o barulho de moças de chinelo sem meia se escondendo pelos
quartos ou subindo as escadas. O que se dava tanto nos sobrados das cidades
como nos engenhos. Nos princípios do século XIX, São Paulo já capital de certa
importância, com alguns sobrados, sucursal do Banco do Brasil, teatro, boas
chácaras, lojas tão bem sortidas quanto as da Corte – suas senhoras não
apareciam às visitas. Do mesmo modo que no interior de Minas, as mulheres da
cidade de São Paulo desapareciam, ao se anunciar visita de homem, nas sombras
da camarinha ou entre as plantas ou as palmas dos jardins – os jardins por
detrás das salas ou no centro das casas, que eram também lugares tabus, lugares
da maior intimidade, onde as mulheres podiam tomar fresco sem ser vistas da rua
ou por estranhos.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="mso-bookmark: _Hlk160509477;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Saint-Hilaire queixa-se quase
amargo de não ter visto senhoras nas casas de São Paulo; de ninguém o haver
convidado para jantar. Indo certo dia à casa de um aristocrata da cidade,
encontrou-o quase à mesa e foi convidado para jantar; mas nem a mulher nem
filha nenhuma apareceram. Em Vila Rica fora a um baile no palácio de D. Manuel
de Castro e Portugal e aí dançara com mais de uma senhora ilustre. Mas durante
todo o tempo que passou na cidade mineira não tornou a ver uma só das senhoras
com quem dançara no baile do fidalgo. Visitou os maridos de muitas, mas nunca
lhe aparecia a dona da casa.</span></span><span style="mso-bookmark: _Hlk160509477;"><sup><span lang="pt" style="font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-bidi-font-weight: bold;">54</span></sup></span><span style="mso-bookmark: _Hlk160509477;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"> Tollenare, no
Recife, nos princípios do século XIX</span></span><span style="mso-bookmark: _Hlk160509477;"><sup><span lang="pt" style="font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-bidi-font-weight: bold;">55</span></sup></span><span style="mso-bookmark: _Hlk160509477;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"> teve a mesma experiência que Saint-Hilaire nas cidades do Sul: foi ele
entrar na casa de certo morador da cidade, pessoa de importância, e as mulheres
se sumiram como mouras-encantadas. Mas deixando bordados e trabalhos de agulha
sobre a mesa. Saint-Hilaire, no sobrado do Alferes Machado, em São Nicolau, foi
mais feliz: pôde ver as moças da casa fiando algodão e fazendo renda. Sinal de
que nem todas passavam o dia inteiro de cabelo solto, a cabeça bamba no colo de
alguma mucama perita no cafuné.<o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="mso-bookmark: _Hlk160509477;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Foi no Rio de Janeiro, Corte,
primeiro dos vicerreis, depois do regente e do rei, e finalmente do imperador,
que a mulher começou a aparecer aos estranhos. Mas aos poucos. Em 1832 um
viajante ainda se queixava das casas de “muros altos, janellas pequenas e
portas ainda mais estreitas” onde um estrangeiro dificilmente conseguiria
penetrar porque “lá dentro imperavam maridos ciumentos e brutaes”.</span></span><span style="mso-bookmark: _Hlk160509477;"><sup><span lang="pt" style="font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-bidi-font-weight: bold;">56</span></sup></span><span style="mso-bookmark: _Hlk160509477;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"> Maria Graham notara, alguns anos
antes, que moça solteira nem às festas de casamento comparecia.</span></span><span style="mso-bookmark: _Hlk160509477;"><sup><span lang="pt" style="font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-bidi-font-weight: bold;">57</span></sup></span><span style="mso-bookmark: _Hlk160509477;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"> E o comandante La Salle debalde
procurou mulheres da sociedade nos passeios públicos e nas ruas do Rio de
Janeiro.</span></span><span style="mso-bookmark: _Hlk160509477;"><sup><span lang="pt" style="font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-bidi-font-weight: bold;">58</span></sup></span><span style="mso-bookmark: _Hlk160509477;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"> Elas principiaram a
aparecer de rosto descoberto nos bailes e nos teatros.</span></span><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Nas
ruas só se encontravam as escravas negras e as mulatas com quem às vezes, de
noite, os velhotes do Recife namoravam, na ponte da Boa Vista. La Salle diz que
também os homens pouco saíam de casa. No Rio de Janeiro dessa época talvez
saíssem pouco: no Recife como em São Luís do Maranhão é tradição que viviam
quase a tarde inteira na rua. No Recife, namorando com as mulatas, falando do
governo e da vida alheia sentados nos bancos das pontes, combinando pacatamente
negócios debaixo das gameleiras de cais. Às vezes negócios importantes: transações
de contos de réis. Os burgueses de sobrado foram naquelas cidades do norte do
Brasil homens de praça ou de rua como, outrora, os gregos, da ágora, ao
contrário dos do Rio de Janeiro e da Bahia que raramente deixavam o interior
dos sobrados. Pensando decerto nestes é que escrevia em 1855 o médico Lima
Santos nos seus “Conselhos Hygienicos” transcritos pelo <i>Diário de Pernambuco</i>
de 18 de agosto:<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">“De
facto: os Brasileiros, quer sejam por natureza, quer pelo clima, he de
observação, que não fazem exercicio sufficiente ao desenvolvimento de sua
energia physica, e espiritual; mettidos em casa, e sentados a mor parte do
tempo, e entregues a uma vida inteiramente sedentaria não tardam que não caiam
em um estado de preguiça mortal. Verdade he que o grande luxo da terra – um dos
signaes de fidalguia, de grandeza e de grande distincção – he, o sahir á rua o
menos possivel, ser o menos visto possivel e se confundir o menos possivel com
essa parte da população que os <i>grandes</i> chamam povo, e que tanto
abominam. Bem certo, que não fallamos em geral; muitos não terão essa miseravel
<i>monomania</i>, sobre tudo em certas provincias como, por exemplo, na de
Pernambuco; mas em certas outras provincias, na Bahia, por exemplo, uma grande
parte de homem (não fallamos nas Sr.<sup>as</sup> porque essas vivem como aves
nocturnas, que só apparecem com as trevas) não só não sahem ás ruas por
inercia, como por distincção e gravidade. Estes exemplos são nocivos e tristes,
e delles o homem de senso deve fugir para não condemnar o seu corpo, e á sua
vida a um habito tão abominavel. Para que se fuja pois destes inconvenientes
que trazem a queda do corpo, que afugentam as forças e a energia, he mister uma
vontade forte, e que resistindo ao clima e ao calor, despreze os habitos maus e
os maus exemplos, promovendo um exercicio necessario, moderado e regulado por
uma boa hygiene; pois que a energia moral sempre foi de um grande recurso para
que sahia-se victoriosamente da lucta travada com o clima de um paiz quente e
os habitos da molleza.” E concluía o higienista do meado do século XIX:<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">“Debaixo
do ponto de vista da hygiene geral, o Brasil deve confessar-se, ha vinte cinco
annos tem feito algum progresso, mas isto só se observa nas grandes cidades;
sendo para lamentar que o systema de encanamento esteja ainda no maior atrazo
possivel, quando delle dependeria a hygiene das cidades. A hygiene privada,
esta sim, tem-se conservado em grande atrazo”.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Noite
de escuro, é que sair de casa, nas cidades brasileiras dos princípios do século
XIX, tinha seu quê de aventura. Tudo escuro; becos estreitos; poças de lama;
“tigres” estourados no meio da rua; bicho morto. Na Bahia, em Vila Rica, em
Olinda, ladeiras por onde o pé escorregando em alguma casca de fruta podre, a
pessoa corria o risco de ir espapaçar-se nas pedras e até perder-se em
despenhadeiros. De modo que o prudente era sair-se com um escravo, levando uma
luz de azeite de peixe que alumiasse o caminho, a rua esburacada, o beco sujo.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">As
ruas, parece que tiveram nas cidades mais antigas do Brasil seu vago caráter
sindicalista ou medievalista, em umas se achando estabelecidos, se não
exclusivamente, de preferência, certa ordem de mecânicos, em outras, os
negociantes de certo gênero – carne ou peixe, por exemplo. Ou de certa
procedência: judeus ou ciganos. Os nomes mais antigos de ruas acusam
sobrevivência, no Brasil, do sindicalismo ou do medievalismo das cidades
portuguesas. Rua dos Toneleiros. Beco dos Ferreiros. Rua dos Pescadores. Rua
dos Judeus. Rua dos Ourives. Rua dos Ciganos.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">A
localização de ofícios e atividades industriais e comerciais obedecia
principalmente a preocupações de urbanismo; mas também a de higiene. Com essas
preocupações é que a Câmara Municipal do Recife, nos primeiros anos do Império,
limitava à rua da Praia a venda de carnes salgadas e peixes secos; é que a
Câmara Municipal de Olinda proibia que se lavasse roupa ou qualquer coisa
imunda nas Bicas Poço do Conselho, Baldo e Varadouro, desde o lugar do Pisa,
sob pena de 2$000 ou 4 dias de prisão, obrigando ao mesmo tempo a indústria de
peles a só deitar couros de animais para enxugar, à praia de São Francisco e
continuação pelo muro de São Bento; é que a Câmara Municipal de Salvador
proibia fábricas de curtir couros, salgá-los e fazer cola na cidade e povoados
do seu termo.<a name="59"></a><sup><span style="mso-bidi-font-weight: bold;">59</span></sup><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">A
cidade, com todas as suas deficiências de higiene, foi se tornando superior às
zonas rurais, se não no saneamento das casas, em certas medidas de profilaxia e
em uns tantos recursos médicos, de modo a poder socorrer aos moradores de
engenhos, de fazendas e de povoações do interior, quando atingidos pela bexiga
e por outras doenças devastadoras. Os líricos da vida rural não têm o direito
de acusar as nossas cidades do século XIX de focos de epidemias e de inocentar
os engenhos, as fazendas, os povoados do interior, onde às vezes se expandiram
as doenças mais terríveis – a bexiga e a peste bubônica, por exemplo – mais bem
combatidas nas cidades.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Foi
a cidade que, aliada à Igreja, desenvolveu entre nós não só a assistência
social, representada pelos hospitais, pelos hospícios, pelas casas de expostos,
pelas santas-casas, pelas atividades das Ordens Terceiras e confrarias, como a
medicina pública, geralmente desprezada pela família patriarcal. Esta se
revelou também desdenhosa das boas estradas, cujo desenvolvimento o esforço
reunido de vários grandes proprietários poderia ter realizado, não se limitasse
a economia patriarcal a produzir quase exclusivamente para o seu próprio
consumo, desinteressando-se dos meios de expansão dos produtos ou de
intercomunicação das pessoas; contentando-se com simples caminhos para o
escoamento, durante alguns meses, do seu açúcar ou do seu café. Este fato, mais
do que o empenho político dos capitães-mores, nos tempos coloniais, em
dificultar a solidariedade entre os colonos, nos parece explicar o vagaroso
desenvolvimento das comunicações no Brasil. O patriarcalismo mesmo, criando
economias autônomas, ou quase autônomas, aguçando o individualismo dos
proprietários e o privativismo das famílias, enfraqueceu na gente das
casas-grandes o desejo de solidariedade – ainda hoje tão fraco no brasileiro de
origem rural, quase que sensível apenas ao parentesco próximo e à identidade da
religião.<a name="60"></a><sup><span style="mso-bidi-font-weight: bold;">60</span></sup>
Quando em 1822 – no <i>Diário do Rio de Janeiro</i> de 6 de março daquele ano –
os moradores de Maruí rogavam aos “Senhores herdeiros da chacara do Murundu”
que derribassem o mato e limpassem a parte da estrada que estava nas suas
terras, “afim de que haja livre tranzito a todos os moradores daquelle lugar
pois que se acha intranzitavel não só pelas crescidas e copadas arvores e espinhos
como ainda pelas emboscadas que amplamente offerece aos malfazejos dezertores e
escravos fugidos”, por eles falavam centenas, milhares, de outros moradores de
cidades, vilas, povoados, prejudicados em seus interesses de intercomunicação
de pessoas e de produtos pelo privativismo das grandes famílias patriarcais,
donas de engenhos, fazendas e chácaras e indiferentes àqueles interesses.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Tanto
que, excetuada a confraria católica, foi no escravo negro que mais
ostensivamente desabrochou no Brasil o sentido de solidariedade mais largo que
o de família sob a forma de sentimento de raça e, ao mesmo tempo, de classe: a
capacidade de associação sobre base francamente cooperativista e com um sentido
fraternalmente étnico e militantemente defensivo dos direitos do trabalhador.
Para não falar na forma quase socialista de vida e de trabalho que tomou a
organização dos negros concentrados nos mucambos de Palmares. Mais do que
simples revolta de escravos fugidos, essa república de mucambos ou palhoças
parece ter sido verdadeiro esforço de independência baseado no prolongamento de
um tipo parassocialista de cultura, inclusive de economia, em oposição ao
sistema patriarcal e de monocultura latifundiária, então dominante.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Os
negros reunidos nos Palmares sob uma ditadura parassocialista, que, segundo os
cronistas,<a name="61"></a><sup><span style="mso-bidi-font-weight: bold;">61</span></sup>
fazia recolher ao celeiro comum as colheitas, o produto do trabalho nas roças,
nos currais, nos moinhos, para realizar-se então, em plena rua, na praça, a
distribuição de víveres entre os vários moradores dos mucambos, puderam
resistir durante meio século aos ataques do patriarcalismo dos senhores de
engenhos, aliados aos capitães-mores. O sistema socialista de vida, organizado
pelos ex-escravos em Palmares, pôde resistir à economia patriarcal e
escravocrática, então em toda a sua glória. Viu-se uma cidade de mucambos de
palha erguer-se sozinha, do meio do mato, contra as casas-grandes e os sobrados
de pedra e cal de todo o norte do Brasil. E só dificilmente as casas-grandes,
os sobrados e o governo colonial conseguiram esmagar a cidade de mucambos.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Foi
a primeira cidade a levantar-se contra o engenho – essa cidade parassocialista
de negros; do mesmo modo que foi em sua técnica de exploração da terra um
esboço de policultura em contraste com a monocultura predominante nos
latifúndios dos senhores brancos. Por conseguinte, a primeira reação de
pluralidade ou diversidade de produção contra o regime mórbido de sacrificar-se
a cultura de víveres à produção de um só produto, e este de exportação; de
sacrificar-se a concentração das populações à sua disseminação por latifúndios
improdutivos de outro artigo se não o destinado a mercados estrangeiros ou
remotos.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Outro
exemplo de sentido cooperativista deram os negros em Ouro Preto, organizando-se
sistematicamente para fins de alforria e de vida independente. Um historiador
mineiro enxerga no fato a antecipação de socialismo cristão entre nós.<a name="62"></a><sup><span style="mso-bidi-font-weight: bold;">62</span></sup>
Chefiados pelo preto de nome Francisco, grande número de escravos das minas de
Ouro Preto foram se alforriando, pelo trabalho, primeiro do velho, que forrou o
filho, depois do pai e filho reunidos, que forraram um estranho, seguindo-se,
por esse processo, a libertação de dezenas de negros. E os negros forros,
operários da indústria do ouro, terminaram donos da mina da Encardideira ou Palácio
Velho.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">O
caráter de socialismo cristão que Diogo de Vasconcelos vê nesse esforço
admirável de cooperação prende-se antes à forma que à essência da organização
dos negros forros de Ouro Preto: esta seria religiosa, mas não católica. Os
negros reuniram-se que nem os negociantes e artífices brancos, em uma
irmandade: a de Santa Ifigênia. E levantaram uma igreja – a do Rosário. Aí, Dia
de Reis, celebravam com muita assuada sua festa, antes africana do que
católica, presidida pelo velho chefe vestido de rei. Ouviam missa cantada, é
certo; mas o principal eram as danças, aos sons de instrumentos africanos.
Danças de rua, defronte da igreja. Danças de negro. Como muito antes do
professor Nina Rodrigues, observou Mansfield, os pretos no Brasil, em vez de adotarem
os santos católicos, esquecendo ou abandonando os seus, substituíram os
africanos pelos portugueses, exagerando pontos de semelhança e conservando
reminiscências dos africanos.<a name="63"></a><sup><span style="mso-bidi-font-weight: bold;">63</span></sup> Às vezes quase criando novos santos com elementos das
duas tradições religiosas. Uns como santos mestiços, pode-se dizer.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Era
o que dava brilho ou ruído de festa às ruas das antigas cidades do Brasil: a
religião. A religião dos pretos com suas danças; a dos brancos, com suas
procissões e suas semanas santas.”<a name="_Hlk160509505"><o:p></o:p></a></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><span style="mso-bookmark: _Hlk160509505;"><sup><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: #0016; mso-bidi-font-weight: bold; mso-themecolor: text1;">54</span></sup></span><span style="mso-bookmark: _Hlk160509505;"><span lang="EN-US" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: EN-US; mso-themecolor: text1;"> Saint-Hilaire, op. cit., I, p. 151.<o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><span style="mso-bookmark: _Hlk160509505;"><sup><span lang="EN-US" style="font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: EN-US; mso-bidi-font-weight: bold;">55</span></sup></span><span style="mso-bookmark: _Hlk160509505;"><span lang="EN-US" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: EN-US; mso-themecolor: text1;"> Tollenare, no Norte,
e Saint-Hilaire, no sul do Brasil, chegaram, nos princípios do século XIX, à
mesma conclusão: que – como generaliza Saint-Hilaire – “<i>l’intérieur de
maisons, reservé pour les femmes, est un sanctuaire où l’étranger ne pénètre
jamais [...] les jardins toujours placés derrière les maisons sont pour les
femmes un faible dédommagement de leur captivité et comme les cuisines on les
interdit scrupuleusement aux étrangers</i>” (<i>Voyage dans l’intérieur du
Brésil</i>, Paris, 1830, I, p. 210).<o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><span style="mso-bookmark: _Hlk160509505;"><sup><span lang="pt" style="font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: #0016; mso-bidi-font-weight: bold;">56</span></sup></span><span style="mso-bookmark: _Hlk160509505;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"> Vários foram os
observadores estrangeiros, que durante os séculos XVII e XVIII e a primeira
metade do XIX, ficaram impressionados com o modo despótico dos brasileiros
tratarem as esposas. </span></span><span style="mso-bookmark: _Hlk160509505;"><span lang="EN-US" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: EN-US; mso-themecolor: text1;">No meado do século XIX, o
norte-americano Stewart escreveu: “<i>The native female of the better classes
is still to be regarded as a kind of house prisoner [...]</i>” (C. S. Stewart, <i>Brazil
and la Plata: the personal record of a cruise</i>, Nova York, 1856, p. 148).<o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><span style="mso-bookmark: _Hlk160509505;"><sup><span lang="pt" style="font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: #0016; mso-bidi-font-weight: bold;">57</span></sup></span><span style="mso-bookmark: _Hlk160509505;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"> Também impressionou
aos observadores estrangeiros da sociedade brasileira, quer durante a época
colonial quer durante a primeira metade do século XIX, a reclusão das moças
solteiras nas camarinhas das casas-grandes e nas alcovas dos sobrados, quando
não nos conventos. O geógrafo-historiador A. W. Sellin, escrevendo já na
segunda metade do século XIX, notou que o tratamento das mulheres pelos maridos
tornara-se, no Brasil, “muito mais atencioso que entre nações que lhe são
superiores em civilização”. Mas destacando: “Outrora as mulheres,
particularmente as filhas solteiras, eram muito vigiadas. Só saíam às ruas
escoltadas por parentes, eram retiradas mui cuidadosamente das vistas do
estrangeiro, tinham de consentir que nas janelas de seus quartos de dormir
fossem postas grades para garanti-las de raptos” (<i>Geografia geral do Brasil</i>,
trad., Rio de Janeiro, 1889, p. 105).<o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><span style="mso-bookmark: _Hlk160509505;"><sup><span lang="pt" style="font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: #0016; mso-bidi-font-weight: bold;">58</span></sup></span><span style="mso-bookmark: _Hlk160509505;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"> Veja-se o resumo das
observações feitas no Brasil por De la Salle, que, durante os anos de 1837 e
1839 fez a volta do mundo na corveta <i>La Bonite</i>, por C. de Melo Leitão, <i>Visitantes
do Primeiro Império</i>, São Paulo, 1934, p. 84. Reparou o comandante francês:
“[...] se por seu aspecto, a cidade do Rio de Janeiro lembra as cidades da
Europa, o povo que circula em seus quarteirões mui depressa destrói essa
ilusão. Os homens e sobretudo as damas da sociedade brasileira saem pouco de
casa. Não as vemos, como suas semelhantes em França, aparecer nas ruas ou nos
passeios públicos”.</span></span><a name="59_1"></a><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><sup><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: #0016; mso-bidi-font-weight: bold; mso-themecolor: text1;">59</span></sup><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"> Livro Manuscrito da Câmara do Recife, 1828. Livro
Manuscrito da Câmara de Olinda, 1833, Seção de Manuscritos da Biblioteca do
Estado de Pernambuco; Posturas da Câmara de Salvador, 1844, Manuscrito segundo
cópia que nos foi gentilmente fornecida pela Diretoria do Arquivo, Divulgação e
Estatística da mesma cidade.<a name="60_1"></a><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><sup><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: #0016; mso-bidi-font-weight: bold; mso-themecolor: text1;">60</span></sup><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"> As casas-grandes até certo ponto continuadas pelos sobrados
patriarcais das cidades, desempenharam funções de assistência social e médica
no meio brasileiro, responsabilidade que foram aos poucos abdicando nas santas
casas de misericórdia – aliás fundadas, no Brasil, nos primeiros anos da era
colonial – nas Ordens Terceiras e nas instituições oficiais. Durante anos, os
próprios senhores patriarcais juntaram às suas responsabilidades as de
“médicos”, explicando-se, assim, a fácil aceitação que teve entre eles a
homeopatia. Entretanto, anúncios de jornais da primeira metade do século XIX
indicam que vários senhores de casas-grandes foram preferindo abdicar daquela
responsabilidade nas mãos de cirurgiões que, como os capelães, se integrassem
no sistema patriarcal, a serviço do patriarca e concorrendo com sua técnica
para a melhor conservação da vida, da saúde e da energia dos escravos. Desde os
primeiros anos do século XIX foram aparecendo, nas gazetas, anúncios como este,
recolhido do <i>Diário do Rio de Janeiro</i> de 13 de março de 1822:
“Necessita-se de hum cirurgião habil e que tambem cuide de Medicina, para huma
Fazenda de Engenho [...]”.<a name="61_1"></a><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><sup><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: #0016; mso-bidi-font-weight: bold; mso-themecolor: text1;">61</span></sup><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"> O Sr. Edson Carneiro no seu estudo <i>O quilombo dos
Palmares</i> (Rio de Janeiro, 1947) destaca que os aquilombados conseguiram
retirar do solo e da mata regionais o necessário para seu sustento, fabricando
com madeiras, fibras, barro, não só casas, potes, vasilhas, como vassouras,
esteiras, chapéus, cestas, abanos e fazendo da diamba ou maconha ou “fumo da
Angola” seu substituto do tabaco. Fumavam o “fumo da Angola” em cachimbos feitos
com cocos de palmeira (p. 32). Pelas informações reunidas por esse e por outros
pesquisadores do assunto, vê-se que os negros organizados em “república” em
Palmares conseguiram ser saudavelmente ecológicos ao mesmo tempo que
cooperativistas ou parassocialistas nos seus estilos de vida e na sua técnica
de produção.<a name="62_1"></a><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><sup><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: #0016; mso-bidi-font-weight: bold; mso-themecolor: text1;">62</span></sup><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"> Não é sem razão que o historiador mineiro Diogo de
Vasconcelos e, baseado nele, A. Teixeira Duarte em seu estudo sobre as origens
do cooperativismo em Minas Gerais, veem na organização de Xico Rei para forrar
“filhos” ou negros da sua “nação”, a antecipação, no Brasil, do cooperativismo
ou do socialismo cristão. (A. Teixeira Duarte, “Catecismo da cooperação”, <i>Rev.
Arq. Púb. Min.</i>, Belo Horizonte, 1914, ano XVIII, nota às páginas 341-342).<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Note-se,
também, que enquanto as irmandades de brancos faziam-se notar, na época
colonial, em mais de uma área, por extremos de rivalidade, cada uma cuidando
exclusivamente dos seus interesses, na segunda metade do século XVIII a
Irmandade de Nossa Senhora da Boa Morte, do Rio de Janeiro, procurava conseguir
“a reunião de todas as irmandades dos homens pardos”, segundo ofício, de 8 de
janeiro de 1765, sobre o assunto, que consta da correspondência dos vice-reis
do Brasil no Rio de Janeiro (“Ofícios para os vicerreis do Brasil no Rio de
Janeiro”, fls. 20, livro I-A, Manuscrito, no Arquivo Público Nacional, Rio de
Janeiro).<a name="63_1"></a><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><sup><span lang="EN-US" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: EN-US; mso-bidi-font-weight: bold; mso-themecolor: text1;">63</span></sup><span lang="EN-US" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: EN-US; mso-themecolor: text1;"> Charles B. Mansfield, Paraguay, Brazil and the
Plate, Cambridge, 1856, p. 91. </span><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Veja-se também sobre o assunto o estudo do professor Artur Ramos, A
aculturação negra no Brasil, São Paulo, 1942.<o:p></o:p></span></p>Doneyhttp://www.blogger.com/profile/09476772224297324141noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-1937976905822999004.post-109308592486374672024-02-26T10:19:00.004-03:002024-02-26T10:19:43.071-03:00A consciência de Svevo, de Italo Svevo<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">Editora</span></i><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">: Clube de Literatura Clássica<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><i><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">ISBN</span></i><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">: 978-65-870-3680-9<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><i><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">Tradução</span></i><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">: Veríssimo
Anagnostopoulos e Gabriela Maroha Anagnostopoulos<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">Opinião</span></i><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">: </span><span face=""Segoe UI Symbol","sans-serif"" style="color: black; font-size: 14pt; mso-bidi-font-family: "Segoe UI Symbol"; mso-themecolor: text1;">★★☆☆☆</span><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">Páginas</span></i><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">: 80<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><i><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">Sinopse</span></i><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">: Livreto com dois contos de Italo Svevo – “Orazio Cima” e
“A Novela do Bom Velho e da Bela Moça”.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;"><br /></span></p>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgOUva3eXUQ9fQFWe_qWv8E-6cNqeTCVw-5iR8fv16wKufNJALuwHcPDpkArctywwwgTe6zIMG_mZoTB61L5Axp3R86Khi-K9UzE77i-HaZQGqz24TXbHSLafeLk5SjNarX0sqb1Ktb0ksPHVdZ35ZS8UMVF5y9VOtpOJqj0ZJrTxnNH76ElFn5vwkTqI0/s1891/A%20consci%C3%AAncia%20de%20Svevo.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1891" data-original-width="1208" height="400" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgOUva3eXUQ9fQFWe_qWv8E-6cNqeTCVw-5iR8fv16wKufNJALuwHcPDpkArctywwwgTe6zIMG_mZoTB61L5Axp3R86Khi-K9UzE77i-HaZQGqz24TXbHSLafeLk5SjNarX0sqb1Ktb0ksPHVdZ35ZS8UMVF5y9VOtpOJqj0ZJrTxnNH76ElFn5vwkTqI0/w255-h400/A%20consci%C3%AAncia%20de%20Svevo.jpg" width="255" /></a></div><p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><br /></p>
<span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"></span>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">“As
crianças amam gritar quando correm.”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">“Quando
um autêntico jovem se enamora, o seu amor amiúde provoca no seu cérebro reações
que em breve com o seu desejo não têm nada que ver. Quantos jovens que poderiam
sossegar-se ditosamente numa cama hospitaleira, não viram de pernas para o ar
ao menos suas casas crendo que para ir para a cama com uma mulher cumpra
primeiro conquistar, criar ou destruir. Já os velhos, de quem se diz que são mais
bem protegidos das paixões, se lhe abandonam em plena consciência e entram na
cama da culpa só com devido resguardo aos resfriados.”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">“Depois
o velho pensou que era o olho infantil da jovenzinha que o conquistara. Os
velhos quando amam passam sempre pela paternidade e todo abraço seu é um
incesto do qual tem o acre sabor.”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">“Os
jovens depois de um pouco de experiência ou mesmo antes de ter nenhuma
encontram tudo aquilo de que precisam enquanto o velho é um amador
desorganizado. À máquina de fazer amor falta neles ao menos um parafuso.”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">“Geralmente
é certo que a maior parte dos velhos acredita ter muito direitos e somente
direitos.”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">“Se
o velho pudesse se comportar segundo seu desejo, teria logo despedido a
jovenzinha porque os velhos têm a imoralidade passageira. Mas com uma mulher
que ama não se pode de modo algum proceder assim a toque de caixa.”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">“Má
retórico aquele que se arrima em tantos argumentos.”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">“Pode-se
nisso ver como funcionam regularmente os velhos. Nos jovens cada hora é desordenadamente
ocupada pelos sentimentos mais díspares enquanto nos velhos cada sentimento tem
a sua hora, inteira. A jovenzinha caminhava de mãos dadas com o velho. Quando a
queria, vinha; ia-se quanto não a queria mais. Discutiam! Depois faziam amor e
comiam de boníssimo humor.”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">“—
Se o desejas — disse ao velho — eu te arrumo uma obra com o título: <i style="mso-bidi-font-style: normal;">O velho</i>. A velhice, infelizmente, ali é
considerada uma doença. Não de longa duração, porém.”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">“Com
efeito, toda obra que pretende criar uma teoria se divide em duas partes. A primeira
se dedica à destruição das teorias pré-existentes ou, melhor ainda, à crítica
do estado de fato existente, enquanto a segunda tem a difícil tarefa de
reconstruir as coisas sobre novas bases; coisa bastante difícil.”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">“Nada
de mais belo e de mais fluido que o prefácio a uma teoria.”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">“Outra
vez pensou descrever como desde a primeira classe elementar se devia lembrar
que o objetivo da vida é vir a ser um velho são. A juventude quando peca não sofre
e não faz sofrer tanto. Já o pecado do velho é mais ou menos equivalente a dois
pecados do jovem.”<o:p></o:p></span></p>Doneyhttp://www.blogger.com/profile/09476772224297324141noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1937976905822999004.post-53851421314746450212024-02-19T09:56:00.004-03:002024-02-26T09:01:00.014-03:00Fé e saber, de Jürgen Habermas<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">Editora</span></i><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">: Unesp<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><i><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">ISBN</span></i><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">: 978-85-393-0403-5<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><i><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">Tradução</span></i><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">: Fernando
Costa Mattos<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">Opinião</span></i><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">: </span><span face=""Segoe UI Symbol","sans-serif"" style="color: black; font-size: 14pt; mso-bidi-font-family: "Segoe UI Symbol"; mso-themecolor: text1;">★★★☆☆</span><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">Páginas</span></i><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">: 88<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><i><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">Sinopse</span></i><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">: Segundo volume da Coleção Habermas, este texto reproduz um
discurso do filósofo proferido aproximadamente um mês depois do 11 de setembro
de 2001. Embora circunstancial, é de grande importância no conjunto da obra do
filósofo que, ao retomar o clássico tema fé e saber, adota uma nova expressão —
“pós-secular” — imprimindo mudanças em sua teoria da modernidade, presente em
suas obras posteriores.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;"><br /></span></p>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhjV2ZYMRXrDNNYsn0-IqRav2VWrdJLzjxicIMbMYus80Xdb71IjjKtXA47HUqZe0Uq8p-S9tTjRCmjk599RCkSIHAimXj_Adn5_5B9iSzu-Tvq-TORT0PQhuV6NwJ_cM5xQsXHRkhxZ78Td7T4-Ta5EZiHl_TlN3Z19u99Z5AHm1PYgaVQFs_IumAV5f0/s1500/F%C3%A9%20e%20saber.jpg" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1500" data-original-width="923" height="400" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhjV2ZYMRXrDNNYsn0-IqRav2VWrdJLzjxicIMbMYus80Xdb71IjjKtXA47HUqZe0Uq8p-S9tTjRCmjk599RCkSIHAimXj_Adn5_5B9iSzu-Tvq-TORT0PQhuV6NwJ_cM5xQsXHRkhxZ78Td7T4-Ta5EZiHl_TlN3Z19u99Z5AHm1PYgaVQFs_IumAV5f0/w246-h400/F%C3%A9%20e%20saber.jpg" width="246" /></a></div><p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><br /></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">“Apesar
de sua pequena dimensão e seu caráter </span><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">circunstancial,
<i>Fé e Saber </i>ocupa lugar de destaque na vasta e complexa obra de Habermas.
O texto reproduz o discurso pronunciado na recepção do Prêmio da Paz concedido
pela Associação dos Comerciantes de Livros da Alemanha, cerca de um mês após o
acontecimento histórico de 11 de Setembro de 2001. Ocasião propícia para mais
uma vez traçar um panorama intelectual de época, exercitando a mediação
interpretadora típica da filosofia e, como se poderia esperar, colocando à
prova seu próprio pensamento. O diagnóstico de Habermas tem como mira principal
o tempo nascente de um novo milênio cuja situação cultural exibiria duas tendências
contrárias: de um lado, a propagação de imagens de mundo naturalistas; e, de
outro, a revitalização inesperada de comunidades de fé e tradições religiosas e
sua politização em escala mundial. Não chega a ser surpreendente, portanto, que
o presente ensaio conclua com o exemplo da engenharia genética para ilustrar a
atitude correta de uma filosofia racional e profana que, guardando distância da
religião, não se fecha às suas perspectivas. A diferença absoluta entre o
criador que dá forma à criatura, atribuindo-lhe ao mesmo tempo a capacidade de
autodeterminação — de acordo com o relato bíblico do <i>Gênesis, </i>“Deus
criou o homem à sua imagem, à imagem de Deus ele o criou” —, exprime bem a
autocompreensão normativa de uma responsabilidade simétrica entre pessoas
livres e iguais e serve de inspiração para uma moralidade política baseada na
ideia de dignidade humana.” (Luiz Bernardo Leite Araujo — <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Apresentação</i>)<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">“</span><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">No texto que se segue Habermas fala de uma modernidade com cabeça de
Jano e de uma secularização dominada por sentimentos ambivalentes. Com isso ele
pretende chamar a atenção para a dialética inconclusa de um movimento histórico
cuja autocompreensão é resultado de processos de aprendizagem. Permanecendo
aferrado à constelação pós-metafísica e <i>secular </i>do pensamento moderno,
Habermas propõe uma reavaliação da tese tradicional da <i>secularização </i>com
vistas a um questionamento do <i>secularismo </i>como visão de mundo. Não resta
dúvida de que a laicização da autoridade política é a viga mestra do processo
de secularização, do qual fazem parte a separação entre igreja e Estado, a
instauração do pluralismo religioso e a adoção do regime de tolerância mútua
entre credos e doutrinas divergentes. Mas a derrocada da unidade substancial
das sociedades tradicionais em torno das interpretações míticas e das imagens
religiosas e metafísicas de mundo — no seio das sociedades modernas desprovidas
de garantias metassociais, funcionalmente diferenciadas e culturalmente
heterogêneas — não quer dizer que a “destruição criadora” do processo de
secularização equivalha a um “jogo de soma zero” entre poderes mundano e
supramundano. E tampouco indica que o “impulso reflexivo” na direção do
descentramento e da autonomização das perspectivas de mundo passe ao largo da “profanação
do sagrado”, urdida inicialmente pelas grandes religiões surgidas na China, na
Índia e em Israel — o chamado “período axial” de Karl Jaspers, quando também
teve origem a filosofia na Grécia — em meados do primeiro milênio antes de
Cristo.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">Isso mostra que o pensamento pós-metafísico, que
estabelece uma distinção rigorosa entre fé e saber, não se limita ao legado da
metafísica ocidental, mas considera as doutrinas religiosas como integrantes da
genealogia da razão, nutrindo-se de seu conteúdo normativo. A expressão “pós-secular”
não é uma alternativa ao horizonte pós-metafísico da modernidade, o qual
permanece “secular” a despeito daquele prefixo “pós”, correspondendo a uma
mudança de mentalidade ou a uma alteração crítica do autoentendimento
secularista de sociedades que se tornaram conscientes da persistência da
religião, de sua relevante contribuição para a vida política, da necessidade de
eliminar sobrecargas mentais e psicológicas desmesuradas para os cidadãos
crentes, e ainda do imperativo de acomodação das vozes religiosas na esfera
pública democrática. A “tradução cooperativa de conteúdos religiosos”,
defendida por Habermas em <i>Fé e saber</i>, remete a uma ética da cidadania
cuja realização depende de enfoques epistêmicos mediante os quais as
dissonâncias cognitivas sejam tratadas como desacordos razoáveis entre todas as
partes engajadas em processos de aprendizagem <i>complementares</i>. Se sobre o
cidadão de fé recai a exigência de uma consciência reflexiva que relacione suas
convicções com o fato do pluralismo, deixe às ciências institucionalizadas as
decisões referentes ao saber mundano e torne as premissas igualitárias de uma
moral universalista dos direitos humanos compatíveis com seu credo; o cidadão
secular assume, por seu turno, as pressões adaptativas da situação pós-secular,
na qual se atualiza a questão kantiana de como assimilar a herança semântica
das tradições religiosas sem obliterar a fronteira entre os universos da fé e
do saber.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">Ressalta-se aqui o exemplo de “uma
desconstrução ao mesmo tempo secularizante e salvadora das verdades de fé”.
Para Habermas, o pensamento pós-metafísico deve adotar uma atitude simultaneamente
agnóstica e receptiva diante da religião, ou seja, que se oponha a uma
determinação estritamente secularista das razões publicamente aceitáveis sem,
com isso, comprometer sua autocompreensão secular. É uma opção metodológica cogente
para um tipo de pensamento que, lidando com a força especial das tradições
religiosas no trato de intuições morais profundas e na articulação daquilo que
falta ou que se perdeu, não pretende despi-las de possíveis conteúdos
racionais, nem desvalorizá-las como resíduos arcaicos de uma figura do espírito
superada pelas ciências, mas ainda assim insiste nas diferenças cruciais entre a
fé e o saber como modalidades essencialmente distintas do ter algo por
verdadeiro. Nesse sentido, a história do cristianismo é particularmente rica na
ilustração desse trabalho conflituoso de apropriação racional e transformadora
dos conteúdos religiosos veiculados pelas comunidades de crentes, sendo
impensável a modernidade ocidental sem a <i>dupla herança </i>da
espiritualidade judaico-cristã e da racionalidade grega, isto é, sem a
permanente e produtiva relação de tensão entre a <i>fé </i>(religiosa) de Jerusalém
e o <i>saber </i>(filosófico) de Atenas.”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">(Luiz Bernardo Leite Araujo — <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Apresentação</i>)<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">“Apesar
de sua linguagem religiosa, o fundamentalismo é um fenômeno exclusivamente
moderno. O que chama particularmente a atenção nos terroristas islâmicos é a
assincronia entre os motivos e os meios. Reflete-se nisso a assincronia entre
cultura e sociedade nos países natais desses terroristas, algo que só se
constitui em decorrência de uma modernização acelerada e fortemente
desenraizadora. Aquilo que em condições mais favoráveis poderia ser vivido,
entre nós, como um processo de destruição <i style="mso-bidi-font-style: normal;">criadora</i>,
não oferece por lá qualquer compensação perceptível para a dor que acompanha o
declínio das formas de vida tradicional. Nesses países, a perspectiva de uma
melhoria das condições materiais de vida é apenas uma perspectiva. O mais
decisivo é que se bloqueia, por meio dos sentimentos de degradação, a
transformação espiritual que se expressaria politicamente na separação entre
religião e Estado. Também na Europa, que a história levou séculos para tornar
sensível à cabeça de Jano da modernidade, a “secularização” continua a ser
dominada por sentimentos ambivalentes — como se percebe na disputa em torno da
engenharia genética.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Há
ortodoxias endurecidas tanto no Ocidente como no Oriente Médio e no Extremo
Oriente; entre cristãos e judeus, como entre muçulmanos. Quem quer evitar uma
guerra de culturas precisa ter em mente a dialética inconclusa do nosso próprio
processo ocidental de secularização. A “guerra contra o terror” não é uma
guerra, e no terrorismo também se expressa um choque desastrosamente silencioso
de dois mundos que precisariam desenvolver uma linguagem comum, para além da
violência muda dos terroristas e dos mísseis. Em vista de uma globalização
imposta por meio de mercados sem limites, muitos de nós têm a esperança de um
retorno do político sob outra forma — não a forma <a href="https://listadelivros-doney.blogspot.com/2009/03/leviata-thomas-hobbes.html" target="_blank">hobbesiana</a> original de um
Estado de segurança globalizado, ou seja, com dimensões de polícia, serviço
secreto e forças militares, mas a de um poder mundial de configuração
civilizadora. No momento não nos resta muito mais do que a pálida esperança em
alguma astúcia da razão — e um pouco de autorreflexão. Pois aquela ruptura muda
cinde também a nossa própria casa. Nós só conseguiremos aferir adequadamente os
riscos de uma secularização que saiu dos trilhos em outros lugares, se tivermos
claro o que significa a secularização em nossas sociedades pós-seculares.”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">“<i style="mso-bidi-font-style: normal;">Secularização na sociedade pós-secular</i><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">A
palavra “secularização” teve, a princípio, o significado jurídico de uma
transferência compulsória dos bens da Igreja para o poder público secular. Esse
significado foi transmutado para o surgimento da modernidade cultural e social
como um todo. Desde então, apreciações opostas têm sido associadas à “secularização”,
conforme se coloque em primeiro plano ora a bem sucedida <i style="mso-bidi-font-style: normal;">domesticação</i> da autoridade eclesiástica pelo poder mundano, ora o
ato de <i style="mso-bidi-font-style: normal;">apropriação</i> ilícita. De acordo
com primeira leitura, modos de pensar e formas de vida religiosas são <i style="mso-bidi-font-style: normal;">substituídos</i> por equivalentes racionais,
em todo caso superiores; de acordo com a outra leitura, as formas modernas de
vida e pensamento são <i style="mso-bidi-font-style: normal;">desacreditadas</i>
como bens furtados ilegitimamente. O modelo da substituição sugere uma
interpretação otimista e progressista para uma modernidade desencantada; o
modelo da apropriação forçada, uma interpretação teórica para o que seria a
ruína de uma modernidade desamparada. As duas explicações cometem o mesmo erro.
Elas consideram a secularização um jogo de soma zero entre, de um lado, as
forças produtivas da ciência e da técnica, liberadas pelo capitalismo e, de
outro, os poderes conservadores da religião e da Igreja. Um só pode ganhar à
custa do outro, e isto segundo as regras liberais de um jogo que favorece as forças
motrizes da modernidade.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Essa
imagem não é adequada a uma sociedade póssecular que se ajusta à sobrevivência
de comunidades religiosas em um ambiente cada vez mais secularizante. Não é
levado em conta o papel civilizador de um senso comum [<i style="mso-bidi-font-style: normal;">Commonsense</i>] democraticamente esclarecido que, em meio aos ânimos
exacerbados da luta cultural, funciona como um terceiro partido, pavimentando
seu próprio caminho entre a ciência e a religião. É certo que, do ponto de
vista do Estado liberal, só merecem o predicado “razoáveis” as comunidades
religiosas que, <i style="mso-bidi-font-style: normal;">segundo seu próprio
discernimento</i>, renunciam à imposição violenta de suas verdades de fé, à
pressão militante sobre as consciências de seus próprios membros, e tanto mais
à manipulação para atentados suicidas<sup>1</sup>. Esse discernimento se deve a
uma tríplice reflexão dos fiéis sobre a sua posição em uma sociedade
pluralista. Primeiramente, a consciência religiosa tem de assimilar o encontro
cognitivamente dissonante com outras confissões e religiões. Em segundo lugar,
ela tem de adaptar-se à autoridade das ciências, que detêm o monopólio social
do saber mundano. Por fim, ela tem de adequar-se às premissas do Estado
constitucional, que se fundam em uma moral profana. Sem esse impulso reflexivo,
os monoteísmos acabam por desenvolver um potencial destrutivo em sociedades
impiedosamente modernizadas. A expressão “impulso reflexivo” [<i style="mso-bidi-font-style: normal;">Reflexionsschub</i>] dá a falsa impressão de
um processo concluído e realizado unilateralmente. Na verdade, porém, esse
trabalho reflexivo dá um novo passo a cada conflito que irrompe nos campos de
batalha da esfera pública democrática.”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">1
Rawls, <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Politischer Liberalismus</i>, p.
132-141; Forst, Toleranz, Gerechtigkeit, Vernunft, p. 144-161.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">“É
claro que o senso comum, que produz tantas ilusões sobre o mundo, tem de ser
esclarecido sem reservas pelas ciências. Mas as teorias científicas que
penetram o mundo da vida deixam intacto, em seu cerne, o quadro do nosso saber
cotidiano, no qual se constitui a autocompreensão de pessoas capazes de falar e
agir. Quando aprendemos algo novo sobre o mundo, e sobre nós como seres no
mundo, modificase o conteúdo de nossa autocompreensão. Copérnico e Darwin
revolucionaram a imagem geocêntrica e antropocêntrica do mundo. Mas a
destruição da ilusão astronômica sobre a órbita das estrelas deixou menos
sinais no mundo da vida que o fim da ilusão biológica sobre o lugar do homem na
história natural. Os conhecimentos científicos parecem inquietar tanto mais
nossa autocompreensão, quanto mais próximos eles nos deixam diante do nosso
próprio corpo.” <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">“O
senso comum está entrelaçado, portanto, com a consciência de pessoas que podem
tomar iniciativas, cometer erros e corrigi-los. Em oposição às ciências, ele afirma
a sua estrutura perspectivística de maneira muito própria. Por outro lado, essa
mesma consciência de autonomia, que não é compreensível de forma naturalista, funda
a distância em relação a uma tradição religiosa de cujos conteúdos normativos,
contudo, também nos nutrimos. Com a exigência de justificativas racionais, o esclarecimento
científico parece, por seu turno, trazer para o seu lado um senso comum que
firmou seu lugar no edifício — construído segundo o direito racional — do Estado
constitucional democrático. Evidentemente, também o direito racional
igualitário tem raízes religiosas — raízes naquela revolução do modo de pensar
que coincide com a ascensão das grandes religiões mundiais. Mas essa
legitimação do direito e da política nos termos do direito racional se alimenta
de fontes da tradição religiosa há muito tempo profanadas. Ao contrário da
religião, o senso comum democraticamente esclarecido mantém-se sobre bases que
são aceitáveis não somente para os membros de <i style="mso-bidi-font-style: normal;">uma</i> comunidade religiosa. É por isso que o Estado liberal continua
a despertar a suspeita, entre os fiéis, de que a secularização ocidental possa
ser uma via de mão única em que a religião será marginalizada. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">A
liberdade religiosa tem como contrapartida, de fato, uma pacificação do
pluralismo das visões de mundo cujos custos se mostraram desiguais. Até aqui, o
Estado liberal só exige dos que são crentes entre seus cidadãos que dividam a sua
identidade, por assim dizer, em seus aspectos públicos e privados. São eles que
têm de traduzir as suas convicções religiosas para uma linguagem secular antes
de tentar, com seus argumentos, obter o consentimento das maiorias. É assim
que, quando querem reclamar o estatuto de portador de direitos fundamentais
para os óvulos fecundados fora do corpo materno, os católicos e protestantes
procuram hoje (talvez prematuramente) traduzir a imagem e semelhança a Deus da
criatura humana para a linguagem secular do direito constitucional. Mas a
procura por argumentos voltados à aceitabilidade universal só não levará a
religião a ser injustamente excluída da esfera pública, e a sociedade secular
só não será privada de importantes recursos para a criação de sentido, caso o
lado secular se mantenha sensível para a força de articulação das linguagens
religiosas. Os limites entre os argumentos seculares e religiosos são inevitavelmente
fluidos. Logo, o estabelecimento da fronteira controversa deve ser compreendido
como uma tarefa cooperativa em que se exija dos dois lados aceitar também a
perspectiva do outro.”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">“A
política liberal não deve externalizar o persistente conflito sobre a
autocompreensão secular da sociedade, ou seja, deslocando-o para a cabeça dos
religiosos. O senso comum democraticamente esclarecido não é algo singular, mas
algo que descreve a constituição mental de uma esfera pública <i style="mso-bidi-font-style: normal;">com muitas vozes</i>. As maiorias seculares
não devem chegar a conclusões, em questões desse tipo, antes de dar ouvidos à
objeção dos oponentes que se sentem lesados em suas convicções religiosas; elas
devem considerar essa objeção como uma espécie de veto suspensivo e verificar o
que podem aprender com isso. No que diz respeito à origem religiosa de seus
fundamentos morais, o Estado liberal deveria contar com a possibilidade de que,
diante de desafios inteiramente novos, a “cultura do comum entendimento humano”
(Hegel) possa não alcançar o nível de articulação da história de seu próprio
surgimento. A linguagem do mercado penetra hoje todos os poros, forçando todas
as relações entre seres humanos a encaixar-se no esquema de uma orientação
autorreferente de acordo com as próprias preferências. No entanto, o vínculo
social que se prende ao reconhecimento recíproco não se ajusta aos conceitos do
contrato, da escolha racional e da maximização da utilidade.<sup>8</sup><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Por
isso Kant não queria deixar o dever categórico desaparecer sob a onda do
interesse autoesclarecido. Ele ampliou a liberdade de arbítrio de modo a
abarcar a autonomia e, com isso, forneceu o primeiro grande exemplo — após a
metafísica — de uma desconstrução ao mesmo tempo secularizante e salvadora das
verdades de fé. A autoridade dos mandamentos divinos tem um eco na validade
incondicional dos deveres morais que não podemos deixar de escutar. Com o seu
conceito de autonomia, Kant certamente destrói a representação tradicional da nossa
filiação divina.<sup>9</sup> Mas ele só percebeu as consequências mais banais
dessa deflação esvaziante através de uma <i style="mso-bidi-font-style: normal;">apropriação</i>
do conteúdo religioso. Sua tentativa de traduzir o mal radical da linguagem bíblica
para a linguagem da religião racional pode parecer-nos pouco convincente. Tal
como mostra hoje, uma vez mais, o uso desenfreado dessa herança bíblica, nós
ainda não dispomos de um conceito apropriado para a diferença semântica entre o
moralmente incorreto e o profundamente mal. Não existe o demônio, mas o anjo
caído segue seu curso calamitoso — seja nos bens invertidos da ação monstruosa,
seja também no incontornável ímpeto de vingança que o segue de perto.”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">8 Honneth,
<i style="mso-bidi-font-style: normal;">Kampf um Anerkennung</i>.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">9 O
prefácio à primeira edição de <i style="mso-bidi-font-style: normal;">A religião
nos limites da simples razão</i> começa com a frase: “Na medida em que está fundada
no conceito do ser humano como um ser livre que, justamente por isso, prende-se
a si mesmo, através de sua razão, em limites incondicionados, a moral não
precisa nem da ideia de um outro ser sobre ele, para reconhecer seus deveres, nem
de um outro motivo que não a própria lei”. (Kant, <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Die Religion</i>..., p.649.)<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">“</span><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">A história da filosofia alemã desde Kant pode ser compreendida como um
processo judicial em que são tratadas essas questões de partilha da herança. A
helenização do cristianismo havia conduzido a uma simbiose entre a religião e a
metafísica, <a href="https://listadelivros-doney.blogspot.com/2017/07/critica-da-razao-pura-parte-i-immanuel.html">Kant</a>
volta a separá-las. Ele traça um limite preciso entre a fé moral da religião
raciona e a fé revelada positiva, que teria conduzido a um melhoramento da
alma, mas, “com seus amuletos, estatutos e prescrições”, teria acabado por
tornar-se “uma amarra”.<sup>10</sup> Para Hegel, isso é puro “dogmatismo do
Esclarecimento”. Ele zomba da vitória de Pirro de uma razão que, como os
bárbaros vencedores que se subordinam ao espírito da nação vencida, só mantém “a
supremacia no que diz respeito à dominação exterior”.<sup>11</sup> No lugar de
uma razão <i style="mso-bidi-font-style: normal;">que traça limites</i>, aparece uma
razão <i style="mso-bidi-font-style: normal;">que toma para si</i>. Hegel faz da
morte do filho de Deus na cruz o centro de um pensamento que quer incorporar o
conteúdo positivo do cristianismo. O tornar-se homem de Deus simboliza a vida
do espírito filosófico. Também o Absoluto tem de externalizar-se no outro de si
mesmo, pois ele só tem a experiência de si como poder absoluto quando se
reelabora a partir da dolorosa negatividade da autolimitação. Assim, com
efeito, os conteúdos religiosos são <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>superados
na forma do conceito filosófico. Mas Hegel sacrifica a dimensão histórica de
salvação do futuro em nome de um processo do mundo que gira <i style="mso-bidi-font-style: normal;">em torno de si mesmo</i>.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">Os discípulos de Hegel rompem com o fatalismo
dessa desesperadora antevisão de um eterno retorno do mesmo. Eles não querem
mais superar a religião no pensamento, mas sim realizar os seus conteúdos
profanados através do esforço solidário. Esse <i style="mso-bidi-font-style: normal;">pathos</i> de uma efetivação dessublimadora do reino de Deus na Terra
move a crítica à religião desde Feuerbach e <a href="https://listadelivros-doney.blogspot.com/2016/09/critica-da-filosofia-do-direito-de.html">Marx</a>
até Bloch, Benjamin e Adorno: “Nenhum conteúdo teológico permanecerá sem modificação;
todos terão de passar pela prova e transformar-se em conteúdos seculares,
profanos”.<sup>12</sup> Nesse meio tempo, o curso da história havia tratado de
mostrar que a razão se vê sobrecarregada com esse projeto. Na medida em que,
com isso, a razão acaba por <i style="mso-bidi-font-style: normal;">desesperar-se
consigo mesma</i>, Adorno se socorreu, mesmo que para fins estritamente
metodológicos, do ponto de vista messiânico: “a única luz que o conhecimento
possui é aquela que a redenção faz brilhar sobre o mundo”.<sup>13</sup> A esse
Adorno se aplica a frase que Horkheimer cunhou para a teoria crítica como um
todo: “Ela sabe que Deus não existe, mas ainda assim acredita nele”.<sup>14</sup>
Sob outras premissas, Jacques Derrida (também deste ponto de vista um merecido ganhador
do Prêmio Adorno) adota hoje uma posição semelhante. Ele só quer conservar do messianismo
“o mais mínimo elemento messiânico, que tem de estar despido de tudo”.<sup>15</sup>
<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">Evidentemente, a região limítrofe entre a
filosofia e a religião é um terreno minado. Uma <i style="mso-bidi-font-style: normal;">razão que desmente a si mesma</i> cai facilmente na tentação de
simplesmente tomar para si a autoridade e o gesto de um sagrado desessencializado,
tornado anônimo.”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.5pt; mso-themecolor: text1;">12 Adorno, <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Vernunft und Offenbarung</i>, p.20.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.5pt; mso-themecolor: text1;">13 Adorno, <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Minima Moralia</i>, p.480.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.5pt; mso-themecolor: text1;">14 Horkheimer, <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Gesammelte Schriften</i>, v.14, p.508.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.5pt; mso-themecolor: text1;">15 Derrida, <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Glauben und Wissen</i>, p.33; cf. também Derrida, Den Tod Geben.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span><span style="font-family: Georgia, "serif"; font-size: 14pt;"> </span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">“Na
controvérsia sobre como lidar com os embriões humanos, por exemplo, muitas
vozes se remetem a <a href="https://listadelivros-doney.blogspot.com/2017/04/biblia-sagrada-pentateuco-genesis-exodo.html">Moisés
I,27</a>: “Deus criou o homem à sua imagem, à imagem de Deus ele o criou”. Não
é preciso acreditar que Deus, que é amor, atribui a Adão e Eva um ser livre
semelhante ao seu, para compreender o que significa algo ser criado à imagem de
algo. O amor não pode existir sem o reconhecer-se em um outro, a liberdade não
pode existir sem o reconhecimento recíproco.”<o:p></o:p></span></p>Doneyhttp://www.blogger.com/profile/09476772224297324141noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1937976905822999004.post-85569983713568863732024-01-29T00:23:00.002-03:002024-01-29T00:23:33.773-03:00Fundação (03): Segunda Fundação, de Isaac Asimov<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">Editora</span></i><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">: Aleph<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt;"><i><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">ISBN</span></i><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">: 978-85-7657-197-1<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt;"><a name="_Hlk144959563"><i><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">Tradução</span></i></a><span style="mso-bookmark: _Hlk144959563;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">: </span></span><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">Fábio Fernandes<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">Opinião</span></i><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">: </span><span face=""Segoe UI Symbol","sans-serif"" style="color: black; font-size: 14pt; mso-bidi-font-family: "Segoe UI Symbol"; mso-themecolor: text1;">★★</span><span style="font-size: 18.6667px;">☆</span><span style="font-size: 14pt;">☆☆</span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">Páginas</span></i><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">: 301<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">Link para compra</span></i><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">: </span><a href="https://amzn.to/3LfkTVs"><span style="font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt;">Clique aqui</span></a><u><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;"><o:p></o:p></span></u></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><i><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">Sinopse</span></i><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">: <a name="_Hlk132110989">Ver </a></span><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"></span><a href="https://listadelivros-doney.blogspot.com/2023/09/fundacao-de-isaac-issamov.html"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span style="font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt;">Primeiro livro</span></span></a><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;"><o:p></o:p></span></span></p><p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><br /></p>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgxzzfXmZX0lpj8MStxVrLdgKUB7haNpj34PqUK4irLWtwLUtwrG5NjrS3KK5fnuH-4-ptebfgcseyy9OCrW9u0eiurzIXaILFbbgnYKvSBPFFjq5IjuuM24ndN4fSnXlf6Ms5maenE3C9-w4K0vvh1wsoWAMh92uYImfIp9fte64NhDAUY7aJg83wSSPw/s995/Funda%C3%A7%C3%A3o%20(Trilogia).jpg" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="995" data-original-width="646" height="400" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgxzzfXmZX0lpj8MStxVrLdgKUB7haNpj34PqUK4irLWtwLUtwrG5NjrS3KK5fnuH-4-ptebfgcseyy9OCrW9u0eiurzIXaILFbbgnYKvSBPFFjq5IjuuM24ndN4fSnXlf6Ms5maenE3C9-w4K0vvh1wsoWAMh92uYImfIp9fte64NhDAUY7aJg83wSSPw/w260-h400/Funda%C3%A7%C3%A3o%20(Trilogia).jpg" width="260" /></a></div><p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><br /></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">“O homem que não tinha outro nome
a não ser Mulo e nenhum título a não ser Primeiro Cidadão olhava, através das
paredes que eram como espelhos de face única, para a cidade brilhante e nobre
no horizonte.<o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">No fim de tarde, as estrelas surgiam
e não havia nenhuma que não devesse obediência.<o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Ele sorriu com uma amargura
fugaz, perante o pensamento. Elas deviam obediência a uma personalidade que
poucos haviam visto.<o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Ele não era um homem para ser
contemplado, o Mulo – não era um homem para ser contemplado sem desdém. Pouco
mais de 50 quilos esticados em 1,70 m. Seus membros eram como pequenos caules
ossudos que saíam de seu corpo esquelético em ângulos pouco graciosos. E seu
rosto magro estava quase tomado pela proeminência de um bico carnudo que se
projetava, chegando a sete centímetros.<o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Somente seus olhos desmentiam a
comédia geral que era o Mulo. Na suavidade – algo estranho de se encontrar no
maior conquistador da Galáxia – de seus olhos, a tristeza nunca estava de todo
apagada.<o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Na cidade, encontrava-se toda a
alegria de uma capital luxuosa de um mundo luxuoso. Ele poderia ter
estabelecido sua capital na Fundação, o mais forte entre todos os seus inimigos
conquistados, mas ela estava muito longe, na borda da Galáxia. Kalgan, mais
centralmente localizada, com uma longa tradição de parque de diversões da
aristocracia, servia melhor – estrategicamente.<o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Mas, em sua tradicional alegria,
aumentada por uma prosperidade nunca antes vista, ele não encontrava paz.<o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Eles o temiam, obedeciam e,
talvez, até respeitassem – de uma boa distância. Mas quem poderia olhar para
ele sem desdém? Somente os que tinham sido convertidos. E de que valia essa
lealdade artificial? Não tinha sabor. Ele poderia ter adotado títulos, imposto
um ritual e inventado elaborações, mas mesmo isso não teria mudado nada. Melhor
– ou menos pior – ser simplesmente o Primeiro Cidadão – e se esconder.<o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Houve uma repentina onda de
rebelião dentro dele – forte e brutal. Nenhuma porção da Galáxia deveria ser
negada a ele. Por cinco anos, permanecera silencioso e enterrado aqui em Kalgan
por causa da ameaça eterna, mística, espalhada pelo espaço da nunca vista,
nunca ouvida, nunca conhecida Segunda Fundação. Ele tinha trinta e dois anos.
Não era velho – mas se sentia velho. Seu corpo, quaisquer que fossem seus
poderes mentais mutantes, era fisicamente fraco.<o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Todas as estrelas! Todas as
estrelas que ele podia ver – e todas as estrelas que não conseguia ver. Tudo
devia ser dele!<o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Vingança contra todos. Contra uma
humanidade da qual não fazia parte. Contra uma Galáxia onde não se encaixava.”<o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">“– Onde a história se preocupa
principalmente com as personalidades, os esboços podem ser tanto positivos
quanto negativos, de acordo com os interesses do escritor.”<o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">“– Um Orador deve ser capaz de
discutir o Plano sem matemática. Se não o Plano em si, pelo menos sua filosofia
e seus objetivos. Primeiro de tudo, qual é o objetivo do Plano? Por favor,
diga-me em suas próprias palavras... e não fique procurando lindas palavras.
Você não será julgado por polidez e suavidade, eu garanto.<o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Foi a primeira chance do
Estudante de dizer mais de uma sentença, e ele hesitou antes de mergulhar no
espaço cheio de expectativas que se abriu à sua frente. Começou a falar, com
modéstia:<o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">– Como resultado do que aprendi,
acredito que é a intenção do Plano estabelecer uma civilização humana baseada
em uma orientação inteiramente diferente de qualquer coisa que já existiu
antes. Uma orientação na qual, de acordo com as descobertas da psico-história,
nunca poderia <i>espontaneamente</i> chegar a existir...<o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">– Pare! – insistiu o Primeiro
Orador. – Você não deve falar “nunca”. Essa é uma difamação preguiçosa dos
fatos. Na verdade, a psico-história prevê somente probabilidades. Um evento em
particular pode ser infinitesimalmente provável, mas a probabilidade é sempre
maior do que zero.<o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">– Sim, Orador. A orientação
desejada, se posso me corrigir, então, sabe-se muito bem que não possui nenhuma
probabilidade significativa de acontecer espontaneamente.<o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">– Melhor. Qual é a orientação?<o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">– É a de uma civilização baseada
na ciência mental. Em toda a história conhecida da Humanidade, avanços foram
feitos primeiramente na tecnologia física; na capacidade de lidar com o mundo
inanimado. O controle do ego e da sociedade foi deixado ao acaso, ou aos
esforços vagos de sistemas éticos intuitivos baseados na inspiração e na
emoção. Como resultado, jamais existiu uma cultura com estabilidade maior do
que 55% e, mesmo estas, foram resultado de uma grande miséria humana.<o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">– E por que a orientação da qual
estamos falando é não espontânea?<o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">– Porque uma grande minoria de
seres humanos está mentalmente equipada para participar dos avanços na ciência
física, e todos recebem os benefícios crus e visíveis desses avanços. Somente
uma minoria insignificante, no entanto, é intrinsecamente capaz de levar o
Homem através de um envolvimento maior com a Ciência Mental; e os benefícios
derivados disso, apesar de durarem mais, são mais sutis e menos aparentes. Além
disso, já que tal orientação levaria ao desenvolvimento de uma ditadura
benevolente dos que são mentalmente superiores... virtualmente, uma subdivisão
superior da Humanidade... isso causaria muito ressentimento e não seria estável
sem a aplicação de uma força que deprimiria o resto da Humanidade para o nível
da brutalidade. Tal desenvolvimento é repugnante para nós, e deve ser evitado.<o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">– Qual, então, é a solução?<o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">– A solução é o Plano Seldon. As
condições foram organizadas e mantidas de forma que, em um milênio a partir de
seu começo... seiscentos anos contando a partir de agora... um Segundo Império
Galáctico terá sido estabelecido no qual a Humanidade estará pronta para a
liderança da Ciência Mental. Nesse mesmo intervalo, a Segunda Fundação, em <i>seu</i>
desenvolvimento, terá criado um grupo de psicólogos pronto para assumir a
liderança. Ou, como eu sempre penso, a Primeira Fundação fornece a estrutura
física de uma única unidade política, e a Segunda Fundação fornece a estrutura
mental de uma classe dominante já pronta.<o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">– Estou vendo. Bastante adequado.
Você acha que <i>qualquer</i> Segundo Império, mesmo se formado na época
prevista por Seldon, completaria seu Plano?<o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">– Não, orador, não acho. Há vários
possíveis Segundos Impérios que podem ser formados no período de tempo que vai
dos novecentos aos 1.700 anos depois do princípio do Plano, mas somente um
desses é <i>o</i> Segundo Império.<o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">– E, em vista de tudo isso, por
que é necessário que a existência da Segunda Fundação fique escondida...
sobretudo, da Primeira Fundação?<o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">O Estudante procurou um sentido
oculto na questão, mas não conseguiu encontrá-lo. Estava preocupado com sua
resposta:<o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">– Pela mesma razão que os
detalhes do Plano, como um todo, devem ser escondidos da Humanidade em geral.
As leis da psico-história são estatísticas por natureza, e se tornam inúteis se
as ações de indivíduos não são aleatórias por natureza. Se um grupo grande de
seres humanos aprender os detalhes-chave do Plano, suas ações serão governadas
por aquele conhecimento e não serão mais aleatórias no sentido dos axiomas da
psico-história. Em outras palavras, eles não serão mais perfeitamente
previsíveis. Perdoe-me, Orador, mas sinto que a resposta não é satisfatória.<o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">– E faz bem em se sentir assim.
Sua resposta é bastante incompleta. É a própria Segunda Fundação que deve ser
escondida, não simplesmente o Plano. O Segundo Império ainda não foi formado.
Ainda temos uma sociedade que se ressentiria de uma classe dominante de
psicólogos, que temeria seu desenvolvimento e lutaria contra ela. Você entende
isso?”<o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">“Não valia a pena pedir para que
ela esquecesse o acontecido. Em relação ao inimigo, “esquecer” era uma palavra
sem sentido; e o conselho ajudava a tornar o assunto mais importante, tendo,
assim, o efeito contrário.”<o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">“– Você nunca ganhará o respeito
acadêmico, a menos que conte toda a história.<o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">– Ah, besteira. Quem se importa
com respeito acadêmico? – ela o achava encantador. Ele não tinha deixado de
chamá-la de Arkady durante todo o tempo. – Meus romances serão interessantes e
vão vender, e serei famosa. Qual o sentido de escrever livros, se não for para
vendê-los e se tornar bem conhecida? Não quero que somente alguns velhos
professores me conheçam. Precisa ser todo mundo.”<o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">“O encanto do poder nunca
desaparece completamente.”<o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">“Arcádia Darell, vestida com
roupas emprestadas, parada em um planeta emprestado em uma situação emprestada
de uma vida que também parecia emprestada, queria ardentemente a segurança do
útero. Ela não sabia que era isso o que queria. Ela só sabia que a própria
abertura do mundo aberto era um grande perigo. Ela queria um ponto fechado em
algum lugar... algum lugar distante... em algum canto inexplorado do
universo... onde ninguém a procuraria.<o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">E lá estava ela, pouco mais de
catorze anos, cansada como se tivesse mais de oitenta, amedrontada como se
tivesse menos de cinco.”<o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">“Trantor era um mundo de restos e
renascimentos. Como uma joia sem brilho no meio de uma desconcertante multidão
de sóis no centro da Galáxia – entre os muitos e pródigos grupos de estrelas –
ele sonhava, alternadamente, com o passado e o futuro.<o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Já fazia tempo que suas fitas
insubstanciais de controle tinham se esticado desde seu revestimento metálico
até os domínios mais distantes das estrelas. Trantor tinha sido uma única
cidade, abrigando quatrocentos bilhões de administradores; a mais poderosa
capital que já havia existido.<o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Até que a decadência do Império,
no final, o alcançou e, no Grande Saque de um século atrás, suas forças foram
repelidas e quebradas para sempre. Nas ruínas da morte, a camada de metal que
circulava o planeta se enrugara numa dolorosa paródia de sua própria grandeza.<o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Os sobreviventes rasgaram o
revestimento de metal e venderam-no a outros planetas, em troca de sementes e
gado. O solo estava descoberto mais uma vez, e o planeta voltou ao princípio.
Na disseminação das áreas de agricultura primitiva, ele esquecia seu passado
intricado e colossal.<o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Ou teria esquecido, se não fossem
os ainda poderosos fragmentos com suas ruínas maciças que subiam até o céu, em
um silêncio amargo e digno.”<o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">“Galáxia! Quando um homem pode
saber com certeza que não é uma marionete? Como um homem pode saber que não é
uma marionete?”<o:p></o:p></span></span></p>Doneyhttp://www.blogger.com/profile/09476772224297324141noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1937976905822999004.post-78366730968612887982024-01-07T16:05:00.002-03:002024-01-07T16:05:26.604-03:00A casa dos espíritos, de Isabel Allende<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;">Editora</span></i><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;">: Bertrand Brasil<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;">ISBN</span></i><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;">: 978-65-5838-000-9<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;">Tradução</span></i><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;">: Carlos
Martins Pereira<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;">Opinião</span></i><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;">: </span><span face=""Segoe UI Symbol","sans-serif"" style="color: black; font-size: 14pt; mso-bidi-font-family: "Segoe UI Symbol"; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;">★★★★★</span><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;">Páginas</span></i><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;">: 506<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;">Sinopse</span></i><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;">: Seu primeiro
romance, publicado em 1982, <i style="mso-bidi-font-style: normal;">A casa dos
espíritos</i> se tornou em pouquíssimo tempo um sucesso absoluto de crítica e
vendas, e é hoje um dos títulos míticos da literatura latino-americana.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;">A casa dos espíritos</span></i><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;"> é tanto
uma emblemática saga familiar quanto um relato acerca de um período turbulento
na história de um país latino-americano indefinido. Isabel Allende constrói um
mundo conduzido pelos espíritos e o enche de habitantes expressivos e muito
humanos. As paixões, lutas e segredos da família Trueba abrangem três gerações
e um século de transformações violentas, que culminaram em uma crise que levam
o patriarca e sua amada neta para lados opostos das barricadas. Em um pano de
fundo de revolução e contrarrevolução, Isabel Allende traz à vida uma família
cujos laços privados de amor e ódio são mais complexos e duradouros do que as
lealdades políticas que os colocam uns contra os outros.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;">Uma década depois de seu
lançamento, foi adaptado para o cinema, numa superprodução estrelada por ícones
como Meryl Streep, Glenn Close, Winona Ryder, Jeremy Irons e Antonio Banderas.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;"><br /></span></p>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh_HEOByZjshPfnwe2JbP7G5wvapRq10owJU6SsOZN_e696aSlU0Sq3grjLcXgkMptrSUNV8iUheaDIvYtkhmKUfDOGq-yxNnq7uwNH-y35UYNmfpM9ML039FGUbwEMWHdesv-Y237b2sblDI9WIPXSLUmAL4mc4Kh83H9ZeBcRhppToAL1aW9TmdcDJxk/s2109/A%20casa%20dos%20esp%C3%ADritos.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="2109" data-original-width="1423" height="400" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh_HEOByZjshPfnwe2JbP7G5wvapRq10owJU6SsOZN_e696aSlU0Sq3grjLcXgkMptrSUNV8iUheaDIvYtkhmKUfDOGq-yxNnq7uwNH-y35UYNmfpM9ML039FGUbwEMWHdesv-Y237b2sblDI9WIPXSLUmAL4mc4Kh83H9ZeBcRhppToAL1aW9TmdcDJxk/w270-h400/A%20casa%20dos%20esp%C3%ADritos.jpg" width="270" /></a></div><p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><br /></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;">“– Estou
pensando em ir para o campo, para Las Tres Marías.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;">– Aquilo
é uma ruína, Esteban. Sempre lhe disse que é melhor vender aquela terra, mas
você é teimoso como uma mula.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;">– Nunca
se deve vender terra. É só o que fica quando todo o resto se acaba.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;">– Não
concordo. A terra é uma ideia romântica; o que enriquece os homens é o bom faro
para os negócios – argumentou Férula. – Mas você sempre disse que algum dia
iria morar no campo.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;">– Esse
dia chegou. Odeio esta cidade.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;">– Por
que não diz logo que odeia esta casa?<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;">– Também
– respondeu ele rudemente.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;">–
Gostaria de ter nascido homem para poder ir também – disse ela, cheia de ódio.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;">– Eu não
gostaria de ter nascido mulher – contrapôs ele.”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;">“Nesse
sentido as mulheres são muito estúpidas. São filhas da necessidade. Precisam de
um homem para se sentir seguras e não se dão conta de que a única coisa que há
a temer são os próprios homens.”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;">““As
irmãs Mora tinham razão”, disse para si. “Não se pode encontrar quem não quer
ser encontrado”.”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;">“– Em
quase todas as famílias há algum tonto ou louco, filhinha – assegurou Clara
enquanto prestava atenção em seu tricô, porque em todos aqueles anos não
aprendera a tecer sem olhar. – Às vezes não são vistos, porque todos os escondem,
como se fossem uma vergonha. Trancam-nos nos quartos mais isolados para que as
visitas não os vejam! Na verdade, porém, não há de que se ter vergonha, pois
eles também são obra de Deus.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;">– Mas em
nossa família não há nenhum, vovó – observou Alba. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;">– Não.
Aqui a loucura distribuiu-se por todos, e não sobrou nada para termos o nosso
louco varrido.”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;">“—Alegro-me
por ter escolhido essa profissão. Se o que você quer é andar armado, entre ser
delinquente e ser da polícia, é melhor ser policial, porque tem impunidade.”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;">“Clara não
acreditava que o mundo fosse um vale de lágrimas, mas, ao contrário, uma
pilhéria de Deus, e, por isso, seria estupidez levá-lo a sério, se Ele próprio
não o fazia.”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;">“Jaime
exercia seu ofício com vocação de apóstolo e, com a mesma tenacidade com que o
pai resgatara Las Tres Marías do abandono e juntara uma fortuna, ele deixava
suas forças trabalhando no hospital e atendendo os pobres gratuitamente nas
horas livres.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;">– Você é
um perdedor irremediável, filho – suspirava Trueba. – Não tem noção da
realidade. Ainda não se deu conta de como é o mundo. Aposta em valores utópicos
que não existem.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;">– Ajudar
o próximo é um valor que existe, pai.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;">– Não. A
caridade, tal como seu socialismo, é uma invenção dos fracos para persuadir e
utilizar os fortes.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;">– Não
acredito em sua teoria de fortes e fracos – respondia Jaime.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;">– É
sempre assim na natureza. Vivemos numa selva.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;">– Sim,
porque os que determinam as regras são os que pensam como você, mas não será
sempre assim.”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;">“Blanca,
por seu lado, acostumara-se a viver sozinha. Conseguiu encontrar paz nos
afazeres do casarão da esquina, em sua oficina de cerâmica e em seus presépios
de animais inventados, nos quais os únicos seres que correspondiam às leis da
biologia eram os membros da Sagrada Família, perdidos em meio a uma multidão de
monstros. O único homem de sua vida era Pedro Terceiro, porque tinha vocação
para um só amor. A força desse sentimento imutável salvou-a da mediocridade e da
tristeza de seu destino. Permanecia fiel mesmo nos momentos em que ele se
perdia atrás de algumas ninfas de cabelo escorrido e ossos grandes, sem o amar
menos por isso. A princípio, acreditava morrer cada vez que ele se afastava,
mas logo se deu conta de que suas ausências duravam o tempo de um suspiro e
que, invariavelmente, ele regressava mais apaixonado e mais meigo. Blanca
preferia aqueles furtivos encontros com seu amante em hospedarias à rotina de
uma vida em comum, ao cansaço de um casamento e ao pesadelo de envelhecer
juntos, compartilhando as penúrias do final do mês, o mau hálito da boca ao
acordar, o tédio dos domingos e os achaques da idade. Era uma romântica
incurável. Algumas vezes quase sucumbiu à tentação de pegar sua maleta de
palhaço e o que restava das joias da meia de lã, e ir com sua filha viver com
ele, mas sempre se acovardava. Talvez temesse que aquele grandioso amor, que a
tantas provações resistira, não pudesse sobreviver à mais terrível de todas: a
convivência.”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;">“Alba
olhou por uma fresta da janela, lacrada com tábuas e sacos de terra, e viu os
tanques alinhados na rua e uma fila dupla de homens em pé de guerra, com
capacetes, cassetetes e máscaras. Compreendeu que seu avô não exagerara. Os
outros também os tinham visto, e alguns tremiam. Alguém lembrou que havia um
tipo novo de bombas, pior do que as lacrimogêneas, que provocava uma
incontrolável caganeira, capaz de dissuadir o mais valente com a pestilência e
o ridículo. Alba considerou a ideia aterradora. Precisou de um grande esforço
para não chorar. Sentia pontadas no ventre e supôs que eram de medo. Miguel
abraçou-a, mas isso não lhe serviu de consolo. Estavam os dois cansados e
começavam a sentir a noite maldormida nos ossos e na alma.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;">– Não
creio que se atrevam a entrar – ponderou Sebastián Gómez. – O governo já tem
problemas suficientes. Não vai se meter conosco.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;">– Não
seria a primeira vez que atacaria os estudantes – observou alguém.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;">– A
opinião pública não permitirá – respondeu Gómez. – Estamos numa democracia.
Isto não é uma ditadura e nunca será.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;">–
Acreditamos sempre que essas coisas só acontecem em outros lugares – disse
Miguel. – Até que aconteçam também conosco.”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;">“Fazia
frio. O único que não se queixava de nada, nem sequer da sede, era Sebastián
Gómez. Parecia tão incansável quanto Miguel, apesar de ter o dobro da idade e o
aspecto de tuberculoso.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;">Fora o
único professor que ficara ao lado dos estudantes quando tomaram o edifício.
Dizia-se que suas pernas paralisadas eram consequência de uma rajada de
metralhadora na Bolívia. Era o ideólogo que fazia arder em seus alunos a chama
que a maioria viu apagar-se quando terminou a universidade e se incorporou ao
mundo que, em sua primeira juventude, acreditara poder mudar.”<o:p></o:p></span></p>Doneyhttp://www.blogger.com/profile/09476772224297324141noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1937976905822999004.post-62846895947743788252023-12-07T17:02:00.006-03:002023-12-07T17:10:33.132-03:00Sinais do mar, de Ana Maria Machado<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;">Editora</span></i><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;">: CosacNaify<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;">ISBN</span></i><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;">: 978-85-7503-770-6<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;">Opinião</span></i><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;">: </span><span face=""Segoe UI Symbol","sans-serif"" style="color: black; font-size: 14pt; mso-bidi-font-family: "Segoe UI Symbol"; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;">★☆☆☆☆</span><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;">Link para compra</span></i><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;">: </span><a href="https://amzn.to/3NgIKVU"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;">Clique
aqui</span></a><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;">Páginas</span></i><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;">: 56<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;">Sinopse</span></i><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;">: Ao longo de
vinte anos, o mar enviou sinais. Ana Maria Machado soube traduzir, num breve
conjunto de poemas, suas misteriosas mensagens. A bússola lírica oscila entre
pequenos naufrágios cotidianos e a celebração de uma memória pessoal.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;">Cada verso traz à tona uma
discreta música de fundo, uma sutil rede de som e sentido.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;">Neste primeiro livro de
poemas, Ana Maria Machado reencontra a longa tradição de nosso cancioneiro.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;"><br /></span></p>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg5B3Cv8CKnxO9HPuSkksKty2S26IOT_9wiI5SOXzMDly9jCZsgA8OKAR_22qcgSSyRQav5nXxHV-Ka7fazOhW2adOgJe11zwc2Diz5B5MPHsKYN_3jHkRFg-PmXLVC3s8eSepww4zm0-Bj6O7dBbdVoa4uBQDy2y6OEutQ1vAda6z7JM7_AxQjr0RABqs/s1000/Sinais%20do%20mar.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1000" data-original-width="484" height="400" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg5B3Cv8CKnxO9HPuSkksKty2S26IOT_9wiI5SOXzMDly9jCZsgA8OKAR_22qcgSSyRQav5nXxHV-Ka7fazOhW2adOgJe11zwc2Diz5B5MPHsKYN_3jHkRFg-PmXLVC3s8eSepww4zm0-Bj6O7dBbdVoa4uBQDy2y6OEutQ1vAda6z7JM7_AxQjr0RABqs/w194-h400/Sinais%20do%20mar.jpg" width="194" /></a></div><p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Georgia, "serif"; font-size: 14pt;"> </span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><b style="mso-bidi-font-weight: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;">Arraia<o:p></o:p></span></b></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;">Adeus, murmúrio!<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;">É só mergulho.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;">Qualquer marulho<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;">é sem som.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;">Todo barulho<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;">é visão.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;">O mar balança <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;">em lenta dança. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;">– o medo vem desde criança
– <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;">a sombra passa <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;">à minha frente.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;">Arraia assombra <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;">voa silente <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;">desliza lisa e logo some.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;">Voltando à tona <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;">levo-a comigo <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;">na noite insone.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;">Pipa empinada no azul
molhado.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><b style="mso-bidi-font-weight: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;">Primeiro mar<o:p></o:p></span></b></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;">Tantas páginas lidas muito
antes<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;">Tantos livros que enchiam
as estantes<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;">Tantos heróis a povoar os
sonhos<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;">Tantos perigos, monstros
tão medonhos<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;">Nos
tempos sem tevê e sem imagem<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;">Palavras
fabricavam paisagem<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;">Tesouros, mapas, ilhas
tropicais,<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;">Argonautas, recifes de
corais,<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;">Perigos na neblina entre
rochedos.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;">Vinte mil léguas cheias de
segredos.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;">Histórias de naufrágio e
abordagens,<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><a href="https://listadelivros-doney.blogspot.com/2010/03/odisseia-homero.html"><span style="font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt;">Ulisses</span></a><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;">, </span><a href="https://listadelivros-doney.blogspot.com/2010/05/moby-dick-herman-melville.html"><span style="font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt;">Moby
Dick</span></a><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;">, mil viagens,<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><a href="https://youtu.be/3Y7dQbBBY9c"><span style="font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt;">Robinson</span></a><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;">, calmarias, um motim.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;">Descobertas, veleiros, mar
sem fim.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;">Mezena e bujarrona a todo o
pano,<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;">Lonjura, escorbuto, quase
um ano.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;">Respingos salpicando a
escotilha<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;">Vagalhões se quebrando
sobre a quilha.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;">Marujos, capitães, navegadores,<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;">Piratas, marinheiros,
pescadores,<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;">Um sextante as estrelas a
mirar<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;">No convés, som de gaita ao
luar<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;">Nuvens de tempestade no
horizonte<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;">Um vigia na gávea sonha um
monte<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;">A cada onda, cada tábua
geme,<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;">O timão firme vai mantendo
o leme<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;">Cabeça de palavras povoada<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;">Conversas de amplidão
imaginada<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;">Mas que leitura tanto
poderia?<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;">Cheiro salgado a entrar
pelas narinas<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;">E a dança leve de algas
submarinas<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;">Sal azul, movimento de água
fria<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;">O que se leu mostrava o
infinito<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;">Só não se imaginava tão
bonito<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;">Tão pleno de surpresas e
imprevistos<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;">Mesmo em tantas belezas e
celebradas<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;">Por todas as palavras
encantadas<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;">Por mares nunca dantes
entrevistos<o:p></o:p></span></p>Doneyhttp://www.blogger.com/profile/09476772224297324141noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1937976905822999004.post-31573738595576303162023-12-03T15:37:00.006-03:002024-01-11T01:12:45.518-03:00Memórias de Adriano, de Marguerite Yourcenar<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;">Editora</span></i><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;">: Nova
Fronteira<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;">ISBN</span></i><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;">: 978-85-209-4368-7<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;">Tradução</span></i><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;">: Martha
Calderaro<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;">Opinião</span></i><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;">: </span><span face=""Segoe UI Symbol","sans-serif"" style="color: black; font-size: 14pt; mso-bidi-font-family: "Segoe UI Symbol"; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;">★★★★☆</span><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;">Link para compra</span></i><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;">: </span><span style="color: black; mso-themecolor: text1;"><a href="https://amzn.to/3Nab4Jq"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;">Clique aqui</span></a></span><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;">Páginas</span></i><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;">: 288<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;">Sinopse</span></i><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;">: <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Memórias de Adriano</i> é uma das mais
fascinantes obras de ficção do século XX.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;">Nesta espécie de
autobiografia imaginária, Marguerite Yourcenar recria a notável vida do
imperador Adriano, com seus triunfos e reveses, e o reordenamento gradual que
impôs a um mundo dilacerado pela guerra.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;">Adriano configura-se aqui
num exemplo dos melhores atributos do humanismo antigo.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;">Nesta que é considerada sua
obra-prima, a “grande dama da literatura francesa” segue um rigoroso processo
de reconstituição histórica, mas traz também uma verve poética e filosófica,
numa prosa tanto elegante quanto precisa.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;">Iniciado em 1924 e
concluído em 1951, o livro teve muitos manuscritos destruídos, desaparecidos,
abandonados, em um intenso processo de pesquisa, escrita e reescrita. Após a
publicação, a obra obteve enorme sucesso e converteu-se de imediato em um
clássico da literatura moderna, consolidando definitivamente o nome de
Marguerite Yourcenar na cena literária.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;"><br /></span></p>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiuq6fnx-MXZsLtLkfcZRPt1sEjlJtBpgcM39lV3r14ThR9piV6DZHnn9oMU22uuW-YIVmroilYDx9XBtkyauLzEw-p4fAtMmt0ylNlcN5DnfNy0jZR6kWybMe3oWyqvuYE__iAz5eTOhWNjFlcyijRGCpoK3HtG_Czeih3D2VOmY5bFRHMMUJIcuGVcvo/s1500/Mem%C3%B3rias%20de%20Adriano.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1500" data-original-width="986" height="400" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiuq6fnx-MXZsLtLkfcZRPt1sEjlJtBpgcM39lV3r14ThR9piV6DZHnn9oMU22uuW-YIVmroilYDx9XBtkyauLzEw-p4fAtMmt0ylNlcN5DnfNy0jZR6kWybMe3oWyqvuYE__iAz5eTOhWNjFlcyijRGCpoK3HtG_Czeih3D2VOmY5bFRHMMUJIcuGVcvo/w263-h400/Mem%C3%B3rias%20de%20Adriano.jpg" width="263" /></a></div><p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><br /></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;">“</span><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;">É difícil permanecer
imperador na presença do médico, e mais difícil permanecer homem.”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;">“</span><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;">Ainda não atingi a
idade em que a vida para cada homem é uma derrota consumada. Dizer que meus
dias estão contados nada significa! Assim foi sempre. E assim sempre será, para
todos nós.”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;">“Acreditei, e nos meus bons momentos ainda acredito,
que seria possível partilhar da existência de todos os homens, e que essa
simpatia seria uma das formas irrevogáveis da imortalidade.”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;">“Comer um fruto é fazer entrar em si mesmo um belo
objeto vivo, estranho, nutrido e favorecido, como nós, pela terra. É consumar um
sacrifício no qual nós nos preferimos ao objeto. Jamais mastiguei a crosta do
pão das casernas sem maravilhar-me de que essa massa pesada e grosseira pudesse
transformar-se em sangue, calor e, talvez, em coragem.”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;">“Falta ao príncipe a latitude de que goza o filósofo:
não pode permitir-se discordar dos demais ao mesmo tempo. E os deuses sabem que
meus pontos de discordância eram numerosos, embora estivesse persuadido de que
muitos deles eram invisíveis.”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;">“</span><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;">Os cínicos e os
moralistas concordam em colocar a volúpia do amor entre os prazeres ditos
grosseiros, como o prazer de comer e de beber, declarando-a, contudo, menos
indispensável do que aqueles, visto que podem perfeitamente prescindir dela. Do
moralista tudo se espera, mas espanta-me que o cínico se tenha enganado.
Admitamos que uns e outros receiem seus próprios demônios, seja porque lhes
resistam, seja porque se lhes entreguem, esforçando-se por aviltar o prazer a
fim de lhe tirar o poder quase terrível sob o qual sucumbem, e diminuir o
estranho mistério no qual se sentem perdidos. Eu acreditaria nessa associação
do amor às alegrias puramente físicas (supondo-se que tais alegrias existam) no
dia em que visse um gastrônomo soluçar de prazer diante do seu prato favorito,
tal como o amante sobre um ombro amado. De todos os jogos, o do amor é o único
capaz de transtornar a alma e, ao mesmo tempo, o único no qual o jogador se
abandona necessariamente ao delírio do corpo. Não é indispensável que aquele
que bebe abdique da razão, mas o amante que conserva a sua não obedece
inteiramente ao deus do amor. Tanto a abstinência quanto o excesso engajam
apenas o homem só. Salvo no caso de Diógenes, cujas limitações e caráter
racional e pessimista definem-se por si mesmos, toda experiência sensual nos
coloca em face do Outro, acarretando-nos as exigências e as servidões da
escolha. Não conheço, fora do amor, outra situação em que o homem deva
decidir-se por motivos mais simples e mais inelutáveis. No amor, o objeto
escolhido deve valer exatamente seu peso bruto em prazer, e é ainda no amor que
o amante da verdade tem maiores probabilidades de julgar a nudez da criatura. A
partir do desnudamento total, comparável ao da morte, de uma humildade que
ultrapassa a da derrota e a da prece, maravilho-me ao ver renovar-se, cada vez,
a complexidade das recusas, das responsabilidades, das promessas, das pobres
confissões, das frágeis mentiras, dos compromissos apaixonados entre nosso
prazer e o prazer do Outro, tantos laços impossíveis de romper e tão depressa
rompidos! Esse jogo cheio de mistérios, que vai do amor de um corpo ao amor de
uma pessoa, pareceu-me belo o bastante para consagrar-lhe uma parte de minha
vida. As palavras enganam, especialmente as do prazer, que comportam as mais
contraditórias realidades, desde as noções de aconchego, doçura e intimidade
dos corpos, até as da violência, da agonia e do grito. (...)<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;">Aqui, como nas revelações dos Mistérios, tudo se passa
além do alcance da lógica humana. A tradição popular não se enganou ao ver no
amor uma forma de iniciação e um dos pontos onde o secreto e o sagrado se
tocam. A experiência sensual equipara-se ainda aos Mistérios quando a primeira
aproximação provoca nos não-iniciados o efeito de um rito mais ou menos
assustador, escandalosamente desligado de todas as funções até então
familiares, como comer, beber e dormir, parecendo antes motivo de gracejo,
vergonha, ou terror. Da mesma maneira que a dança das mênades ou o delírio dos
coribantes, nosso amor arrasta-nos para um universo diferente, onde, em
situação normal, nos é vedada a entrada e onde cessamos de nos orientar, uma
vez apagado o ardor e extinto o prazer. Cravado no corpo amado como um
crucificado à sua cruz, penetrei em certos segredos da vida que começam a
desvanecer-se da minha lembrança por efeito da mesma lei que faz com que o
convalescente, depois de curado, cesse de encontrar-se nas misteriosas verdades
do seu mal, que o prisioneiro posto em liberdade esqueça a tortura, e o
triunfador, a embriaguez da glória.”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;">“Nada
mais sórdido do que um cúmplice.”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;">“A
própria solicitude pode ser fatigante, ainda quando sincera.”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;">“</span><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;">Como toda gente, só
disponho de três meios para avaliar a existência humana: o estudo de si mesmo,
o mais difícil e o mais perigoso, mas também o mais fecundo dos métodos; a
observação dos homens, que tratam frequentemente de ocultar-nos seus segredos
ou de nos fazer crer que os têm; os livros, com os erros peculiares de
perspectiva que surgem entre suas linhas.”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;">“Quase tudo o que sabemos de outrem é de segunda mão.
Quando um homem se confessa, ele defende sua causa. Se o observarmos, veremos
que não está só: sua apologia está antecipadamente preparada.”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;">“Quanto à observação de mim mesmo, a ela me obrigo não
só para entrar num acordo com o indivíduo junto do qual serei obrigado a viver
até o final, como também porque uma intimidade de quase sessenta anos comporta
não poucas probabilidades de erro. No fundo, meu conhecimento de mim mesmo é
obscuro, interior, informulado e secreto como uma cumplicidade. São noções
quase tão frias e tão impessoais quanto as teorias que posso elaborar a
respeito dos números. Emprego toda a minha inteligência para observar minha vida
de tão longe e de tão alto, que ela me aparece como a vida de um outro e não a
minha própria. Mas esses processos de conhecimento são difíceis e requerem um
mergulho dentro de nós mesmos e uma saída totalmente para fora de nós. Por
comodismo, inclino-me, como todo mundo, a substituir esses processos por um
sistema de pura rotina, uma concepção de minha vida parcialmente modificada
pela imagem que o público tem dela através de julgamentos pré-fabricados, isto
é, malfeitos. Uma espécie de modelo pronto, ao qual o alfaiate inábil adapta
laboriosamente o tecido que é nosso. Trata-se de um equipamento de valor
desigual, com instrumentos mais ou menos embotados. Mas não possuo outros: é
com esses que devo compor, bem ou mal, uma ideia do meu destino de homem.”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;">“</span><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;">Não sou daqueles que
dizem que suas ações não se parecem com eles. Pelo contrário. É imprescindível
que elas se pareçam comigo, porque são minha única medida e o único meio de me
delinear na memória dos homens, ou na minha própria, pois que a impossibilidade
de continuar a exprimir-se e a modificar-se pela ação é talvez a única
diferença entre os mortos e os vivos. Mas entre mim e esses atos de que sou
feito, existe um hiato indefinível. A prova disso é que experimento
continuamente a necessidade de pesá-los, explicá-los e deles prestar contas a
mim mesmo. Alguns trabalhos que duraram pouco são certamente insignificantes,
mas as ocupações que se estenderam por toda a vida não significam muito mais.
Por exemplo, no momento em que escrevo isto, o fato de ter sido imperador a
custo parece-me essencial.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;">Três quartos da minha vida escapam, aliás, a essa
definição pelos atos: a soma das minhas veleidades, dos meus desejos e até dos
meus próprios projetos permanece tão nebulosa e fugidia quanto um fantasma. O resto,
a parte palpável, mais ou menos autenticada pelos fatos, é apenas um pouco mais
distinta, e a sequência dos acontecimentos é tão confusa como a dos sonhos.”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;">“Nada me define: meus vícios e minhas virtudes são
insuficientes para tanto; minha felicidade talvez o faça melhor, embora por
intervalos, sem continuidade e, sobretudo, sem motivo aceitável. O espírito
humano, porém, reluta em se aceitar como obra do acaso, em ser apenas o produto
fortuito do imprevisto ao qual nenhum deus preside, nem mesmo ele próprio. Uma
parte de cada vida, e mesmo das vidas pouco dignas de atenção, passa-se à
procura das razões de ser, dos pontos de partida, das origens. Minha
incapacidade de descobri-los foi o que me fez, por vezes, inclinar-me às
explicações sobrenaturais, procurando nas alucinações do ocultismo o que o
senso comum não me proporcionava. Quando todos os cálculos complicados se
evidenciam falsos, quando os próprios filósofos não têm nada mais a nos dizer,
é desculpável que nos voltemos para o gorjeio fortuito dos pássaros, ou para o
longínquo contrapeso dos astros.”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;">“O verdadeiro lugar de nascimento é aquele em que
lançamos pela primeira vez um olhar inteligente sobre nós mesmos: minhas
primeiras pátrias foram os livros. Em menor escala, as escolas.”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;">“</span><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;">Serei, até o final,
reconhecido a Escauro por me haver iniciado desde jovem no estudo do grego. Era
menino ainda quando ensaiei pela primeira vez traçar com o uso do estilete os
caracteres de um alfabeto desconhecido: começavam então minha grande emigração,
e minhas longas viagens, e o sentimento de uma escolha tão deliberada e tão
involuntária como a do amor. Amei essa língua por sua flexibilidade, sua
elasticidade, sua riqueza de vocabulário, no qual se atesta, em cada palavra, o
contato direto e variado com a realidade. Amei-a também porque quase tudo o que
os homens disseram de melhor o foi em grego. Existem, eu o sei, outras línguas,
mas estão petrificadas ou ainda por nascer. Os sacerdotes egípcios mostraram-me
seus antigos símbolos, antes sinais do que propriamente palavras, esforços
muito antigos para classificar o mundo e as coisas, linguagem sepulcral de uma
raça extinta. Durante a guerra judaica, o rabino Joshua explicou-me
literalmente certos textos dessa língua de sectários, tão obcecados pelo seu
Deus a ponto de negligenciarem o lado humano. Familiarizei-me no exército com a
linguagem dos auxiliares celtas; lembro-me especialmente de certos cantos. . .
Mas os jargões bárbaros valem, no máximo, pelas reservas de palavras que
acrescentam à linguagem humana e por tudo o que, sem dúvida, exprimirão no
futuro. O grego, ao contrário, tem atrás de si tesouros de experiência, que
abrangem a sabedoria do homem e a sabedoria do Estado. Dos tiranos jônicos aos
demagogos de Atenas, da pura austeridade de um Agésilas aos excessos de um
Dênis ou de um Demétrio, da traição de Demarato à fidelidade de Filopêmen, tudo
o que cada um de nós pode tentar para prejudicar os seus semelhantes ou para
servi-los já foi feito, pelo menos uma vez, por um grego. Sucede o mesmo com as
nossas escolhas pessoais: do cinismo ao idealismo, do ceticismo de Pirro aos
sonhos sagrados de Pitágoras, nossas recusas ou nossos consentimentos já
existiram, nossos vícios e nossas virtudes têm modelos gregos. Nada se compara
à beleza de uma inscrição latina votiva ou funerária: umas poucas palavras
gravadas sobre a pedra resumem com majestade impessoal tudo o que o mundo
necessita saber de nós. Foi em latim que administrei o império; meu epitáfio
será talhado em latim sobre a parede do meu mausoléu, às margens do Tibre, mas
em grego terei vivido e pensado.”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;">“</span><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;">Não desprezo os
homens. Se o fizesse, não teria o mínimo direito, nem a mínima razão para
tentar governá-los. Eu os reconheço vãos, ignorantes, ávidos, inquietos,
capazes de quase tudo para triunfarem, para se fazerem valer mesmo aos seus
próprios olhos, ou, muito simplesmente, para evitarem o sofrimento. Sei muito
bem: sou como eles, pelo menos momentaneamente, ou poderia ter sido. Entre
outrem e mim, as diferenças que percebo são por demais insignificantes para
contarem na edição final. Esforço-me, portanto, para que minha atitude se
afaste tanto da fria superioridade do filósofo quanto da arrogância de um
César. O homem mais tenebroso tem seus momentos iluminados: tal assassino toca
corretamente a flauta; tal feitor, que dilacera a chicotadas o dorso dos
escravos, é talvez um bom filho; tal idiota partilharia comigo seu último
pedaço de pão. Existem poucos a quem não se possa ensinar convenientemente
alguma coisa. Nosso grande erro é tentar encontrar em cada um, em particular,
as virtudes que ele não tem, negligenciando o cultivo daquelas que ele possui.
Aplicarei aqui, na busca dessas virtudes fragmentárias, o que disse acima sobre
a procura da beleza. Conheci seres infinitamente mais nobres, mais perfeitos do
que eu próprio, como teu pai Antonino. Convivi com bom número de heróis e mesmo
com alguns sábios. Encontrei na maioria dos homens pouca consistência no bem,
mas não maior no mal; sua desconfiança, sua indiferença mais ou menos hostil,
cedia quase depressa demais, quase vergonhosamente demais, transformando-se com
excessiva facilidade em gratidão, em respeito, aliás pouco duráveis,
evidentemente. Seu próprio egoísmo poderia ser aproveitado para fins úteis.
Admiro-me sempre de que tão poucos me tenham odiado; não tive senão dois ou
três inimigos encarniçados, por cuja inimizade, como sempre acontece, fui em
parte responsável. Fui amado por alguns; estes me deram muito mais do que eu
tinha direito de exigir ou mesmo de esperar deles: algumas vezes, sua vida;
outras, sua morte. E o deus que eles trazem em si mesmos revela-se
frequentemente quando morrem.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;">Só existe um ponto no qual me sinto superior ao comum
dos homens: sou, ao mesmo tempo, mais livre e mais submisso do que eles ousam
ser. Quase todos desconhecem igualmente sua exata liberdade e sua verdadeira
servidão. Amaldiçoam seus grilhões, embora, às vezes, deles se vangloriem. Por
outro lado, seu tempo escoa-se em pequenos e inúteis desregramentos; não sabem
tecer para si próprios o mais leve jugo. Por mim, aspirei mais à liberdade do
que ao poder e, se o procurei, só o fiz porque ele a favorece. O que me
interessava não era uma filosofia de homem livre (todos aqueles que abordam
esse tema causaram-me imenso tédio), mas uma técnica através da qual pretendia
alcançar o ponto em que nossa vontade se articula com o destino e onde a
disciplina secunda a natureza, em lugar de contê-la.”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;">“Falamos muito nos sonhos da juventude. Esquecemos,
talvez demasiado, os cálculos. Cálculos são também sonhos, e não menos loucos
do que estes.”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;">“É um erro ter razão cedo demais.”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;">“Mas cada hora de acalmia era uma vitória, embora
precária como o são todas; cada disputa arbitrada representava um precedente,
um empenho para o futuro. Importava-me muito pouco que o acordo obtido fosse
aparente, imposto de fora, provavelmente temporário. Sabia que tanto o bem como
o mal são uma questão de rotina, que o temporário se prolonga, que o exterior
se infiltra no interior, e que, com o decorrer do tempo, a máscara se
transforma na própria face. Já que o ódio, a estupidez e a loucura surtem
efeitos duradouros, não vejo” por que a lucidez, a justiça e a benevolência não
surtam também os seus.”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;">“Eu era o mesmo homem de antes, mas tudo o que haviam
menosprezado em mim passava a ser sublime; uma extrema polidez, que os
espíritos grosseiros haviam interpretado como forma de fraqueza, talvez de
covardia, parecia-lhes agora a bainha polida e lustrada da força. Elevaram às
nuvens minha paciência para com os solicitantes, minhas frequentes visitas aos
enfermos dos hospitais militares, minha familiaridade amistosa com os veteranos
que retornavam à pátria. Nada disso diferia da maneira como eu havia, durante
toda a minha vida, tratado meus servidores e os colonos das minhas terras. Cada
um de nós possui mais virtudes do que os outros supõem, mas só o sucesso as
coloca em evidência, talvez porque se espere que deixemos de praticá-las. Os
seres humanos confessam publicamente suas piores fraquezas quando se espantam
de que os poderosos não sejam totalmente indolentes, presunçosos, ou cruéis.”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;">“Considero a maior objeção a todo e qualquer esforço
para melhorar a condição humana o fato de os homens serem, talvez, indignos
dele. Afasto-a, porém, sem dificuldade: enquanto o sonho de Calígula permanecer
irrealizável e o gênero humano não for todo ele reduzido a uma única cabeça
oferecida ao cutelo, teremos de tolerá-lo, contê-lo e utilizá-lo para nossos
próprios fins. Nosso interesse, é claro, será o de bem servi-lo. Meu processo
baseava-se numa série de observações feitas havia muito tempo em mim próprio:
toda explicação lúcida sempre me convenceu, toda polidez me conquistou, toda
felicidade quase invariavelmente me tornou mais moderado. Jamais dei muito
crédito às pessoas bem-intencionadas que afirmam que a felicidade excita, que a
liberdade enfraquece, que a clemência corrompe aqueles sobre quem se exerce. É
possível: na situação normal do mundo, seria o mesmo que recusar o alimento
necessário a um homem magro por receio de que, dentro de alguns anos, ele
viesse a sofrer de pletora. Quando tivermos reduzido o máximo possível as
servidões inúteis, evitado as desgraças desnecessárias, restará sempre, para
manter vivas as virtudes heroicas do homem, a longa série de males verdadeiros:
a morte, a velhice, as doenças incuráveis, o amor não partilhado, a amizade
rejeitada ou traída, a mediocridade de uma vida menos vasta do que nossos
projetos e mais enevoada do que nossos sonhos. Enfim, todas as desventuras
causadas pela divina natureza das coisas.”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;">“Devo confessar que acredito pouco nas leis. Quando
demasiado duras, são transgredidas com razão. Quando muito complicadas, o
engenho humano encontra facilmente o meio de escapar por entre as malhas dessa
rede frágil e escorregadia. O respeito pelas leis antigas corresponde ao que a
piedade humana tem de mais profundo; serve também de travesseiro à inércia dos
juízes. As leis mais antigas participam da selvageria que elas mesmas pretendem
corrigir; as mais veneráveis são ainda um produto da força. A maioria das
nossas leis penais só atingem, talvez felizmente, uma pequena parte dos
culpados; nossas leis civis jamais serão bastante flexíveis para se adaptar à
fluida variedade dos fatos. Mudam menos rapidamente do que os costumes;
perigosas quando estes as ultrapassam, o são ainda mais quando pretendem
precedê-los. Contudo, desse amontoado de inovações perigosas que oferecem
tantos riscos, ou de rotinas obsoletas, surgem aqui e ali, como na medicina,
algumas fórmulas aproveitáveis. Os filósofos gregos ensinaram-nos a conhecer um
pouco melhor a natureza humana: nossos melhores juristas vêm trabalhando há
algumas gerações visando ao bom senso. Eu mesmo efetuei algumas dessas reformas
parciais, que são as únicas duradouras. Toda lei muitas vezes transgredida é
má: cabe ao legislador revogá-la ou substituí-la antes que o desprezo por uma
disposição insensata se estenda a outras leis mais justas. Propus-me como meta
uma anulação prudente de leis supérfluas e a promulgação, com firmeza, de um
pequeno grupo de decisões sábias.”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;">“Uma noite, no pavilhão imperial, durante uma festa
dada em minha honra por Osroés, notei, entre as mulheres e os pajens de longos
cílios, um homem nu, descarnado, completamente imóvel, cujos olhos muito
abertos pareciam ignorar a confusão de pratos carregados de carnes, os
acrobatas e dançarinas. Falei-lhe por intermédio do meu intérprete: não se
dignou responder. Era um sábio. Mas seus discípulos eram mais loquazes: os
piedosos vagabundos vinham da índia, e seu mestre pertencia à poderosa casta
dos brâmanes. Compreendi que suas meditações induziam-no a crer que o universo
inteiro não é mais que um encadeamento de ilusões e erros. A austeridade, a
renúncia e a morte eram, para ele, o único meio de escapar a esse encadeamento
das coisas. Era o oposto do nosso Heráclito, que procurou alcançar através do
mundo dos sentidos a esfera do puro divino, o firmamento fixo e vazio com o
qual sonhou Platão. Através da inabilidade dos meus intérpretes, pressenti
certas ideias que não foram completamente estranhas a alguns dos nossos sábios,
mas que o indiano exprimia de maneira mais nua e mais definitiva. Aquele
brâmane já atingira o estado no qual, salvo o corpo, nada mais o separava do
deus intangível, sem substância e sem forma, ao qual desejava unir-se. Decidira
queimar-se vivo no dia seguinte. Osroés convidou-me para essa solenidade. Uma
fogueira de madeiras odoríferas foi preparada; o homem lançou-se nela e
desapareceu sem um grito. Os discípulos não manifestaram nenhum sinal de pesar:
para eles, aquilo não era uma cerimônia fúnebre.”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;">“A morte é hedionda, e a vida, também.”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;">“A memória da maior parte dos homens é um cemitério
abandonado, onde jazem, sem honras, os mortos que eles deixaram de amar. Toda
dor prolongada é um insulto ao seu esquecimento.”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;">“Sim,
Atenas continuava bela, e eu não lamentava ter imposto as disciplinas gregas à
minha vida. Tudo o que em nós é humano, ordenado e lúcido provém delas. Mas
acontecia-me dizer a mim mesmo que a seriedade um tanto pesada de Roma, seu
sentido de continuidade, seu gosto pelo concreto, haviam sido necessários para
transformar em realidade o que permanecia na Grécia um admirável conceito do
espírito, um belo impulso da alma. Platão escreveu A República e glorificou a ideia
de Justo; nós, porém, instruídos por nossos próprios erros, nos esforçávamos
penosamente por fazer do Estado uma máquina apta a servir os homens, correndo o
menor risco de esmagá-los. A palavra filantropia é grega, mas nós, o legista
Sálvio Juliano e eu, somos os que trabalham para modificar a miserável condição
do escravo. A assiduidade, a previdência, a atenção ao pormenor para corrigir a
audácia da visão de conjunto, foram para mim virtudes aprendidas em Roma.”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;">“Em todo
combate entre o fanatismo e o senso comum, este último raramente é o vencedor.”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;">“</span><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;">Dizia a mim mesmo que
era totalmente vão esperar, para Roma e para Atenas, a eternidade que não é
concedida nem aos homens, nem às coisas, e que os mais sábios dentre nós negam
aos próprios deuses. As formas sábias e complicadas da vida, as civilizações
perfeitamente à vontade nos seus requintes de arte e felicidade, essas
liberdades do espírito que se informa e julga, dependiam de probabilidades
inumeráveis e raras, de condições quase impossíveis de reunir e que não
devíamos esperar que durassem. Destruiríamos Simão; Arriano saberia proteger a
Armênia das invasões álanas. Mas outras hordas viriam, outros falsos profetas.
Nossos frágeis esforços por melhorar a condição humana seriam apenas
distraidamente continuados pelos nossos sucessores; pelo contrário, a semente
do erro e da ruína contida no próprio bem cresceria monstruosamente ao longo
dos séculos. O mundo, cansado de nós, procuraria outros senhores; o que
parecera sábio pareceria insípido, e abominável o que nos tinha parecido belo.
Como o iniciado mitríaco, a raça humana tem talvez necessidade do banho de
sangue e da passagem periódica pelos poços fúnebres. Via o retorno dos códigos
selvagens, dos deuses implacáveis, do despotismo incontestado dos príncipes
bárbaros e do mundo fragmentado em Estados inimigos, eternamente vítima da
insegurança. Outras sentinelas ameaçadas pelas flechas iriam e viriam na ronda
das cidadelas futuras; o jogo estúpido, obsceno e cruel continuaria, e a
espécie, ao envelhecer, acrescentar-lhe-ia novos requintes de horror. Nossa
época, cujas deficiências e taras conheço melhor que ninguém, seria talvez um
dia considerada, por contraste, como uma das idades de ouro da humanidade.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;">Natura déficit,
fortuna mutatur, deus omnia cernit</span></i><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;">. “A natureza nos trai, a sorte
muda, um deus vê do alto todas as coisas”. Atormentava com o dedo o engaste de
um anel no qual, num dia de amargura, mandei gravar essas palavras tristes; ia
mais longe no desengano, talvez na blasfêmia; acabava por achar natural, se não
justo, que devêssemos perecer. Nossas letras esgotam-se; nossas artes
adormecem; Pancrates não é Homero; Arriano não é Xenofonte; quando tentei
imortalizar na pedra a forma de Antínoo, não encontrei Praxíteles. Depois de
Aristóteles e Arquimedes, nossas ciências estacionaram; nossos progressos
técnicos não resistiriam ao desgaste de uma guerra prolongada; nossos próprios
gozadores desgostam-se da felicidade. O abrandamento dos costumes, o avanço das
ideias no decorrer do último século são obra de uma minoria de bons espíritos;
a massa continua ignara, feroz quando pode, em todo caso egoísta e limitada, e
há razões para apostar que permanecerá sempre assim. Excesso de procuradores e
de publicanos ávidos, excesso de senadores desconfiados, excesso de centuriões
brutais comprometeram antecipadamente nossa obra. Nem aos impérios nem aos
homens será dado o tempo necessário para que aprendam à custa de seus próprios
erros. Onde quer que um tecelão remende seu pano, onde quer que o artista
retoque sua obra-prima ainda imperfeita ou apenas danificada, a natureza
prefere repartir sem intermediários a argila e o caos, e esse mesmo
esbanjamento é o que denominamos a ordem das coisas.”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;">“Não tenho filhos, e não o lamento. Por certo, nos
momentos de lassidão e fraqueza quando renegamos a nós próprios, acusei-me às
vezes de não ter procriado um filho que seria minha continuação. Mas esse pesar
tão vão baseia-se em duas hipóteses igualmente duvidosas: a de que um filho
seria necessariamente nosso prolongamento, e a de que essa estranha combinação
do bem e do mal, esse conjunto de particularidades ínfimas e bizarras que
constitui uma pessoa, mereceria ser prolongado. Utilizei o melhor que pude
minhas virtudes; tirei partido dos meus vícios; não alimento, porém, especial
empenho em legar-me a alguém. Não é, aliás, pelo sangue que se estabelece a
verdadeira continuidade humana: César é o herdeiro direto de Alexandre, e não o
débil filho nascido de uma princesa persa numa cidadela da Ásia; e Epaminondas,
morrendo sem posteridade, orgulhava-se, com justa razão, de ter por filhos suas
vitórias. A maior parte dos homens que tomaram parte importante na história têm
rebentos medíocres, ou piores do que isso: parecem esgotar em si os dotes de
uma raça. A ternura do pai está quase sempre em conflito com os interesses do
chefe. E ainda que assim não fosse, esse filho de imperador seria além disso
obrigado a sofrer as desvantagens de uma educação principesca, a pior de todas
para um futuro príncipe. Felizmente, na medida em que nosso Estado soube
instituir uma regra de sucessão imperial, a adoção é essa regra: reconheço aí a
sabedoria de Roma. Conheço os perigos da escolha e seus possíveis erros; não
ignoro que a cegueira não é exclusiva da afeição paterna; mas essa decisão a
que a inteligência preside, ou da qual pelo menos toma parte, me parecerá
sempre infinitamente superior aos obscuros desígnios do acaso e da grosseira
natureza. O império para o mais digno: é belo que um homem, que deu provas da
sua competência na administração dos negócios do mundo, escolha seu substituto,
e que essa decisão de tão pesadas consequências seja, ao mesmo tempo, seu
verdadeiro privilégio e seu último serviço prestado ao Estado.”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;">“(...) Como outrora, também, uma dose de clemência
mitigou depressa a dose de rigor; nenhum partidário de Serviano foi perturbado.
A única exceção a essa regra foi o eminente Apolodoro, rancoroso depositário
dos segredos do meu cunhado, e que com ele morreu. Esse homem de talento fora o
arquiteto favorito do meu predecessor; removera com arte os grandes blocos de
mármore da Coluna de Trajano. Não gostávamos um do outro; em outros tempos,
ridicularizara meus desajeitados trabalhos de amador, minhas conscienciosas
naturezas-mortas de abóboras; por minha vez, critiquei suas obras com uma
presunção de jovem. Mais tarde, ele denegriu as minhas; ignorava tudo dos belos
tempos da arte grega; voltado para uma logística insípida, censurava-me por ter
povoado nossos templos com estátuas colossais que, se se levantassem,
quebrariam com a cabeça as abóbadas dos seus santuários: crítica estúpida, que
mais fere Fídias que a mim. Os deuses, porém, não se levantavam; não se
levantam nem para nos advertir, nem para nos proteger, nem para nos
recompensar, nem para nos punir. E não se levantaram naquela noite para salvar
Apolodoro.”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;">“Preocupei-me com a educação do menino
excepcionalmente ajuizado, ajudei teu pai a escolher para ti os melhores
mestres. Vero, o Veríssimo: brincava com teu nome; tu és talvez o único ser que
jamais me mentiu. Eu te vi lendo com paixão os escritos dos filósofos,
vestindo-te de lã grosseira, dormindo sobre o leito duro, submetendo teu corpo
um pouco franzino a todas as mortificações dos estoicos. Há excesso em tudo
isso, mas o excesso é virtude aos dezessete anos.”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;">“A passagem do tempo não faz senão adicionar uma
vertigem a mais à desgraça.”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;">“</span><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;">O futuro do mundo já
não me inquieta; já não me esforço por calcular, com angústia, a duração mais
ou menos longa da paz romana; entrego-a aos deuses. Não que tenha adquirido
maior confiança na justiça, que não é a nossa; nem mais fé na sabedoria do
homem; a verdade é justamente o contrário. A vida é atroz, nós o sabemos. Mas
precisamente porque espero pouca coisa da condição humana, os períodos de
felicidade, os progressos parciais, os esforços para recomeçar e para continuar
parecem-me tão prodigiosos que chegam a compensar a massa imensa de males,
fracassos, incúria e erros. As catástrofes e as ruínas virão; a desordem
triunfará; de tempos em tempos, no entanto, a ordem voltará a reinar. A paz
instalar-se-á de novo entre dois períodos de guerra; as palavras liberdade,
humanidade e justiça recuperarão aqui e ali o sentido que temos tentado
dar-lhes. Nossos livros não serão todos destruídos; nossas estátuas quebradas
serão restauradas; outras cúpulas e outros frontões nascerão dos nossos
frontões e das nossas cúpulas; alguns homens pensarão, trabalharão e sentirão
como nós: ouso contar com esses continuadores colocados, com intervalos
irregulares, ao longo dos séculos, nessa intermitente imortalidade. Se os
bárbaros se apoderarem alguma vez do império do mundo, serão forçados a adotar
alguns dos nossos métodos; acabarão por se parecer conosco. Chábrias
preocupa-se com a ideia de ver um dia o pastóforo de Mitra ou o bispo de Cristo
instalarem-se em Roma, e aí substituírem o sumo pontífice. Se por desgraça esse
dia chegar, meu sucessor na colina Vaticana terá deixado de ser o chefe de um
círculo de adeptos ou de um bando de sectários para se tornar, por sua vez, uma
das figuras representativas da autoridade universal. Herdará nossos palácios e
nossos arquivos; diferirá de nós menos do que poderá parecer. Aceito com calma
essas vicissitudes da Roma eterna.”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;">XXXXXXXXXXXXXXX<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><b style="mso-bidi-font-weight: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;">Caderno de notas das Memórias de Adriano<o:p></o:p></span></b></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;">“Impossibilitada
também de tomar como personagem central uma figura feminina, de dar, por
exemplo, como eixo à minha narrativa Plotina em lugar de Adriano. A vida das
mulheres é demasiado limitada, ou demasiado secreta. Basta que uma mulher narre
sua história e a primeira censura que lhe será feita é a de deixar de ser
mulher. Já é bastante difícil colocar qualquer verdade na boca de um homem.”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;">“Tudo
nos escapa, e todos, e nós mesmos. A vida de meu pai é-me mais desconhecida que
a de Adriano. Minha própria existência, se eu quisesse escrevê-la, seria
reconstituída por mim pelo exterior, penosamente, como a de outra pessoa; teria
de recorrer a cartas, a lembranças de outrem, para fixar essas memórias
flutuantes. Não passam nunca de paredes desmoronadas, cortinas de sombra. Conseguir
que as lacunas de nossos textos, no que se refere à vida de Adriano, coincidam
com o que teriam sido os seus próprios esquecimentos.”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;">“As
regras do jogo: tudo aprender, tudo ler, informar-se de tudo e,
simultaneamente, adaptar ao objetivo a ser atingido os <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Exercícios</i> de Inácio de Loyola ou o método do asceta hindu que se
esgota, durante anos, para visualizar um pouco mais exatamente a imagem que ele
criou sob suas pálpebras fechadas. Perseguir, através de milhares de registros,
a atualidade dos fatos; tentar restituir a mobilidade, a leveza do ser vivo a
essas faces de pedra. Quando dois textos, duas afirmativas, duas ideias se
opõem, procurar conciliá-los de preferência a anular um pelo outro; ver neles
duas facetas diferentes, dois estados sucessivos do mesmo fato, uma realidade
convincente porque complexa, humana porque múltipla. Trabalhar lendo um texto
do século II com olhos, alma e sentidos do século II; deixar-se mergulhar nessa
água-mãe que são os fatos contemporâneos; afastar, se possível, todas as ideias,
todos os sentimentos acumulados por camadas sucessivas entre essas pessoas e
nós. Servir-se, entretanto, mas prudentemente, e unicamente a título de estudos
preparatórios, das possibilidades de aproximação e de reconstituição das novas
perspectivas elaboradas pouco a pouco por tantos séculos, ou dos acontecimentos
que nos separam desse texto, desse fato, desse homem; utilizá-los de certo
modo, como outras tantas balizas no caminho de regresso a um ponto especial do
tempo. Interditar a si mesmo as sombras projetadas; não permitir que o bafo de um
hálito se espalhe sobre o aço do espelho; aproveitar somente o que há de mais
duradouro, de mais essencial em nós, nas emoções dos sentidos ou nas operações
do espírito, como ponto de contato com aqueles homens que, como nós, comeram
azeitonas, beberam vinho, besuntaram os dedos com mel, lutaram contra o vento
agreste e a chuva que cega, ou procuraram no verão a sombra de um plátano, e
gozaram, e pensaram, e envelheceram, e morreram.”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;">“Ignorância
daqueles que dizem: “Adriano é você”. Ignorância talvez tão grande como a
daqueles que se espantam de que tenha sido escolhido um assunto tão remoto e
tão estranho. O feiticeiro que golpeia a si mesmo no momento de evocar as
sombras sabe que elas só obedecerão a seu apelo porque lhe sorvem o sangue.
Sabe também, ou deveria saber, que as vozes que lhe falam são mais sábias e
mais dignas de atenção do que seus próprios gritos.”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;">“Em
certo sentido, toda vida, quando narrada, é exemplar; escrevemos para atacar ou
para defender um sistema do mundo, para definir um método que nos é próprio. E
não é menos verdade que é pela idealização ou pela crítica mordaz a todo custo,
pelo detalhe fortemente exagerado ou prudentemente omitido, que se desqualificam
quase todos os biógrafos: o homem construído substitui o homem compreendido.
Nunca perder de vista o gráfico de uma vida humana, que não se compõe, digam o
que disserem, de uma horizontal e de duas perpendiculares, mas de três linhas
sinuosas, prolongadas até o infinito, incessantemente reaproximadas e divergindo
sem cessar: o que o homem julgou ser, o que ele quis ser, e o que ele foi.”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;">“Todo
ser que viveu a aventura humana sou eu.”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt; mso-themecolor: text1;">“Fazer o
melhor possível. Refazer. Retocar, ainda imperceptivelmente, esse retoque. “É a
mim mesmo que corrijo ao retocar minhas obras”, dizia Yeats.”<o:p></o:p></span></p>Doneyhttp://www.blogger.com/profile/09476772224297324141noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1937976905822999004.post-40851522964236664832023-11-11T19:42:00.000-03:002023-11-11T19:42:01.172-03:00Anne de Avonlea, de Lucy Maud Montgomery<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt;">Editora</span></i><span style="font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt;">:
Ciranda Cultural<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt;">ISBN</span></i><span style="font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt;">:
978-85-380-9254-4<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt;">Tradução</span></i><span style="font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt;">:
Rafael Bonaldi<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt;">Opinião</span></i><span style="font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt;">:
</span><span face=""Segoe UI Symbol","sans-serif"" style="font-size: 14pt; mso-bidi-font-family: "Segoe UI Symbol"; mso-bidi-font-size: 11.0pt;">★★★☆☆</span><span style="font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt;">Link para compra</span></i><span style="font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt;">:
</span><a href="https://amzn.to/3SJE51U"><span style="font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt;">Clique aqui</span></a><span style="font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt;">Páginas</span></i><span style="font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt;">:
288<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt;">Sinopse</span></i><span style="font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt;">:
Agora com 16 anos, sentindo-se quase adulta, Anne está prestes a começar a
lecionar na escola de Avonlea, a realidade de seu trabalho torna-se um teste
para seu caráter, surgindo várias dúvidas quanto ao seu futuro. Ela conquistou
o amor do povoado e se tornou uma ativa participante de uma associação para
melhorias em Avonlea. Enfim, Anne decide deixar tudo para ir atrás de seu
grande sonho.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt;"><br /></span></p>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgUJS5MgZlB9n2skTi_M_Si9vCO7XM-y6ByFBhtpHcJ1Wb5HASQexYegFO463OUs1EEbEwlRrj05nMZ8agv-grfqvlK8xQVr5Deu3cYxHZ0DVyP4QZ4G9nlHnVv6Zc_K63iIy1u0hi-DEaj_MFqPaOlC6CRwFLsKtrX3uVY5y-VtIEXkxxixyALZ5lTbPM/s1000/Anne%20de%20Avonlea.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1000" data-original-width="696" height="400" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgUJS5MgZlB9n2skTi_M_Si9vCO7XM-y6ByFBhtpHcJ1Wb5HASQexYegFO463OUs1EEbEwlRrj05nMZ8agv-grfqvlK8xQVr5Deu3cYxHZ0DVyP4QZ4G9nlHnVv6Zc_K63iIy1u0hi-DEaj_MFqPaOlC6CRwFLsKtrX3uVY5y-VtIEXkxxixyALZ5lTbPM/w279-h400/Anne%20de%20Avonlea.jpg" width="279" /></a></div><p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><br /></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt;">“Nunca é possível prever o que acontecerá
se uma professora usar a sua influência para o bem.”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt;">“Posso afirmar que este é um mundo
problemático.”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt;">“</span><span lang="pt" style="font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-bidi-font-size: 11.0pt;">– Creio que a senhorita tem um temperamento apimentado – comentou ele,
estudando as bochechas coradas e os olhos indignados à sua frente. – Presumo
que combine com os seus cabelos. Avonlea é um lugar muito decente, caso
contrário eu não teria me mudado para cá. Mas suponho que até mesmo a senhorita
admitirá que o povoado tem alguns defeitos, não é?<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-bidi-font-size: 11.0pt;">– Eu gosto ainda
mais de Avonlea por causa desses defeitos – respondeu a leal Anne. – Não gosto
de pessoas e lugares sem defeitos. Acho que uma pessoa verdadeiramente perfeita
não seria muito interessante. A senhora Milton White diz que nunca conheceu uma
pessoa perfeita, mas que ouviu muito a respeito de uma... a primeira esposa do
marido. O senhor não acha que deve ser muito desconfortável ser casada com um
homem cuja primeira esposa era perfeita?<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-bidi-font-size: 11.0pt;">– Seria mais
desconfortável ser casado com a esposa perfeita – declarou o senhor Harrison,
com uma veemência repentina e inexplicável.”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="pt" style="font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-bidi-font-size: 11.0pt;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="pt" style="font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-bidi-font-size: 11.0pt;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt;">“</span><span lang="pt" style="font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-bidi-font-size: 11.0pt;">– Este mundo é muito bom, apesar de tudo, não é, Marilla? – concluiu
Anne, alegre. – Outro dia, a senhora Lynde queixou-se de que não se pode
esperar muito do mundo. Que sempre que se anseia por algo prazeroso, o
desapontamento era quase certo... Talvez seja verdade. Mas sempre há um lado
bom. As coisas ruins tampouco fazem jus às expectativas e quase sempre acabam
sendo muito melhores do que imaginávamos.”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="pt" style="font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-bidi-font-size: 11.0pt;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt;">“Existe algo bom em cada pessoa, é só uma
questão de saber encontrá-lo. E é o dever de um professor descobri-lo e
desenvolvê-lo.”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt;">““A senhora Lynde veio me dar um bom
conselho para amanhã" – pensou Anne, com uma careta, “mas acho que não vou
entrar. Seus conselhos são como pimenta, eu acho... excelentes em pequenas
quantidades, mas muito ardidos na dose que a senhora Lynde prefere.”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt;">“Só quem não está mais vivo é que está
livre de surpresas.”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt;">“– Tudo o que é válido na vida dá algum
trabalho.”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt;">“</span><span lang="pt" style="font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-bidi-font-size: 11.0pt;">– Espero que se divirta, Anne. Você trabalhou duro no último ano e se
saiu muito bem.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-bidi-font-size: 11.0pt;">– Ah, não sei.
Deixei a desejar em tantas coisas! Não fiz o que tinha prometido fazer no
último outono, quando comecei a lecionar. Não tenho vivido de acordo com os
meus ideais.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-bidi-font-size: 11.0pt;">– Nenhum de nós
consegue – comentou a senhora Allan, com um suspiro. – Mas você sabe o que
Lowell diz, Anne: “Fracassar não é crime, mas sim ter pouca ambição”. Devemos
ter ideais e tratar de viver de acordo com eles, mesmo que nem sempre tenhamos
êxito. A vida seria uma lástima sem eles.”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt;">“– Não sabe que só as pessoas muito tolas
falam sério o tempo todo?”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt;">“–Uma pessoa deve ter algumas
compensações.”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt;">“– Sempre me perguntei o que deu errado
entre Stephen Irving e Lavendar Lewis – continuou Marilla, ignorando Davy. –
Tenho certeza de que eles estavam comprometidos há vinte e cinco anos, mas, de
repente, tudo se acabou! Não sei qual foi o problema, mas deve ter sido algo
terrível, pois ele foi embora para os Estados Unidos e nunca mais voltou.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt;">– Talvez não tenha sido nada tão
terrível, afinal. Creio que as pequenas coisas da vida frequentemente causam
mais problemas do que as grandes – disse Anne, em um daqueles lampejos de
sabedoria que nem a experiência poderia ter aperfeiçoado.”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt;">“– Esta é uma das coisas boas deste
mundo... Podemos ter certeza de que sempre haverá outras primaveras.”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt;">“– Homens são imprevisíveis. Uma vez,
minha irmã mais velha, Charlotta I, achou que estava comprometida. Mas acontece
que ele tinha uma opinião diferente e falou que não estavam, e por isso ela
nunca mais vai confiar em um deles outra vez. E ouvi outro caso em que um homem
pensava que estava muito apaixonado por uma moça, quando na verdade era da irmã
dela que ele gostava o tempo todo. Se um homem não sabe o que quer, senhorita
Shirley, como uma pobre mulher vai saber?”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt;">“– Oh, é claro que existe um risco ao
casar-se, com qualquer pessoa – concordou Charlotta IV – mas, consideradas
todas as coisas, senhorita Shirley, existem coisas muito piores do que um
marido.”<o:p></o:p></span></p>Doneyhttp://www.blogger.com/profile/09476772224297324141noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1937976905822999004.post-48858394705435354712023-11-06T23:58:00.004-03:002023-11-06T23:59:40.592-03:00Fundação (02): Fundação e Império, de Isaac Asimov<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">Editora</span></i><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">: Aleph<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt;"><i><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">ISBN</span></i><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">: 978-85-7657-197-1<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt;"><a name="_Hlk144959563"><i><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">Tradução</span></i></a><span style="mso-bookmark: _Hlk144959563;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">: </span></span><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">Fábio Fernandes<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">Opinião</span></i><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">: </span><span face=""Segoe UI Symbol","sans-serif"" style="color: black; font-size: 14pt; mso-bidi-font-family: "Segoe UI Symbol"; mso-themecolor: text1;">★★★☆☆</span><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">Páginas</span></i><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">: 277<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">Link para compra</span></i><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">: </span><a href="https://amzn.to/3LfkTVs"><span style="font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt;">Clique aqui</span></a><u><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;"><o:p></o:p></span></u></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><i><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">Sinopse</span></i><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">: Ver <a href="https://listadelivros-doney.blogspot.com/2023/09/fundacao-de-isaac-issamov.html">Primeiro
livro</a><o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><br /></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjHUCUG6u6XxSN09_tAo92dbXXXdmx2Fd8-eiWg4LlkztGRhZN70Ftc4GNDjfoNsDWhKqBQRsXUGSC3BFpkq_1QucV4i5f44hL7zaJDJ49hG8fsYWKuaiZ1VmNHU1LaQO5tlmc9tKT2Iu9vV6aNQxSap3801Vhx3Qdpw9V81kPh5qZWYJPwtLkpXARqgMs/s1651/Funda%C3%A7%C3%A3o.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1651" data-original-width="1081" height="400" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjHUCUG6u6XxSN09_tAo92dbXXXdmx2Fd8-eiWg4LlkztGRhZN70Ftc4GNDjfoNsDWhKqBQRsXUGSC3BFpkq_1QucV4i5f44hL7zaJDJ49hG8fsYWKuaiZ1VmNHU1LaQO5tlmc9tKT2Iu9vV6aNQxSap3801Vhx3Qdpw9V81kPh5qZWYJPwtLkpXARqgMs/w263-h400/Funda%C3%A7%C3%A3o.jpg" width="263" /></a></div><br /><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><br /><br /></div>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">“O
ponto essencial em correr um risco é que os lucros o justifiquem.”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">“–
Então, explique-se em seus próprios termos. Por que você diz que o Império não
pode derrotar este pequeno inimigo?<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">O
siwenniano se sentou mais uma vez e desviou os olhos do olhar fixo de Riose.
Falou pesadamente:<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">–
Porque tenho fé nos princípios da psico-história. Ela é uma ciência estranha.
Atingiu a maturidade matemática com um homem, Hari Seldon, e morreu com ele,
pois nenhum homem desde então foi capaz de manipular suas complexidades. Mas,
nesse curto período, ela provou ser o instrumento mais poderoso jamais
inventado para o estudo da humanidade. Sem fingir prever as ações de
indivíduos, ela formulou leis definitivas capazes de análise e extrapolação
matemática para governar e prever a ação em massa de grupos humanos.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">–
Então...<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">– Foi
a psico-história que Seldon e o grupo com o qual ele trabalhou aplicaram com
força total para criar a Fundação. O lugar, tempo e as condições, tudo isso
conspira matematicamente e, portanto, inevitavelmente, para a criação de um
Segundo Império Galáctico.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">A
voz de Riose tremia de indignação.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">–
Você quer dizer que essa arte dele prevê que eu atacaria a Fundação e perderia
tal e tal batalha por tal e tal motivo? Você está tentando dizer que sou um
tolo robotizado, seguindo um curso predeterminado para a destruição?<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">–
Não – respondeu o velho patrício, com seriedade. – Eu já disse que a ciência
nada tem a ver com ações individuais. É o pano de fundo maior que foi previsto.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">–
Então continuamos presos à mão da Deusa da Necessidade Histórica.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">–
Da Necessidade <i>Psico</i>-histórica – provocou Barr, baixinho.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">– E
se eu exercer minha prerrogativa de livre-arbítrio? Se eu escolher atacar no
ano que vem ou não atacar? Quão flexível é essa Deusa? Que recursos tem?<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Barr
deu de ombros.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">–
Ataque agora ou nunca; com uma única nave, ou com toda a força do Império; pela
força militar ou por pressão econômica; por uma declaração de guerra honesta e
aberta ou por emboscada traiçoeira. Faça o que desejar, no mais amplo exercício
de livre-arbítrio. Você ainda perderá.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">–
Por causa da mão morta de Hari Seldon?<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">–
Por causa da mão morta da matemática do comportamento humano, que não pode ser
detida, desviada nem atrasada.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Os
dois se encararam em um impasse, até que o general recuou.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">–
Vou aceitar esse desafio – disse, simplesmente. – É uma mão morta contra uma
vontade viva.”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">“As
forças econômicas e sociológicas mais profundas não são dirigidas por homens
individuais.”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">“Havia
uma brutalidade assustadora em um céu que brilhava sem brechas em todas as
direções. Era como estar perdido num mar de radiação.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">E,
no centro de um aglomerado aberto de dez mil estrelas, cuja luz rasgava em
pedaços a fraca escuridão ao redor, circulava o imenso planeta imperial,
Trantor.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Mas
ele era mais que um planeta; era a pulsação viva de um Império de vinte milhões
de sistemas estelares. Ele tinha apenas uma função, administração; um
propósito, governo; e um bem manufaturado, a lei.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">O
mundo inteiro era uma distorção funcional. Não existia objeto vivo em sua
superfície a não ser o homem, seus animais de estimação e seus parasitas.
Nenhuma folha de relva ou fragmento de solo descoberto podia ser encontrado
fora dos quase duzentos quilômetros quadrados do Palácio Imperial. Não havia
água doce fora do terreno do Palácio, a não ser nas vastas cisternas
subterrâneas que continham o suprimento de água de um mundo.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">O
metal lustroso, indestrutível e incorruptível que compunha a superfície
inteiriça do planeta era a fundação das imensas estruturas metálicas que
cobriam o mundo num labirinto. Eram estruturas conectadas por passagens;
entrelaçadas por corredores; fechadas por escritórios; alicerçadas pelos
imensos centros varejistas que cobriam quilômetros e quilômetros quadrados;
recobertas pelo reluzente mundo de diversão que brilhava e se acendia todas as
noites.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Era
possível caminhar por todo mundo de Trantor e nunca deixar um único prédio
conglomerado, nem tampouco ver a cidade.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Uma
frota de naves, maior em número do que todas as frotas de guerra que o Império
já havia sustentado, pousava suas cargas em Trantor todos os dias, para
alimentar os quarenta bilhões de humanos que não davam nada em troca a não ser
a satisfação da necessidade de desembaraçar as miríades de fios que espiralavam
para dentro da administração central do mais complexo governo que a Humanidade
já havia conhecido.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Vinte
mundos agrícolas eram o celeiro de Trantor. Um universo era seu serviçal...”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">“–
Eu não tinha me dado conta disso antes, mas depois que tudo acabou e pude...
bem... olhar para as respostas no fim do livro, o problema se torna simples. <i>Agora</i>
nós podemos ver que o histórico social do Império torna as guerras de conquista
impossíveis para ele. Sob imperadores fracos, ele é dilacerado por generais que
competem por um trono sem valor e, certamente, letal. Sob imperadores fortes, o
Império fica congelado num rigor paralítico no qual a desintegração
aparentemente cessa no momento, mas apenas com o sacrifício de todo o
crescimento possível.”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">“–
Ora, o que você acha da situação galáctica?<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">–
Acho – Bayta disse concisamente – que está chegando uma crise Seldon... e se
não estiver, então é melhor jogar o plano Seldon fora completamente. É um
fracasso.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">(“Uau”,
murmurou Fran, de seu canto. “Que maneira de falar de Seldon.” Mas não disse
nada em voz alta.)<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Randu
ficou fumando seu cachimbo especulativamente.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">– É
mesmo? Por que você diz isso? Eu estive na Fundação quando jovem, sabe, e
também tive grandes pensamentos dramáticos. Mas por que você diz isso agora?<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">–
Bem – os olhos de Bayta ficaram nublados e pensativos enquanto ela curvava os
dedos nus na suavidade branca do tapete e aninhava o queixo pequeno numa mão gordinha
–, me parece que toda a essência do plano de Seldon era criar um mundo melhor
do que o antigo do Império Galáctico. Aquele mundo estava caindo aos pedaços há
trezentos anos, quando Seldon criou a Fundação... e se a história é verdadeira,
ele estava desabando com a doença tripla da inércia, do despotismo e da má
distribuição dos bens do universo.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Randu
assentiu devagar, enquanto Toran olhava para sua esposa com olhos orgulhosos e
luminosos, e Fran, no canto, estalava a língua e enchia cuidadosamente seu
copo.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">–
Se a história de Seldon for verdade – ela continuou –, ele previu o colapso
completo do Império por meio de suas leis da psico-história, e foi capaz de
prever os necessários trinta mil anos de barbárie antes do estabelecimento de
um novo Segundo Império para restaurar a civilização e a cultura para a
humanidade. Foi todo o objetivo do trabalho da vida dele estabelecer condições
para assegurar um rejuvenescimento mais rápido.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">A
voz profunda de Fran explodiu:<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">– E
é por isso que ele estabeleceu duas Fundações, honrado seja seu nome.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">– E
foi por isso que ele estabeleceu as duas Fundações – concordou Bayta. – Nossa
Fundação era um ajuntamento dos cientistas do Império moribundo com a intenção
de levar a ciência e o aprendizado do homem a novas alturas. E a Fundação foi
situada de tal forma no espaço, e o ambiente histórico era tal que, por
intermédio dos cuidadosos cálculos de seu gênio, Seldon previu que em mil anos
ela se tornaria um império novo e maior.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Fez-se
um silêncio reverente.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">A
garota disse suavemente:<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">– É
uma história velha. Vocês a conhecem. Por quase três séculos, todos os seres
humanos da Fundação souberam disso. Mas eu achava que seria apropriado passar
por isso... apenas rapidamente. Hoje <i>é</i> o aniversário de Seldon, vocês
sabem, e mesmo que eu <i>seja</i> da Fundação e vocês sejam de Refúgio, isso
nós temos em comum...<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Ela
acendeu um cigarro devagar e ficou olhando, distraída, a ponta brilhante.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">–
As leis da história são tão absolutas quanto as leis da física, e se as
probabilidades de erro são maiores, é apenas porque a história não lida com
tantos humanos quanto a física com átomos, então variações individuais contam
mais. Seldon previu uma série de crises através dos mil anos de crescimento,
cada uma das quais forçaria uma nova virada de nossa história para um caminho
previamente calculado. São essas crises que nos guiam... e, portanto, uma crise
deve estar vindo agora. Agora! – ela repetiu, com força. – Já se passou quase
um século desde a última, e nesse século cada um dos vícios do Império foi
repetido na Fundação. Inércia! Nossa classe dominante conhece uma lei: nada de
mudança. Despotismo! Eles conhecem uma regra: força. Má distribuição! Eles
conhecem um desejo: manter o que é deles.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">–
Enquanto outros passam fome! – Fran rugiu, subitamente, com um poderoso soco no
braço de sua poltrona. – Garota, suas palavras são pérolas. Os gordos, com seu
dinheiro, arruínam a Fundação, ao passo que os bravos comerciantes ocultam sua
pobreza em mundos arruinados como Refúgio. É uma desgraça para Seldon, como se
lhe cuspissem na cara, lhe arrancassem a barba.”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">“–
Capitão Pritcher, você é um soldado, e calcula em termos de armas. Não é bom se
permitir chegar a um ponto que envolva me desobedecer. Tome cuidado. Minha
justiça não é simplesmente fraqueza. Capitão, já foi provado que os generais da
Era Imperial e os senhores da guerra da presente época são igualmente
impotentes contra nós. A ciência de Seldon que prevê o curso da Fundação é
baseada não em heroísmo individual, como você parece crer, mas nas tendências
sociais e econômicas da história. Nós já passamos com sucesso por quatro
crises, não passamos?<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">–
Passamos, Excelência. Mas a ciência de Seldon é conhecida... somente para
Seldon. A nós mesmos, só nos ficou a fé. Nas três primeiras crises, como me
ensinaram cuidadosamente, a Fundação foi liderada por homens sábios que
previram a natureza das crises e tomaram as precauções adequadas. Caso contrário...
quem pode dizer?<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">–
Sim, capitão, mas você omite a quarta crise. Vamos, capitão, não tivemos
liderança digna do nome então, e enfrentamos o oponente mais inteligente, o
exército mais bem armado, a força mais forte de todas. Mas vencemos, pela
inevitabilidade da história.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">–
Excelência, isso é verdade. Mas essa história que o senhor menciona só se
tornou inevitável depois que lutamos desesperadamente por mais de um ano. A
vitória inevitável nos custou quinhentas naves e meio milhão de homens.
Excelência, o plano de Seldon ajuda a quem se ajuda.”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">“Com
bastante frequência, bons instrumentistas costumam ser, de resto, idiotas. É
uma dessas configurações estranhas que tornam a psicologia interessante.”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">“Ela
balançou a cabeça: – Ele é tão estranho.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">–
Ele mexe com seu instinto materno, Bay, é o que ele faz. Um dia teremos um
filho e aí você esquecerá Magnífico.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Bayta
respondeu das profundezas de seu sanduíche:<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">–
Ocorre-me que você é tudo o que meu instinto materno pode suportar.”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">“–
Mas, e se a Fundação não caiu? E se os relatórios forem falsos? Dizem que já
foi previsto que ela não pode cair.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">–
Já passamos da era dos videntes, senhor.”<o:p></o:p></span></p>Doneyhttp://www.blogger.com/profile/09476772224297324141noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1937976905822999004.post-90499146535973172452023-11-06T23:40:00.002-03:002023-11-06T23:40:31.242-03:00O capital no século XXI (Parte II), de Thomas Piketty<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">Editora</span></i><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">: Intrínseca<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">ISBN</span></i><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">: 978-85-8057-581-1<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">Tradução</span></i><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">: Monica Baumgarten de Bolle<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">Opinião</span></i><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">: </span><span face=""Segoe UI Symbol","sans-serif"" style="color: black; font-size: 14pt; mso-bidi-font-family: "Segoe UI Symbol"; mso-themecolor: text1;">★★★★☆</span><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">Páginas</span></i><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">: 674<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">Link para
compra</span></i><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">: <a href="https://amzn.to/3lWgE3U">Clique
aqui</a><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">Sinopse</span></i><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">: Ver <a href="https://listadelivros-doney.blogspot.com/2015/04/o-capital-no-seculo-xxi-thomas-pikkety.html">Parte
I</a><o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><br /></p>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiQZy5OoY29TF4m_BfP7dLvp0e8AwIJfsluTsmgBQnIZfIl4xxoEf8zNu_O3qXKY7ElW2IvIJqYiwc1Gno_ws4XeZXdTKN8NhrtoKgrqRGl14bpJZS-G_Gv1-M3Dfm-eU9IahIQ4NnhhjHnNJTEQUkFR7smljL8_AlTeOTLcB3pDjTTUNBMfjZeJ-NRTqU/s600/O%20capital%20no%20s%C3%A9culo%20XXI.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="600" data-original-width="407" height="400" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiQZy5OoY29TF4m_BfP7dLvp0e8AwIJfsluTsmgBQnIZfIl4xxoEf8zNu_O3qXKY7ElW2IvIJqYiwc1Gno_ws4XeZXdTKN8NhrtoKgrqRGl14bpJZS-G_Gv1-M3Dfm-eU9IahIQ4NnhhjHnNJTEQUkFR7smljL8_AlTeOTLcB3pDjTTUNBMfjZeJ-NRTqU/w271-h400/O%20capital%20no%20s%C3%A9culo%20XXI.jpg" width="271" /></a></div><p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><br /></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">“Nos anos 1950-1960, as heranças e doações
somavam apenas o equivalente a alguns pontos de renda nacional por ano, de modo
que podemos imaginar legitimamente que a herança quase desapareceu e que o
capital, em geral menos importante do que no passado, a partir de então era uma
substância a ser acumulada por conta própria, por meio da poupança e do
esforço. Várias gerações cresceram com essa realidade (por vezes, é verdade,
uma percepção um tanto idealizada), em especial a geração do <i style="mso-bidi-font-style: normal;">baby boom</i> — aqueles nascidos nos anos
1940-1950 e ainda bastante presentes neste início de século XXI —, e
naturalmente às vezes elas imaginam que se trata de uma nova normalidade.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">Por outro lado, as gerações mais jovens, em
particular aquelas nascidas nos anos 1970-1980, já conhecem — em certa medida —
a nova importância que a herança vai desempenhar em suas vidas e na de seus
parentes e amigos. Por exemplo, a presença ou não de doações significativas
determina em grande parte quem vai se tornar proprietário, com qual idade, com
que cônjuge, onde e em que proporção, ou no mínimo de modo mais determinante do
que acontecia com a geração de seus pais. Suas vidas, suas carreiras, suas
escolhas familiares e pessoais são muito mais influenciadas pela herança — ou
pela ausência dela — do que a dos <i style="mso-bidi-font-style: normal;">baby-boomers</i>.”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">“A crença de que o envelhecimento conduz ao
fim da herança se revela falsa. Numa sociedade que envelhece, a herança é
recebida mais tarde, mas o montante é mais elevado (ao menos para aqueles que
herdam), e portanto a importância global da herança permanece a mesma. (...)<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">Ao longo do século XX, após o desmoronamento
do fluxo de herança, esse equilíbrio se transforma totalmente. O ponto mais
baixo foi atingido nos anos 1970: depois de várias décadas de heranças pequenas
e acumulação de novos patrimônios, o capital herdado representava pouco mais de
40% do capital privado. Pela primeira vez na história — à exceção dos países
novos —, os patrimônios acumulados pelos vivos constituíam a maior parte da
riqueza: quase 60%. É importante perceber que, embora o capital de fato tenha
mudado de natureza no pós-guerra, nós acabamos de sair desse período
excepcional. E o que nos confirma a saída de tal era são as seguintes
condições: a participação dos patrimônios herdados na riqueza total não parou
de aumentar desde os anos 1970, voltou a ser nitidamente majoritária nos anos
1980-1990 e, de acordo com os dados mais recentes disponíveis, representava em
2010 cerca de dois terços do capital privado na França, contra apenas um terço
do capital constituído a partir de poupança. Considerando os níveis mais
elevados do fluxo de herança atual, é muito provável, se as tendências
persistirem, que a participação dos patrimônios herdados continue a crescer nas
próximas décadas, ultrapassando 70% até 2020 e aproximando-se de 80% nos anos
2030-2040. No cenário em que o crescimento diminui para 1% e o rendimento
líquido do capital sobe para 5%, a participação dos patrimônios herdados deverá
manter sua progressão e atingir 90% até 2050-2060.”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">“Na França deste início de século XXI, existe
de fato um número menor de grandes heranças — as heranças de 30 milhões de
euros, ou mesmo de 10 milhões ou 5 milhões de euros são menos abundantes — do
que no século XIX. Entretanto, levando em conta que a massa global das heranças
voltou quase a seu ponto inicial, isso significa também que existem muito mais
heranças médias e médias-altas: por exemplo, em torno de 200.000, 500.000, 1
milhão e 2 milhões de euros. Tais heranças, apesar de serem insuficientes para
permitir o abandono de uma profissão e o início de uma vida de rentista,
representam ainda assim montantes consideráveis, sobretudo em comparação com o
que uma boa parte da população ganha durante uma vida de trabalho. Em outras
palavras, passamos de uma sociedade com um pequeno número de grandes rentistas
para uma sociedade com um grande número de rentistas menores: uma sociedade de
pequenos rentistas, de certa maneira.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">O indicador que me parece mais pertinente
para representar essa evolução é o que trata da porcentagem de pessoas que,
dentro de cada geração, recebem em herança (incluindo as doações) somas maiores
do que aquilo que os 50% menos bem pagos ganham em renda do trabalho ao longo
da a vida. Esse montante evoluiu ao longo das gerações: hoje, o salário médio
na metade inferior dos assalariados é da ordem de 15.000 euros por ano, ou
seja, cerca de 750.000 euros por cinquenta anos de carreira (incluindo a
aposentadoria). Trata-se, grosso modo, do resultado de uma vida passada perto
do salário mínimo. Constatamos que, no século XIX, cerca de 10% de uma geração
herdava montantes superiores a tal soma. Essa porcentagem desmoronou para pouco
mais de 2% para as gerações nascidas nos anos 1910-1920 e 4-5% para aquelas
nascidas nos anos 1930-1950. De acordo com nossas estimativas, essa porcentagem
já voltou a subir para cerca de 12% para as gerações nascidas nos anos
1970-1980 e poderia atingir ou ultrapassar 15% para as nascidas nos anos
2010-2020. Em outras palavras, perto de um sexto de cada geração receberá uma
herança maior do que o valor que metade da população ganha por meio do trabalho
ao longo de toda a vida (em grande medida, essa é a mesma metade da população
que não recebe praticamente herança alguma). É claro que isso não impedirá esse
um sexto de obter diplomas e trabalhar, e sem dúvida de ganhar mais em geral
com seu trabalho do que a metade menos bem paga. Contudo, ainda assim é uma
forma de desigualdade muito perturbadora, que está a caminho de atingir uma
magnitude inédita na história. Além disso, ela é mais difícil de ser
representada na literatura e de ser corrigida politicamente, pois se trata de uma
desigualdade comum, opondo grandes segmentos da população, e não a oposição
entre uma elite e o restante da sociedade.”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">“Nossas sociedades democráticas se apoiam em
uma visão meritocrática do mundo, ou ao menos numa esperança meritocrática — a
crença numa sociedade na qual as desigualdades seriam mais fundadas no mérito e
no trabalho do que na filiação e na renda. Essa crença e essa esperança
desempenham um papel central na sociedade moderna, por uma razão simples: na
democracia, a igualdade proclamada dos direitos do cidadão contrasta de maneira
singular com a desigualdade bastante real das condições de vida, e, para
escapar dessa contradição, é vital fazer com que as desigualdades sociais
resultem de princípios racionais e universais, e não de contingências
arbitrárias. As desigualdades devem, assim, ser justas e úteis a todos (“As
distinções sociais só podem fundamentar-se na utilidade comum”, anuncia o
primeiro artigo da <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Declaração dos
Direitos do Homem e do Cidadão</i> de 1789), ao menos na ordem do discurso, e
tanto quanto possível na realidade. Em 1893, Émile Durkheim havia previsto que
as sociedades democráticas modernas não suportariam por muito tempo a
existência da herança e acabariam por restringir o direito de propriedade de
maneira que a posse se extinguiria com a morte das pessoas.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">A partir do momento em que o capital
desempenha um papel útil no processo de produção, é natural que ele tenha um
rendimento. E, a partir do momento em que o crescimento é baixo, é quase
inevitável que esse rendimento do capital seja bem superior à taxa de
crescimento, o que dá automaticamente uma importância desmedida às
desigualdades patrimoniais vindas do passado. Essa contradição lógica não será
resolvida com um pouco de concorrência adicional. A renda não é uma imperfeição
do mercado: ela é, ao contrário, a consequência de um mercado de capital “puro
e perfeito”, no sentido dos economistas, ou seja, um mercado de capital que
oferece a cada detentor de capital — inclusive aos herdeiros menos capazes — o
rendimento mais elevado e diversificado possível na economia nacional ou mesmo
mundial. Existe, por certo, algo de surpreendente nessa noção de renda
produzida por um capital e no fato de que o detentor seja capaz de obtê-la sem
trabalhar. Há nessa ideia algo de contrário ao senso comum e que de fato aflige
as civilizações, que tentaram dar a esse fenômeno várias respostas, nem sempre
felizes, indo desde a interdição da usura até o comunismo do tipo soviético.
Apesar disso, a renda é uma realidade da economia de mercado e da propriedade
privada do capital. O fato de o capital fundiário ter se tornado imobiliário,
industrial e financeiro não mudou nada dessa realidade profunda. Imagina-se às
vezes que a lógica do desenvolvimento econômico consistiria em tornar cada vez menos
efetiva a distinção entre trabalho e capital. Na realidade, é exatamente o
contrário: a sofisticação crescente do mercado de capital e da intermediação
financeira visa a separar de maneira cada vez mais acentuada a identidade do
proprietário e do gestor e, assim, a renda pura do capital e a do trabalho. A
racionalidade econômica e tecnológica nada tem a ver com a racionalidade
democrática. O iluminismo engendrou a democracia, e é muito comum pensar que a
economia acompanharia essa lógica democrática naturalmente, como que por
encantamento. Ora, a democracia real e a justiça social exigem instituições
específicas, que não são apenas as do mercado e também não podem ser reduzidas
às instituições parlamentares e democráticas formais.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">Resumindo: a força da divergência fundamental
que enfatizamos neste livro, que pode ser resumida pela desigualdade <i style="mso-bidi-font-style: normal;">r</i> > <i style="mso-bidi-font-style: normal;">g</i>, nada tem a ver com uma imperfeição dos mercados e não será
resolvida por mercados cada vez mais livres e competitivos. A ideia de que a
livre concorrência permite pôr fim à sociedade de herança e conduz a um mundo
cada vez mais meritocrático é uma ilusão perigosa. O advento do sufrágio
universal e a extinção do voto censitário (que no século XIX restringia o
direito de voto às pessoas que detinham riqueza suficiente, em geral o 1% ou os
2% mais ricos em patrimônio nas sociedades francesas e britânicas dos anos
1820-1840, ou seja, o equivalente aos contribuintes sujeitos ao imposto sobre
fortunas na França dos anos 2000-2010) acabaram com a dominação política legal
dos detentores de patrimônio, mas não aboliram as forças econômicas capazes de
produzir uma sociedade de rentistas.”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">“De acordo com a <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Forbes</i>, o planeta contabilizava 140 bilionários, em dólares, em
1987, e ela estima mais de 1.400 em 2013, ou seja, o número foi multiplicado
por dez. Seu patrimônio total avançou ainda mais rápido, passando de menos de
300 bilhões de dólares em 1987 para 5,4 trilhões em 2013, o que significa um
aumento de quase vinte vezes.”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">“A parcela do milésimo superior (0,1% da população
mundial) atualmente parece estar próxima de 20% do patrimônio total, a do
centésimo superior (1% da população), perto de 50% do patrimônio total, e a do
décimo superior (10% da população), entre 80% e 90%; a metade inferior (50%) da
população mundial possui, sem dúvida, menos de 5% do patrimônio total.”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">“Uma das lições mais surpreendentes que
aprendemos com os rankings de bilionários da <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Forbes</i> é que, a partir de um determinado limiar, todas as fortunas
— sejam provenientes de herança ou de um esforço de empreendedorismo — avançam
em ritmo extremamente elevado, quer o titular da fortuna em questão exerça ou
não uma atividade profissional.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">Vejamos um exemplo particularmente claro,
vindo do topo da hierarquia mundial do capital. Entre 1990 e 2010, a fortuna de
Bill Gates — fundador da Microsoft, líder mundial em sistemas operacionais,
símbolo de fortuna feita por meio do empreendedorismo e número um da lista da <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Forbes</i> por mais de dez anos — passou de
4 bilhões para 50 bilhões de dólares. Ao mesmo tempo, a de Liliane Bettencourt
— herdeira da L’Oréal, líder mundial de cosméticos fundada por seu pai, Eugène
Schueller, genial inventor de tinturas para cabelos em 1907, assim como César
Birotteau com seus perfumes um século antes — passou de 2 bilhões para 25
bilhões de dólares.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">Em outras palavras, Liliane Bettencourt nunca
trabalhou, mas isso não impediu que sua fortuna crescesse tão rápido quanto a
de Bill Gates, o inventor, cujo patrimônio continua a crescer com a mesma
velocidade de sempre após ele ter cessado suas atividades profissionais. Uma
vez lançada a fortuna, a dinâmica da riqueza segue sua lógica própria e um
capital pode continuar avançando a um ritmo sustentado por décadas apenas por
conta do seu tamanho. É particularmente importante destacar que, a partir de um
determinado limiar, os efeitos do tamanho, relacionados sem dúvida às economias
de escala na gestão das carteiras e na tomada de risco, são reforçados pelo
fato de que o patrimônio pode se recapitalizar quase integralmente. Com um
patrimônio de tal nível, o estilo de vida do detentor absorve no máximo alguns
décimos de centésimos do capital a cada ano, e a quase totalidade do retorno
pode ser reinvestida. Trata-se de um mecanismo econômico elementar e, ao mesmo
tempo, importante. E com muita frequência subestimamos as consequências
temíveis desse mecanismo para a dinâmica no longo prazo da acumulação e da distribuição
de patrimônios. O dinheiro às vezes tende a se reproduzir sozinho.”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">“Ninguém nega que é importante haver uma
sociedade de empreendedores, de invenções e inovações — o que existia em grande
número na Belle Époque, como demonstraram os casos do automóvel, do cinema, da
eletricidade, tal qual acontece hoje. Entretanto, o argumento empreendedor não
possibilita justificar todas as desigualdades patrimoniais, por mais extremas
que sejam, sem nenhuma preocupação. O problema é que a desigualdade <i style="mso-bidi-font-style: normal;">r</i> > <i style="mso-bidi-font-style: normal;">g</i>, reforçada pela desigualdade dos rendimentos em função do tamanho
do capital, conduz frequentemente a uma concentração excessiva e perene da
riqueza: por mais justificáveis que elas sejam no início, as fortunas se
multiplicam e se perpetuam sem limites e além de qualquer justificação racional
possível em termos de utilidade social.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">Os empreendedores tendem, assim, a se
transformar em rentistas, não somente com o passar das gerações, mas também ao
longo do curso de uma mesma vida, especialmente porque as existências
individuais se estendem por muito tempo: o fato de ter tido boas ideias aos
quarenta anos não significa que se vá tê-las aos noventa, não mais do que a
geração seguinte. E, no entanto, a fortuna está sempre lá, às vezes
multiplicada por mais de dez em vinte anos, como mostram os casos de Bill Gates
e Liliane Bettencourt. (...)<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">A instituição ideal que seria capaz de evitar
uma espiral infindável de aumento da desigualdade e também retomar o controle
da dinâmica em curso seria um imposto progressivo global sobre o capital. Um
instrumento como esse teria ainda o mérito de gerar a transparência democrática
e financeira dos patrimônios, o que é uma condição necessária para a regulação
eficaz do sistema bancário e dos fluxos financeiros internacionais. O imposto
sobre o capital faria prevalecer o interesse geral em detrimento do interesse
privado, preservando, a um só tempo, a abertura econômica e as forças da
concorrência. O mesmo não pode ser dito sobre as diferentes reações de cunho
nacionalista e identitário que poderiam surgir como uma alternativa menos
adequada.”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">“Devemos também destacar que a ocultação de
uma parte importante dos ativos financeiros mundiais em paraísos fiscais limita
desde já e de maneira significativa nossa capacidade de analisar a geografia
global da riqueza. Se nos ativermos aos dados fiscais publicados pelos
institutos de estatísticas dos diferentes países e reunidos pelas organizações
internacionais (a começar pelo Fundo Monetário Internacional), a posição
patrimonial dos países ricos perante o resto do mundo pareceria negativa. Como
vimos, o Japão e a Alemanha têm posições positivas muito importantes em relação
ao resto do mundo (ou seja, eles possuem, por meio de seus domicílios, empresas
e governo, muito mais ativos no resto do mundo do que o resto do mundo possui
em seus próprios países), o que reflete o fato de que eles acumularam grandes
excedentes comerciais ao longo das últimas décadas. Contudo, os Estados Unidos
têm uma posição negativa, e a maior parte dos países europeus, à exceção da
Alemanha, tem uma posição próxima de zero ou negativa. No total, quando se
adiciona o conjunto dos países ricos, chegamos a uma posição ligeiramente negativa,
equivalente a cerca de –4% do PIB mundial no início dos anos 2010 e, no
entanto, ela estava próxima de zero em meados dos anos 1980. É necessário,
porém, insistir no fato de que se trata de uma posição ligeiramente negativa
(que representa 1% do patrimônio mundial). Em todo caso, como já vimos diversas
vezes, vivemos num período histórico em que as posições internacionais são mais
ou menos equilibradas, ao menos em comparação com o período colonial, quando a
posição positiva dos países ricos em relação ao resto do mundo era
incomparavelmente maior.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">Em princípio, essa posição oficial,
ligeiramente negativa, deveria ter em contrapartida uma posição positiva
equivalente no resto do mundo. Em outras palavras, os países pobres deveriam
possuir mais ativos nos países ricos do que o que acontece de fato, com uma
diferença da ordem de 4% do PIB mundial (cerca de 1% do patrimônio mundial) a
seu favor. Na realidade, o cenário é bem diferente: se adicionarmos o conjunto
de estatísticas financeiras para os diferentes países, chegaremos à conclusão
de que os países pobres também apresentam uma posição negativa e que o planeta
como um todo tem uma posição nitidamente negativa. Em outras palavras, seríamos
possuídos por Marte. Trata-se de uma “anomalia estatística” relativamente
antiga, mas as organizações internacionais perceberam seu agravamento ao longo
dos anos (o balanço de pagamentos é regularmente negativo no mundo inteiro:
mais dinheiro sai dos países do que entra neles, o que em tese é impossível),
sem que possa de fato ser explicado. É necessário ressaltar que essas
estatísticas financeiras e esses balanços de pagamentos concernem em princípio
ao conjunto dos territórios do planeta (os bancos situados nos paraísos fiscais
têm, em teoria, a obrigação de transmitir suas contas às instituições
internacionais, pelo menos de maneira global) e que muitos tipos de vieses e
erros de mensuração podem a priori explicar essa “anomalia”.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">Ao confrontar o conjunto de fontes
disponíveis e investigar os dados bancários suíços inexplorados até hoje,
Gabriel Zucman revelou que a explicação mais plausível para essa diferença é a
existência de uma massa importante de ativos financeiros não registrados
detidos nos paraísos fiscais. Sua estimativa, prudente, é que essa massa representa
o equivalente a quase 10% do PIB mundial. Certas estimativas realizadas por
organizações não governamentais concluem que há massas ainda maiores (até o
dobro ou o triplo). No estado atual das fontes disponíveis, a estimativa de
Zucman me parece um pouco mais realista. Contudo, é evidente que essas
estimativas são incertas por natureza, e é possível que se trate de uma margem
inferior. Em todo caso, o fato importante é que essa margem inferior já é
extremamente elevada. Em particular, ela é mais de duas vezes maior do que a
posição negativa oficial do conjunto dos países ricos. Ora, tudo indica que a
maioria desses ativos financeiros localizados nos paraísos fiscais é detida por
residentes dos países ricos (no mínimo três quartos). A conclusão é evidente: a
posição patrimonial dos países ricos em relação ao resto do mundo é na verdade
positiva (os países ricos possuem em média os países pobres, e não o inverso, o
que não chega a ser surpreendente), mas essa evidência é mascarada pelo fato de
que os habitantes mais afortunados dos países ricos ocultam uma parte de seus
ativos nos paraísos fiscais. Esse resultado significa, em particular, que a
forte alta dos patrimônios privados — em proporção à renda nacional —
observados nos países ricos ao longo das últimas décadas, na realidade é ainda
um pouco maior do que estimamos a partir das contas oficiais. O mesmo ocorre
com a tendência de alta da participação dos grandes patrimônios na riqueza
total. Cada vez mais, isso revela que as dificuldades impostas pelos registros
de ativos no capitalismo global deste início de século XXI podem deturpar nossa
percepção da geografia elementar da riqueza.”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">“As despesas públicas com educação e saúde
representam entre 10% e 15% da renda nacional em todos os países desenvolvidos
neste início de século XXI.* Dentro desse grupo, constatamos diferenças
significativas entre os países. A educação primária e secundária é quase
inteiramente gratuita para toda a população, mas o ensino superior pode ser
privado, e bastante caro, sobretudo nos Estados Unidos, e em menor grau no
Reino Unido. O sistema público de seguro-saúde é universal (ou seja, aberto a
toda a população) em quase toda a Europa, incluindo, é claro, o Reino Unido.**
Nos Estados Unidos, ao contrário, o sistema público de seguro-saúde é reservado
aos mais pobres e às pessoas idosas (o que não o impede de ser muito
custoso).*** Em todos os países desenvolvidos, essas despesas públicas permitem
que os governos assumam uma grande parte dos custos dos serviços de educação e
de saúde: quase três quartos na Europa e a metade nos Estados Unidos. O
objetivo é possibilitar a igualdade de acesso a esses bens fundamentais: toda
criança deveria poder ter acesso à formação, qualquer que seja a renda de seus
pais; toda pessoa deveria poder ter acesso a cuidados de saúde, inclusive — e
principalmente — quando atravessa uma fase ruim.”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.5pt; mso-themecolor: text1;">*: Tipicamente 5-6% para educação e 8-9% para saúde. <o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.5pt; mso-themecolor: text1;">**: O National Health Service, fundado em 1948, faz parte da identidade
nacional britânica de tal maneira que sua criação foi representada nos palcos
da cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos de 2012, ao lado da Revolução
Industrial e das bandas de rock dos anos 1960.<o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.5pt; mso-themecolor: text1;">***: Se adicionarmos os custos dos seguros privados, o sistema de saúde
americano é de longe o mais caro do mundo (perto de 20% da renda nacional,
contra 10-12% na Europa), mesmo que uma parte importante da população não
esteja coberta e que os indicadores sanitários sejam bastante piores do que na
Europa. Quaisquer que sejam seus defeitos, não há dúvidas de que o sistema
público universal de seguro-saúde oferece uma melhor relação custo-benefício do
que o sistema americano.<o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">“Apesar de todos os defeitos, e sejam quais
forem os desafios que eles enfrentam, o fato é que são os sistemas de
aposentadoria pública que permitem a todos os países desenvolvidos erradicar a
pobreza na terceira idade, que ainda era endêmica até os anos 1950-1960. Junto
com o acesso à educação e à saúde, as aposentadorias públicas são a terceira
revolução social fundamental financiada pela revolução fiscal do século XX.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">A aposentadoria é o patrimônio daqueles que
não possuem patrimônio, como muitos dizem.”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">“Observamos esse tipo de debate de rendas
mínimas sociais tanto nos Estados Unidos (onde a mãe solteira, negra e
desempregada representa a repulsa absoluta por aqueles que desprezam o magro <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Welfare State</i> americano) como na Europa.
Nos dois casos, essas quantias equivalem a apenas uma minúscula parte do Estado
social.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">Uma diferença importante entre os dois
continentes é que os sistemas de renda mínima sempre foram reservados às
pessoas que tinham filhos nos Estados Unidos. Para pessoas sem filhos, o Estado
carcerário às vezes exerce o ofício do Estado de bem-estar social (em
particular para os jovens negros). Cerca de 1% da população adulta americana
estava atrás das grades em 2013. Essa taxa média de encarceramento é a mais
alta do mundo (levemente à frente da Rússia, muito à frente da China). Ela
ultrapassa os 5% para homens negros adultos (considerando todas as idades).
Outra particularidade é o uso de programas de auxílio em vale-alimentação como
o <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Food Stamps</i> (cujo objetivo é
garantir que os beneficiários consumam alimentos, em vez de usar o dinheiro com
bebida ou outros vícios), o que é pouco coerente com a visão liberal
frequentemente associada aos Estados Unidos. Isso é uma prova do grau dos
preconceitos americanos em relação aos mais pobres, que parece mais extremo do
que na Europa, sem dúvida porque eles são reforçados, em parte, por
preconceitos raciais.”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">“O imposto não é nem bom nem ruim em si: tudo
depende da maneira como ele é arrecadado e do que se faz com ele.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">Na escala europeia, são os países mais ricos
e mais produtivos que têm os impostos mais elevados (entre 50% e 60% da renda
nacional na Suécia e na Dinamarca), enquanto os países mais pobres e menos
desenvolvidos têm os menores impostos (pouco mais de 30% da renda nacional na
Bulgária e na Romênia).”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">“Devemos insistir sobre o seguinte ponto:
considerando o altíssimo nível atingido pelos patrimônios privados europeus no
início do século XXI, um imposto anual progressivo arrecadado a taxas relativamente
moderadas sobre as maiores riquezas poderia gerar receitas bastante
significativas. Consideremos, por exemplo, o caso de um imposto sobre a riqueza
que fosse arrecadado à taxa de 0% para patrimônios inferiores a 1 milhão de
euros, 1% para patrimônios entre 1 e 5 milhões de euros e 2% para patrimônios
acima de 5 milhões de euros. Se fosse aplicado em todos os países da União
Europeia, ele afetaria 2,5% da população e geraria a cada ano o equivalente a
2% do PIB europeu (o retorno anual seria próximo dos 300 bilhões de euros, para
um PIB de quase 15 trilhões.). Esse retorno elevado não surpreende: ele
simplesmente vem do fato de que os patrimônios privados representam mais de
cinco anos do PIB e que os centésimos superiores detêm uma parte considerável
desse total. O centésimo superior detém atualmente algo em torno de 25% do
patrimônio total, ou seja, cerca de 125% do PIB europeu. Os 2,5% mais ricos
detêm quase 40% do patrimônio total, ou seja, 200% do PIB europeu. Não é
surpreendente que um imposto com uma taxa marginal de 1% e 2% para esses grupos
gere dois pontos percentuais do PIB. Vimos então que, se um imposto sobre o
capital não pode financiar sozinho o Estado social, o complemento de recursos
que ele pode gerar não deve ser ignorado.”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">“São duas as principais formas de um Estado
financiar suas despesas: por meio de impostos ou por meio de dívidas. De uma
maneira geral, o imposto é uma solução infinitamente melhor tanto em termos de
justiça quanto de eficácia. O problema da dívida é que quase sempre ela precisa
ser paga. Portanto, financiar a dívida é, acima de tudo, do interesse de quem
tem os meios para emprestar ao Estado, e seria melhor para o Estado taxar os
ricos em vez de pegar dinheiro emprestado deles.”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">“Toda a história demonstra a lamentável
tendência de juízes constitucionais a se lançarem em interpretações extensas e
prejudiciais — e em geral muito conservadoras — dos textos jurídicos sobre
questões fiscais e orçamentárias. Esse conservadorismo jurídico é hoje
particularmente perigoso na Europa, onde existe a tendência a dar prioridade ao
direito absoluto de livre circulação de pessoas, bens e capitais em relação aos
direitos dos Estados de promover o interesse geral, o que inclui o direito de
arrecadar impostos.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">Como exemplo, nos Estados Unidos, a Suprema
Corte bloqueou por muito tempo o imposto sobre a renda no século XIX e no
início do século XX, e depois a legislação sobre o salário mínimo durante os
anos 1930. No entanto, julgou a escravidão e depois a discriminação racial
perfeitamente compatíveis com os direitos fundamentais por quase dois séculos.”<o:p></o:p></span></p>Doneyhttp://www.blogger.com/profile/09476772224297324141noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1937976905822999004.post-5614525461427575362023-11-03T01:27:00.002-03:002023-11-28T23:04:30.141-03:00Uma breve história do tempo (Parte II), de por Stephen Hawking <p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">Editora</span></i><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">: Intrínseca<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><i><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">ISBN</span></i><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">: 978-85-8057-646-7<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><i><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">Tradução</span></i><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">: Cássio
de Arantes Leite<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">Ilustrações</span></i><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">: Ron Miller<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">Revisão técnica</span></i><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">: Amâncio frança<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">Opinião</span></i><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">: </span><span face=""Segoe UI Symbol","sans-serif"" style="color: black; font-size: 14pt; mso-bidi-font-family: "Segoe UI Symbol"; mso-themecolor: text1;">★★★☆☆</span><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">Páginas</span></i><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">: 256<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">Link para compra</span></i><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">: </span><a href="https://amzn.to/49i6mmd"><span style="font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt;">Clique aqui</span></a><u><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;"><o:p></o:p></span></u></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><i><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">Sinopse</span></i><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">: Ver <a href="https://listadelivros-doney.blogspot.com/2023/11/uma-breve-historia-do-tempo-parte-i-de.html">Parte
I</a><o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><br /></p>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhInearXW-RkonhANYrc7EA8MIyHdQRG-n7FwFEh7sEXLSyw2zRkSd_V7_FQv-IFMwmn-sNpmdeSTNy2WJ30lWdsZc21cVBB4gWs806B2UiMOwh5vJ-6zVpV40_Z9eL-2QVfao3s2I9LI_8URkmd7EVPEwUo7nYME9xJzEis38K7w59-yL9pB2KaEowR0s/s1000/Uma%20breve%20hist%C3%B3ria%20do%20tempo.jpg" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1000" data-original-width="695" height="400" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhInearXW-RkonhANYrc7EA8MIyHdQRG-n7FwFEh7sEXLSyw2zRkSd_V7_FQv-IFMwmn-sNpmdeSTNy2WJ30lWdsZc21cVBB4gWs806B2UiMOwh5vJ-6zVpV40_Z9eL-2QVfao3s2I9LI_8URkmd7EVPEwUo7nYME9xJzEis38K7w59-yL9pB2KaEowR0s/w278-h400/Uma%20breve%20hist%C3%B3ria%20do%20tempo.jpg" width="278" /></a></div><p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><br /></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">“Os
buracos negros são apenas um caso, de uma quantidade razoavelmente pequena na
história da ciência, em que uma teoria foi desenvolvida em grande detalhe como
modelo matemático antes de haver quaisquer evidências observacionais que a
comprovassem. Na verdade, esse era o principal argumento dos detratores dos
buracos negros: como alguém poderia acreditar em objetos para os quais a única
evidência eram cálculos baseados na duvidosa teoria da relatividade geral? No
entanto, em 1963, o astrônomo Maarten Schmidt, do Observatório Palomar, na
Califórnia, mediu o desvio para o vermelho de um objeto fraco aparentemente
estelar na direção da fonte de ondas de rádio chamada 3C273 (ou seja, fonte
número 273 do terceiro catálogo de Cambridge das fontes de rádio). Ele
descobriu que o desvio era grande demais para ser causado por um campo
gravitacional: se fosse um desvio gravitacional, o objeto teria de ser tão
massivo e estar tão próximo de nós que perturbaria as órbitas dos planetas no
Sistema Solar. Isso sugeria que, na verdade, o desvio para o vermelho havia
sido causado pela expansão do universo, o que, por sua vez, significava que o
objeto estava a uma distância muito grande. E, para ser visível de tão longe, o
objeto devia ser muito brilhante; em outras palavras, devia estar emitindo uma
quantidade imensa de energia. O único mecanismo no qual as pessoas conseguiram
pensar que seria capaz de produzir quantidades tão grandes de energia parecia
ser o colapso gravitacional não só de uma estrela, mas de toda a região central
de uma galáxia. Foram descobertos inúmeros outros “objetos quase estelares”
semelhantes, ou quasares, todos com grandes desvios para o vermelho. Mas todos
estão longe demais e, assim, são difíceis de observar a fim de fornecer
evidências conclusivas dos buracos negros.”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">“Hoje
também temos evidências de diversos outros buracos negros em sistemas como o
Cygnus X-1 em nossa galáxia e em duas galáxias vizinhas chamadas Nuvens de
Magalhães. Contudo, é quase certo que o número de buracos negros seja muito
maior. Na longa história do universo, muitas estrelas devem ter queimado todo o
seu combustível nuclear e entrado em colapso. A quantidade de buracos negros
pode até ser bem maior do que a de estrelas visíveis, que totaliza cerca de cem
bilhões só em nossa galáxia. A gravidade adicional de um número tão grande de
buracos negros poderia explicar a velocidade com que a nossa galáxia gira — a
massa das estrelas visíveis não é suficiente para explicá-la. Também temos
indícios da existência de um buraco negro muito maior, com massa de cerca de
cem mil vezes a do Sol, no centro de nossa galáxia. As estrelas que se
aproximam demais desse buraco negro são dilaceradas pela diferença das forças
gravitacionais entre seu lado mais próximo e o mais distante. Seus fragmentos,
e o gás expelido de outras estrelas, caem na direção do buraco negro. O gás
desce em espiral e se aquece, mas não tanto quanto no caso de Cygnus X-1. Ele
não fica quente o bastante para emitir raios X, mas talvez explique a fonte
muito compacta de ondas de rádio e raios infravermelhos observada no centro da
galáxia.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Acredita-se
que no centro dos quasares haja buracos negros semelhantes, porém ainda
maiores, com massas de cerca de cem milhões de vezes a do Sol. Por exemplo,
observações da galáxia conhecida como M87 feitas com o telescópio Hubble
revelam que ela contém um disco de gás de 130 anos-luz de diâmetro girando em
torno de um objeto central com dois bilhões de vezes a massa do Sol. Só pode
ser um buraco negro. A matéria caindo dentro de um buraco negro supermassivo
constituiria a única fonte de força grande o bastante para explicar as
quantidades enormes de energia emitidas por esses objetos. À medida que a
matéria cai para o buraco negro, ele gira na mesma direção, desenvolvendo um
campo magnético mais ou menos como acontece com a Terra. Partículas de
altíssima energia são geradas próximo ao buraco negro pela matéria que cai ali
dentro. O campo magnético é tão forte que concentra essas partículas em jatos
expelidos ao longo do eixo de rotação do buraco negro, ou seja, na direção de
seus polos norte e sul. Esses jatos já foram observados em diversas galáxias e
quasares.”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">“A
TEORIA DA relatividade geral de Einstein previu que o espaço-tempo começou na
singularidade do Big Bang e chegaria ao fim na singularidade do Big Crunch (se
todo o universo voltasse a entrar em colapso) ou em uma singularidade dentro de
um buraco negro (se uma região local, como uma estrela, entrasse em colapso).
Qualquer matéria que caísse no buraco negro seria destruída na singularidade, e
apenas o efeito gravitacional de sua massa ainda seria sentido do lado de fora.
Em contrapartida, quando os efeitos quânticos passaram a ser levados em
consideração, parecia que a massa ou energia da matéria acabaria sendo
devolvida ao resto do universo e que o buraco negro, junto com qualquer
singularidade dentro dele, evaporaria até desaparecer. Será que a mecânica
quântica pode ter um efeito igualmente dramático nas singularidades do Big Bang
e do Big Crunch? O que ocorre de fato durante os primeiros e últimos estágios
do universo, quando os campos gravitacionais são tão fortes que os efeitos
quânticos não podem ser ignorados? O universo tem mesmo um início ou um fim? Se
sim, como eles são? (...)<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Acredita-se
que no Big Bang o universo tivesse tamanho zero e, assim, seria infinitamente
quente. Contudo, à medida que o universo se expandiu, a temperatura da radiação
decresceu. Um segundo após o Big Bang, ela teria caído para cerca de dez
bilhões de graus Kelvin.* Isso é cerca de mil vezes a temperatura no núcleo do Sol,
mas temperaturas tão elevadas como essa são atingidas em explosões de bombas de
hidrogênio. Nessa época, o universo teria contido sobretudo fótons, elétrons e
neutrinos (partículas extremamente leves que são afetadas apenas pela força
fraca e pela gravidade) e suas antipartículas, além de alguns prótons e
nêutrons. À medida que o universo continuasse a se expandir e as temperaturas a
diminuir, a taxa em que os pares de elétrons/antielétrons eram produzidos em colisões
teria caído abaixo da taxa em que estavam sendo destruídos por aniquilação.
Assim, a maioria dos elétrons e antielétrons teria se aniquilado mutuamente,
produzindo mais fótons e deixando apenas alguns elétrons. No entanto, os neutrinos
e antineutrinos não teriam se aniquilado, pois a interação dessas partículas
entre si e com outras partículas é muito fraca. Portanto, ainda devem estar por
aí. Se pudéssemos observá-los, teríamos uma boa ideia de como era esse estágio
primitivo muito quente do universo. Infelizmente, a energia dessas partículas
seria hoje baixa demais para que elas pudessem ser observadas de forma direta.
No entanto, se neutrinos não forem destituídos de massa, mas tiverem uma
pequena massa própria, como sugerido por alguns experimentos recentes, talvez
sejamos capazes de detectá-los por vias indiretas: eles poderiam ser uma forma
de matéria escura, como a que mencionei antes, com atração gravitacional
suficiente para deter a expansão do universo e levá-lo a entrar em colapso
outra vez.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Cerca
de cem segundos após o Big Bang, a temperatura teria caído para um bilhão de
graus, o equivalente ao interior das estrelas mais quentes. A essa temperatura,
prótons e nêutrons já não possuiriam energia suficiente para escapar da atração
da força nuclear forte e teriam começado a se combinar para produzir os núcleos
dos átomos de deutério (hidrogênio pesado), que contêm um próton e um nêutron.
Então os núcleos do deutério teriam se combinado com mais prótons e nêutrons
para compor núcleos de hélio, que contêm dois prótons e dois nêutrons, e também
pequenas quantidades de outros dois elementos mais pesados: lítio e berílio.
Podemos calcular que, no modelo do Big Bang quente, cerca de um quarto dos
prótons e nêutrons teria sido convertido em núcleos de hélio, juntamente com
uma pequena quantidade de hidrogênio pesado e outros elementos. Os nêutrons
remanescentes teriam decaído em prótons, que são os núcleos dos átomos de
hidrogênio comum.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Esse
cenário de um estágio primitivo quente do universo foi proposto pela primeira
vez pelo cientista George Gamow, em um famoso artigo escrito em 1948 com um
aluno dele, Ralph Alpher. Gamow tinha um senso de humor e tanto — ele convenceu
o cientista nuclear Hans Bethe a acrescentar seu nome ao artigo para que a
lista de autores fosse “Alpher, Bethe, Gamow”, como as primeiras três letras do
alfabeto grego (alfa, beta, gama): particularmente apropriado para um artigo
sobre o início do universo! Nesse trabalho, eles fizeram a notável previsão de
que a radiação (na forma de fótons) dos estágios primitivos muito quentes do
universo deveria existir até hoje, mas com sua temperatura reduzida para apenas
alguns graus acima do zero absoluto (– 273°C). Foi essa radiação que Penzias e
Wilson descobriram em 1965. Na época em que Alpher, Bethe e Gamow escreveram o
artigo, não se sabia muito sobre as reações nucleares de prótons e nêutrons.
Desse modo, as previsões para as proporções dos vários elementos no universo
primitivo eram um tanto imprecisas, mas esses cálculos foram repetidos à luz de
um conhecimento mais aprofundado e hoje estão bastante de acordo com o que
observamos. Além do mais, é muito difícil explicar de outra maneira por que há
tanto hélio no universo. Assim, estamos razoavelmente confiantes de que dispomos
do cenário correto, pelo menos até cerca de um segundo depois do Big Bang.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Em
apenas poucas horas após o Big Bang, a produção de hélio e outros elementos
teria cessado. E, depois disso, durante o milhão de anos seguinte, o universo
teria simplesmente continuado a se expandir, sem que acontecesse muito mais
além disso. Enfim, assim que a temperatura tivesse caído para alguns milhares
de graus e elétrons e núcleos já não tivessem energia suficiente para suplantar
a atração eletromagnética entre si, eles teriam começado a se combinar para
formar átomos. O universo teria continuado a se expandir e a resfriar, mas, em
regiões um pouco mais densas do que a média, a expansão teria sido desacelerada
pela atração gravitacional maior. Isso teria detido a expansão em algumas
regiões e feito com que voltassem a entrar em colapso. À medida que o colapso
ocorresse, a atração gravitacional da matéria fora dessas regiões as teria
levado a girar levemente. Conforme a região em colapso diminuísse, girava mais
rápido — assim como esquiadores rodopiando no gelo quando encolhem os braços.
Depois, quando a região ficasse pequena o suficiente, giraria rápido o bastante
para contrabalançar a atração da gravidade, e desse modo teriam nascido
galáxias em forma de disco. Outras regiões, que por acaso não tivessem entrado
em movimento de rotação, teriam se tornado objetos ovalados chamados galáxias
elípticas. Nelas, a região pararia de entrar em colapso porque partes
individuais da galáxia estariam em órbitas estáveis em torno de seu centro, mas
a galáxia como um todo não teria rotação.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Com
o passar do tempo, os gases hidrogênio e hélio nas galáxias se fragmentariam em
nuvens menores que entrariam em colapso sob a própria gravidade. Conforme estas
se contraíssem, e os átomos dentro delas colidissem entre si, a temperatura do
gás aumentaria, até enfim ficar quente o bastante para dar início a reações de
fusão nuclear. Essas reações converteriam o hidrogênio em mais hélio, e o calor
emitido aumentaria a pressão, impedindo as nuvens de se contrair ainda mais.
Elas permaneceriam estáveis por um longo período como estrelas parecidas com o
nosso Sol, queimando hidrogênio em hélio e irradiando a energia resultante na
forma de calor e luz. Estrelas mais massivas precisariam ser mais quentes para
equilibrar sua atração gravitacional mais forte, fazendo com que as reações de
fusão nuclear ocorressem tão depressa que elas consumiriam seu hidrogênio em
apenas cem milhões de anos. Em seguida, elas se contrairiam de leve e, à medida
que esquentassem mais, começariam a converter o hélio em elementos mais
pesados, como carbono ou oxigênio. Isso, porém, não liberaria muito mais
energia, de modo que haveria uma crise, como a descrita no capítulo sobre
buracos negros. O que ocorreria em seguida não está completamente claro, mas
parece provável que as regiões centrais da estrela colapsariam até um estado
muito denso, como uma estrela de nêutrons ou um buraco negro. As regiões
externas da estrela às vezes podem ser expelidas em uma enorme explosão chamada
supernova, que ofuscaria o brilho de todas as demais estrelas em sua galáxia.
Parte dos elementos mais pesados produzidos próximo ao fim da vida da estrela
seria arremessada de volta para o gás da galáxia e forneceria parte da
matéria-prima para a geração seguinte de estrelas. Nosso próprio Sol contém
cerca de 2% desses elementos mais pesados, pois é uma estrela de segunda ou
terceira geração, formada há cerca de cinco bilhões de anos a partir de uma
nuvem de gás em rotação contendo os restos de supernovas anteriores. A maior
parte do gás nessa nuvem entrou na formação do Sol ou foi expelida, mas uma
pequena quantidade dos elementos mais pesados se agrupou para formar os corpos
que hoje orbitam o Sol na condição de planetas, como a Terra.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">No
início, a Terra era muito quente e não tinha atmosfera. Com o passar do tempo,
resfriou e adquiriu uma atmosfera pela emissão de gases das rochas. Teria sido
impossível sobrevivermos nessa atmosfera primitiva. Ela não continha oxigênio
algum, apenas uma grande quantidade de outros gases venenosos para o ser
humano, como sulfeto de hidrogênio (o gás que dá cheiro a ovos podres).
Entretanto, existem outras formas de vida primitiva capazes de prosperar sob
tais condições. Acredita-se que elas tenham se desenvolvido nos oceanos, talvez
como resultado de combinações aleatórias de átomos em estruturas maiores,
chamadas macromoléculas, que são capazes de agregar outros átomos no oceano
para formar estruturas semelhantes. Assim, elas teriam se reproduzido e
multiplicado. Em alguns casos, haveria erros na reprodução. A maior parte
desses erros teria feito com que a nova macromolécula não fosse capaz de se
reproduzir e acabasse por ser destruída. No entanto, alguns erros teriam
produzido novas macromoléculas ainda mais eficientes em se reproduzir. Elas
teriam uma vantagem e tenderiam a substituir as macromoléculas originais. Dessa
forma, iniciou-se um processo evolutivo que levou ao desenvolvimento de
organismos cada vez mais complexos, capazes de autorreplicação. As primeiras
formas de vida primitivas consumiram vários materiais, incluindo o sulfeto de
hidrogênio, e liberaram oxigênio. Aos poucos, isso mudou a atmosfera para a
composição que ela tem hoje e permitiu o desenvolvimento de formas superiores
de vida, como peixes, répteis, mamíferos e, enfim, a raça humana.”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">* A
temperatura em graus Kelvin é a temperatura em graus Celsius mais 273. A escala
de temperatura Kelvin é a escala de temperatura termodinâmica, cujo zero (0
Kelvin ou −273°C) é a menor temperatura possível, ou zero absoluto. No caso,
dez bilhões de graus Kelvin é praticamente o mesmo que dez bilhões de graus
Celsius. (N. do R.T.)</span><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.5pt; mso-themecolor: text1;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">“Se
o universo é de fato espacialmente infinito, ou se existe uma quantidade
infinita de universos, é provável que existam amplas regiões em algum lugar que
começaram de maneira regular e uniforme. É um pouco como o célebre exército de
macacos datilografando — a maior parte do que escrevem não faz sentido, mas
muito de vez em quando, por puro acaso, eles irão datilografar um dos sonetos
de Shakespeare. Do mesmo modo, no caso do universo, poderia acontecer de
estarmos vivendo em uma região que calhou de ser, por acaso, lisa e uniforme? À
primeira vista, isso deve parecer muito improvável, pois a quantidade de
regiões tão lisas teria sido bastante inferior à de regiões caóticas e
irregulares. Entretanto, suponha que apenas nas regiões lisas tenha ocorrido a
formação de galáxias e estrelas e, logo, de condições apropriadas para o
desenvolvimento de organismos complexos autorreplicadores como nós, capazes de
fazer a pergunta “Por que o universo é tão liso?”. Isso é um exemplo da
aplicação do que se conhece como princípio antrópico, que pode ser parafraseado
assim: “Vemos o universo da maneira como ele é porque existimos.”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Existem
duas versões do princípio antrópico: a fraca e a forte. O princípio antrópico
fraco afirma que, em um universo grande ou infinito no espaço e/ou no tempo, só
haverá condições necessárias para o desenvolvimento de vida inteligente em
determinadas regiões limitadas no espaço e no tempo. Desse modo, os seres
inteligentes nessas regiões não devem ficar surpresos se observarem que sua
localização no universo satisfaz as condições necessárias para sua existência.
É um pouco como uma pessoa rica que mora em um bairro nobre e não vê pobreza
alguma.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Um
exemplo do uso do princípio antrópico fraco é “explicar” por que o Big Bang
ocorreu cerca de dez bilhões de anos atrás: leva mais ou menos todo esse tempo
para seres inteligentes se desenvolverem. Como explicado há pouco, uma geração
anterior de estrelas teve de se formar primeiro. Essas estrelas converteram
parte do hidrogênio e do hélio originais em elementos como carbono e oxigênio,
a partir dos quais somos feitos. As estrelas, então, explodiram como
supernovas, e seus fragmentos formaram outras estrelas e planetas, entre os
quais os existentes em nosso Sistema Solar, que tem cerca de cinco bilhões de
anos. Os primeiros um ou dois bilhões de anos de existência da Terra foram
quentes demais para o desenvolvimento de qualquer organismo complexo. Os outros
cerca de três bilhões de anos foram ocupados pelo vagaroso processo da evolução
biológica, que foi desde os organismos mais simples a seres capazes de medir o
tempo a partir do Big Bang.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Poucas
pessoas questionariam a validade ou utilidade do princípio antrópico fraco.
Alguns, no entanto, vão muito além e propõem uma versão forte. Segundo essa
teoria, existem muitos universos diferentes ou muitas regiões diferentes de um
único universo, cada um com sua própria configuração inicial e, talvez, seu
próprio conjunto de leis científicas. Na maioria desses universos, as condições
não seriam apropriadas para o desenvolvimento de organismos complexos; apenas
nos universos que são como o nosso seres inteligentes poderiam se desenvolver e
fazer a pergunta “Por que o universo é da maneira como o vemos?”. A resposta,
nesse caso, é simples: se ele tivesse sido diferente, não estaríamos aqui!<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">As
leis da ciência, como as conhecemos hoje, compreendem muitas grandezas
fundamentais, como a magnitude da carga elétrica do elétron e a razão entre as
massas do próton e do elétron. Não somos capazes, pelo menos no momento, de
prever os valores dessas quantidades a partir da teoria — temos de descobri-los
por observação. Pode ocorrer de um dia descobrirmos uma teoria unificada
completa que preveja todas essas grandezas, mas também é possível que algumas
ou todas elas variem de um universo para o outro ou dentro de um único
universo. O fato notável é que os valores dessas quantidades parecem ter sido
muito bem ajustados para possibilitar o desenvolvimento da vida. Por exemplo,
se a carga do elétron fosse apenas ligeiramente diferente, as estrelas teriam
sido incapazes de queimar hidrogênio e hélio e explodir. Claro, podem existir
outras formas de vida inteligente, inconcebíveis até pelos escritores de ficção
científica, que não necessitem da luz de uma estrela como o Sol ou dos
elementos químicos mais pesados formados nas estrelas e ejetados de volta para
o espaço quando estas explodem. Não obstante, sem dúvida parece haver
relativamente poucos valores possíveis para os números que permitem o
desenvolvimento de alguma forma de vida inteligente. A maioria dos conjuntos de
valores daria origem a universos que, embora possam parecer muito belos, não
conteriam ninguém capaz de admirar tal beleza. Podemos tomar isso como
evidência de um propósito divino na Criação e na escolha das leis da ciência ou
como um argumento do princípio antrópico forte.”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">“Hoje
novas previsões da condição sem-contorno estão sendo elaboradas. Um problema
particularmente interessante é em qual grau ocorreram os pequenos afastamentos
da densidade uniforme no universo primitivo, que ocasionaram a formação
primeiro das galáxias, depois das estrelas e, por fim, de seres humanos. O
princípio da incerteza sugere que o universo primitivo não pode ter sido
completamente uniforme porque deve ter havido algumas incertezas ou flutuações
nas posições e velocidades das partículas. Usando a condição sem-contorno,
descobrimos que o universo deve, de fato, ter começado com apenas a mínima não
uniformidade possível permitida pelo princípio da incerteza. O universo teria,
então, passado por um período de rápida expansão, como nos modelos
inflacionários. Durante esse período, as não uniformidades iniciais teriam se amplificado
até que fossem grandes o bastante para explicar a origem das estruturas que
observamos à nossa volta. Em 1992, <a name="Cobe"></a>o satélite Cobe detectou
pela primeira vez variações muito sutis na intensidade da radiação cósmica de
fundo de acordo com a direção. O modo como essas não uniformidades dependem de
direção parece estar de acordo com as previsões do modelo inflacionário e da
proposição sem-contorno. Assim, a proposição sem-contorno é uma boa teoria
científica tal como definiu Karl Popper: ela poderia ter sido falseada pelas
observações, mas, em vez disso, suas previsões têm se confirmado. Em um
universo em expansão no qual a densidade da matéria variasse ligeiramente de um
lugar para outro, a gravidade teria feito com que as regiões mais densas
desacelerassem a expansão e começassem a se contrair. Isso teria levado à
formação de galáxias, estrelas e, no fim, até de criaturas insignificantes como
nós. Desse modo, todas as estruturas complexas que vemos no universo podem ser
explicadas pela condição sem-contorno para o universo em conjunto com o
princípio da incerteza da mecânica quântica.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">A
ideia de que o espaço e o tempo talvez componham uma superfície fechada e sem
contorno acarreta também profundas implicações para o papel divino nos assuntos
do universo. Com o êxito das teorias científicas em descrever os eventos, a
maioria das pessoas passou a acreditar que Deus permite ao universo evoluir de
acordo com uma série de leis e que ele não intervém para violá-las. Contudo, as
leis não nos dizem como devia ser o aspecto do universo no início — ainda teria
cabido a Ele dar corda no relógio e decidir como pô-lo em funcionamento.
Contanto que o universo tenha tido um início, podemos supor que houve um
criador. Mas, se o universo fosse de fato absolutamente contido em si mesmo,
sem contorno nem borda, ele não teria início nem fim: ele simplesmente seria.
Nesse caso, qual é o papel de um criador?”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">“NOSSO
MUNDO É um lugar desconcertante. Queremos extrair um sentido do que vemos à
nossa volta e perguntar: qual é a natureza do universo? Qual é nosso lugar nele
e de onde ele e nós viemos? Por que ele é do jeito que é? (...)<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">As
primeiras tentativas teóricas de descrever e explicar o universo envolviam a
ideia de que os eventos e fenômenos naturais eram controlados por espíritos com
emoções humanas que agiam de modo muito humano e imprevisível. Esses espíritos
habitavam os objetos naturais, como rios e montanhas, incluindo os corpos
celestes, como o Sol e a Lua. Eles tinham de ser aplacados, e era necessário
obter sua mercê para assegurar a fertilidade do solo e o ciclo das estações.
Pouco a pouco, porém, as pessoas devem ter notado a existência de determinadas
regularidades: o Sol sempre nascia a leste e se punha a oeste, tivesse ou não
sido feito algum sacrifício ao deus-sol. Além disso, o Sol, a Lua e os planetas
seguiam trajetórias precisas no céu, que podiam ser previstas com exatidão
considerável. O Sol e a Lua ainda podiam ser deuses, mas obedeciam a leis
rígidas, aparentemente sem exceções, se desconsiderarmos histórias como a do
Sol parando para Josué.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">No
início, essas regularidades e leis eram óbvias apenas na astronomia e em
algumas outras situações. Entretanto, à medida que a civilização se desenvolveu
— e em especial nos últimos trezentos anos —, cada vez mais leis e
regularidades foram descobertas. O sucesso dessas leis levou Laplace, no início
do século XIX, a postular o determinismo científico; ou seja, ele sugeriu que
haveria uma série de leis que determinariam com precisão a evolução do
universo, levando em conta sua configuração em certo momento.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">O
determinismo de Laplace era incompleto de duas maneiras. Ele não dizia como
escolher as leis e não descrevia a configuração inicial do universo. Isso
caberia a Deus. Deus escolheria como o universo começara e quais leis seriam
obedecidas, mas ele não interviria no universo uma vez que este tivesse
começado. Na verdade, Deus estava confinado às áreas que a ciência do século
XIX não compreendia.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Hoje
sabemos que as aspirações deterministas de Laplace não podem ser concretizadas,
pelo menos não nos termos que ele tinha em mente. O princípio da incerteza da
mecânica quântica implica que não se pode prever determinados pares de
grandezas, como a posição e a velocidade de uma partícula, com precisão
absoluta. A mecânica quântica lida com essa situação mediante uma classe de
teorias quânticas em que as partículas não têm posições e velocidades bem
definidas, mas estão representadas por uma onda. Essas teorias quânticas são
deterministas no sentido de que fornecem leis para a evolução da onda com o
tempo. Assim, se conhecemos a onda em dado momento, podemos calculá-la em
qualquer outro. O elemento imprevisível, aleatório, entra em cena apenas quando
tentamos interpretar a onda em termos de posições e velocidades das partículas.
Mas talvez este seja nosso erro: talvez não existam posições e velocidades da
partícula, apenas ondas. Só que tentamos ajustar as ondas a nossas ideias
preconcebidas de posições e velocidades. A defasagem resultante é a causa da
aparente imprevisibilidade.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Na
verdade, redefinimos a tarefa da ciência como a descoberta de leis que nos
tornarão capazes de prever eventos dentro dos limites impostos pelo princípio
da incerteza. No entanto, a questão permanece: como ou por que as leis e o
estado inicial do universo foram escolhidos?<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Neste
livro, dei destaque especial às leis que governam a gravidade, pois é a
gravidade que molda a estrutura em grande escala do universo, ainda que ela
seja a mais fraca das quatro categorias de forças. As leis da gravitação eram
incompatíveis com a visão mantida até bem recentemente de que o universo é
imutável no tempo: o fato de a gravidade sempre exercer atração implica que o
universo deve estar se expandindo ou se contraindo. Segundo a teoria da
relatividade geral, deve ter havido um estado de densidade infinita no passado,
o Big Bang, que teria sido um início do tempo de fato. Do mesmo modo, se o
universo inteiro entrar em colapso, deverá haver outro estado de densidade
infinita no futuro, o Big Crunch, que seria o fim do tempo. Mesmo que o
universo todo não voltasse a entrar em colapso, haveria singularidades em
regiões específicas que entrariam em colapso para formar buracos negros. Essas
singularidades seriam um fim do tempo para quem caísse no buraco negro. No Big
Bang e em outras singularidades, todas as leis seriam suspensas, de modo que
Deus ainda teria tido total liberdade para escolher o que aconteceu e como o
universo teve início.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Quando
combinamos a mecânica quântica com a relatividade geral, parece surgir uma nova
possibilidade: a de que, juntos, o espaço e o tempo talvez formem um espaço
finito, quadridimensional, sem singularidades ou contornos, como a superfície
da Terra, mas com mais dimensões. Parece que essa ideia poderia explicar muitas
das características que observamos no universo, como sua uniformidade em grande
escala e as inomogeneidades em menor escala, como as galáxias, as estrelas e
até os seres humanos. Poderia explicar até a seta do tempo que observamos.
Contudo, se o universo for completamente contido em si mesmo, sem singularidades
ou contornos, e completamente descrito por uma teoria unificada, isso guarda
profundas implicações para o papel de Deus como Criador.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Certa
vez, Einstein formulou a pergunta: “Que capacidade de escolha teve Deus na
construção do universo?” Se a proposição sem-contorno está correta, ele não
teve liberdade alguma em escolher as condições iniciais. No entanto, ele ainda
teria tido a liberdade de escolher as leis a que o universo obedeceria, é
claro. Todavia, talvez isso não tenha sido bem uma escolha; pode muito bem
haver apenas uma teoria unificada completa, ou algumas, como a teoria das
cordas heterótica, que é coerente e permite a existência de estruturas
complexas como os seres humanos, seres capazes de investigar as leis do
universo e fazer perguntas sobre a natureza de Deus.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Mesmo
que haja uma única teoria unificada possível, ela não passa de um conjunto de
regras e equações. Que coisa é essa que insufla vida às equações e cria um
universo para que elas o descrevam? A abordagem científica habitual de construir
um modelo matemático não dá conta de responder por que deve haver um universo
para ser descrito. Por que o universo tem todo esse trabalho de existir? A teoria
unificada é tão inescapável que suscita sua própria existência? Ou ela precisa
de um criador? Se for o caso, ele exerce algum outro efeito no universo? E quem
o criou?<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Até
o momento, a maioria dos cientistas tem andado ocupada demais elaborando novas
teorias para descrever <i>o que</i> o universo é para poder perguntar <i>por
quê</i>. Em contrapartida, aqueles cujo ofício seria perguntar <i>por quê</i>,
os filósofos, não foram capazes de acompanhar o avanço das teorias científicas.
No século XVIII, eles consideravam a totalidade do conhecimento humano,
incluindo a ciência, como seu campo de atuação e debatiam questões como se o
universo teve um início. Entretanto, nos séculos XIX e XX, a ciência se tornou
técnica e matemática demais para os filósofos, ou para qualquer um, com exceção
de uns poucos especialistas. Os filósofos reduziram o escopo de seus
questionamentos de tal maneira que Wittgenstein, o filósofo mais famoso do
século XX, disse: “A única tarefa que resta à filosofia é a análise da
linguagem.” Que vergonha para a grande tradição filosófica de Aristóteles a
Kant!<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">No
entanto, se de fato descobrirmos uma teoria completa, todos acabarão
compreendendo seus princípios amplos, não apenas alguns cientistas. Então,
deveremos todos — filósofos, cientistas e pessoas comuns — ser capazes de tomar
parte na discussão para saber o porquê de nós e o universo existirmos. Se
descobrirmos a resposta para isso, será o triunfo supremo da razão humana —
pois, então, conheceremos a mente de Deus.”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">“Quando
se publicou um livro intitulado <i>100 autores contra Einstein</i>, ele
replicou: “Se eu estivesse errado, bastaria um!””<o:p></o:p></span></p>Doneyhttp://www.blogger.com/profile/09476772224297324141noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1937976905822999004.post-61186123801497856552023-11-03T01:22:00.009-03:002023-11-28T23:04:55.672-03:00Uma breve história do tempo (Parte I), de Stephen Hawking<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">Editora</span></i><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">: Intrínseca<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><i><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">ISBN</span></i><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">: 978-85-8057-646-7<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><i><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">Tradução</span></i><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">: Cássio
de Arantes Leite<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">Ilustrações</span></i><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">: Ron Miller<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">Revisão técnica</span></i><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">: Amâncio frança<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">Opinião</span></i><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">: </span><span face=""Segoe UI Symbol","sans-serif"" style="color: black; font-size: 14pt; mso-bidi-font-family: "Segoe UI Symbol"; mso-themecolor: text1;">★★★☆☆</span><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">Páginas</span></i><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">: 256<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">Link para compra</span></i><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">: </span><a href="https://amzn.to/49i6mmd"><span style="font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt;">Clique aqui</span></a><u><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;"><o:p></o:p></span></u></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><i><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">Sinopse</span></i><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">: Uma das mentes mais geniais do mundo moderno, Stephen
Hawking guia o leitor na busca por respostas a algumas das maiores dúvidas da
humanidade: Qual a origem do universo? Ele é infinito? E o tempo? Sempre
existiu, ou houve um começo e haverá um fim? Existem outras dimensões além das
três espaciais? E o que vai acontecer quando tudo terminar?<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">Com ilustrações
criativas e texto lúcido e bem-humorado, Hawking desvenda desde os mistérios da
física de partículas até a dinâmica que movimenta centenas de milhões de
galáxias por todo o universo. Para o iniciado, <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Uma breve história do tempo</i> é uma bela representação de conceitos
complexos; para o leigo, é um vislumbre dos segredos mais profundos da criação.<o:p></o:p></span></span></p><p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;"><br /></span></span></p>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi4yKLqX4lNrCqP89-QMJYYQ1UFA8wMyWugSEi3Oi9-O_D4lcWMElJ39VtNC9ziDbWTPSNCEC5kHWnIfJeetT6IQPh5T3APdeI6scgtQ2dzCUyIBgAACMPdYoqhZTUd8ZSS4vLEsxxrlHE9oCeBZv4BZ1521fgN9vldLPZpu1oX8Ty8KafC5oLlCVC-lPU/s1000/Uma%20breve%20hist%C3%B3ria%20do%20tempo.jpg" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1000" data-original-width="695" height="400" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi4yKLqX4lNrCqP89-QMJYYQ1UFA8wMyWugSEi3Oi9-O_D4lcWMElJ39VtNC9ziDbWTPSNCEC5kHWnIfJeetT6IQPh5T3APdeI6scgtQ2dzCUyIBgAACMPdYoqhZTUd8ZSS4vLEsxxrlHE9oCeBZv4BZ1521fgN9vldLPZpu1oX8Ty8KafC5oLlCVC-lPU/w278-h400/Uma%20breve%20hist%C3%B3ria%20do%20tempo.jpg" width="278" /></a></div><p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Georgia, "serif"; font-size: 14pt;"> </span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">“A
fim de falar sobre a natureza do universo e discutir questões como se ele tem
um início ou um fim, devemos esclarecer o que é uma teoria científica. Vou
adotar a visão simplória de que uma teoria é apenas um modelo do universo — ou
uma parte restrita dele — e um conjunto de regras que relacionam as quantidades
no modelo às observações que fazemos. Ela existe apenas em nossas mentes e não
possui qualquer outra realidade (seja lá o que isso possa significar). Uma
teoria é considerada boa se satisfaz dois requisitos: descreve de forma
adequada um grande número de observações com base em um modelo que contém apenas
poucos elementos arbitrários e faz previsões precisas sobre os resultados de
futuras observações. Por exemplo, Aristóteles acreditava na teoria de
Empédocles de que tudo era feito dos elementos: terra, ar, fogo e água. Isso
era bastante simples, mas não se traduzia em previsões precisas. Já a teoria da
gravitação de Newton se baseava em um modelo ainda mais simples, no qual os
corpos atraíam uns aos outros com uma força proporcional a uma grandeza chamada
de massa e inversamente proporcional ao quadrado da distância entre eles. E,
contudo, ela prevê os movimentos do Sol, da Lua e dos planetas com alto grau de
precisão.”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">“A
descoberta de que o universo está em expansão foi uma das grandes revoluções
intelectuais do século XX. Em retrospecto, é fácil se perguntar por que ninguém
tinha pensado nisso antes. Newton e outros deviam ter se dado conta de que um
universo estático logo começaria a se contrair sob a influência da gravidade.
Mas suponhamos, em vez disso, que o universo esteja se expandindo. Se o
processo for muito lento, em algum momento a força da gravidade o levará a
parar de se expandir e, depois, começar a se contrair. Entretanto, se estiver
se expandindo acima de determinada velocidade crítica, a gravidade jamais será
forte o bastante para detê-lo, e o universo continuará se expandindo para sempre.
Isso é um pouco o que acontece quando lançamos um foguete da superfície da
Terra. Se a velocidade for muito baixa, a gravidade acabará por detê-lo, e ele
cairá de volta. Em contrapartida, se o foguete viajar acima de determinada
velocidade crítica (cerca de onze quilômetros por segundo), a gravidade não
será forte o suficiente para puxá-lo de volta, de modo que ele continuará se
afastando da Terra para sempre. Esse comportamento do universo poderia ter sido
previsto com base na teoria da gravitação de Newton em qualquer momento dos
séculos XIX e XVIII, ou até em fins do XVII. Contudo, a crença em um universo
estático era tão forte que ela persistiu até o início do século XX. Mesmo
Einstein, ao formular a teoria da relatividade geral, em 1915, tinha tanta certeza
de que o universo precisava ser estático que modificou sua teoria para tornar
isso possível, introduzindo em suas equações o que chamou de constante
cosmológica. Einstein incorporou uma nova força “antigravidade”, que, ao
contrário de outras forças, não provinha de nenhuma fonte específica, mas se
formava no próprio tecido do espaço-tempo. Ele alegou que o espaço-tempo tinha
uma tendência inerente a se expandir e que isso podia acontecer exatamente para
compensar a atração de toda a matéria no universo, de modo que o resultado
seria um universo estático. Aparentemente, apenas um homem estava disposto a
aceitar a relatividade geral, e, enquanto Einstein e outros físicos procuravam
maneiras de evitar a previsão da relatividade geral de um universo não estático,
o físico e matemático russo Alexander Friedmann se propôs a explicar tal
previsão.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Friedmann
fez duas suposições muito simples sobre o universo: que ele parecia idêntico em
qualquer direção que olhássemos e que isso seria verdadeiro também se o observássemos
de qualquer outro ponto. Partindo apenas dessas duas ideias, ele mostrou que
não deveríamos esperar que o universo fosse estático. Na verdade, em 1922,
vários anos antes da descoberta de Edwin Hubble, Friedmann previu exatamente o
que Hubble descobriu! (...)<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Bem,
à primeira vista, toda essa evidência de que o universo tem o mesmo aspecto em
qualquer direção em que olhemos pode parecer sugerir que existe algo especial
em relação a nosso lugar no universo. Em particular, talvez pareça que, se
observamos todas as demais galáxias se afastando de nós, então devemos estar no
centro do universo. Há, no entanto, uma explicação alternativa: o universo deve
parecer o mesmo em qualquer direção quando visto também de qualquer outra
galáxia. Essa, como vimos, era a segunda hipótese de Friedmann. Não dispomos de
evidência científica a favor ou contra essa suposição. Acreditamos nela apenas
por modéstia: seria muito surpreendente se o universo parecesse o mesmo em
qualquer direção em torno de nós, mas não em torno de outros pontos do
universo! No modelo de Friedmann, todas as galáxias estão se afastando umas das
outras. A situação é semelhante a um balão, com diversos pontos pintados em sua
superfície, sendo inflado. À medida que o balão se expande, a distância entre
quaisquer dois pontos aumenta, mas não existe um ponto que possa ser
identificado como o centro da expansão. Além disso, quanto mais distantes os
pontos, mais depressa eles se afastarão. Da mesma maneira, no modelo de
Friedmann a velocidade em que quaisquer duas galáxias se afastam é proporcional
à distância entre elas. Assim, ele previu que o desvio de uma galáxia para o
vermelho devia ser diretamente proporcional à sua distância de nós, o mesmo que
Hubble descobriu.”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">“Todas
as soluções de Friedmann têm a particularidade de que, em algum momento no
passado (entre dez e vinte bilhões de anos atrás), a distância entre galáxias
vizinhas deve ter sido zero. Nessa época, que chamamos de Big Bang, a densidade
do universo e a curvatura do espaço-tempo teriam sido infinitas. Como a
matemática não pode lidar de fato com números infinitos, isso significa que a teoria
da relatividade geral (na qual as soluções de Friedmann se baseiam) prevê que
existe um ponto no universo no qual a própria teoria deixa de ser válida. Esse
ponto é um exemplo do que os matemáticos chamam de singularidade. Na verdade,
todas as nossas teorias científicas são formuladas na suposição de que o
espaço-tempo é liso e quase plano, de modo que deixam de funcionar na
singularidade do Big Bang, quando a curvatura do espaço-tempo é infinita. Isso
significa que, mesmo que tenha havido eventos anteriores ao Big Bang, seríamos
incapazes de usá-los para determinar o que aconteceria em seguida, pois a
previsibilidade deixaria de funcionar no Big Bang.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Do
mesmo modo, se sabemos o que aconteceu apenas desde o Big Bang, como é o caso,
não podemos determinar o que ocorreu antes. No que nos diz respeito, eventos
prévios ao Big Bang não exercem qualquer efeito, de modo que não fazem parte de
um modelo científico do universo. Devemos, assim, eliminá-los do modelo e dizer
que o tempo teve início no Big Bang.”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">“O
trabalho de Lifshitz e Khalatnikov foi valioso porque mostrou que o universo <i>pode
de fato</i> ter tido uma singularidade, um Big Bang, se a teoria da
relatividade geral estiver correta. No entanto, não solucionou a questão
crucial: será que a relatividade geral prevê que nosso universo <i>deve</i> ter
tido um Big Bang, um início do tempo? A resposta veio a partir de uma abordagem
completamente diferente introduzida pelo matemático e físico britânico Roger
Penrose em 1965. A partir do modo como os cones de luz se comportam na
relatividade geral, combinado ao fato de que a gravidade sempre exerce atração,
ele mostrou que uma estrela cedendo à própria gravidade fica aprisionada em uma
região cuja superfície acaba por encolher ao tamanho zero. E, como a superfície
da região encolhe para zero, o mesmo deve se dar com seu volume. Toda a matéria
da estrela será comprimida em uma região de volume zero, de modo que a densidade
da matéria e a curvatura do espaço-tempo serão infinitas. Em outras palavras,
temos uma singularidade contida dentro de uma região do espaço-tempo conhecida
como buraco negro. (...)<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Em
1965, li a respeito do teorema de Penrose de que todo corpo em colapso
gravitacional deve acabar formando uma singularidade. Logo me dei conta de que,
se revertêssemos a direção do tempo no teorema de Penrose, de modo que o
colapso se tornasse uma expansão, as condições de seu teorema ainda seriam
válidas, contanto que o universo fosse aproximadamente como um modelo de
Friedmann em escalas maiores no momento atual. O teorema de Penrose mostrara
que qualquer estrela em colapso <i>deve</i> terminar em uma singularidade; o
argumento de reversão temporal mostrava que qualquer universo em expansão nos
moldes de Friedmann <i>deve</i> ter se iniciado com uma singularidade. Por
razões técnicas, o teorema de Penrose exigia que o universo fosse infinito em
espaço. Assim, eu podia usá-lo para provar que haveria uma singularidade apenas
se o universo estivesse se expandindo rápido o bastante para evitar um novo
colapso (já que apenas aqueles modelos de Friedmann previam um espaço
infinito).<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Ao
longo dos anos seguintes, desenvolvi técnicas matemáticas para eliminar essa e
outras tecnicalidades dos teoremas que provavam a ocorrência de singularidades.
O resultado foi um artigo escrito em parceria com Penrose em 1970, demonstrando
enfim que deve ter havido uma singularidade de Big Bang, desde que a
relatividade geral esteja correta e o universo contenha tanta matéria quanto
observamos. Houve muita oposição ao nosso trabalho, em parte vinda dos russos,
devido à sua crença marxista no determinismo científico, e em parte de pessoas
que achavam que toda essa ideia de singularidade era intragável e arruinava a
beleza da teoria de Einstein. Todavia, não se pode discutir com um teorema
matemático. Desse modo, no fim, nosso trabalho foi amplamente aceito, e hoje
quase todos presumem que o universo teve início com uma singularidade de Big
Bang. É talvez um pouco irônico que, após mudar de ideia, hoje eu tente
convencer os demais físicos de que, na realidade, não houve singularidade
alguma no início do universo — como veremos mais adiante, ela pode desaparecer
se levarmos em consideração os efeitos quânticos.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Neste
capítulo, vimos como em menos de meio século o conceito do homem sobre o
universo, formado ao longo de milênios, foi transformado. A descoberta de
Hubble de que o universo estava em expansão e a percepção da insignificância de
nosso planeta na vastidão do cosmos foram apenas o ponto de partida. À medida
que as evidências experimentais e teóricas se acumulavam, ficou cada vez mais
claro que o universo deve ter tido um início no tempo, até que em 1970 isso
enfim foi comprovado por Penrose e por mim, com base na teoria da relatividade
geral de Einstein. Isso mostrou que a relatividade geral não passa de uma
teoria incompleta: ela é incapaz de nos dizer como o universo começou, pois
prevê que todas as teorias físicas, incluindo ela própria, perdem a validade no
início do universo. Entretanto, a relatividade geral alega ser uma teoria
apenas parcial. Assim, o que os teoremas da singularidade mostram de fato é que
deve ter havido um momento nos estágios mais primitivos do universo em que ele
era tão pequeno que já não se poderia ignorar os efeitos em pequena escala da
outra grande teoria parcial do século XX: a mecânica quântica. No começo da
década de 1970, portanto, fomos forçados a mudar nossa busca por uma
compreensão do universo com base em nossa teoria do extraordinariamente vasto
para nossa teoria do extraordinariamente minúsculo.”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">“O
cientista alemão Max Planck sugeriu, em 1900, que a luz, os raios X e outras
ondas não podiam ser emitidos a uma taxa arbitrária, mas apenas em certos
pacotes, que ele chamou de quanta. Além do mais, cada quantum tinha um montante
de energia que aumentava quanto maior fosse a frequência das ondas, de modo
que, a uma frequência elevada o bastante, a emissão de um único quantum exigiria
mais energia do que havia disponível. Desse modo, a radiação em altas
frequências seria reduzida e a taxa em que o corpo perde energia seria finita.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">A
hipótese quântica explicava muito bem a taxa observada de emissão de radiação
dos corpos quentes, mas suas implicações para o determinismo só foram
percebidas em 1926, quando outro cientista alemão, Werner Heisenberg, formulou
seu famoso princípio da incerteza. A fim de prever a posição e a velocidade
futuras de uma partícula, temos de ser capazes de medir com precisão a posição
e a velocidade atuais. A maneira óbvia de fazer isso é lançar luz sobre a
partícula. Algumas ondas de luz serão dispersadas por ela, e isso indicará sua
posição. Entretanto, não seremos capazes de determinar a posição da partícula
com mais precisão do que a distância entre as cristas de onda da luz, de modo
que temos de usar luz de ondas curtas para medir a posição da partícula de
forma precisa. Ora, pela hipótese quântica de Planck, não podemos usar uma
quantidade arbitrariamente pequena de luz; temos de usar pelo menos um quantum.
Esse quantum perturbará a partícula e mudará sua velocidade de uma forma que
não pode ser prevista. Além do mais, com quanto mais exatidão medirmos a
posição, menor será o comprimento de onda da luz necessário e, portanto, mais
elevada será a energia de um único quantum. Assim, a velocidade da partícula
será perturbada por uma quantidade maior. Em outras palavras, quanto mais
precisamente tentarmos medir a posição da partícula, menos precisamente poderemos
medir sua velocidade, e vice-versa. Heisenberg mostrou que a incerteza na
posição da partícula multiplicada pela incerteza em sua velocidade multiplicada
pela massa da partícula nunca pode ser menor do que um valor específico,
conhecido como constante de Planck. Além disso, esse limite não depende da
maneira como tentamos medir a posição ou a velocidade da partícula, nem do tipo
de partícula. O princípio da incerteza de Heisenberg é uma propriedade
fundamental e inescapável do mundo.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">O
princípio da incerteza teve implicações profundas para o modo como vemos o
mundo. Mesmo após mais de setenta anos, elas ainda não foram admitidas por
muitos filósofos e continuam sendo objeto de grande controvérsia. O princípio
da incerteza sinalizou um fim para o sonho de Laplace de uma teoria da ciência,
um modelo completamente determinista do universo: ora, ninguém pode prever
eventos futuros com exatidão se não é capaz sequer de medir de forma precisa o
atual estado do universo! É possível, ainda, imaginar que haja um conjunto de
leis que determinam os eventos por completo para um ser sobrenatural, que seria
capaz de observar o estado presente do universo sem perturbá-lo. Entretanto,
tais modelos do universo não são de grande interesse para nós, meros mortais.
Parece mais válido empregar o princípio econômico conhecido como navalha de
Occam e eliminar todos os aspectos inobserváveis da teoria. Essa abordagem
levou Heisenberg, Erwin Schrödinger e Paul Dirac, na década de 1920, a
reformular a mecânica em uma nova teoria chamada mecânica quântica, baseada no
princípio da incerteza. Nessa teoria, as partículas não mais apresentam
posições e velocidades independentes e bem definidas que não podem ser
observadas. Em vez disso, possuem um estado quântico, que é uma combinação de
posição e velocidade.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">De
modo geral, a mecânica quântica não prevê um resultado único e definitivo para
uma observação. Em vez disso, prevê um número de resultados possíveis e nos
informa sobre a probabilidade de cada um. Isso equivale a dizer que, se fizéssemos
a mesma medição em um grande número de sistemas semelhantes, todos iniciados da
mesma maneira, descobriríamos que o resultado seria A em determinados casos, B
em outros e assim por diante. Poderíamos prever o número aproximado de vezes
que o resultado seria A ou B, mas não o resultado específico de uma medição
individual. Assim, a mecânica quântica introduz um elemento inevitável de
imprevisibilidade ou aleatoriedade à ciência. Einstein se opôs fortemente a
isso, a despeito do importante papel que ele próprio desempenhara no
desenvolvimento dessas ideias. Ele foi agraciado com o Prêmio Nobel por sua
contribuição à teoria quântica. Não obstante, nunca aceitou que o universo
fosse governado pelo acaso; seus sentimentos foram resumidos em sua famosa frase
“Deus não joga dados”. A maioria dos outros cientistas, porém, estava disposta
a aceitar a mecânica quântica porque ela combinava perfeitamente com a
experimentação. De fato, a teoria tem se mostrado bem-sucedida e fundamenta
quase toda a ciência e a tecnologia modernas. Ela governa o comportamento dos
transistores e circuitos integrados, componentes essenciais de aparelhos
eletrônicos como televisores e computadores, e também é a base da química e da
biologia modernas. As únicas áreas da ciência física nas quais a mecânica
quântica ainda não foi devidamente incorporada são a gravitação e a estrutura
em grande escala do universo.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Embora
a luz seja feita de ondas, a hipótese quântica de Planck nos diz que, em alguns
aspectos, ela se comporta como se fosse constituída de partículas: pode ser
emitida ou absorvida apenas em pacotes, ou quanta. Da mesma forma, o princípio
da incerteza de Heisenberg sugere que, em alguns aspectos, as partículas se
comportam como ondas: elas não têm posição definida, mas estão “borradas” com
certa distribuição de probabilidade. A teoria da mecânica quântica se baseia em
um tipo inteiramente novo de matemática que não mais descreve o mundo real em
termos de partículas e ondas — apenas as observações do mundo podem ser
descritas nesses termos. Há, assim, uma dualidade entre ondas e partículas na
mecânica quântica: para alguns propósitos, é útil pensar nas partículas como
ondas e, para outros, é melhor pensar nas ondas como partículas. Uma
consequência importante disso é que podemos observar o que chamamos de
interferência entre dois conjuntos de ondas ou partículas. Ou seja, as cristas
de um conjunto de ondas podem coincidir com os vales de outro conjunto. Assim,
os dois se cancelam, em vez de se somar em uma onda mais forte, como seria de
se esperar. Um exemplo comum da interferência no caso da luz é o das cores que
vemos em bolhas de sabão. Elas são causadas pelo reflexo da luz nos dois lados
da fina película de água que forma a bolha. A luz branca consiste em ondas de luz
de todos os comprimentos, ou cores. Para determinados comprimentos de onda, as
cristas refletidas de um lado da película de sabão coincidem com os vales
refletidos do outro lado. As cores correspondentes a esses comprimentos de onda
estão ausentes da luz refletida, que, desse modo, parece colorida.”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">“O
fenômeno da interferência entre partículas foi crucial para a nossa compreensão
da estrutura dos átomos — as unidades básicas da química e da biologia e os
blocos constituintes a partir dos quais nós, e tudo à nossa volta, somos
feitos. No início do século XX, pensava-se que os átomos eram mais como
planetas orbitando o Sol, com elétrons (partículas de eletricidade negativa)
orbitando um núcleo central, que carregava eletricidade positiva. A atração
entre a eletricidade positiva e a negativa supostamente mantinha os elétrons em
suas órbitas da mesma forma como a atração gravitacional do Sol mantém os
planetas. O problema era que, antes da mecânica quântica, as leis da mecânica e
da eletricidade previam que os elétrons perderiam energia e, por isso,
entrariam em uma espiral para dentro até colidir com o núcleo. Isso
significaria que o átomo, e, com efeito, toda matéria, deveria sofrer um
colapso rápido até alcançar um estado de densidade muito alta. Em 1913, o
cientista dinamarquês Niels Bohr encontrou uma solução parcial para esse
problema. Ele sugeriu que os elétrons talvez não fossem capazes de orbitar o
núcleo central a uma distância qualquer, mas apenas a distâncias específicas.
Se supuséssemos, ainda, que apenas um ou dois elétrons pudessem orbitar a cada
uma dessas distâncias, isso resolveria o problema do colapso do átomo, pois os
elétrons só poderiam espiralar para dentro até preencher as órbitas mais
próximas e de menos energia.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><a name="Top_of_part0032_html"></a><span style="mso-bookmark: Top_of_part0032_html;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Esse modelo explicava muito bem a
estrutura do átomo mais simples, o hidrogênio, que tem um único elétron
orbitando o núcleo. No entanto, não estava claro como devíamos estender isso
para átomos mais complexos. Além do mais, a ideia de um conjunto limitado de
órbitas permitidas parecia muito arbitrária. A nova teoria da mecânica quântica
resolveu essa dificuldade. Ela revelou que um elétron orbitando o núcleo podia
ser visto como uma onda, cujo comprimento dependia de sua velocidade. O
comprimento de determinadas órbitas corresponderia a um número inteiro (isto é,
não fracionário) de comprimentos de onda do elétron. Nesses casos, a crista da
onda estaria na mesma posição a cada volta, de modo que as ondas se somariam:
essas órbitas corresponderiam às órbitas permitidas de Bohr. Entretanto, nos
casos em que comprimentos não fossem um número inteiro de comprimentos de onda,
cada crista acabaria sendo anulada por um vale à medida que os elétrons
completassem a volta — essas órbitas não seriam permitidas.</span></span><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Um
bom modo de visualizar a dualidade onda/partícula é a chamada soma de
histórias, introduzida pelo cientista americano Richard Feynman. Nessa
abordagem, não se espera que a partícula tenha uma única história (ou
trajetória) no espaço-tempo, como seria o caso com uma teoria clássica, não
quântica. Em vez disso, supõe-se que ela vá de A para B por todas as
trajetórias possíveis. Cada trajetória está associada a dois números: um
representa o tamanho de uma onda e o outro, a posição no ciclo (ou seja, se é
um vale ou uma crista). A probabilidade de uma partícula ir de A para B é
obtida a partir da soma das ondas para todas as trajetórias. Em geral, se
compararmos um conjunto de trajetórias vizinhas, as fases ou posições no ciclo
apresentarão variações enormes. Isso significa que as ondas associadas a essas
trajetórias se anularão umas às outras de maneira quase exata. Porém, para
alguns conjuntos de trajetórias vizinhas, a fase não variará muito. As ondas
para essas trajetórias não se anularão. Tais trajetórias correspondem às
órbitas permitidas de Bohr.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Com
essas ideias, em uma formulação matemática concreta, foi relativamente simples
calcular as órbitas permitidas em átomos mais complexos e até em moléculas, que
são feitas de átomos unidos por elétrons que orbitam mais de um núcleo. Como a
estrutura das moléculas e suas reações entre si formam a base da química e da
biologia, em princípio a mecânica quântica nos permite prever quase tudo o que
vemos à nossa volta, dentro dos limites estabelecidos pelo princípio da
incerteza. (Contudo, na prática os cálculos exigidos para sistemas contendo
mais do que uns poucos elétrons são tão complicados que não conseguimos
fazê-los.)<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">A
teoria da relatividade geral de Einstein parece governar a estrutura em grande
escala do universo. Ela é o que se chama de teoria clássica; ou seja, não leva
em consideração o princípio da incerteza da mecânica quântica, como deveria
fazer para fins de compatibilidade com outras teorias. O motivo para que isso
não leve a qualquer discrepância em relação à observação é que todos os campos
gravitacionais que costumamos experimentar são muito fracos. Entretanto, os
teoremas da singularidade discutidos aqui indicam que o campo gravitacional
deve ficar muito forte em pelo menos duas situações: os buracos negros e o Big
Bang. Em campos fortes como esses, os efeitos da mecânica quântica devem ser
importantes. Desse modo, em certo sentido, ao prever pontos de densidade
infinita, a relatividade geral clássica prevê sua própria derrocada, assim como
a mecânica clássica (ou seja, não quântica) prevê sua derrocada ao sugerir que
os átomos devem alcançar densidade infinita. Ainda não dispomos de uma teoria
consistente e completa que unifique a relatividade geral e a mecânica quântica,
mas conhecemos algumas das características que ela deve ter.”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">“Para
entender como um buraco negro pode se formar, primeiro precisamos compreender o
ciclo de vida de uma estrela. Uma estrela é formada quando uma grande
quantidade de gás (na maior parte hidrogênio) começa a desabar sobre si mesma
devido a sua atração gravitacional. À medida que ela se contrai, os átomos do
gás se chocam com frequência e velocidade cada vez maiores, e o gás se aquece.
No fim, o gás está tão quente que, quando os átomos de hidrogênio colidem, eles
deixam de se repelir e se fundem para formar o hélio. O calor liberado nessa
reação, que é como a explosão controlada de uma bomba de hidrogênio, faz a
estrela brilhar. Esse calor adicional também aumenta a pressão do gás até que
ela seja suficiente para equilibrar a atração gravitacional, e o gás para de se
contrair. É um pouco como um balão — há um equilíbrio entre a pressão do ar
dentro, que tenta fazer o balão se expandir, e a tensão na borracha, que tenta
fazer o balão diminuir. As estrelas permanecerão estáveis desse modo por um
longo tempo, com o calor das reações nucleares equilibrando a atração
gravitacional. Em algum momento, porém, a estrela ficará sem seu hidrogênio e
outros combustíveis nucleares. Paradoxalmente, quanto mais combustível a
estrela tem no começo do processo, mais rápido ela se exaure. Isso ocorre
porque, quanto maior a massa da estrela, mais quente ela precisa ficar para
equilibrar sua atração gravitacional. E, quanto mais quente ficar, mais rápido
gastará seu combustível. Nosso Sol provavelmente tem combustível bastante para
mais cerca de cinco bilhões de anos, mas estrelas mais massivas podem gastar
seu combustível em meros cem milhões de anos, um tempo ínfimo ante a idade do
universo. Quando uma estrela fica sem combustível, ela começa a esfriar e se
contrai.”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">“O
quadro que hoje temos do trabalho de Oppenheimer é o seguinte: o campo
gravitacional da estrela altera as trajetórias dos raios de luz no espaço-tempo
em relação ao que teriam sido caso a estrela não estivesse presente. Os cones
de luz, que indicam as trajetórias seguidas no espaço e no tempo a partir do
ponto de origem dos clarões luminosos, são curvados de leve para dentro próximo
à superfície da estrela. Isso pode ser visto durante um eclipse solar na
curvatura da luz originária de estrelas distantes. À medida que a estrela se contrai,
o campo gravitacional em sua superfície fica cada vez mais forte e os cones de
luz se curvam ainda mais para dentro. Isso aumenta a dificuldade de a luz da
estrela escapar, e a luz parece mais fraca e avermelhada para um observador
distante. Então, quando a estrela encolhe até determinado diâmetro crítico — o
ponto sem retorno —, o campo gravitacional na superfície se torna tão forte e
os cones de luz se curvam de tal forma que a luz não consegue mais escapar.
Segundo a teoria da relatividade, nada pode viajar mais rápido do que a luz.
Assim, se a luz não pode sair, nada mais pode; tudo é arrastado de volta pelo
campo gravitacional. O resultado é um conjunto de eventos, uma região do
espaço-tempo, de onde a luz não pode escapar e chegar a um observador distante.
Essa região é o que hoje chamamos de buraco negro. Sua fronteira é chamada de
horizonte de eventos e coincide com as trajetórias dos raios luminosos que, por
uma margem mínima, não conseguem escapar.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><a name="A_fim_de_compreender_o_que_veria"></a><span style="mso-bookmark: A_fim_de_compreender_o_que_veria;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">A fim de compreender o que
veríamos se observássemos uma estrela entrar em colapso para formar um buraco
negro, não podemos nos esquecer de que, na teoria da relatividade, não existe
tempo absoluto. Cada observador tem sua própria medida de tempo. O tempo para
alguém em uma estrela será diferente do tempo para alguém a determinada
distância, devido ao campo gravitacional da estrela. Suponhamos que um
astronauta intrépido esteja na superfície da estrela entrando em colapso e,
enquanto desaba junto com ela, envie um sinal a cada segundo, de acordo com seu
relógio, para sua nave espacial, que orbita a estrela. A certa altura em seu
relógio — digamos, 11h00m00s —, a estrela encolheria para além do raio crítico
no qual o campo gravitacional se torna tão forte que nada pode escapar, e os
sinais do astronauta não chegariam mais à nave. À medida que as 11h00m00s se
aproximassem, seus companheiros, observando da espaçonave, perceberiam os
intervalos entre os sinais do astronauta ficando cada vez mais longos, mas esse
efeito seria muito pequeno antes das 10h59m59s. Eles precisariam esperar apenas
um pouco mais do que um segundo entre o sinal das 10h59m58s do astronauta e o
que ele enviou quando seu relógio dizia 10h59m59s, mas teriam de esperar para
sempre pelo sinal das 11h00m00s. As ondas luminosas emitidas da superfície da
estrela entre 10h59m59s e 11h00m00s pelo relógio do astronauta se espalhariam
por um período de tempo infinito, de acordo com o que se vê da espaçonave. O
intervalo entre a chegada das ondas sucessivas à nave espacial ficaria cada vez
mais longo, de modo que a luz da estrela se mostraria cada vez mais vermelha e
fraca. Em algum momento, a estrela ficaria tão indistinta que não seria mais
possível vê-la da espaçonave: restaria apenas um buraco negro no espaço. A estrela,
porém, continuaria exercendo a mesma força gravitacional sobre a nave, que
seguiria orbitando o buraco negro. No entanto, esse cenário não é totalmente
realista, devido ao seguinte problema: a gravidade enfraquece à medida que nos
afastamos da estrela, de modo que a força gravitacional nos pés de nosso
intrépido astronauta seria sempre maior do que a força gravitacional em sua
cabeça. Essa diferença esticaria nosso astronauta como um espaguete ou o
dilaceraria antes que a estrela se contraísse até o diâmetro crítico do momento
em que o horizonte de eventos se formou! No entanto, acreditamos que existem
objetos muito maiores no universo, como as regiões centrais das galáxias, que
também podem sofrer colapso gravitacional e produzir buracos negros. Um astronauta
em um ponto desses não seria dilacerado antes que o buraco negro se formasse.
Com efeito, ele não sentiria nada de especial quando atingisse o raio crítico e
poderia passar pelo ponto sem retorno sem perceber. Entretanto, dentro de
apenas algumas horas, à medida que a região continuasse entrando em colapso, a
diferença nas forças gravitacionais na cabeça e nos pés dele se tornaria tão
forte que mais uma vez o rasgaria.</span></span><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">O
trabalho que Roger Penrose e eu realizamos entre 1965 e 1970 mostrou que, de acordo
com a relatividade geral, deve haver uma singularidade de densidade e curvatura
espaço-temporal infinita dentro de um buraco negro. É mais ou menos como o Big
Bang no início do tempo, com a única diferença de que seria um fim do tempo
para o objeto entrando em colapso e para o astronauta. Nessa singularidade, as
leis da ciência e nossa capacidade de prever o futuro fracassariam. No entanto,
qualquer observador que permanecesse fora do buraco negro não seria afetado por
essa falta de previsibilidade, pois nem a luz nem qualquer outro sinal poderiam
sair da singularidade e chegar a ele. Esse fato notável levou Roger Penrose a
propor a hipótese da censura cósmica, que pode ser parafraseada como “Deus
abomina uma singularidade nua”. Em outras palavras, as singularidades
produzidas pelo colapso gravitacional ocorrem apenas em lugares, como os
buracos negros, onde estão ocultas de olhares alheios por um horizonte de
eventos. A rigor, é o que conhecemos como hipótese da censura cósmica fraca:
ela protege os observadores que permanecem fora do buraco negro das
consequências do colapso de previsibilidade que ocorre no interior da
singularidade, mas não faz absolutamente nada pelo pobre e infeliz astronauta
que despenca nela.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Algumas
soluções das equações da relatividade geral permitem que nosso astronauta veja
uma singularidade nua: ele talvez seja capaz de evitar a singularidade e, em
vez disso, cair em um “buraco de minhoca”, saindo em outra região do universo.
Isso ofereceria grandes possibilidades de viagem no espaço e no tempo, mas
infelizmente essas soluções talvez sejam muito instáveis: a menor perturbação,
como a presença de um astronauta, poderia mudar esses objetos de tal maneira
que o astronauta só veria a singularidade quando a atingisse e seu tempo chegasse
ao fim. Em outras palavras, a singularidade residiria sempre em seu futuro,
nunca em seu passado. A versão forte da hipótese da censura cósmica sustenta
que, em uma solução realista, as singularidades sempre residiriam completamente
no futuro (como as singularidades do colapso gravitacional) ou no passado (como
o Big Bang). Acredito muito na censura cósmica, então apostei com Kip Thorne e
John Preskill, da Caltech, que ela seria sempre válida. Perdi a aposta por um
detalhe técnico, pois foram apresentados exemplos de soluções nas quais uma
singularidade era visível a uma distância grande. Assim, tive de pagar, o que,
pelos termos da aposta, significava que eu precisava cobrir a nudez delas. Mas
posso dizer que tive uma vitória moral. As singularidades nuas eram instáveis:
a menor perturbação as levaria a desaparecer ou se ocultar atrás de um
horizonte de eventos. Portanto, elas não ocorreriam em situações realistas.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">O
horizonte de eventos, a fronteira da região do espaço-tempo de onde não é
possível escapar, age mais como uma membrana de mão única em torno do buraco
negro: os objetos, como astronautas incautos, podem atravessar o horizonte de
eventos e cair dentro do buraco negro, mas nada jamais pode sair do buraco
negro por ali. (Lembre que o horizonte de eventos é a trajetória que a luz
segue no espaço-tempo para tentar escapar do buraco negro, e nada pode viajar
mais rápido do que a luz.) Poderíamos dizer do horizonte de eventos o que o
poeta Dante disse da porta do inferno: “Abandonai toda esperança vós que aqui
entrais.” Qualquer coisa ou qualquer um que cair pelo horizonte de eventos em
breve atingirá a região de densidade infinita e o fim do tempo.”<o:p></o:p></span></p>Doneyhttp://www.blogger.com/profile/09476772224297324141noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1937976905822999004.post-47975092270964851352023-10-23T13:01:00.002-03:002023-10-23T13:01:20.088-03:00Tenda dos milagres (Parte II), de Jorge Amado<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">Editora</span></i><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">: Record<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt;"><i><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">ISBN</span></i><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">: 978-85-01-05376-3<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">Opinião</span></i><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">: </span><span face=""Segoe UI Symbol","sans-serif"" style="color: black; font-size: 14pt; mso-bidi-font-family: "Segoe UI Symbol"; mso-themecolor: text1;">★★★★☆</span><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">Páginas</span></i><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">: 338<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">Link para compra</span></i><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">: </span><a href="https://amzn.to/3Qrry1J"><span style="font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt;">Clique aqui</span></a><u><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;"><o:p></o:p></span></u></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><i><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">Sinopse</span></i><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">: Ver <a href="https://listadelivros-doney.blogspot.com/2023/10/tenda-dos-milagres-parte-i-de-jorge.html">Parte
I</a><o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><br /></p>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjX9_4wPOHZxwSSHK6nRUNvTqm3LMbPDCGuewFtO-ydKZr2bibCkKLYA0yVteSat28sMW4L1mQsD7pT0L7lqDBTbwVTOd_9i0UKUNK6YEM4TiQgD_E0mnbP_ZjdfL-V8J9ga2ki6_TrDn1NIANJErLnu4Nfl0QAQ4dBwUxXbAO-ZXeJpYEaLkQr0sf_stg/s1200/Tenda%20dos%20milagres.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1200" data-original-width="795" height="400" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjX9_4wPOHZxwSSHK6nRUNvTqm3LMbPDCGuewFtO-ydKZr2bibCkKLYA0yVteSat28sMW4L1mQsD7pT0L7lqDBTbwVTOd_9i0UKUNK6YEM4TiQgD_E0mnbP_ZjdfL-V8J9ga2ki6_TrDn1NIANJErLnu4Nfl0QAQ4dBwUxXbAO-ZXeJpYEaLkQr0sf_stg/w265-h400/Tenda%20dos%20milagres.jpg" width="265" /></a></div><p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><br /></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">“<span style="mso-bidi-font-style: italic;">ONDE SE CONTA DE LIVROS, TESES E TEORIAS DE</span>
<span style="mso-bidi-font-style: italic;">CATEDRÁTICOS E TROVADORES, DA RAINHA
DE SABÁ, DA</span> <span style="mso-bidi-font-style: italic;">CONDESSA E DA IABA,
E, EM MEIO A TANTO IPICILONE, SE</span> <span style="mso-bidi-font-style: italic;">PROPÕE
UMA ADIVINHA E SE EXPRIME OUSADA OPINIÃO<o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">CONTAM,
AMOR, QUE, CERTA FEITA, ESTANDO UMA IABA DE PASSAGEM na Bahia, arreliou-se e
ofendeu-se com a incontinência, o colossal deboche, a presepada imensa de
mestre Pedro Archanjo, arrendatário de mulheres, macho de tantas fêmeas, pastor
de dócil e fiel rebanho, mais parecendo um soba cercado de comborças, pois as
puxavantes se conheciam e visitavam e juntas eram vistas cuidando dos meninos
paridos de umas e de outras, todos dele, e davam-se o trato de comadre e mana,
tudo em meio a gaitadas, a la vontê, em cavaqueira e patuscada, quando não
reunidas no fogão a preparar quindins para o tirano.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">De
todas cuidava Pedro Archanjo, cada uma sua vez, e a todas satisfazia como se
outro emprego não tivesse além daquele de cama e vadiagem, folguedos de meter e
mandar vara, doce ofício. Um lorde, um paxá, um presunçoso tirado a zarro e a
pé-de-mesa, numa vida de regalo. Bem de seu, tranquilo, a la godaça, de mulher
nenhuma sofrendo as agonias, martírios, o medo de perdê-la ou de não tê-la,
pois as desavergonhadas, as desbriosas viviam atrás dele em dengue e adulação;
não cogitavam abandoná-lo, lhe fazer ciúmes ou lhe pôr os cornos — nem por
brincadeira pensar nisso. Na maciota, Pedro Archanjo, o bom de bico e de xodó.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Tal
situação parecendo intolerável à iaba, por humilhante para o femeaço inteiro,
decidiu ela castigar severamente mestre Archanjo, dando-lhe lição amarga e dura
que lhe ensinasse o mal do amor na súplica e na espera, no pedido e na recusa,
no desprezo e no abandono, na traição e na vergonha, na dor de amar e não ser
correspondido. Dor de amar assim jamais sofrera o femeeiro, sedutor espalhado
em leito sem limites, colchão fofo de lã de barriguda ou catre de madeira, o
areal ou o mato, na barra da manhã ou no cair da noite. Pois agora ia sofrer,
aprender na própria carne — jurou a iaba ante o escândalo a nonchalança do
beltrano: serás exposto ao mundo e à Bahia, de estrovenga murcha, de coração em
chagas e a testa florescida em chifres, exposto ao debique e à troça, na lona,
no alvéu e na brochura.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Para
tanto a iaba virou a negra mais formosa até hoje vista em terras da África, de
Cuba e do Brasil, narrada em história, caso, relato ou xeretice: um destempero
de negra, um deslumbramento de azeviche. Perfume de rosas desabrochadas para
não se sentir o cheiro de enxofre; sandálias fechadas para esconder os
pés-de-cabra. Quanto ao rabo, em bunda se desenvolveu, escorreita e insubmissa,
do resto do corpo independente, a requebrar por conta própria. Para dar-se
pálida ideia da beleza da negra basta dizer que no percurso entre as profundas
e a Tenda dos Milagres, ao seu passar, enlouqueceram seis mulatos, dois negros,
doze brancos e uma procissão se dissolveu quando ela a atravessou. Viu-se o
padre arrancar a batina e renegar a fé; e santo Onofre em seu andor voltou-se
para ela e lhe sorriu.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Numas
saias engomadas, a iaba ria contente: o pedante pagaria seu orgulho de
pai-d’égua, de invicto garanhão em campo de mulheres. Para começo de conversa, rapidamente
lhe deixaria pururuca a alabada estrovenga e, em seguida, murcha e morta, sem
serventia para o bom, pelanca mole de Museu. Aqui jaz o mangalho de Pedro
Archanjo, era famoso e uma iaba acabou com sua fama e valentia.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Da
vitória no busílis a arrenegada tinha certeza e segurança: é público e notório
que as iabas podem virar mulheres de invulgar beleza, de encanto irresistível,
amantes ardentíssimas, sábias de carícias; é também de geral conhecimento que
elas não conseguem desembocar no gozo — não o alcançam jamais, sempre
insatisfeitas, a pedir mais, em furor crescente. Antes que atinjam e atravessem
as portas do néctar e do paraíso, o vencido mangalho do parceiro se desmancha
em reles muxiba. Jamais se soube de estrovenga capaz de romper esses muros de
ânsia vã e danação e de conduzir sáfara e maldita iaba a tempo e a termo do
hosanas e aleluias.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Mas
o castigo não se restringiria à impotência, ao fiasco no doce e violento
ofício, quiçá pior seria o coração roto e ferido. Porque a iaba pensava fazer
dele gato e sapato, mísero suplicante, desinfeliz escravo, traído e desprezado.
Entre as duas vergonhas, qual a mais horrenda, a mais mesquinha?<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">A
falsa vinha satisfeita pela rua, com seu plano traçado: após lhe fazer provar
mil vezes o gosto da quirica e do desmaio, quando o visse no visgo do xodó
preso e vencido, se tocaria mundo além, indiferente, sem lhe dizer adeus. Para
vê-lo — para que todos o vissem — de rastros a seus pés, pedinte; a língua
lambendo a poeira do caminho, beijando-lhe as pisadas, todo ele um trapo vil,
por fora um rebotalho, por dentro um corno manso a suplicar-lhe a graça de um
olhar, de um riso, de um gesto, o dedo mínimo, o calcanhar, ah por caridade o
bico do peito, uva negra e intumescida.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Arrastando-o
no desprezo e no debique, a iaba mais baixo ainda o afundaria: na desonra — ao
oferecer-se a outros em léria e em promessa, em sua cara se fretando com os
vizinhos. Para que todos o vissem roendo beira de sino, tampa de pinico; para
que o vissem fora de si, de punhal erguido, de navalha aberta: volta ou te
mato, desgraçada; se deres a outro a flor agreste, morrerás em minhas mãos e
morrerei também.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Assim,
de rastros exposto na cidade, em pleno dia, à vista de todos, em pranto e
súplica, chifrudo sem decoro, despido do último resquício de decência, de
orgulho, verme na lama, na vergonha, na morte, na dor de amar. Vem! e traz
todos os teus fretes, todos os teus machos, prega-me os chifres que quiseres,
coberto de excremento e fel te desejo e te suplico, vem! e te aceito
agradecido.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">As
iabas não gozam, já sabemos; mas também não amam e não sofrem porque, como está
provado, às iabas falta coração — vazio o peito, oco e sem remédio. Por isso,
por imune e por maldita, vinha ela rindo no caminho, a bunda mais atrás em
remelexo, e os homens se matando só de vê-la. Pobre Archanjo.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Sucede,
porém, amor, que Pedro Archanjo, esparramado na porta da Tenda dos Milagres, a
esperou mal a noite se acendeu na estrela vespertina e a lua saiu de casa em
Itaparica e veio debruçar-se sobre o mar, um mar de óleo, verde-escuro.
Encomendara lua, estrelas, aquele mar silente e uma canção:<o:p></o:p></span></p>
<p align="center" class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: center;"><i><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Obrigado minha
senhora<o:p></o:p></span></i></p>
<p align="center" class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: center;"><i><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Pela sua cortesia;<o:p></o:p></span></i></p>
<p align="center" class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: center;"><i><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Tenho visto que é
formosa<o:p></o:p></span></i></p>
<p align="center" class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: center;"><i><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">E cheia de bizarria.<o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Apoiava-se
na estrovenga como se ela fosse seu bastão de obá, tanto crescera na impaciente
espera; tão-só com seu olor de macho descabaçava virgens, léguas adiante, e as
emprenhava.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Perguntarás,
amor: que novidade é essa, como soube Archanjo dos malignos, dos esconsos
propósitos da iaba — mate-me logo esta adivinha. É muito simples: por acaso não
era Pedro Archanjo filho predileto de Exu, senhor dos caminhos e das
encruzilhadas? Era também os olhos de Xangô — sua vista alcança longe e vê por
dentro.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Foi
Exu quem lhe avisou da prepotência e dos péssimos desígnios da perversa filha
do Cão, de peito oco. Lhe avisou e lhe disse o que fazer: <i style="mso-bidi-font-style: normal;">tome primeiro um banho de folhas, mas não de uma qualquer; vá a Ossain
e lhe pergunte quais, só ele penetra no âmago das plantas. Depois prepare água
de cheiro de pitanga, misture com sal, mel e pimenta e nela banhe o
pai-do-mundo, juntamente com os quimbas, os dois mabaças — vai doer bastante,
não se importe, seja homem, aguente; verá em breve os resultados: será a
estrovenga principal do mundo pelo volume, em inchaço e longitude, pelo
deleite, pela formosura e pela arreitação. Não haverá quirica de mulher ou de
iaba capaz de abalar sua estrutura, quanto mais deixá-la vacilante e frouxa</i>.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Para
completar o encantamento lhe entregou um kelê, colar de sujeição para o
pescoço, e um xaôrô para sujeitar o tornozelo. <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Quando ela dormir ponha-lhe o kelê e o xaôrô e estará presa pela cabeça
e pelos pés, cativa para sempre. O resto Xangô vai lhe dizer</i>.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Xangô
ordenou-lhe um ebó com doze galos brancos e doze galos pretos com doze conquéns
pintadas e uma pomba branca, de imaculada alvura, de túmido peito e mavioso
arrulho. Ao final do ebó, num sortilégio de mandinga, do coração da pomba em
sangue e amor, Xangô fez uma conta que era branca e era vermelha, e a entregou
a Archanjo, dizendo-lhe com sua voz de raio e de trovão: <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Ojuobá, escute e aprenda este despacho: quando a iaba já estiver
sujeita pela cabeça e pelos pés, dormida e entregue, enfie essa conta em seu
subilatório e aguarde sem medo o resultado: aconteça o que aconteça, não fuja,
não arrede lugar, espere</i>. Archanjo tocou a terra com a testa e disse: axé.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Depois
foi tomar o banho de folhas, escolhidas uma a uma por Ossain. No mel e na água
de pitanga, no sal e na pimenta malagueta preparou a arma e a viu crescer,
descomunal bordão de caminhante. No bolso escondeu o kelê, o xaôrô e o coração
da pomba, a conta vermelha e branca de Xangô. Na porta da Tenda, ele a esperou
chegar.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Apenas
surgiu na esquina e começaram, não houve fuleragem nem fricotes; mal a iaba
apareceu e a estrovenga foi ao seu encontro e lhe subiu as saias engomadas, ali
mesmo metendo, na exata medida do chibiu: fogo com fogo, mel com mel, sal com
sal, pimenta com pimenta e malagueta. Contar essa batalha, essa guerra das duas
competências, o assalto da égua e do cavalo, o miar da gata em desvario, o uivo
do lobo, o ronco do javali selvagem, o soluço da donzela na hora de mulher, o
arrulho do pombo, o marulho das ondas, contar, amor, quem poderia?<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Rolaram
pela ladeira, penetrados, foram parar no areal do porto e atravessaram a noite.
A maré cresceu e os levou; no fundo do mar prosseguiram em louca cavalgada, na
metida insana.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">A
iaba com tal resistência não contara; a cada desmaio de Archanjo, a excomungada
pensava com esperança e raiva: <i style="mso-bidi-font-style: normal;">agora o
possante vai pururucar, esmolambado!</i> Muito ao contrário, em vez de fenecer,
crescia o ferro em brasa e em carícia.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Tampouco
imaginara gostosura assim, chibata de mel, pimenta e sal, delícia das delícias,
fenômeno de circo, maravilha. Ai, gemeu a iaba em desespero, se ao menos eu
pudesse... Não podia. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Durou
três dias e três noites o grão embate, o sumo pagode, sem intervalo: dez mil
trepadas e uma só metida, e a iaba tanto entesou-se em seu furor sem termo que,
de repente, deu-lhe um tangolomango e em gozo ela se abriu como se rompe o céu
em chuva. Irrigado o deserto, rota a aridez, vencida a maldição, hosana e
aleluia!<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Adormeceu
então, realizada fêmea, mas não mulher ainda, ah não!<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">No
quarto de Archanjo, de sombras e odores misturados, dormia de bruços a iaba: um
desatino, um despropósito de negra, um xispeteó. Quando seu hálito cantou,
Archanjo lhe pôs o kelê no pescoço e o xaôrô no tornozelo e assim sujeita a
teve. Depois, com delicadeza de baiano lhe enfiou no celeste fiofó o coração da
ave, conta encantada de Xangô.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">No
mesmo instante ela soltou um brado e um pum, os dois medonhos, sinistros,
pavorosos, o ar foi puro enxofre, mortal fumaça. Um clarão de raios sobre o
mar, o surdo eco aos trovões, os ventos desatados e a tempestade de um extremo
a outro do universo. Subiu aos céus imenso cogumelo e apagou o sol.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Mas
logo tudo se acalmou em júbilo e bonança; o arco-íris se estendeu em cores:
Oxumarê inaugurando a festa e a paz. Ao fedor de enxofre, sucedeu um cheiro de
desabrochadas rosas e a iaba já não era iaba, era a negra Doroteia. Em seu
peito crescera, por artes de Xangô, o mais terno coração, o mais submisso e
amante. Negra Doroteia para sempre, com seu chibiu de fogo, sua atrevida bunda
insubmissa, o coração de rola.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Resolvido
o busílis, desfeita a incógnita, achada a solução dos ipicilones, acabou-se a
história, amor, que mais contar? Doroteia fez santo, bravia filha de Yansan;
raspou a cabeça num barco de iaôs e terminou dagã a dançar o padê de Exu no
início das obrigações, Alguns xeretas, a par do acontecido, juram perceber
distante aftim de enxofre quando Doroteia abre a dança no terreiro. Aquela
inhaca do tempo em que, sendo iaba, quis quebrar a castanha <a name="de_mestre_Pedro_Archanjo">de mestre Pedro Archanjo.</a><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Difícil
quebrar a castanha do mestiço. Outros o tentaram, nas bandas do Tabuão, onde
fica a Tenda dos Milagres, e no Terreiro de Jesus, onde se eleva a Faculdade,
mas nenhum o conseguiu. A não ser Rosa — se alguém ensinou a Archanjo a dor de
amar e o venceu foi Rosa de Oxalá, e mais ninguém. Nem a iaba de azeviche e
danação, tampouco catedrático de fraque e sapiência.”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p align="center" class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: center;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">“</span><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">DADOS FORNECIDOS À AGÊNCIA DOPING S.A.<o:p></o:p></span></p>
<p align="center" class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: center;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">PELO PROFESSOR
CALAZANS.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Nome:<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Pedro
Archanjo. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Data
e local de nascimento:<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">18
de dezembro de 1868, na Cidade do Salvador, Estado da Bahia. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Filiação:<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Filho
de Antônio Archanjo e de Noemia de Tal, mais conhecida por Noca de Logunedê. Do
pai sabe-se apenas ter sido recruta na Guerra do Paraguai na qual morreu
durante a travessia do Chaco, deixando a companheira grávida de Pedro, primeiro
e único filho.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Estudos:<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Tendo
aprendido sozinho a ler, frequentou o Liceu de Artes e Ofícios onde adquiriu
noções de diversas matérias e da arte tipográfica. Distinguiu-se em português e
desde cedo foi dado à leitura. Já homem maduro aprofundou-se no estudo da
antropologia, da etnologia e da sociologia. Para fazê-lo aprendeu francês,
inglês e espanhol. Seus conhecimentos da vida e dos costumes do povo eram
praticamente ilimitados.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Livros:<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Publicou
quatro livros — <i style="mso-bidi-font-style: normal;">A vida popular na Bahia</i>
(1907); <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Influências Africanas nos
Costumes da Bahia</i> (1918); <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Apontamentos
Sobre a Mestiçagem nas Famílias Baianas</i> (1928); <i style="mso-bidi-font-style: normal;">A Culinária Baiana: origens e preceitos</i> (1930), livros hoje
considerados fundamentais para o estudo do folclore, o conhecimento da vida
brasileira nos fins do século passado e nos começos do atual, e sobretudo para
a compreensão do problema de raças no Brasil.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Ardente
defensor da miscigenação, da fusão de raças, Pedro Archanjo foi, na opinião do
sábio norte-americano (Prêmio Nobel), James D. Levenson, <i style="mso-bidi-font-style: normal;">um dos criadores da moderna etnologia</i>. Sua obra completa acaba de
ser reeditada, em dois volumes, pela Editora Martins, de São Paulo, na <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Coleção Mestres do Brasil</i>, anotada e
comentada pelo professor Artur Ramos, da Faculdade de Letras da Universidade do
Brasil. Os três primeiros livros foram reunidos num tomo sob o título geral de <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Brasil, País Mestiço</i> (título dado pelo
professor Ramos), enquanto o livro sobre culinária constitui tomo à parte.
Relegada ao esquecimento durante muitos anos, a obra de Pedro Archanjo
tornou-se internacionalmente conhecida e admirada. Foi publicada em inglês, nos
Estados Unidos, integrando a notável Enciclopédia sobre a vida dos povos
subdesenvolvidos, editada sob os auspícios da Columbia University (Nova
Iorque). Neste ano de 1968, nas comemorações de seu centenário de nascimento,
muito se tem escrito sobre Pedro Archanjo. Destacam-se os trabalhos do
professor Ramos e o prefácio à tradução americana de seus <a name="livros__de_autoria_de_Levenson">livros, de autoria de Levenson: <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Pedro Archanjo, um criador de ciência</i>.</a><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Outros
dados:<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Mulato,
pobre, autodidata. Ainda rapazola engajou-se grumete em navio de carga. Viveu
alguns anos no Rio de Janeiro. Ao voltar à Bahia, exerceu o oficio de tipógrafo
e ensinou primeiras letras, antes de empregar-se na Faculdade de Medicina,
emprego que veio a perder, após tê-lo exercido durante cerca de trinta anos,
devido à repercussão de um de seus livros.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Músico
amador, tocava violão e cavaquinho. Participou intensamente da vida popular.
Tendo permanecido solteiro, atribuem-lhe muitos amores, inclusive bela
escandinava, sueca ou finlandesa, não se sabe ao certo.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Data
da morte:<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Faleceu
em 1943, aos setenta e cinco anos de idade. Grande massa popular acompanhou seu
enterro, ao qual estiveram presentes o professor Azevedo e o poeta Hélio
Simões.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">No
exemplo de sua vida, Pedro Archanjo mostra-nos como um homem nascido
paupérrimo, órfão de pai, em ambiente pouco propício à cultura, exercendo
misteres humildes, pôde superar todas as dificuldades e elevar-se aos cumes do
saber, igualando-se e até sobrepondo-se às mais ilustres sumidades da época.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><b><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></b></p>
<p align="center" class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: center;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">TEXTO REDIGIDO PELOS
ASES DA DOPING<o:p></o:p></span></p>
<p align="center" class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: center;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">PROMOÇÃO E
PUBLICIDADE S.A. E FORNECIDO<o:p></o:p></span></p>
<p align="center" class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: center;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">ÀS PROFESSORAS DAS
ESCOLAS PRIMÁRIAS DA<o:p></o:p></span></p>
<p align="center" class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: center;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">CIDADE DO SALVADOR.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">O
imortal escritor e etnólogo Pedro Archanjo, glória da Bahia e do Brasil,
internacionalmente famoso, cujo centenário comemoramos este ano, sob o
patrocínio do <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Jornal da Cidade</i> e da
Aguardente Crocodilo, nasceu em Salvador, a 18 de dezembro de 1868, órfão de um
herói da Guerra do Paraguai. Atendendo ao apelo da Pátria, seu pai, Antônio
Archanjo, despediu-se da esposa grávida e foi morrer nas lonjuras do Chaco, em
luta desigual contra o solerte inimigo.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Herdeiro
das gloriosas tradições paternas, lutou Pedro Archanjo desde cedo para
elevar-se do meio limitado e medíocre em que nascera. Iniciou estudos de
literatura e música, logo se notabilizando entre os colegas pela indisfarçável
vocação para as letras. Rapidamente dominou várias línguas, entre as quais o inglês,
o francês e o espanhol.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Durante
a juventude, levado pelo desejo de aventura, viajou como embarcadiço,
percorrendo o mundo. Em Estocolmo, conheceu a bela <a name="escandinava_que_foi_o_grande_amo">escandinava que foi o grande amor de
sua vida.</a><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">De
volta à Bahia, ingressou na Faculdade de Medicina e ali, durante cerca de
trinta anos, encontra o ambiente propício aos estudos e trabalhos que
projetaram seu nome de cientista e escritor.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Autor
de vários livros, nos quais fez o levantamento do folclore e dos costumes
baianos e a análise dos problemas raciais, traduzido em diversas línguas,
tornou-se mundialmente famoso, sobretudo nos Estados Unidos onde suas obras
foram adotadas na Universidade de Columbia, em Nova Iorque, por indicação do
célebre professor James D. Levenson, detentor do Prêmio Nobel, que se confessa
discípulo de Pedro Archanjo.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Faleceu
em Salvador, em 1943, aos setenta e cinco anos de idade, cercado do respeito
geral e da admiração dos doutos. Autoridades, professores das Faculdades,
escritores e poetas acompanharam seu enterro.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Orgulho
da Bahia e do Brasil, cujo nome elevou no estrangeiro, Pedro Archanjo nos
ensina, através seu exemplo, como um homem nascido na pobreza, em meio hostil à
cultura, pode elevar-se aos pináculos do saber e ocupar posto de destaque na
sociedade.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Quando
festejamos o centenário desse magnífico paladino da ciência e das letras, todos
os baianos se reúnem para reverenciar sua memória gloriosa, atendendo à
convocação do <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Jornal da Cidade</i>, que
leva a cabo mais uma campanha memorável e patriótica.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">A
Aguardente Crocodilo não podia estar ausente dessa magna celebração, pois ela
própria já é parte integrante do folclore baiano a cujo estudo o genial
patrício dedicou sua existência. Dessa louvada Aguardente não nasceu a figura
do Gaiato Crocodilo que faz as delícias da criançada nos anúncios das Rádios e
da Televisão, verdadeira criação do moderno folclore, com seus versinhos e sua
musiquinha?<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">O
Gaiato Crocodilo organizou um grande concurso nas escolas primárias de
Salvador: as queridas professoras vão contar, nas salas de aula, a história de
Pedro Archanjo e cada criança, do primeiro ao quinto grau, escreverá sua
impressão, concorrendo a uma das cinco bolsas de estudo para todo o curso
secundário, a serem utilizadas pelos vencedores em qualquer dos ginásios
particulares de nossa Capital, prêmios oferecidos pela Aguardente Crocodilo.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Junto
com a meninada das Escolas Públicas de Salvador, o Gaiato Crocodilo grita: <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Viva o imortal Pedro Archanjo!</i><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><b><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></b></p>
<p align="center" class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: center;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">PRELEÇÃO DA
PROFESSORA DIDA QUEIROZ<o:p></o:p></span></p>
<p align="center" class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: center;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">AOS ALUNOS DO
TERCEIRO GRAU, TURMA DA<o:p></o:p></span></p>
<p align="center" class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: center;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">MANHÃ, NA ESCOLA
PÚBLICA JORNALISTA<o:p></o:p></span></p>
<p align="center" class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: center;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">GIOVANNI GUIMARÃES
SITUADA<o:p></o:p></span></p>
<p align="center" class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: center;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">NO RIO VERMELHO.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Pedro
Archanjo é uma glória da Bahia, do Brasil e do Mundo. Nasceu há cem anos e por
isso o <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Jornal da Cidade</i> e a
Aguardente Crocodilo estão festejando seu centenário, realizando concurso entre
os estudantes e distribuindo valiosos prêmios, como sejam: viagens aos Estados
Unidos e ao Rio de Janeiro, aparelhos de televisão e de rádio, livros e outros.
Para os alunos das escolas primárias foram reservadas cinco bolsas de estudo
para o curso secundário completo, em qualquer estabelecimento de ensino de
nossa Capital. Com os preços de hora da morte que os colégios estão cobrando,
trata-se de um prêmio e tanto.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">O
pai de Pedro Archanjo foi general na Guerra do Paraguai e morreu lutando contra
o tirano Solano Lopez que atacou nossa Pátria. O pequenino Pedro ficou órfão e
pobre mas não desanimou. Não podendo frequentar a escola, embarcou num navio
cargueiro e conseguiu estudar línguas, tornando-se um poliglota que é a pessoa
capaz de falar outras línguas além do português. Fez vestibular para a
Faculdade de Medicina, onde, após colar grau, foi professor durante mais de
trinta anos.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Escreveu
muitos livros baseados no folclore, quer dizer livros contando histórias de
bichos e de gente, mas não servem para menino ler. São livros sérios, muito
importantes, estudados por sábios e professores.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Viajou
muito, conhecendo a Europa e os Estados Unidos, eu penso que viajar deve ser a
coisa melhor do mundo. Na Europa conheceu uma linda escandinava com quem casou
e viveu feliz a vida inteira.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Nos
Estados Unidos lecionou na Universidade de Columbia, em Nova Iorque que é a
maior cidade do mundo, e dava as aulas em inglês. Entre seus alunos figurou o
sábio norte-americano Levenson que, muito tendo aprendido com ele, recebeu
depois o Prêmio Nobel, um prêmio muito do bacana, o sujeito que tira esse prêmio
entra direto para a História.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Morreu
velhinho, em 1943, e seu enterro foi uma consagração, tendo à frente o
Governador, o Prefeito e os professores da Faculdade.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">O
exemplo de Pedro Archanjo nos ensina como um menino pobre, se tiver disposição
e estudar de verdade, pode ingressar na alta sociedade, ensinar na
Universidade, ganhar muito dinheiro, viajar à beça e vir a ser uma glória do
Brasil. É só ter força de vontade e não fazer malcriação à professora.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Vocês
agora vão escrever o que acharam de Pedro Archanjo, mas antes vamos gritar com
o Gaiato Crocodilo que oferece as bolsas: <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Viva
o imortal Pedro Archanjo!</i><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><b><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></b></p>
<p align="center" class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: center;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">REDAÇÃO DE RAÍ, DE
NOVE ANOS DE IDADE,<o:p></o:p></span></p>
<p align="center" class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: center;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">ALUNO DO TERCEIRO GRAU
DA CITADA ESCOLA<o:p></o:p></span></p>
<p align="center" class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: center;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">JORNALISTA GIOVANNI
GUIMARÃES.</span><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Pedro
Archanjo era um órfão muito pobre que fugiu de marinheiro com uma gringa igual
que meu tio Zuca e foi pros Estados Unidos porque lá tem dinheiro pra burro mas
ele disse sou brasileiro e veio pra Bahia contar histórias de bichos e de gente
e era tão sabido que não dava lição a menino só a médico e professor e quando
morreu virou glória do Brasil e ganhou prêmio do jornal que era uma bolsa cheia
de garrafas de cachaça. Viva Pedro Archanjo e o Gaiato Crocodilo!”<o:p></o:p></span></p>Doneyhttp://www.blogger.com/profile/09476772224297324141noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1937976905822999004.post-26836574359228126542023-10-23T12:58:00.001-03:002023-10-23T12:59:36.838-03:00Tenda dos milagres (Parte I), de Jorge Amado<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">Editora</span></i><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">: Record<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt;"><i><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">ISBN</span></i><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">: 978-85-01-05376-3<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">Opinião</span></i><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">: </span><span face=""Segoe UI Symbol","sans-serif"" style="color: black; font-size: 14pt; mso-bidi-font-family: "Segoe UI Symbol"; mso-themecolor: text1;">★★★★☆</span><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">Páginas</span></i><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">: 338<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">Link para compra</span></i><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">: </span><a href="https://amzn.to/3Qrry1J"><span style="font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt;">Clique aqui</span></a><u><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;"><o:p></o:p></span></u></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><i><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">Sinopse</span></i><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">: Publicado
em 1969, traduzido para dez idiomas e adaptado para o cinema e a TV, o livro <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Tenda dos Milagres</i> é um grito contra o
preconceito racial e religioso, um canto à miscigenação e ao sincretismo tão
marcantes na obra do escritor Jorge Amado. É a história de Pedro Archanjo, um
mulato de muitos amores – alguns contidos em nome da amizade –, que documentou
a cultura popular e provou a ascendência negra da aristocracia baiana do início
do século XX. A história de do herói pobre, boêmio e erudito, que assumiu o
preço de colocar o dedo na ferida dos inimigos da mestiçagem.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;"><br /></span></p>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg3yruwlhc-SSCDEk0080Q5rPbWzlfld4hXLdFVoGZtq5Hs6PSgKbQsBtAiDlyTw1ZG3ftVZXajxjKNxABr7txZxN_mItWBKeWKueG5TzT9gFF-kkiwCBvdqvkxUdEC2WaR-2WojjTaOgIdBsbXPuoWr5wJrBLeSnjvfbvr7sF2d5206V9lVtm72hCWSgU/s1200/Tenda%20dos%20milagres.jpg" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1200" data-original-width="795" height="400" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg3yruwlhc-SSCDEk0080Q5rPbWzlfld4hXLdFVoGZtq5Hs6PSgKbQsBtAiDlyTw1ZG3ftVZXajxjKNxABr7txZxN_mItWBKeWKueG5TzT9gFF-kkiwCBvdqvkxUdEC2WaR-2WojjTaOgIdBsbXPuoWr5wJrBLeSnjvfbvr7sF2d5206V9lVtm72hCWSgU/w265-h400/Tenda%20dos%20milagres.jpg" width="265" /></a></div><p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><br /></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">“</span><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">As conferências (do prêmio Nobel James Levenson), seguidas de perguntas
e debates inflamados, por vezes ácidos, deram lugar a violentas manifestações
estudantis de apreço ao sábio e de repúdio à ditadura. De pé e durante longos
minutos, por mais de uma vez, os estudantes ovacionaram em delírio. Certas
frases suas caíram no gosto do público, correram o país de extremo a extremo: <i style="mso-bidi-font-style: normal;">mais valem dez anos de intermináveis
conferências internacionais do que um só dia de guerra e são mais baratos; as
prisões e os policiais são idênticos e sórdidos em todos os regimes, sem
exceção de nenhum; o mundo só será realmente civilizado quando as fardas forem
objetos de museu</i>.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Cercado
por fotógrafos e vedetes, metido numa sunga minúscula, Levenson reservou as
manhãs inteiras para a praia.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Sistemático,
recusara convites de academias, institutos, grêmios, conselhos culturais,
professores — tudo isso tinha de sobra em Nova Iorque e estava farto, mas
aquele sol do Brasil quando voltaria a tê-lo? Nas praias jogou até futebol e
foi fotografado atirando a gol, embora as mulheres fossem sem dúvida seu
esporte predileto. Estabeleceu intimidade com ótimos exemplares nacionais, na
praia e nas boates.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Recém-divorciado,
os colunistas sociais se desmandaram em lhe atribuir casos e noivas. Desvairada
macaca, noticiarista de escândalos, previu a ruína de um lar grã-fino;
enganou-se: o marido honradíssimo, fez-se íntimo do sábio garanhão. <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Ontem, na pérgola do Copa, num biquíni de
Cannes, Katy Siqueira Prado contemplava com ternura seu marido Baby e o grande
James D., inseparáveis</i>, refutara o gabaritado Zul. Certa revista de ampla
circulação exibiu na capa do número daquela semana a nudez atlética do Nobel ao
lado da promocional nudez de Nádia Sílvia, atriz de grande talento a ser
revelado quando lhe derem no cinema ou no palco. a oportunidade que até agora
inexplicavelmente lhe têm negado — e Nádia, ouvida pela reportagem, riu muito,
nada confessou, tampouco negou paixão e compromisso. <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Levenson é a sexta celebridade mundial a perder a cabeça por Nádia
Sílvia, a irresistível</i>, noticiou um jornal, a sério, e deu a relação dos
cinco anteriores: John Kennedy, Richard Burton, Aga Khan, um banqueiro suíço e
um lorde inglês. Sem falar na condessa italiana, nobre, milionária e machona.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">O genial Levenson ontem mais uma vez na pista do
Le Bateau, in love com a glamorosa Helena von Kloster</span></i><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">, lia-se na <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Crônica
da Noite</i>, de Gisa; <i style="mso-bidi-font-style: normal;">aprendeu o samba e
não aceita outro ritmo</i>, revelava Robert Sabad em dezoito jornais e outras
tantas estações de TV, dando ciência aos povos da frase de Branquinha do Val
Burnier, a hostess magnífica, mesa e cama incomparáveis: <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Se James não fosse o Prêmio Nobel que é, poderia ganhar a vida como
dançarino profissional</i>. Jornais e revistas se esbaldaram, não lhes faltou o
sábio.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Nada,
porém, tão sensacional quanto a declaração sobre Pedro Archanjo, bomba a
explodir no aeroporto, na hora do embarque para a Bahia. Em verdade, no
primeiro contato com a imprensa, ao chegar de Nova Iorque, Levenson fizera
breve referência ao baiano, citara-lhe o nome: <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Estou na pátria de Archanjo, sinto-me feliz</i>. Os repórteres, no
entanto, não consignaram a frase, ou por não entendê-la, ou por não lhe
atribuir maior significação. Ao partir para a Bahia, porém, foi diferente, pois
o desconcertante Prêmio Nobel declarou ter reservado dois dias de sua curta
permanência no Brasil para ir a Salvador, <i style="mso-bidi-font-style: normal;">conhecer
a cidade e o povo que foram objeto dos estudos do fascinante Pedro Archanjo, em
cujos livros a ciência é poesia</i>, autor que elevara tão alto a cultura
brasileira. Foi um deus-nos-acuda.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Quem
é esse tal de Pedro Archanjo, do qual nunca se ouviu falar? — interrogavam-se
os jornalistas, boquiabertos. Um deles, na esperança de uma deixa, quis saber
de que maneira Levenson tomara conhecimento desse autor brasileiro. <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Lendo seus livros </i>— respondeu o sábio —,<i style="mso-bidi-font-style: normal;"> seus livros imperecíveis</i>.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">A
pergunta fora de Ápio Correia, um sabidório, editor do caderno de ciência, arte
e literatura de um matutino, sabidíssimo e temerário picareta.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Levou
seu blefe adiante: disse não ter notícias de tradução de livros de Archanjo
para o inglês.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Não
lera tais livros em inglês e, sim, em português, informou o terrível americano,
acrescentando tê-lo podido fazer, apesar de possuir conhecimentos mínimos de
nossa língua, devido ao seu domínio do espanhol e sobretudo do latim. <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Não foi difícil</i>, completou, esclarecendo
ter descoberto os livros de Archanjo na biblioteca da Columbia, em pesquisa
recente sobre a vida dos povos tropicais. Tinha a intenção de fazer traduzir e
publicar nos Estados Unidos a <i style="mso-bidi-font-style: normal;">obra de
vosso grande compatriota</i>.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Tenho de agir rapidamente</span></i><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">, pensou Ápio Correia,
retirando-se em busca de um táxi que o levasse à Biblioteca Nacional.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Foi
um corre-corre até os jornalistas descobrirem e localizarem o professor Ramos,
eminente por vários títulos e agora por conhecer a obra do tal Archanjo, cujo
valor mais de uma vez afirmara e exaltara em artigos nas revistas
especializadas, infelizmente de quase nenhuma circulação e menor leitura.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Durante anos </span></i><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">— contou ele —<i style="mso-bidi-font-style: normal;"> andei de editor em editor, numa via-crúcis, oferecendo os livros de
Archanjo para que os reeditassem. Escrevi prefácios, notas de pé- de-página,
explicações: nenhuma editora se interessou. Fui ao professor Viana, diretor da
Faculdade de Filosofia, para ver se, com sua interferência, a Universidade
colaboraria na </i>publicação<i style="mso-bidi-font-style: normal;">.
Respondeu-me que eu</i> estava perdendo tempo com as baboseiras de um negro
bêbado. Bêbado e subversivo. <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Talvez agora
se deem conta da grandeza da obra de Archanjo, já que Levenson lhe empresta a
devida importância. Aliás, diga-se de passagem, ser a obra de Levenson
igualmente mal conhecida no Brasil e esses que tanto o elogiam e adulam não
leram sequer seus livros fundamentais, não percebem a essência de seu
pensamento, são uns charlatães.<o:p></o:p></i></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Um
tanto amarga, como se nota, a entrevista do professor Ramos, mas, convenhamos:
sobravam-lhe razões para sentir-se melancólico — tantos anos lutando por um
lugar ao sol para o pobre Archanjo, sem nada conseguir, ouvindo recusas de
editores, estultícias e ameaças de Viana Dedo-duro, enquanto, com uma única
entrevista, um estrangeiro pusera em movimento toda a imprensa e a matilha dos
intelectuais a farejar os livros, a fuçar a memória do ignorado baiano
intelectuais de todas as tendências e correntes, sem distinção de ideologia, os
festivos e os soturnos, pois Pedro Archanjo entrara em moda e quem não
conhecesse e não citasse suas obras não poderia considerar-se atualizado e para
a frente.”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">“Uma
vez por semana, às quartas-feiras, invariável, com sol ou chuva, Archanjo vinha
buscá-lo em sua tenda de imagens, primeiro para as cervejotas geladíssimas no
bar de Osmário, depois para o amalá no candomblé da Casa Branca. A conversa
mansa, entremeada de casos, uma conversa antiga:<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">—
Despeje o saco, meu bom, conte as peripécias.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">—
Não sei de nada, mestre Archanjo, de novidade nenhuma.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">—
Ora, se sabe... Meu bom, a toda hora acontecem coisas, coisas lindas, umas de
rir, outras de chorar. Vá; desamarre a língua, camarado, que boca foi feita
para falar.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Que
maneira, que léria, que poder possuía ele para abrir a boca, o coração dos
demais? Nem as mães de santo mais ciosas e estritas, tia Maci, dona Menininha,
Mãe Senhora, do Opô Afonjá, as respeitáveis matronas, nem elas guardavam
segredos para o velho, tudo lhe revelando de mão beijada — aliás os orixás
assim tinham ordenado, <i style="mso-bidi-font-style: normal;">para Ojuobá não há
porta fechada</i>.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Ojuobá,
os olhos de Xangô, agora ali estirado morto junto ao passeio.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Se
acabaram as cervejas, mestre Archanjo, três ou quatro garrafas; numa
quarta-feira pagava o velho, na outra a despesa era do santeiro — se bem nos
últimos tempos o velho andasse liso e teso, sem níquel. Valia a pena ver-se sua
satisfação na semana em que obtinha uns trocados, uns escassos caraminguás —
batendo com força na mesa para advertir o garçom:<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">—
Traga a conta, meu bom...<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">—
Deixe comigo, mestre Archanjo, guarde seu dinheirinho...<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">—
Em que lhe ofendi para você me desconsiderar, camarado? Quando eu não tenho
dinheiro, você paga, não me aflijo, que não é por minha culpa e querer. Mas se
hoje estou rico, por que você há de pagar? Não me tire meu dever nem meu
direito, não diminua o velho Archanjo, me deixe inteiro, meu bom. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Ria
um riso de dentes brancos, conservara perfeitos todos os seus dentes, chupava
roletes de cana, mastigava jabá.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">—
Não é dinheiro roubado, ganhei com meu suor.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Servindo
de moço de recados em casa de putas, seu trabalho derradeiro, quem o visse tão
alegre e satisfeito, não imaginaria nunca as limitações, os apertos, a infinita
pobreza de seus últimos anos. Ainda na última quarta-feira não cabia em si de
contente: na pensão de Ester conhecera um moço estudante, sócio de uma gráfica,
disposto a imprimir seu livro — lera os anteriores e dissera em alto e bom som
que Archanjo era um retado, desmascarara
toda aquela corja de charlatães da Faculdade.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">No
bonde, no começo da noite de estrelas e viração do mar, no caminho do Rio
Vermelho de Baixo onde se ergue na colina a Casa Branca do Engenho Velho,
mestre Archanjo contara do novo livro, os olhinhos brilhando, trêfegos e
maliciosos. Quanta coisa recolhera, anotara nas cadernetas, para aquela obra, <i style="mso-bidi-font-style: normal;">um embornal de abregueces</i>, a sabedoria
do povo:<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">—
Só o que juntei em casa de mulher-dama, meu bom, você nem se imagina. Fique
sabendo, camarado, não há melhor lugar para um filósofo morar do que casa de
rapariga.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">—
Você é mesmo um filósofo, mestre Archanjo, o maior que já vi, não tem igual
para saber levar a vida com filosofia.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Iam
ao candomblé para o amalá de Xangô, obrigação das quartas-feiras.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Tia
Maci dava de-comer ao santo, no peji, ao som do adjá e do canto das feitas.
Depois, em torno à grande mesa na sala, serviam o caruru, o abará, o acarajé,
por vezes um guisado de cágado. Mestre Archanjo era bom de garfo, de garfo e
copo. A conversa prolongava-se noite adentro, animada e cordial no calor da
amizade; ouvir Archanjo era privilégio dos pobres.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Se
acabou o livro, o amalá e a cachaça, a viagem de bonde e de imprevistos; o
velho conhecia cada recanto do caminho, casas e árvores eram-lhe familiares, de
uma familiaridade secular, pois sabia de agora e de antes, de quem era e de
quem fora, o filho e o pai, o pai do pai e o pai do avô e com quem se
misturaram. Sabia do negro vindo escravo da África, do português degredado da
Corte, do cristão-novo fugido da Inquisição. Agora todo o saber se terminou, e
o riso e a graça, fecharam-se os olhos dos olhos de Xangô, Ojuobá só serve para
o cemitério. O santeiro desfaz-se em lágrimas, solitário e vazio.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Assim
como não fica bêbado, o Major não consegue chorar, a não ser — e com que
facilidade! — em júri ou em comemoração se necessário emocionar os ouvintes,
ganhá-los para sua causa. Mas a dor verdadeira, essa o come por dentro, nas entranhas,
não se exibe no rosto.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Mané
Lima proclamou o nome e a morte do velho para o mundo inteiro, postado no meio
da Ladeira do Pelourinho, lugar próprio e certo, mas na hora baça da antemanhã
apenas uns ratos enormes e um cachorro magro escutaram-lhe o grito.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">O
Major desprende-se da visão fatal, sai rua a fora em direção à casa de Ester, o
peso da notícia verga-lhe os ombros. Lá emborcará o trago forte e necessário.”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">“Não
chores, meu filho; não chores que a vida é luta renhida: viver é lutar.”
(Gonçalves Dias)<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">“Ali, na Tenda dos Milagres, tudo pode
acontecer e acontece.”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">“(...) Definição do viver de Rosa, de seus
particulares, só Majé Bassan a tem, os porquês e a consequência, tudo bem
guardado nos desmedidos seios. Seios de mãe-de-santo devem ser assim, enormes,
para neles caber a aflição dos filhos e filhas e de estranhos e estrangeiros.
São arcas de desesperos e rancores, de esperanças e sonhos; são cofres de amor
e ódio.”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">“</span><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Não me restando alternativa, retornei ao <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Jornal da Cidade</i>, disposto a aceitar a proposta indigna, porém
única, e vender por dez réis de mel coado o melhor de meu material. Com o
arrojo dos desesperados, bati à porta do doutor Zezinho e o grande patrão me
escutou bondosamente. Quando, porém, lhe exibi minhas notas, por pouco não
fatura uma crise histérica. <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Isto é
exatamente o que não quero: essa falta de respeito com um grande homem, com um
espírito superior. Esse achincalhe, esse apequenamento da figura de Archanjo.
Não admito! Se lhe compramos essas laudas de tagarelices e maledicências é
exatamente para pô-las fora, para que não sejam usadas e não maculem a imagem
de Pedro Archanjo. Meu caro Fausto, pense nas crianças das escolas</i>.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Pensei
nas crianças das escolas, vendi por ninharia meu silêncio. Doutor Zezinho, ainda
nervoso, completou: <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Polígamo, que
infâmia! Não era sequer casado! Meu caro poeta, aprenda esta lição: um grande
homem tem de possuir integridade moral e se, por acaso, transigiu e prevaricou,
cabe-nos repô-lo em sua perfeição. Os grandes homens são patrimônios da Pátria,
exemplos para as novas gerações: devemos mantê-los no altar do gênio e da
virtude</i>.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Com
o vale e a lição, agradeci e retirei-me, fui em busca de Ana Mercedes e de
uísque, consolos caros.”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">“</span><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Se o Brasil concorreu com alguma
coisa válida para o enriquecimento da cultura universal, foi com a miscigenação
— ela marca nossa presença no acervo do humanismo, é a nossa contribuição maior
para a humanidade.</span></i><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">“Quando
iniciara o livro, a imagem pernóstica de determinados professores e o eco das
teorias racistas estavam presentes a seu espírito e influíam nas frases e
palavras, condicionando-as e limitando-lhes a força e a liberdade. À proporção,
porém, que páginas e capítulos foram nascendo, Pedro Archanjo esqueceu
professores e teorias, não mais interessado em desmenti-los numa polêmica de
afirmações para a qual não tinha sequer preparo, e sim em narrar o viver
baiano, as misérias e as maravilhas desse quotidiano de pobreza e confiança; em
mostrar a decisão do perseguido e castigado povo da Bahia, de a tudo superar e
sobreviver, conservando e ampliando os bens da dança, do canto, do metal, do
ferro, da madeira, bens da cultura e da liberdade recebidos em herança nas
senzalas e quilombos.”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">“</span><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">O problema racial, camaradas, é
consequência do problema de classes</span></i><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"> — explicava Ildásio, citando autores, calmo, sem
exaltar-se. <i style="mso-bidi-font-style: normal;">No Brasil, camaradas, negros
e mulatos são discriminados em sua condição de proletários: branco pobre é
negro sujo, mulato rico é branco puro</i>.”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">“—
No julgamento dos homens, prefiro superestimar, pois quem subestima em geral
mede os demais por sua própria medida.”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">“—
Você, mestre Pedro, é um devasso, um libertino. Nada sabe do amor, só sabe de
mulheres — a ex-Princesa do Recôncavo, a ex-Rainha do Cancã suspira: — Igual a
mim, sei de homens, saberei do amor?”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">“—
Quando se quer aplicar as teorias a ferro e fogo, elas nos queimam a mão.”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">“O
doutor Fraga Neto diz que não há branco nem negro, há rico e pobre tão-somente.
O que é que você quer, compadre? Que o moleque estude e continue aqui na
pobreza do Tabuão? Foi para isso que ele estudou? Doutor Tadeu Canhoto, genro
do coronel, herdeiro de terras e de gado, bolsa na França, viagem na Europa,
não há branco nem negro, no Corredor da Vitória o dinheiro embranquece, aqui
miséria negra.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Cada
um com sua sina, meu bom. Os moleques dessa rua, camarado, vão se dividir, cada
um o seu destino. Alguns calçarão sapatos, usarão gravata, doutores de
Faculdade. Outros prosseguirão aqui, com a bigorna e o malho. A divisão de
branco e negro, meu bom, se acaba na mistura, em nossa mão já se acabou,
compadre. A divisão agora é outra e quem vier atrás feche as cancelas.”<o:p></o:p></span></p>Doneyhttp://www.blogger.com/profile/09476772224297324141noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1937976905822999004.post-44767007495243815662023-10-19T05:12:00.009-03:002023-10-19T05:17:11.593-03:00Visão do Paraíso: os motivos edênicos no descobrimento e colonização do Brasil (Parte II), de Sérgio Buarque de Holanda<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">Editora</span></i><span style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">: Companhia das Letras<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt;"><i><span style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">ISBN</span></i><span style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">: 978-85-359-1667-6<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">Opinião</span></i><span style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">: </span><span face=""Segoe UI Symbol",sans-serif" style="color: black; font-size: 14pt; mso-bidi-font-family: "Segoe UI Symbol"; mso-themecolor: text1;">★★★☆☆</span><span style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">Páginas</span></i><span style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">: 600 <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">Link para compra</span></i><span style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">: </span><a href="https://amzn.to/3M4gHIv"><span style="font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt;">Clique aqui</span></a><u><span style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;"><o:p></o:p></span></u></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><i><span style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">Sinopse</span></i><span style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">: Ver <a href="https://listadelivros-doney.blogspot.com/2023/10/visao-do-paraiso-os-motivos-edenicos-no.html">Parte
I</a><o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><br /></p>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgcECIaA2-lYCHv62sr47inF9OPdH0rwiG2oXpV83rn1XTb_Op9UOBS8Yk0Txp5RJuRcAfNO5ckKv1xqZ1302gamtsvUBKoWbiiuG3102rp7HqhZbfUVgLHSBhphyphenhypheno05LKOfWTSZZba99_K6ibizPvZgSqdvQlUdZKa9WwC-0DXztu6xyPUZN7MyEh-MqE/s1181/Vis%C3%A3o%20do%20para%C3%ADso.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1181" data-original-width="789" height="400" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgcECIaA2-lYCHv62sr47inF9OPdH0rwiG2oXpV83rn1XTb_Op9UOBS8Yk0Txp5RJuRcAfNO5ckKv1xqZ1302gamtsvUBKoWbiiuG3102rp7HqhZbfUVgLHSBhphyphenhypheno05LKOfWTSZZba99_K6ibizPvZgSqdvQlUdZKa9WwC-0DXztu6xyPUZN7MyEh-MqE/w268-h400/Vis%C3%A3o%20do%20para%C3%ADso.jpg" width="268" /></a></div><p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><br /></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">“NÃO
SÓ O DESLUMBRAMENTO de um Colombo divisava as suas Índias e as pintava, ora
segundo os modelos edênicos provindos largamente de esquemas literários, ora
segundo os próprios termos que tinham servido aos poetas gregos e romanos para
exaltar a idade feliz, posta no começo dos tempos, quando um solo generoso, sob
constante primavera, dava de si espontaneamente os mais saborosos frutos, onde
os homens, isentos da desordenada cobiça (pois tudo tinham sem esforço e de
sobejo), não conheciam “ferros, nem aço, nem armas”, nem eram aptos para eles —
são feitas, aliás, as próprias palavras de que se servirá o genovês ao tratar
dos gentios das ilhas descobertas<sup>1</sup></span><a href="file://petrobras.biz/petrobras/UN-BC/UN-BC_ATP-BR-TVD_OP-P48_GEPLAT/NP-1/LV's/P5/Desarenadora/2023/Outubro/Vis%C3%A3o%20do%20Para%C3%ADso%20(Parte%20II).docx#1_17"><span style="mso-bookmark: 1_16;"></span></a><!--[if !supportNestedAnchors]--><a name="1_16"></a><!--[endif]--><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"> —, mas até os de mais profundo e
repousado saber se inclinavam a encarar os mundos novos sob a aparência dos
modelos antigos.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">O
historiador sueco Sverder Arnoldsson, bem familiarizado com a historiografia
hispano-americana do período colonial, pôde dizer, sem exagero, em estudo
recente, que, além de Colombo, numerosos cronistas da conquista se valeram
usualmente, ao descreverem as Índias, e em particular os indígenas do Novo
Mundo, das próprias palavras de Ovídio sobre a Idade de Ouro, copiadas, citadas
e inúmeras vezes lidas durante mil e quinhentos anos<sup>2</sup></span><a href="file://petrobras.biz/petrobras/UN-BC/UN-BC_ATP-BR-TVD_OP-P48_GEPLAT/NP-1/LV's/P5/Desarenadora/2023/Outubro/Vis%C3%A3o%20do%20Para%C3%ADso%20(Parte%20II).docx#2_17"><span style="mso-bookmark: 2_16;"></span></a><!--[if !supportNestedAnchors]--><a name="2_16"></a><!--[endif]--><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">. Bem
ilustrativas desse fato são as expressões de um humanista da altura de Pedro
Mártir de Anghiera, que em várias ocasiões se mostra cauteloso ou cético no acolher
informações dos viajantes quando se refere aos primitivos moradores da Espanola
e de Cuba.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Os
trechos que Arnoldsson em parte reproduz do original das Décadas do Orbe Novo,
e que vão a seguir, de acordo com a versão de Temístocle Celotti, não só aludem
expressamente à Idade de Ouro como chegam a ser, por vezes, um decalque literal
do texto célebre das Metamorfoses. Assim é que, dos naturais da Espanola, o
humanista de Anghiera, depois de observar que tinham muitos reis, cada qual
mais poderoso do que o outro, “como se diz que o lendário Eneias encontrou o
Lácio dividido entre Latino, Mesêncio, Turno e Tarconte”, reinando sobre
minúsculos territórios, logo ajunta: “Sou de parecer, entretanto, que os nossos
ilhéus da Espanola hão de ser mais afortunados do que aqueles, desde que
aprendam a religião; pois que nus, sem pesos ou medidas, sem a mortífera
pecúnia, vivendo na idade de ouro, sem leis, sem caluniosos juízes, sem livros,
contentam-se com o estado da natureza, nada preocupados com o porvir”<sup>3</sup></span><a href="file://petrobras.biz/petrobras/UN-BC/UN-BC_ATP-BR-TVD_OP-P48_GEPLAT/NP-1/LV's/P5/Desarenadora/2023/Outubro/Vis%C3%A3o%20do%20Para%C3%ADso%20(Parte%20II).docx#3_17"><span style="mso-bookmark: 3_16;"></span></a><!--[if !supportNestedAnchors]--><a name="3_16"></a><!--[endif]--><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">.
Isso está dito no segundo livro da primeira Década, que Pedro Mártir redigiu,
com o subsequente, por instâncias do Cardeal Ascânio Sforza, durante o biênio
de 1493-1494, quando as notícias ainda frescas do descobrimento e as esperanças
a que davam lugar ainda permitiam essa visão imaculada.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Mas
no próprio livro terceiro, que só se lançará em 1500, época em que já são bem
notórias as malícias e tiranias dos canibais antilhanos, reafirma-se, com
ênfase ainda maior, esse quadro sedutor da <i>aurea aetas</i> (era de ouro). Tratando
ali dos habitantes de Cuba, escreve ele que “era de todos a terra, assim como o
sol e a água, que o <i>meu</i> e o <i>teu</i>, germes de todos os males, não
existiam para aquela gente [...]. Vivem na idade de ouro, não circundam as
herdades de fossos, muros ou sebes. Moram em hortas abertas, sem leis, sem
livros, sem juízes, e seguem naturalmente o bem. E têm por odioso aquele que se
compraz em praticar o mal, seja contra quem for”<sup>4</sup></span><a href="file://petrobras.biz/petrobras/UN-BC/UN-BC_ATP-BR-TVD_OP-P48_GEPLAT/NP-1/LV's/P5/Desarenadora/2023/Outubro/Vis%C3%A3o%20do%20Para%C3%ADso%20(Parte%20II).docx#4_17"><span style="mso-bookmark: 4_16;"></span></a><!--[if !supportNestedAnchors]--><a name="4_16"></a><!--[endif]--><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">. E
na <i>Década III</i>, redigida só em 1516, segundo testemunho do autor,
reitera-se, no livro VIII, a mesma imagem, a propósito daqueles homens
habituados a sustentar-se de frutos nascidos sem plantio: “<i>Homines vivere
aiunt [...] sylvestribus fruetibus contentos [...] ut legitur de aurea aetate</i>”
(“As pessoas dizem que vivem [...] contentes com frutas silvestres [...] enquanto
lemos sobre a idade de ouro”).<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Os
cronistas castelhanos não duvidarão, por sua vez, em seguir tão ilustre
exemplo, servindo-se das palavras textuais do poeta de Sulmona, e não só com
relação a tribos primitivas, mas também a populações mais distanciadas das
condições dos antigos moradores das Antilhas<sup>5</sup></span><a href="file://petrobras.biz/petrobras/UN-BC/UN-BC_ATP-BR-TVD_OP-P48_GEPLAT/NP-1/LV's/P5/Desarenadora/2023/Outubro/Vis%C3%A3o%20do%20Para%C3%ADso%20(Parte%20II).docx#5_17"><span style="mso-bookmark: 5_16;"></span></a><!--[if !supportNestedAnchors]--><a name="5_16"></a><!--[endif]--><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">. Em suas <i>Antiguidades de la
Nueva Espana</i>, de fins do século XVI, ainda escreve, por exemplo, Francisco
Hernandez que “todo lo producia espontaneamente la tierra” equivale preciso do
“per se dabat omnia tellus” ovidiano. E em princípios do século imediato ainda
pode rastrear-se o influxo de concepções antigas, bebidas provavelmente nas
Metamorfoses, mesmo em escritos como os do índio semiculto Dom Filipe Haumán Poma
de Ayala, onde subdivide toda a História humana em quatro idades distintas, a
saber: a do ouro, a da prata, a do cobre e a do ferro, cada qual menos
“civilizada” e também menos feliz e engenhosa do que a anterior.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Essas
lembranças clássicas costumam ser postas principalmente em estreita relação com
a teoria da excelência do estado natural, que já é um traço da <i>aurea aetas</i>
dos antigos, ou com as opiniões eclesiásticas e, em verdade, cristãs, sobre o <i>statu
innocentiae</i>, compendiadas na <i><a href="https://listadelivros-doney.blogspot.com.br/2016/11/suma-teologica-volume-1-ia-pars-sao.html">Suma
Teológica</a></i> de Santo Tomás de Aquino, que um e outras, por intermédio
talvez de <a href="https://listadelivros-doney.blogspot.com/2017/02/os-ensaios-uma-selecao-parte-i-michel.html">Montaigne</a>
e, em menor grau, de Las Casas, hão de frutificar, com o tempo, no postulado,
rico em consequências, da bondade natural do homem.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">O
problema já tem sido objeto de muitas e sábias dissertações, e mal cabe
retomá-lo aqui, senão de passagem. Contudo é fora de dúvida que, abrangido num
painel maior, que compreenda os demais aspectos, por onde facilmente se irmana
com os motivos edênicos, de ação direta sobre a própria atividade colonial do
europeu no Novo Mundo, irá ganhar sentido mais amplo e mais rico essa exaltação
da vida primitiva.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">De
uma parte, a polêmica dirigida contra a miséria do tempo presente, amparada no
louvor e nostalgia de um passado venturoso e idílico, iria aparentemente favorecê-la.
Essa polêmica sabe-se que é de todos os tempos, mas quando se torna
singularmente viva é nos tempos medievais, dando causa até a fórmulas
estereotípicas como a do <i>ubi sun</i>t (onde eles estão), de que a balada
mais célebre de François Villon é exemplo ilustre, mas não único.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Por
outro lado, a ideia da corrupção deste nosso mundo e da natureza, em
consequência do Pecado e da Queda, acha-se implantada em todo o sentimento e
pensamento cristãos, e deita claramente suas raízes nas Sagradas Escrituras.
Não custaria distingui-la já no Gênesis, quando alude à maldição divina lançada
sobre a própria terra, que passaria agora a dar cardos e abrolhos. E ainda,
para também recorrer ao Novo Testamento, naquele passo da <a href="https://listadelivros-doney.blogspot.com/2018/09/biblia-sagrada-epistolas-paulinas.html">Epístola
aos Romanos</a> (8:22), onde está dito que toda a criação, e não somente a
espécie humana, “geme e padece até hoje” por culpa do primeiro homem.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Mas
esse pessimismo fundamental já não seria o ponto de partida necessário para a
glorificação de outros mundos, das terras incógnitas, porventura ainda virgens
e indenes dessa decadência geral, como se neles não tivesse ocorrido o Pecado e
nem ficassem, deste, as marcas fatídicas? A Idade Média se achava tão afeita,
com certeza, à noção de que o mundo presente é simples lugar de passagem que a
esperança de nele se encontrar algum porto seguro se tornara, ao cabo,
irrelevante. A ruindade ou deterioração da Natureza, a miséria da terra,
resgatava-se num divino plano de salvação que, por sua vez, não deixaria de
valorizar, de algum modo, os próprios males e as misérias do presente. Mesmo a
obsessão da materialidade do Paraíso Terrestre, abundante em todos aqueles bens
de que carece a natureza corrompida e mortal, é um modo de denunciar, com a
vivacidade do contraste, esse fundo senso da transitoriedade das coisas terrenas.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Ora,
sucede que o Paraíso Terrestre é, pela sua própria essência, inatingível aos
homens, ou, na melhor hipótese, só pode, talvez, ser alcançado à custa de
ingentes e sobre-humanos esforços. De fato, só com o declinar do mundo medieval
é que a ideia da corrupção e degenerescência da Natureza poderá afetar mais
vivamente aqueles para quem a salvação eterna se torna, cada vez mais, um ideal
longínquo e póstumo. Ao mesmo tempo irá esbater-se pouco a pouco, embora
teoricamente ainda válida, a crença de que o Céu, um Céu sempre mais distante,
cuida de interferir a todo momento nos negócios profanos.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Já
agora, porém, o mundo não há de ser um vale de lágrimas, apenas dulcificado
pela certeza da redenção ultraterrena. Não é num futuro póstumo, ou fora do
mundo, mas na própria vida de todos os dias que a condição humana há de
encontrar sua razão de ser. O Humanismo, que impregnará largamente o pensamento
e a atividade renascentistas, acha-se alicerçado, e desde o início, numa
confiança ilimitada no homem e nas suas possibilidades criadoras quase
infrenes. Em seu tratado sobre a dignidade humana, Giovanni Pico della
Mirandola parte do pressuposto de que o homem, esse “grande milagre”, segundo o
dito de Hermes Trismegisto, que domina o discurso, é o mais feliz, sem comparação,
dos entes animados, merecedor, por isso, de todas as admirações. E ainda de que
sua condição na ordem universal é invejável, não só para os brutos, mas até
para os astros e os espíritos do além-mundo<sup>6</sup></span><a href="file://petrobras.biz/petrobras/UN-BC/UN-BC_ATP-BR-TVD_OP-P48_GEPLAT/NP-1/LV's/P5/Desarenadora/2023/Outubro/Vis%C3%A3o%20do%20Para%C3%ADso%20(Parte%20II).docx#6_17"><span style="mso-bookmark: 6_16;"></span></a><!--[if !supportNestedAnchors]--><a name="6_16"></a><!--[endif]--><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Mas,
para que aquelas possibilidades e capacidades sejam verdadeiramente eficazes,
fazendo-se por sua vez realidades, é mister supor um mundo e uma natureza
dóceis às ambições dos homens e solidários com elas. Natureza essa ativa e
infinitamente criadora, concebida à imagem do homem novo, bem diferente da
outra, inerte ou mortalmente ferida por uma calamidade de proporções cósmicas.
De sorte que esse exasperado otimismo, fundado na doutrina da excelência e
dignidade da condição humana, também há de admitir, necessariamente, a
excelência, a dignidade, a virilidade da própria natureza.”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><span style="font-family: "Georgia",serif; font-size: 12.5pt;"><a href="file://petrobras.biz/petrobras/UN-BC/UN-BC_ATP-BR-TVD_OP-P48_GEPLAT/NP-1/LV's/P5/Desarenadora/2023/Outubro/Vis%C3%A3o%20do%20Para%C3%ADso%20(Parte%20II).docx#1_16"><span style="mso-bookmark: 1_17;"></span></a><!--[if !supportNestedAnchors]--><a name="1_17"></a><!--[endif]--></span><sup><span lang="ES" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: ES; mso-themecolor: text1;">1</span></sup><span lang="ES" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: ES; mso-themecolor: text1;"> Carta ao Tesoureiro
Rafael Sanches, in D. Martin Fernandez de NAVARRETE, Colección de los Viajes y
Descubrimientos, I, pág. 312.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><span style="font-family: "Georgia",serif; font-size: 12.5pt;"><a href="file://petrobras.biz/petrobras/UN-BC/UN-BC_ATP-BR-TVD_OP-P48_GEPLAT/NP-1/LV's/P5/Desarenadora/2023/Outubro/Vis%C3%A3o%20do%20Para%C3%ADso%20(Parte%20II).docx#2_16"><span style="mso-bookmark: 2_17;"></span></a><!--[if !supportNestedAnchors]--><a name="2_17"></a><!--[endif]--></span><sup><span lang="ES" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: ES; mso-themecolor: text1;">2</span></sup><span lang="ES" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: ES; mso-themecolor: text1;"> Sverder ARNOLDSSON, Los
Momentos Históricos de América, pág. 10.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><sup><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">3</span></sup><span style="font-family: "Georgia",serif; font-size: 12.5pt;"><a href="file://petrobras.biz/petrobras/UN-BC/UN-BC_ATP-BR-TVD_OP-P48_GEPLAT/NP-1/LV's/P5/Desarenadora/2023/Outubro/Vis%C3%A3o%20do%20Para%C3%ADso%20(Parte%20II).docx#3_16"><span style="mso-bookmark: 3_17;"></span></a><!--[if !supportNestedAnchors]--><a name="3_17"></a><!--[endif]--></span><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"> P. MARTIRE D’ANGHIERA. <i>Mondo
Nuovo</i> (De Orbe Novo), pág. 120.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><sup><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">4</span></sup><span style="font-family: "Georgia",serif; font-size: 12.5pt;"><a href="file://petrobras.biz/petrobras/UN-BC/UN-BC_ATP-BR-TVD_OP-P48_GEPLAT/NP-1/LV's/P5/Desarenadora/2023/Outubro/Vis%C3%A3o%20do%20Para%C3%ADso%20(Parte%20II).docx#4_16"><span style="mso-bookmark: 4_17;"></span></a><!--[if !supportNestedAnchors]--><a name="4_17"></a><!--[endif]--></span><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"> P. MARTIRE D’ANGHIERA, Mondo
Nuovo, pág. 154<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><sup><span lang="ES" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: ES; mso-themecolor: text1;">5</span></sup><span style="font-family: "Georgia",serif; font-size: 12.5pt;"><a href="file://petrobras.biz/petrobras/UN-BC/UN-BC_ATP-BR-TVD_OP-P48_GEPLAT/NP-1/LV's/P5/Desarenadora/2023/Outubro/Vis%C3%A3o%20do%20Para%C3%ADso%20(Parte%20II).docx#5_16"><span style="mso-bookmark: 5_17;"></span></a><!--[if !supportNestedAnchors]--><a name="5_17"></a><!--[endif]--></span><span lang="ES" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: ES; mso-themecolor: text1;"> S. ARNOLDSSON, <i>Los Momentos
Históricos de América</i>, pág. 11. </span><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Reproduz o autor a passagem de uma versão castelhana das Metamorfoses
impressa em Évora, 1574, que poderia oferecer um modelo a muitos desses
escritores. </span><span lang="ES" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: ES; mso-themecolor: text1;">Diz esta o seguinte: “En
aquel tiempo reynaua en la tierra verdad y justicia: los hõbres andauã seguros
por todas partes, y biuiã en paz, y sossiego, sin saber que era necessáio Rey,
ni alcaide, alguazil, ni escriuano, verdugo, ni pregonero: porque todos biuian
en mucha hermãdad tratando verdad y justicia. En este tiepo los hombres no
sabiã que ra torre ni castillo, lãça, ni espada, ames, ni otras cosas desta
qualidad: porq biuiã sin aver defensores. La tierra que no era rõpida ni
labrada, porq au no sabiã q era açada, teja arado: ni otro algu instrumeto de
hierro y sin fatiga humana todas las cosas necessárias a la vida y sustentaciõ
de los hõbres, las quaies cõ saluaticas sustãcias delos cerezos, mançanas,
çarças, zoras y espinas: de cuya produciõ, y de vellotas, q del enzina arbor
dedicada a Júpiter cayã, se otetauã”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 12.5pt; mso-themecolor: text1;">(Naquela época reinava na terra verdade e justiça: os homens
andavam seguros por todos os lados, em boa paz, e sossego, sem saber que era necessário
Rei, nem alcaide, alguazil, nem escrivão, carrasco nem pregoeiro: todos viviam
em muita irmandade lidando com a verdade e a justiça. Neste tempo os homens não
sabiam o que era torre ou castelo, espada ou arnês, ou outras coisas desta
qualidade: porque viviam sem ter defensores. A terra que não foi quebrada ou
arada, porque você não sabia que estava arada, arado de telha: nem qualquer
outro algum instrumento de ferro e sem fadiga humana todas as coisas
necessárias à vida e ao sustento do lúpulo, o quais com substâncias selváticas
das cerejeiras, macieiras, sarças, espinhos e espinhos: de cuja produção, e das
pelotas, que do caramanchão enzina dedicado a Júpiter cayã, e otetauã). </span><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Na presente transcrição acham-se
por extenso algumas das muitas palavras abreviadas no texto original
reproduzido por Arnoldsson.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><sup><span lang="ES" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: ES; mso-themecolor: text1;">6</span></sup><span style="font-family: "Georgia",serif; font-size: 12.5pt;"><a href="file://petrobras.biz/petrobras/UN-BC/UN-BC_ATP-BR-TVD_OP-P48_GEPLAT/NP-1/LV's/P5/Desarenadora/2023/Outubro/Vis%C3%A3o%20do%20Para%C3%ADso%20(Parte%20II).docx#6_16"><span style="mso-bookmark: 6_17;"></span></a><!--[if !supportNestedAnchors]--><a name="6_17"></a><!--[endif]--></span><span lang="ES" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: ES; mso-themecolor: text1;"> G. PICO DELLA MIRANDOLA, De Homine
Dignitate. Heptaplus. De Ente et Uno, pág. 102: “[...] cur felicissimum
proindeque dignum omni admiratione animal sit homo, et quae sit demum illa
conditio quam in universi serie sortitus sit, non bruti modo, sed astris, sed
ultramondani mentibus invidiosam”. </span><span style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 12.5pt; mso-themecolor: text1;">(Sobre a
Dignidade do Homem. Heptaplus Sobre Ser e Um, p. 102: “[...] por que o homem é
o animal mais feliz e, portanto, digno de toda admiração, e qual a condição que
lhe foi atribuída na série do universo, não à maneira de um bruto, mas do
estrelas, mas invejáveis para as mentes do outro mundo”).<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">“A
constante reiteração da ideia de uma Natureza em declínio ou francamente
corrupta pelo contágio do Pecado Original pode sugerir, mesmo em obras de pura
imaginação, que esse pensamento seria largamente partilhado, e tanto pelos
autores como pelos leitores de tais obras. Os comentários esotéricos ao Gênese,
cuja cronologia permitira esperar-se o próximo ou iminente fim do mundo,
segundo notou um historiador, referindo-se de modo expresso à Inglaterra e a épocas
mais tardias — mas suas observações, neste particular, também se aplicam, e
talvez com maior nitidez, ao que ocorre na Itália, com o amanhecer dos tempos
modernos —, tendiam a dar uma base aritmética à teoria da decadência do homem e
da natureza.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">A visão
clássica da História, que admitia essa decadência progressiva, fazendo preceder
a Idade do Ouro à da Prata, do Bronze e do Ferro, que sucessivamente e nessa
ordem se substituem uma à outra, entrosava-se sem dificuldade, como ainda
acentua o mesmo escritor, na doutrina cristã da Queda e fornecia mesmo uma
ampla estrutura para a teoria de um mundo que se deteriora cada vez mais e em
todas as suas partes. Ao lado disso, as Ideias ou Formas de Platão acham por
onde inserir-se nas doutrinas relativas à catástrofe cósmica, pois, confrontado
com as normas ideais existentes em algum lugar, deste ou daquele modo, o nosso
mundo, em constante declínio, será uma espécie de cópia esmaecida e degradada.
A concepção do mal como <i>privatio</i>, de acordo com Santo Agostinho, que se
funda, de fato, em Aristóteles, e ainda as noções aristotélicas sobre a
oposição entre elementos “contrários” (<i>Metafísica</i>, lib. 5, cap. 22), são
eminentemente adaptáveis às mesmas doutrinas. Pois o que significa a depravação
do mundo senão a privação da “virtude” que nele infundira o Senhor, em sua
glória primeira e virginal? E que hipótese se revelaria mais serviçal, em suma,
tendo-se em conta as mudanças do mundo e suas incessantes vicissitudes, do que
uma teoria que postula a instabilidade daqueles elementos?<sup>7</sup></span><a href="file://petrobras.biz/petrobras/UN-BC/UN-BC_ATP-BR-TVD_OP-P48_GEPLAT/NP-1/LV's/P5/Desarenadora/2023/Outubro/Vis%C3%A3o%20do%20Para%C3%ADso%20(Parte%20II).docx#7_17"><span style="mso-bookmark: 7_16;"></span></a><!--[if !supportNestedAnchors]--><a name="7_16"></a><!--[endif]--><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Não é
por acaso se justamente entre italianos, mais familiarizados, então, do que
outros povos, com especulações de tal porte, tenda a desprender-se, aqui e ali,
de um pessimismo adverso à tranquilidade de ânimo que propugnam os humanistas,
a esperança e procura de alguma solução terrena Nem falta quem, como um
Maquiavel, chegue a aceitar, sem ilusões, o mundo como é, imaginando mesmo uma
ordem civil edificada sobre esse material imprestável que são os homens, de
sorte que a velha ruindade venha a sujeitar-se a novas leis que a neutralizem,
num verdadeiro equilíbrio de egoísmos, e que do próprio mal possa brotar o bem,
com o soldar-se dos indivíduos corruptos no Estado forte. Ou quem, como
Guicciardini, refute o valor dos “exemplos” grandiosos dos romanos, em que
ainda se apraz seu compatriota, para abraçar um critério mais acomodatício, em
que a própria depravação dos homens, ao menos segundo o retrato malevolente,
mas em parte justificável, que de suas ideias nos deixou De Sanctis, parece
codificar-se e erigir-se em regra de vida<sup>8</sup></span><a href="file://petrobras.biz/petrobras/UN-BC/UN-BC_ATP-BR-TVD_OP-P48_GEPLAT/NP-1/LV's/P5/Desarenadora/2023/Outubro/Vis%C3%A3o%20do%20Para%C3%ADso%20(Parte%20II).docx#8_17"><span style="mso-bookmark: 8_16;"></span></a><!--[if !supportNestedAnchors]--><a name="8_16"></a><!--[endif]--><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">A
maior parte, no entanto, ainda prefere a essa cumplicidade desencantada com a
“verdade efetiva da coisa”, a que alude Maquiavel<sup>9</sup></span><a href="file://petrobras.biz/petrobras/UN-BC/UN-BC_ATP-BR-TVD_OP-P48_GEPLAT/NP-1/LV's/P5/Desarenadora/2023/Outubro/Vis%C3%A3o%20do%20Para%C3%ADso%20(Parte%20II).docx#9_17"><span style="mso-bookmark: 9_16;"></span></a><!--[if !supportNestedAnchors]--><a name="9_16"></a><!--[endif]--><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">,
isto é, com o fato reconhecido da decadência e corrupção do mundo, um ideal
mais puro e imaginário, prefere, em outras palavras, palavras tiradas do
próprio <i>Príncipe</i>, ao “como se vive” o “como se deveria viver”, ao ser um
dever ser. E é bem compreensível, nestas circunstâncias, se numerosos
marinheiros e exploradores que se movem, quase por necessidade de ofício,
conforme os juízos dos astrólogos, tendam a fazer baixar o seu “dever ser”, os
seus paraísos, daqueles mundos irreais para a realidade ainda nublada que lhes
oferecem as terras incógnitas e remotas.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">O
espetáculo, ou a simples notícia de algum continente mal sabido e que, tal como
a cera, se achasse apto a receber qualquer impressão e assumir qualquer forma,
suporta assim, entre muitos deles, as idealizações mais inflamadas.
Idealizações estas de que seria como um “negativo” fotográfico este nosso mundo
entorpecido e incolor, e em que parecia ganhar atualidade histórica a
possibilidade de remissão. Se isso é especialmente verdadeiro no caso de um
Colombo, que por sinal julgava próximo o fim do mundo, precisando mesmo que se
daria no ano de 1656, nem antes nem depois<sup>10</sup></span><a href="file://petrobras.biz/petrobras/UN-BC/UN-BC_ATP-BR-TVD_OP-P48_GEPLAT/NP-1/LV's/P5/Desarenadora/2023/Outubro/Vis%C3%A3o%20do%20Para%C3%ADso%20(Parte%20II).docx#10_17"><span style="mso-bookmark: 10_16;"></span></a><!--[if !supportNestedAnchors]--><a name="10_16"></a><!--[endif]--><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">, não
o deixa de ser nos de outros navegantes que o antecederam ou sucederam, como
Cadamosto, Vespúcio, os dois Gabotos, até Verrazzano.”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><sup><span lang="EN-US" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: EN-US; mso-themecolor: text1;">7</span></sup><a href="file://petrobras.biz/petrobras/UN-BC/UN-BC_ATP-BR-TVD_OP-P48_GEPLAT/NP-1/LV's/P5/Desarenadora/2023/Outubro/Vis%C3%A3o%20do%20Para%C3%ADso%20(Parte%20II).docx#7_16"><span style="mso-bookmark: 7_17;"></span></a><!--[if !supportNestedAnchors]--><a name="7_17"></a><!--[endif]--><span lang="EN-US" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 12pt; mso-ansi-language: EN-US; mso-themecolor: text1;">
Ronald W. HEPBURN, “George Hakewill: The Virility of Nature”, <i>Journal of the
History of Ideas</i>, XVI (abril de 1955), pág. 136.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><sup><span lang="EN-US" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: EN-US; mso-themecolor: text1;">8</span></sup><a href="file://petrobras.biz/petrobras/UN-BC/UN-BC_ATP-BR-TVD_OP-P48_GEPLAT/NP-1/LV's/P5/Desarenadora/2023/Outubro/Vis%C3%A3o%20do%20Para%C3%ADso%20(Parte%20II).docx#8_16"><span style="mso-bookmark: 8_17;"></span></a><!--[if !supportNestedAnchors]--><a name="8_17"></a><!--[endif]--><span lang="EN-US" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 12pt; mso-ansi-language: EN-US; mso-themecolor: text1;">
Francesco DE SANCTIS, <i>Storia della Letteratura Italiana</i>, II, pág. 109. O
famoso e discutido retrato das ideias de Guicciardini por De Sanctis
encontra-se em “L’uomo del Guicciardini”, De Sanctis, <i>Scritti Critici</i>,
págs. </span><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 12pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">254-274. Para uma
tentativa de revisão desse retrato, que se baseia principalmente nos <i>Ricordi</i>
do florentino, cf. Vinorio DE CAFRARIS, Francesco Guicciardini: Dalla Potitica
alia Storia, Bari, 1850.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><sup><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">9</span></sup><a href="file://petrobras.biz/petrobras/UN-BC/UN-BC_ATP-BR-TVD_OP-P48_GEPLAT/NP-1/LV's/P5/Desarenadora/2023/Outubro/Vis%C3%A3o%20do%20Para%C3%ADso%20(Parte%20II).docx#9_16"><span style="mso-bookmark: 9_17;"></span></a><!--[if !supportNestedAnchors]--><a name="9_17"></a><!--[endif]--><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 12pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">
Niccolò MACHIAVELLI, <i>Il Príncipe</i>, XV (Tutte le Opere, I, pág. 48):
“[...] sendo Fintento mio scrivere cosa utile a chi la intende, mi è parso più
conveniente andare drieto alia verità effetuale della cosa, che alia
imaginazione di essa. E molti si sono imaginate republiche e principati che non
si sono mai visti né conosciuti essere in vero. Perchè egli è tanto discosto da
come se vive a come si doverrebbe vivere, che colui che lascia quello che si fa
per quello che si doverrebbe fare, impara puitosto la ruina che la
perseverazione sua: perchè uno uomo che voglia fare in tute le parte
professione di buono, conviene ruini infra tanti che non sono buoni. Onde
necessário a un príncipe, volendosi mantenere, imparare a potere essere non
buono, e usarlo o non l'usare secondo la necessita.” (“Mas, sendo minha
intenção escrever algo de útil para quem por tal se interesse, pareceu-me mais
conveniente ir em busca da verdade extraída dos fatos e não à imaginação
destes, pois muitos conceberam repúblicas e principados jamais vistos ou
conhecidos como tendo realmente existido. Em verdade, há tanta diferença de
como se vive e como se deveria viver, que aquele que abandone o que se faz por
aquilo que deveria fazer, aprenderá antes o caminho de sua ruína do que o de
sua preservação, eis que um homem que queira em todas as suas palavras fazer
profissão de bondade, perder-se-á em meio a tantos não são bons. Donde é
necessário, a um príncipe que queira se manter, aprender a poder e usar ou não
da bondade, segundo a necessidade.”)<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><sup><span lang="ES" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: ES; mso-themecolor: text1;">10</span></sup><a href="file://petrobras.biz/petrobras/UN-BC/UN-BC_ATP-BR-TVD_OP-P48_GEPLAT/NP-1/LV's/P5/Desarenadora/2023/Outubro/Vis%C3%A3o%20do%20Para%C3%ADso%20(Parte%20II).docx#10_16"><span style="mso-bookmark: 10_17;"></span></a><!--[if !supportNestedAnchors]--><a name="10_17"></a><!--[endif]--><span lang="ES" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 12pt; mso-ansi-language: ES; mso-themecolor: text1;"> No <i>Libro
de las Profecias</i>, organizado pelo descobridor, lê-se, de fato, em apostila
de 1501, conforme a reprodução de Navarrete, o seguinte: “De la creación del
mundo ó de Adan, fasta el avenimiento de nuestro Senor Jesucrito son cinco mil
é trecientos y cuarenta é três anos, y trecientos y diez é ocho dias, por la
cuenta del Rey Don Alonso, la cual se tiene por la mas cierta, p. de a.
e.a.e.e.t. et h. u sobre el verbo X, con los cuales poniendo mil y quingentos y
uno imperfeito, son por todos seis mil ochocientos curante é cinco imperfectos.
Segundo esta cuenta no falta sao ciento é cincuenta y cinco anos para
complimiento de siete mil, en los quaies digo arriba por las autoridades dichas
que habrá de fenecer el mundo.” </span><span style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 12pt; mso-themecolor: text1;">(“Desde a criação
do mundo ou de Adão, até o advento de nosso Senhor Jesus Cristo, há cinco mil
trezentos e quarenta e três anos e trezentos e dezoito dias, segundo o relato
do rei Don Alonso, que é considerado o mais verdadeiro, p. de a. e.a.e.e.t. et
h. sobre o Verbo, com o qual colocando mil quinhentos e um imperfeitos, há para
todos seis mil e oitocentos perfeitos e cinco imperfeitos. Segundo esta conta
não faltam cento e cinquenta e cinco anos para completar sete mil, nos quais
afirmo acima pelas referidas autoridades que o mundo vai acabar.”) </span><span lang="ES" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 12pt; mso-ansi-language: ES; mso-themecolor: text1;">D.M.F. de NAVARRETE, Colleccón de
los Viajes y Descubrimientos, II, pág. 308. </span><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 12pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Há engano parcial nas iniciais contidas no
primeiro parágrafo. Deveria estar p. de a.e.a.c.c.t. et h.n. correspondentes a
Pierre D'Ailly, [Tructatis ehtcidarius astronomiee concordie cum theologia et
[cum] histórica narratione. O “Rey Don Alonso” é Afonso X de Castela, o das <i>Tablas
alfonsinas</i>].<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">“Seja
como for, o quadro que a Nóbrega inspirou o primeiro contato com o Novo Mundo
parece corresponder à sedução que exerciam, em toda parte, ainda em sua época,
os velhos motivos edênicos. Mas é mister notar que também corresponde a uma
tendência geral, entre seus conterrâneos, ao menos no século XVI, e no Brasil,
para reduzi-los constantemente às dimensões do verossímil. Em outras palavras,
não se pode afirmar que participassem então os portugueses, menos do que outros
povos, daquela sedução universal. O provável, no entanto, é que os motivos
edênicos facilmente se refrangiam entre eles, privando-se da primeira
intensidade para chegarem ao que se pode chamar sua <i>atenuação plausível</i>.
Não é talvez sem interesse o exame dessa circunstância e de tudo quanto dela
resultou para o desenvolvimento da exploração e colonização do Brasil.”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">“QUE A SUPOSTA longevidade dos índios fosse
efeito dos bons céus, bons ares, boas águas de que desfrutavam eles, é o que a
todos resulta patente: nisto, em verdade, não se parecem distinguir das
opiniões mais correntes as dos cronistas lusitanos. Sem aquelas qualidades,
como explicar, segundo as ideias do tempo, o fato de não grassarem aqui, antes
da conquista, várias enfermidades já notórias ao europeu, as únicas, por isso
mesmo, de que tinham estes uma experiência ancestral? Era coisa por demais
sabida que a ausência de tais enfermidades revelava não se achar o ar corrupto
nestes lugares pela ação dos miasmas gerados da umidade e podridão. E ainda que
esse ar corrupto se relacionava, de acordo com os juízos dos astrólogos, a
ajuntamentos de certos corpos celestiais responsáveis pelas influências
malignas.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="mso-bookmark: _Hlk148580395;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Se bem que a Astrologia, na parte
em que presume terem aqueles corpos algum poder sobre as coisas deste mundo, já
houvesse encontrado sérias contraditas, e entre estas, sem falar no debate
aberto por Giovanni Pico della Mirandola, a do frade português Antônio de Beja,
que, em opúsculo impresso em 1527, defende, dentro da tradição escolástica, a
incompatibilidade da influição astral com o livre-arbítrio e a concepção cristã
da Providência Divina<sup>1</sup></span></span><a href="file://petrobras.biz/petrobras/UN-BC/UN-BC_ATP-BR-TVD_OP-P48_GEPLAT/NP-1/LV's/P5/Desarenadora/2023/Outubro/Vis%C3%A3o%20do%20Para%C3%ADso%20(Parte%20II).docx#1_21"><span style="mso-bookmark: 1_20;"></span></a><!--[if !supportNestedAnchors]--><a name="1_20"></a><!--[endif]--><span style="mso-bookmark: _Hlk148580395;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">, a verdade é que ela resistiu longamente à pressão dos métodos
experimentais e racionais. Mesmo entre aqueles que a combatiam em nome de tais
métodos, já se sabe que muitos se deixaram enfeitiçar pelo exercício das estrelas.”<o:p></o:p></span></span></p>
<span style="mso-bookmark: _Hlk148580395;"></span>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">1 Desse opúsculo
existe edição recente publicada pelo Senhor Joaquim de Carvalho: <i>Frei
Antônio de Beja, Contra os Juízos dos Astrólogos</i>, Coimbra, 1943.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">“Ainda
mais: desde 1537 a própria Santa Sé havia proibido, sob pena de excomunhão, que
se tolhesse a liberdade dos índios, inclusive a liberdade de se manterem fora
do grêmio da Igreja. E nada prova melhor o pleno assentimento de Sua Santidade
o Papa Paulo III à campanha dos que, em Casta e na Índias de Castela, se batiam
por essa liberdade, do que seu ato nomeando em 1543 Frei Bartolomeu de Las
Casas Bispo de Chiapa.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Pode
imaginar-se que aquelas ordens e cominações fossem rigorosamente respeitadas?
Não havia de faltar quem comentasse ironicamente o zelo que assim demonstrava o
Santo Padre da causa dos naturais de terras tão remotas e bárbaras, quando lhe
faltavam forças, ah na Itália, na própria Roma, para impedir que prosseguisse
sob o seu Pontificado, e continuaria ainda depois dele, o vergonhoso tráfico e
cativeiro de infiéis<sup>33</sup></span><a href="file://petrobras.biz/petrobras/UN-BC/UN-BC_ATP-BR-TVD_OP-P48_GEPLAT/NP-1/LV's/P5/Desarenadora/2023/Outubro/Vis%C3%A3o%20do%20Para%C3%ADso%20(Parte%20II).docx#33_17"><span style="mso-bookmark: 33_16;"></span></a><!--[if !supportNestedAnchors]--><a name="33_16"></a><!--[endif]--><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">.
Sabe-se, por outro lado, que nas possessões ultramarinas sempre valera o
“obedezea-se, pero no se cumpla”, e isso era tão verdadeiro das colônias
lusitanas quanto o era, notoriamente, das castelhanas.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Os
portugueses, e em particular a Coroa portuguesa, tinham outras razões mais
poderosas para que não os perturbassem muito os tais decretos. Eles não feriam,
de fato, os interesses da mesma Coroa, associados de longa data ao tráfico de
negros africanos. O próprio Vitória não tivera dúvidas em poupar esses
interesses quando, em carta a Frei Bernardino de Vique, pretendera que ao rei
de Portugal assistiam razões para permitir semelhante negócio.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Assim,
por exemplo, no caso em que se originasse de guerras entre as tribos, o
cativeiro era perfeitamente lícito, e nem o traficante tinha a obrigação de
inquirir se se tratara de guerra justa. O que não aprovava decididamente era a
captura de negros com enganos, mas também não acreditava fosse, esse, um uso
generalizado, porque, a sê-lo, diz, estaria comprometida a consciência do
soberano português<sup>34</sup></span><a href="file://petrobras.biz/petrobras/UN-BC/UN-BC_ATP-BR-TVD_OP-P48_GEPLAT/NP-1/LV's/P5/Desarenadora/2023/Outubro/Vis%C3%A3o%20do%20Para%C3%ADso%20(Parte%20II).docx#34_17"><span style="mso-bookmark: 34_16;"></span></a><!--[if !supportNestedAnchors]--><a name="34_16"></a><!--[endif]--><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Las
Casas, é certo, tendo aconselhado primeiramente a introdução de negros nas
Índias, caiu depois em si, vendo a injustiça com que os tomavam os portugueses.
</span><span lang="ES" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: ES; mso-themecolor: text1;">Porque, diz, “la misma
razon es dellos que de los indios”<sup>35</sup></span><a href="file://petrobras.biz/petrobras/UN-BC/UN-BC_ATP-BR-TVD_OP-P48_GEPLAT/NP-1/LV's/P5/Desarenadora/2023/Outubro/Vis%C3%A3o%20do%20Para%C3%ADso%20(Parte%20II).docx#35_17"><span style="mso-bookmark: 35_16;"></span></a><!--[if !supportNestedAnchors]--><a name="35_16"></a><!--[endif]--><span lang="ES" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: ES; mso-themecolor: text1;">. </span><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Contudo, a <i>Historia de las
Índias</i>, onde figura essa retratação, apesar de ter circulado logo em
manuscritos, só encontraria seu primeiro impressor três séculos após a morte de
Las Casas. De qualquer modo, sua denúncia do tráfico e escravidão dos negros
não encontrou a larga ressonância que tivera a campanha pela liberdade dos
índios.”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><sup><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">33</span></sup><a href="file://petrobras.biz/petrobras/UN-BC/UN-BC_ATP-BR-TVD_OP-P48_GEPLAT/NP-1/LV's/P5/Desarenadora/2023/Outubro/Vis%C3%A3o%20do%20Para%C3%ADso%20(Parte%20II).docx#33_16"><span style="mso-bookmark: 33_17;"></span></a><!--[if !supportNestedAnchors]--><a name="33_17"></a><!--[endif]--><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 12pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">
Ludwig von PASTOR, Geschichte der Püpste, V, pág. 721.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><sup><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">34</span></sup><a href="file://petrobras.biz/petrobras/UN-BC/UN-BC_ATP-BR-TVD_OP-P48_GEPLAT/NP-1/LV's/P5/Desarenadora/2023/Outubro/Vis%C3%A3o%20do%20Para%C3%ADso%20(Parte%20II).docx#34_16"><span style="mso-bookmark: 34_17;"></span></a><!--[if !supportNestedAnchors]--><a name="34_17"></a><!--[endif]--><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 12pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"> Cf.
Sílvio ZAVALA, Filosofia de la Conquista, pág. 104.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><sup><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">35</span></sup><a href="file://petrobras.biz/petrobras/UN-BC/UN-BC_ATP-BR-TVD_OP-P48_GEPLAT/NP-1/LV's/P5/Desarenadora/2023/Outubro/Vis%C3%A3o%20do%20Para%C3%ADso%20(Parte%20II).docx#35_16"><span style="mso-bookmark: 35_17;"></span></a><!--[if !supportNestedAnchors]--><a name="35_17"></a><!--[endif]--><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 12pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"> Fray
Bartolomé de LAS CASAS, Historia de las Índias, III, pág. 177. O afã
abolicionista, segundo nota Zavala, manifesta-se pela mesma época entre
numerosos tratadistas espanhóis, e não só os da Ordem dos Predicadores. É
significativo o que o Arcebispo do México, Frei Alonso de Montúfar, este aliãs
dominicano, como Vitória e Las Casas, escreveu ao Rei de Castela a 30 de junho
de 1560: “no sabemos”, dizia a carta, “que causa haya para que los negros sean
cautivos mas que los índios, pues ellos, segun dicen, de buena voluntad reciben
d evangelio y no hacen guerra a los cristianos”, S. ZAVALA, Filosofia de la
Conquista, pág. 105 e segs.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">“É POSSÍVEL,
desta excursão já demorada à volta dos mitos geográficos difundidos na era dos
grandes descobrimentos marítimos, tirarem-se conclusões válidas para um relance
sobre a formação brasileira, especialmente durante o período colonial?
Tentou-se mostrar, ao longo destas páginas, como os descobridores, povoadores,
aventureiros, o que muitas vezes vêm buscar, e não raro acabam encontrando nas
ilhas e terra firme do Mar Oceano, é uma espécie de cenário ideal, feito de
suas experiências, mitologias ou nostalgias ancestrais.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Os
portugueses quinhentistas não formam certamente exceção a essa regra. Pode-se,
porém, dizer, tendo como base sobretudo os depoimentos de seus cronistas e
historiadores, quase os nossos únicos guias disponíveis para esta viagem, que é
comparativamente reduzida, entre eles, no contato dos novos mundos, a sedução
de tais motivos. Não os inquieta vivamente, ao menos no Brasil, a insopitável
esperança de impossíveis, que tão frequentemente acompanha, entre outros povos,
as empresas de descobrimento e conquista para além das raias do mundo
conhecido. São razões menos especulativas, em geral, ou fantásticas, do que
propriamente pragmáticas, o que incessantemente inspira aqueles cronistas,
ainda quando, em face do espetáculo novo, chegam a diluir-se em êxtases
enamorados.”</span><span lang="pt" style="mso-ansi-language: #0016;"><o:p></o:p></span></p>Doneyhttp://www.blogger.com/profile/09476772224297324141noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1937976905822999004.post-7848079471221173662023-10-19T05:08:00.007-03:002023-10-19T05:10:21.808-03:00Visão do Paraíso: os motivos edênicos no descobrimento e colonização do Brasil (Parte I), de Sérgio Buarque de Holanda<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">Editora</span></i><span style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">: Companhia das Letras<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt;"><i><span style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">ISBN</span></i><span style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">: 978-85-359-1667-6<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">Opinião</span></i><span style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">: </span><span face=""Segoe UI Symbol",sans-serif" style="color: black; font-size: 14pt; mso-bidi-font-family: "Segoe UI Symbol"; mso-themecolor: text1;">★★★☆☆</span><span style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">Páginas</span></i><span style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">: 600 <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">Link para compra</span></i><span style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">: </span><a href="https://amzn.to/3M4gHIv"><span style="font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt;">Clique aqui</span></a><u><span style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;"><o:p></o:p></span></u></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><i><span style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">Sinopse</span></i><span style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">: Os castelhanos reproduziram histórias sobre o Novo Mundo
repletas de elementos fantásticos; os portugueses, por sua vez, usaram todo o
seu pragmatismo. Originalmente defendido como uma tese na Universidade de São
Paulo, em 1958, este célebre ensaio sobre o imaginário do colonizador da
América agora em edição revista e com imagens do acervo pessoal do autor.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">Examinando um
período abrangente, que se inicia nos primeiros contatos realizados pelos
colonizadores portugueses e espanhóis com o continente americano, até o século
XVI, Visão do Paraíso inaugura o ensaísmo sobre o imaginário do colonizador. O
livro, editado pela primeira vez em 1959, antecipou a historiografia das
mentalidades ao estudar os mitos edênicos que acompanharam as narrativas dos
descobrimentos e da colonização da América.<o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">Na época de seu
lançamento, predominava o cunho econômico-social dos estudos, mas Sérgio
Buarque de Holanda recompôs a concepção paradisíaca que os descobridores tinham
do Novo Mundo, desenvolvendo uma abordagem de longa duração, cujos efeitos se
fazem sentir até os dias de hoje.<o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">O diálogo
estabelecido com a historiografia europeia, acompanhado de um domínio amplo das
fontes documentais que retratam as visões idílicas do continente americano,
permitiu ao autor realizar uma comparação particularmente original entre a
colonização portuguesa e a espanhola da América.<o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">O autor nos
mostra como as descrições do Novo Mundo produzidas pelos conquistadores
castelhanos estão repletas de elementos fantásticos e correspondem fielmente às
temáticas edênicas, enquanto, no caso português, o pragmatismo lusitano assume
o lugar da imaginação criadora, assegurando às visões do Paraíso um espaço
limitado na América portuguesa.<o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">Nas palavras de Sérgio
Buarque: “todo o mundo lendário nascido nas conquistas castelhanas e que
suscita eldorados, amazonas, serras de prata, lagoas mágicas, fontes de Juventa
tende antes a adelgaçar-se, descolorir-se ou ofuscar-se, desde que se penetra
na América lusitana”.<o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">Esta nova edição
traz um caderno de imagens com reproduções de documentos e fotografias do
acervo pessoal do autor, além de posfácios inéditos dos historiadores Laura de
Mello e Souza e Ronaldo Vainfas.<o:p></o:p></span></span></p><p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;"><br /></span></span></p>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjKlI9FlVzRwspJZgduHXBL6gyu5uKcW1gF7E8ydiwX4egJOi4fydTlBjRD5vyUeQHBdzB-4_-Zqz02r9_JNaRxKMZCLUw-TY6eJee2Wy0LaPXmIbYZT5RaLX0klQGS4IORqu9oborU_J9Z_F3c5VGyTyEMbE2LPZ0BraFOLCc6KBvp3WwkmEy7xqj7Dx8/s1181/Vis%C3%A3o%20do%20para%C3%ADso.jpg" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1181" data-original-width="789" height="400" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjKlI9FlVzRwspJZgduHXBL6gyu5uKcW1gF7E8ydiwX4egJOi4fydTlBjRD5vyUeQHBdzB-4_-Zqz02r9_JNaRxKMZCLUw-TY6eJee2Wy0LaPXmIbYZT5RaLX0klQGS4IORqu9oborU_J9Z_F3c5VGyTyEMbE2LPZ0BraFOLCc6KBvp3WwkmEy7xqj7Dx8/w268-h400/Vis%C3%A3o%20do%20para%C3%ADso.jpg" width="268" /></a></div><p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Georgia, serif; font-size: 14pt;"> </span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">“Não sem pedantismo, mas com um
bom grão de verdade, diria efetivamente que uma das missões do historiador,
desde que se interesse nas coisas do seu tempo — mas em caso contrário ainda se
pode chamar historiador? —, consiste em procurar afugentar do presente os
demônios da História. Quer isto dizer, em outras palavras, que a lúcida
inteligência das coisas idas ensina que não podemos voltar atrás e nem há como
pretender ir buscar no passado o bom remédio para as misérias do momento que
corre.”<o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">“O resultado mais
fecundo do exame que se tentou aqui de algumas pesquisas ultimamente realizadas
acerca do quadro ideal que do Novo Mundo forjaram os europeus — ou melhor,
castelhanos e portugueses de um lado, do outro anglo-saxões — na era dos
grandes descobrimentos está em que, obedecendo geralmente a um paradigma comum
fornecido pelos motivos edênicos, esse quadro admitia, no entanto, duas variantes
consideráveis que, segundo todas as aparências, se projetariam no ulterior
desenvolvimento dos povos deste hemisfério. Assim, se os primeiros colonos da
América Inglesa vinham movidos pelo afã de construir, vencendo o rigor do
deserto e selva, uma comunidade abençoada, isenta das opressões religiosas e
civis por eles padecidas em sua terra de origem, e onde enfim se realizaria o
puro ideal evangélico, os da América Latina se deixavam atrair pela esperança
de achar em suas conquistas um paraíso feito de riqueza mundanal e beatitude
celeste, que a eles se ofereceria sem reclamar labor maior, mas sim como um dom
gratuito. Não há, neste último caso, contradição necessária entre o gosto da
pecúnia e a devoção cristã. Um e outra, em verdade, se irmanam frequentemente e
se confundem: já Cristóvão Colombo exprimira isto ao dizer que com o ouro tudo
se pode fazer neste mundo, e ainda se mandam almas ao Céu.”<o:p></o:p></span></span></p>
<span style="mso-bookmark: _Hlk148576978;"></span>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">“Não era essa, então, a atitude
comum entre povos navegadores. Já às primeiras notícias de Colombo sobre as
suas Índias tinham começado a desvanecer-se naquele Novo Mundo os limites do
possível. E se todas as coisas ali surgiam magnificadas para quem as viu com os
olhos da cara, apalpou com as mãos, calcou com os pés, não seria estranhável
que elas se tornassem ainda mais portentosas para os que sem maior trabalho e
só com o ouvir e o sonhar se tinham por satisfeitos. Nada parece, aliás,
quadrar melhor com certa sabedoria sedentária do que a impaciência de tudo
resolver, opinar, generalizar e decidir a qualquer preço, pois o ânimo ocioso
não raro se ajusta com a imaginação aventureira e, muitas vezes, de onde mais
minguada for a experiência, mais enfunada sairá a fantasia.”<o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">“E um erudito
pesquisador da história literária dos descobrimentos marítimos pôde de modo
semelhante, e sem intuito, aliás, de pretender associá-la diretamente à
sobriedade de imaginativa daqueles pilotos e exploradores, apresentar como uma
das consequências de sua obra a progressiva retração da área tradicional dos
países da lenda e do sonho. “Na época de Colombo e de Pigafetta”, observa
efetivamente Leonardo Olschki, “as experiências coloniais dos portugueses
tinham arrebatado até mesmo às terras da Ásia e da África muitos dos seus
encantos. À medida em que, no século XV, prosseguiam os empreendimentos
inspirados por Henrique o Navegador ao longo da orla ocidental africana, as
representações fabulosas e monstruosas preexistentes se iam apagando dos
roteiros, dos mapas, das imaginações, deslocando-se para outros rumos. Desde
que Dinis Dias tomou posse do Cabo Branco, em 1445, e que, passado um ano,
Álvaro Fernandes se lançou até a embocadura do Rio Grande, ou que Alvise
Cadamosto [ou Alvide da Ca' da Mosto], gentil-homem veneziano, penetrou na
região do Senegal, subindo o curso do rio para lugares não sabidos, a costa
africana deixou de ser uma incógnita e, em seguida às explorações de Bartolomeu
Dias, pareceu despojar-se até de seus mistérios. E quando, mais tarde, Vasco da
Gama, dobrando o Cabo da Boa Esperança, chega, aos 20 de novembro de 1498, à
vista de Calicute, também a Índia fabulosa vai converter-se num imenso mercado
que o grande navegador, feito vizo-rei, ensinará a desfrutar em nome de seu
soberano”</span></span><a href="file://petrobras.biz/petrobras/UN-BC/UN-BC_ATP-BR-TVD_OP-P48_GEPLAT/NP-1/LV's/P5/Desarenadora/2023/Outubro/Vis%C3%A3o%20do%20Para%C3%ADso%20(Parte%20I).docx#25_1"><span style="mso-bookmark: 25;"></span></a><!--[if !supportNestedAnchors]--><a name="25"></a><!--[endif]--><span style="mso-bookmark: _Hlk148577036;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><sup><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">25</span></sup></span></span><span style="mso-bookmark: _Hlk148577036;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">.”<o:p></o:p></span></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><span style="mso-bookmark: _Hlk148577036;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><sup><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">25 </span></sup></span></span><span style="mso-bookmark: _Hlk148577036;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Leonardo OLSCHKI, <i>Storia
Letteraria delle Scoperte Geografiche</i>, págs. 34 e segs. Tornam-se
inevitáveis, contudo, alguns reparos às circunstâncias históricas que se
relatam nesse trecho. Assim é que o descobrimento e consequente posse do Cabo
Branco pelos portugueses data, segundo as melhores probabilidades, de 1441, não
de 1445. E foi devido a Nuno Tristão, não a Dinis Dias: a ação deste último
anda associada ao descobrimento do Cabo Verde, no continente, não ao do Branco.
Nada autoriza a crer, além disso, que Álvaro Fernandes tivesse atingido o Rio
Grande, ou seja, o Geba atual, célebre pelo fenômeno do macaréu. Finalmente não
parece muito exato, no caso de Vasco da Gama, relacionar-se o aproveitamento do
imenso mercado indiano, em nome do soberano português, com o fato do grande
navegador ter sido feito vizo-rei da Índia. A verdade é que o Gama só exerceu
esse posto durante os últimos três meses, mal contados, de 1524, quando pouco
tempo lhe sobraria para enfrentar a oposição dos muçulmanos do Malabar.<o:p></o:p></span></span></span></p>
<span style="mso-bookmark: _Hlk148577036;"></span>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">“MAS COLOMBO não
estava tão longe de certas concepções correntes durante a Idade Média acerca da
realidade física do Éden que descresse de sua existência em algum lugar do
globo. E nada o desprendia da ideia, verdadeiramente obsessiva em seus
escritos, de que precisamente as novas Índias, para onde o guiara a mão da
Providência, se situavam na orla do Paraíso Terreal. Se à altura do Pária chega
ele a manifestar com mais veemência essa ideia, o fato é que muito antes, e
desde o começo de suas viagens de descobrimento, a tópica das “visões do
paraíso” impregna todas as suas descrições daqueles sítios de magia e lenda.<o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span style="mso-bookmark: _Hlk148577213;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">O espetáculo que mais fortemente o impressionara no Haiti, por exemplo,
a formosura, única na terra, daquela ilha coberta de árvores de mil maneiras,
tão altas que parecem tocar o céu, e que, tudo o leva a crer, jamais perdem as
folhas (pois que as vê em novembro, quando registra o fato, tão viridentes e
viçosas como o seriam em maio na Espanha), é um traço inseparável da paisagem
edênica. </span></span></span><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span style="mso-bookmark: _Hlk148577213;"><span lang="ES" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: ES; mso-themecolor: text1;">Diante do Gabo Hermoso exclama, extasiado: “Y llegando yo aqui a este cabo
vino el olor tan bueno y suave de flores ó árboles de la tierra, que era la
cosa mas dulce del mundo”. O gentio de Cuba é ao seu ver um povo “de amor y sin
cudicia, y convenible para toda cosa, que certifico a Vuestras Altezas que en
el mundo creo que no hay mejor gente ni mejor tierra: ellos aman a sus prójimos
como á si mismos, y tienen una habla la mas dulce del mundo, y mansa, y siempre
con risa. Ellos andam desnudos, hombres y mujeres, como sus madres los
parieron”<sup>1</sup></span></span></span><a href="file://petrobras.biz/petrobras/UN-BC/UN-BC_ATP-BR-TVD_OP-P48_GEPLAT/NP-1/LV's/P5/Desarenadora/2023/Outubro/Vis%C3%A3o%20do%20Para%C3%ADso%20(Parte%20I).docx#1_5"><span style="mso-bookmark: 1_4;"></span></a><!--[if !supportNestedAnchors]--><a name="1_4"></a><!--[endif]--><span style="mso-bookmark: _Hlk148577213;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="ES" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: ES; mso-themecolor: text1;">. </span></span></span><span style="mso-bookmark: _Hlk148577213;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">(“E quando cheguei aqui neste cabo, veio o cheiro das flores ou das
árvores da terra, tão bom e suave, que era a coisa mais doce do mundo." O
gentio de Cuba é ao seu ver um povo “de amor e sem pudicícia, e adequado para
tudo, o que certifico a Vossas Altezas que no mundo acredito que não há gente
melhor nem terra melhor: amam o próximo como se eles próprios, e têm a fala
mais doce do mundo, e mansa, e sempre rindo. Eles andam nus, homens e mulheres,
como suas mães os deram à luz”.) (…)<o:p></o:p></span></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="mso-bookmark: _Hlk148577213;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Nem por isso é menos exato dizer que a convenção literária dos motivos
edênicos, onde a narrativa bíblica se deixara contaminar de reminiscências
clássicas (mito da Idade de Ouro, do Jardim das Hespérides...) e também da
geografia fantástica de todas as épocas veio a afetar decisivamente aquelas
descrições. Da selva tropical apresentada por Cristóvão Colombo não parece
demasiado pretender, com efeito, que é uma espécie de réplica da “<i>divina
foresta spessa e viva</i>”, que o poeta, “<i>prendendo la campagna; lento lento</i>”,
vai penetrar para atingir finalmente o paraíso terrestre</span></span></span><span style="mso-bookmark: _Hlk148577213;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><sup><span style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">5</span></sup></span></span><a href="file://petrobras.biz/petrobras/UN-BC/UN-BC_ATP-BR-TVD_OP-P48_GEPLAT/NP-1/LV's/P5/Desarenadora/2023/Outubro/Vis%C3%A3o%20do%20Para%C3%ADso%20(Parte%20I).docx#5_5"><span style="mso-bookmark: 5_4;"></span></a><!--[if !supportNestedAnchors]--><a name="5_4"></a><!--[endif]--><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span style="mso-bookmark: _Hlk148577213;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">.<o:p></o:p></span></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span style="mso-bookmark: _Hlk148577213;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Pouco importa se alguma forma descomunal ou contrafeita parece às vezes
querer perturbar o espetáculo incomparável. Não serão apenas primores e
deleites o que se há de oferecer aqui ao descobridor. Aos poucos, nesse mágico
cenário, começa ele a entrever espantos e perigos. Lado a lado com aquela gente
suave e sem malícia, povoam-no entidades misteriosas, e certamente nocivas —
cinocéfalos, <i>monoculi</i>, homens caudatos, sereias, amazonas —, que podem
enredar em embaraços seu caminho.<o:p></o:p></span></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span style="mso-bookmark: _Hlk148577213;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Ainda em Cuba, subjugado por uma natureza que lhe oferece todas as galas
do Paraíso — “árboles y frutas de muy maravilloso sabor [...]. </span></span></span><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span style="mso-bookmark: _Hlk148577213;"><span lang="ES" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: ES; mso-themecolor: text1;">Aves y pajaritos y el cantar de
grillos en toda noche con que se holgaban todos: los aires sabrosos y dulces de
toda la noche, ni frio ni caliente”<sup>6</sup></span></span></span><a href="file://petrobras.biz/petrobras/UN-BC/UN-BC_ATP-BR-TVD_OP-P48_GEPLAT/NP-1/LV's/P5/Desarenadora/2023/Outubro/Vis%C3%A3o%20do%20Para%C3%ADso%20(Parte%20I).docx#6_5"><span style="mso-bookmark: 6_4;"></span></a><!--[if !supportNestedAnchors]--><a name="6_4"></a><!--[endif]--><span style="mso-bookmark: _Hlk148577213;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: ES; mso-themecolor: text1;"> <span lang="ES">(“árvores e frutas de sabor muito maravilhoso [...]. Os pássaros e as
aves e o canto dos grilos a noite toda com que todos se divertiam: o ar gostoso
e doce de toda a noite, nem frio nem quente”) —, recebe as primeiras notícias
daqueles horrores: “hombres de un ojo y otros con hocicos de perros que comiam
hombres, y que en tomando uno lo degollaban y le bebian su sangre y le cortaban
su natura”<sup>7</sup></span></span></span></span><a href="file://petrobras.biz/petrobras/UN-BC/UN-BC_ATP-BR-TVD_OP-P48_GEPLAT/NP-1/LV's/P5/Desarenadora/2023/Outubro/Vis%C3%A3o%20do%20Para%C3%ADso%20(Parte%20I).docx#7_5"><span style="mso-bookmark: 7_4;"></span></a><!--[if !supportNestedAnchors]--><a name="7_4"></a><!--[endif]--><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span style="mso-bookmark: _Hlk148577213;"><span lang="ES" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: ES; mso-themecolor: text1;">. </span></span></span><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span style="mso-bookmark: _Hlk148577213;"><span style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">(“homens com um olho e outros com focinho de cachorro que comiam homens,
e quando pegavam um deles cortavam sua garganta e bebiam seu sangue e
eliminavam sua natureza.”)<o:p></o:p></span></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span style="mso-bookmark: _Hlk148577213;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Mais tarde dizem-lhe que em Cibao os homens nascem com rabo</span></span></span><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span style="mso-bookmark: _Hlk148577213;"><sup><span style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">8</span></sup></span></span><a href="file://petrobras.biz/petrobras/UN-BC/UN-BC_ATP-BR-TVD_OP-P48_GEPLAT/NP-1/LV's/P5/Desarenadora/2023/Outubro/Vis%C3%A3o%20do%20Para%C3%ADso%20(Parte%20I).docx#8_5"><span style="mso-bookmark: 8_4;"></span></a><!--[if !supportNestedAnchors]--><a name="8_4"></a><!--[endif]--><span style="mso-bookmark: _Hlk148577213;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">. Por informações de certos
índios que tomara a bordo na Espanhola, soubera, ainda em janeiro de 1493, três
meses após o descobrimento, de uma ilha chamada Matinino, a atual Martinica, só
habitada por mulheres. Em dada época do ano lá desembarcavam os homens da Ilha
de Caribe (ou seja, de Porto Rico) e faziam com elas o que iam a fazer: desses
seus ajuntamentos, se nasciam machos, logo os mandavam à dita Ilha de Caribe.
As meninas, deixavam-nas ficar consigo</span></span></span><span style="mso-bookmark: _Hlk148577213;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><sup><span lang="ES" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: ES; mso-themecolor: text1;">9</span></sup></span></span><a href="file://petrobras.biz/petrobras/UN-BC/UN-BC_ATP-BR-TVD_OP-P48_GEPLAT/NP-1/LV's/P5/Desarenadora/2023/Outubro/Vis%C3%A3o%20do%20Para%C3%ADso%20(Parte%20I).docx#9_5"><span style="mso-bookmark: 9_4;"></span></a><!--[if !supportNestedAnchors]--><a name="9_4"></a><!--[endif]--><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span style="mso-bookmark: _Hlk148577213;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">.<o:p></o:p></span></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span style="mso-bookmark: _Hlk148577213;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">É interessante notar como nestes casos, não menos do que nos motivos
claramente edênicos, se mostra Colombo ainda tributário de velhas convenções
eruditas, forjadas ou desenvolvidas por inúmeros teólogos, historiadores,
poetas, viajantes, geógrafos, até cartógrafos, principalmente durante a Idade
Média. E convenções, por pouco que o pareçam, continuamente enlaçadas ao
próprio tema do Paraíso Terreal. Quase se pode dizer de todas as descrições
medievais do Éden que são inconcebíveis sem a presença de uma extraordinária
fauna mais ou menos antropomórfica. Ela pertence, a bem dizer, aos arrabaldes
daquele jardim mágico, e foi posta ali aparentemente pela própria mão de Deus.
Santo Isidoro, que acreditava piamente na existência desses seres estranhos e
chegou a dividi-los em quatro ramos distintos, <i>os portentos, os ostentos, os
monstros e os prodígio</i>s, segundo parecessem anunciar, manifestar, mostrar
ou predizer algo futuro, rebate a afirmação dos que os imaginavam nascidos
contra a lei da Natureza, pois a verdade, diz, 6 que “foram feitos pela vontade
divina e a natureza de toda coisa criada é a vontade do Criador sobre ela”</span></span></span><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span style="mso-bookmark: _Hlk148577213;"><sup><span style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">10</span></sup></span></span><a href="file://petrobras.biz/petrobras/UN-BC/UN-BC_ATP-BR-TVD_OP-P48_GEPLAT/NP-1/LV's/P5/Desarenadora/2023/Outubro/Vis%C3%A3o%20do%20Para%C3%ADso%20(Parte%20I).docx#10_5"><span style="mso-bookmark: 10_4;"></span></a><!--[if !supportNestedAnchors]--><a name="10_4"></a><!--[endif]--><span style="mso-bookmark: _Hlk148577213;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">.<o:p></o:p></span></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="mso-bookmark: _Hlk148577213;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Alegoricamente poderia talvez interpretar-se a sua presença nas
proximidades do paraíso como significando que não nos devemos, um só momento,
descurar de nossa salvação, e ainda que a alma não se há de encaminhar aos
prêmios imortais tão segura deles e com tal salvo-conduto que pareça ir sem
medo.<o:p></o:p></span></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="mso-bookmark: _Hlk148577213;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Ao genovês não custaria traduzir segundo seu gosto e certeza — a certeza
de que se achava no extremo oriente da Ásia — os gestos e mímicas dos índios
que interpelava. E assim como se convencionara situar no Oriente, onde a
tradição colocara também o Paraíso, um terreno de eleição para essa fauna
fantástica, fazia-se mister encontrá-la nas terras novamente descobertas. De
sorte que os cinocéfalos, por exemplo, a que pareceram aludir os índios de
Cuba, não deveriam ser diversos daqueles habitantes da Ilha Agama, talvez os
andamaneses de hoje, a que se referira Marco Polo: homens que tinham todos
“cabeças de cão e dentes e focinho semelhantes aos de um grande mastim”</span></span></span><span style="mso-bookmark: _Hlk148577213;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><sup><span style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">11</span></sup></span></span><a href="file://petrobras.biz/petrobras/UN-BC/UN-BC_ATP-BR-TVD_OP-P48_GEPLAT/NP-1/LV's/P5/Desarenadora/2023/Outubro/Vis%C3%A3o%20do%20Para%C3%ADso%20(Parte%20I).docx#11_5"><span style="mso-bookmark: 11_4;"></span></a><!--[if !supportNestedAnchors]--><a name="11_4"></a><!--[endif]--><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span style="mso-bookmark: _Hlk148577213;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">. De homens com rabo de “mais de
um palmo de comprido” também tratara o veneziano, localizando-os no reino de
Lambri, rico em árvores de pau-brasil: “II hi a berci en grant abondance”</span></span></span><a href="file://petrobras.biz/petrobras/UN-BC/UN-BC_ATP-BR-TVD_OP-P48_GEPLAT/NP-1/LV's/P5/Desarenadora/2023/Outubro/Vis%C3%A3o%20do%20Para%C3%ADso%20(Parte%20I).docx#12_5"><span style="mso-bookmark: 12_4;"></span></a><!--[if !supportNestedAnchors]--><a name="12_4"></a><!--[endif]--><span style="mso-bookmark: _Hlk148577213;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><sup><span style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">12 </span></sup></span></span><span style="mso-bookmark: _Hlk148577213;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">(</span><span lang="pt"> </span>“</span></span><span style="mso-bookmark: _Hlk148577213;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Ele foi embalado em grande
abundância”), diz com efeito o velho texto francês. Dessa planta preciosa foram
levadas sementes a Veneza e o frio as não deixou germinar.</span></span></span><span style="mso-bookmark: _Hlk148577213;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><sup><span style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;"><o:p></o:p></span></sup></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="mso-bookmark: _Hlk148577213;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">O Paraíso Terrestre não se inclui no itinerário de Marco Polo; outros,
porém, que presumem tê-lo visto ou conhecido por notícias fidedignas, não
deixariam de dizer que era um jardim rodeado de figuras monstruosas, que nada
ficam a dever aos cinocéfalos e caudatos. No <i>Ymago Mundi</i> de Hygden,
anterior a 1360, aparece na parte oriental, ao alto, um quadrilátero destinado
ao Éden. Três rios que saem desse local para desembocar no Indo são
atravessados por uma inscrição indicando a existência ali de seres humanos que
se sustentam do simples perfume das frutas. Outras inscrições, estas à esquerda
do Paraíso, falam de homens que encanecem na mocidade e criam, na velhice,
cabelos pretos (“<i>hic homines canescunt in iuventude et nigrescunt in
senectute</i>”) (aqui os homens são grisalhos na juventude e negros na velhice),
de mulheres que concebem aos cinco anos de idade para perecerem aos oito, e
finalmente de hermafroditas com o peito direito de homem e o esquerdo de mulher</span></span></span><span style="mso-bookmark: _Hlk148577213;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><sup><span style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">13</span></sup></span></span><a href="file://petrobras.biz/petrobras/UN-BC/UN-BC_ATP-BR-TVD_OP-P48_GEPLAT/NP-1/LV's/P5/Desarenadora/2023/Outubro/Vis%C3%A3o%20do%20Para%C3%ADso%20(Parte%20I).docx#13_5"><span style="mso-bookmark: 13_4;"></span></a><!--[if !supportNestedAnchors]--><a name="13_4"></a><!--[endif]--><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span style="mso-bookmark: _Hlk148577213;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">. Ainda em 1436, o mapa de Andréa
Bianco, provavelmente conhecido de Colombo, mostra, ao lado do Paraíso, numa
península projetada do oriente da Ásia, homens sem cabeça e com os olhos e a
boca no peito</span></span></span><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span style="mso-bookmark: _Hlk148577213;"><sup><span style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">14</span></sup></span></span><a href="file://petrobras.biz/petrobras/UN-BC/UN-BC_ATP-BR-TVD_OP-P48_GEPLAT/NP-1/LV's/P5/Desarenadora/2023/Outubro/Vis%C3%A3o%20do%20Para%C3%ADso%20(Parte%20I).docx#14_5"><span style="mso-bookmark: 14_4;"></span></a><!--[if !supportNestedAnchors]--><a name="14_4"></a><!--[endif]--><span style="mso-bookmark: _Hlk148577213;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">.”<o:p></o:p></span></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><span style="mso-bookmark: _Hlk148577213;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"></span></span><a href="file://petrobras.biz/petrobras/UN-BC/UN-BC_ATP-BR-TVD_OP-P48_GEPLAT/NP-1/LV's/P5/Desarenadora/2023/Outubro/Vis%C3%A3o%20do%20Para%C3%ADso%20(Parte%20I).docx#1_4"><span style="mso-bookmark: 1_5;"></span></a><!--[if !supportNestedAnchors]--><a name="1_5"></a><!--[endif]--><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span style="mso-bookmark: _Hlk148577213;"><sup><span lang="ES" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: ES; mso-themecolor: text1;">1 </span></sup></span></span><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span style="mso-bookmark: _Hlk148577213;"><span lang="ES" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: ES; mso-themecolor: text1;">D. Martin Fernandez NAVARRETE, Colección de los Viajes y Descubrimientos,
I, pág. 249.<o:p></o:p></span></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span style="mso-bookmark: _Hlk148577213;"><sup><span lang="ES" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: ES; mso-themecolor: text1;">5 </span></sup></span></span><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span style="mso-bookmark: _Hlk148577213;"></span></span><a href="file://petrobras.biz/petrobras/UN-BC/UN-BC_ATP-BR-TVD_OP-P48_GEPLAT/NP-1/LV's/P5/Desarenadora/2023/Outubro/Vis%C3%A3o%20do%20Para%C3%ADso%20(Parte%20I).docx#5_4"><span style="mso-bookmark: 5_5;"></span></a><!--[if !supportNestedAnchors]--><a name="5_5"></a><!--[endif]--><span style="mso-bookmark: _Hlk148577213;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="ES" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: ES; mso-themecolor: text1;">“Purgatório”, XXVIII, I.<o:p></o:p></span></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><span style="mso-bookmark: _Hlk148577213;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"></span></span><a href="file://petrobras.biz/petrobras/UN-BC/UN-BC_ATP-BR-TVD_OP-P48_GEPLAT/NP-1/LV's/P5/Desarenadora/2023/Outubro/Vis%C3%A3o%20do%20Para%C3%ADso%20(Parte%20I).docx#6_4"><span style="mso-bookmark: 6_5;"></span></a><!--[if !supportNestedAnchors]--><a name="6_5"></a><!--[endif]--><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span style="mso-bookmark: _Hlk148577213;"><sup><span lang="ES" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: ES; mso-themecolor: text1;">6 </span></sup></span></span><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span style="mso-bookmark: _Hlk148577213;"><span lang="ES" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: ES; mso-themecolor: text1;">D. Martin Fernandez NAVARRETE, Colección de los Viajes y Descubrimientos,
I, pág. 187. </span></span></span><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span style="mso-bookmark: _Hlk148577213;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">A referência à amenidade perpétua do clima “nem frio, nem quente” — <i>non
ibi frigus, non aestus</i> — constitui, pelo menos a partir de Santo Isidoro de
Sevilha, uma constante das visões do Paraíso.<o:p></o:p></span></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span style="mso-bookmark: _Hlk148577213;"></span></span><a href="file://petrobras.biz/petrobras/UN-BC/UN-BC_ATP-BR-TVD_OP-P48_GEPLAT/NP-1/LV's/P5/Desarenadora/2023/Outubro/Vis%C3%A3o%20do%20Para%C3%ADso%20(Parte%20I).docx#7_4"><span style="mso-bookmark: 7_5;"></span></a><!--[if !supportNestedAnchors]--><a name="7_5"></a><!--[endif]--><span style="mso-bookmark: _Hlk148577213;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><sup><span lang="ES" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: ES; mso-themecolor: text1;">7 </span></sup></span></span><span style="mso-bookmark: _Hlk148577213;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="ES" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: ES; mso-themecolor: text1;">NAVARRETE, <i>Colección de los Viajes</i>, I, pág. 192.<o:p></o:p></span></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><span style="mso-bookmark: _Hlk148577213;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"></span></span><a href="file://petrobras.biz/petrobras/UN-BC/UN-BC_ATP-BR-TVD_OP-P48_GEPLAT/NP-1/LV's/P5/Desarenadora/2023/Outubro/Vis%C3%A3o%20do%20Para%C3%ADso%20(Parte%20I).docx#8_4"><span style="mso-bookmark: 8_5;"></span></a><!--[if !supportNestedAnchors]--><a name="8_5"></a><!--[endif]--><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span style="mso-bookmark: _Hlk148577213;"><sup><span lang="ES" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: ES; mso-themecolor: text1;">8 </span></sup></span></span><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span style="mso-bookmark: _Hlk148577213;"><span lang="ES" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: ES; mso-themecolor: text1;">NAVARRETE, <i>Colección de los Viajes</i>, I, pág. 301.<o:p></o:p></span></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span style="mso-bookmark: _Hlk148577213;"></span></span><a href="file://petrobras.biz/petrobras/UN-BC/UN-BC_ATP-BR-TVD_OP-P48_GEPLAT/NP-1/LV's/P5/Desarenadora/2023/Outubro/Vis%C3%A3o%20do%20Para%C3%ADso%20(Parte%20I).docx#9_4"><span style="mso-bookmark: 9_5;"></span></a><!--[if !supportNestedAnchors]--><a name="9_5"></a><!--[endif]--><span style="mso-bookmark: _Hlk148577213;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><sup><span lang="ES" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: ES; mso-themecolor: text1;">9 </span></sup></span></span><span style="mso-bookmark: _Hlk148577213;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="ES" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: ES; mso-themecolor: text1;">NAVARRETE, <i>Colección de los Viajes</i>, I, pág. 273.<o:p></o:p></span></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><span style="mso-bookmark: _Hlk148577213;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"></span></span><a href="file://petrobras.biz/petrobras/UN-BC/UN-BC_ATP-BR-TVD_OP-P48_GEPLAT/NP-1/LV's/P5/Desarenadora/2023/Outubro/Vis%C3%A3o%20do%20Para%C3%ADso%20(Parte%20I).docx#10_4"><span style="mso-bookmark: 10_5;"></span></a><!--[if !supportNestedAnchors]--><a name="10_5"></a><!--[endif]--><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span style="mso-bookmark: _Hlk148577213;"><sup><span style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 12.5pt; mso-themecolor: text1;">10 </span></sup></span></span><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span style="mso-bookmark: _Hlk148577213;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">SANTO ISIDORO DE SEVILHA, <i>Etimologias</i>
Lib. XI, cap. III.<o:p></o:p></span></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span style="mso-bookmark: _Hlk148577213;"><sup><span lang="ES" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: ES; mso-themecolor: text1;">11</span></sup></span></span><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span style="mso-bookmark: _Hlk148577213;"></span></span><a href="file://petrobras.biz/petrobras/UN-BC/UN-BC_ATP-BR-TVD_OP-P48_GEPLAT/NP-1/LV's/P5/Desarenadora/2023/Outubro/Vis%C3%A3o%20do%20Para%C3%ADso%20(Parte%20I).docx#11_4"><span style="mso-bookmark: 11_5;"></span></a><!--[if !supportNestedAnchors]--><a name="11_5"></a><!--[endif]--><span style="mso-bookmark: _Hlk148577213;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span style="font-family: "Georgia",serif; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: ES;"> <span lang="ES" style="color: black; mso-themecolor: text1;">MARCO POLO, <i>Il Milione</i>, pág. 282.<o:p></o:p></span></span></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><span style="mso-bookmark: _Hlk148577213;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"></span></span><a href="file://petrobras.biz/petrobras/UN-BC/UN-BC_ATP-BR-TVD_OP-P48_GEPLAT/NP-1/LV's/P5/Desarenadora/2023/Outubro/Vis%C3%A3o%20do%20Para%C3%ADso%20(Parte%20I).docx#12_4"><span style="mso-bookmark: 12_5;"></span></a><!--[if !supportNestedAnchors]--><a name="12_5"></a><!--[endif]--><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span style="mso-bookmark: _Hlk148577213;"><sup><span style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 12.5pt; mso-themecolor: text1;">12</span></sup></span></span><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span style="mso-bookmark: _Hlk148577213;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"> MARCO POLO, <i>Il Milione</i>,
pág. 279 e n. Segundo todas as probabilidades, essa alusão a homens de cauda
refere-se aos orangotangos, de que o viajante poderia ter tido notícia nos
lugares que percorreu.<o:p></o:p></span></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span style="mso-bookmark: _Hlk148577213;"><sup><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">13</span></sup></span></span><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span style="mso-bookmark: _Hlk148577213;"></span></span><a href="file://petrobras.biz/petrobras/UN-BC/UN-BC_ATP-BR-TVD_OP-P48_GEPLAT/NP-1/LV's/P5/Desarenadora/2023/Outubro/Vis%C3%A3o%20do%20Para%C3%ADso%20(Parte%20I).docx#13_4"><span style="mso-bookmark: 13_5;"></span></a><!--[if !supportNestedAnchors]--><a name="13_5"></a><!--[endif]--><span style="mso-bookmark: _Hlk148577213;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"> Joachim LELEWEL, <i>Géographie du Moyen-Âge</i>, V (Épilogue), págs.
147 e segs.<o:p></o:p></span></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><span style="mso-bookmark: _Hlk148577213;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><sup><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">14</span></sup></span></span><span style="mso-bookmark: _Hlk148577213;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"></span></span><a href="file://petrobras.biz/petrobras/UN-BC/UN-BC_ATP-BR-TVD_OP-P48_GEPLAT/NP-1/LV's/P5/Desarenadora/2023/Outubro/Vis%C3%A3o%20do%20Para%C3%ADso%20(Parte%20I).docx#14_4"><span style="mso-bookmark: 14_5;"></span></a><!--[if !supportNestedAnchors]--><a name="14_5"></a><!--[endif]--><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span style="mso-bookmark: _Hlk148577213;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"> Joachim LELEWEL, <i>Géographie du Moyen-Âge</i>, II, pág. 86.<o:p></o:p></span></span></span></p>
<span style="mso-bookmark: _Hlk148577213;"></span>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="ES" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: ES; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">“</span></span><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">A ideia de que existe na Terra, com efeito,
algum sítio de bem-aventurança, só acessível aos mortais através de mil perigos
e penas, manifestos, ora sob a aparência de uma região tenebrosa, ora de
colunas ígneas que nos impedem alcançá-lo, ou então de demônios ou pavorosos
monstros, pode prevalecer, porém, independentemente das tradições clássicas ou
das escolásticas sutilezas. Na história, por exemplo, das peregrinações de São
Brandão, originária de antigas lendas celtas, a Ilha dos Santos, meta dos
navegadores irlandeses, só é atingida após dilatada viagem sobre um mar
infestado de dragões e gigantes, povoado de ilhas sagradas ou malditas, de onde
se eleva, ao cabo, uma larga muralha de trevas, espécie de “mar tenebroso”, que
hão de transpor os peregrinos quando já se achem quase à vista do lugar a que
se destinam.<o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Não falta sequer, na ilha de
Paulo o eremita, visitada por Brandão e seus companheiros, uma réplica da fonte
de Juventa, que aparece quase obrigatoriamente nas descrições medievais do
Paraíso Terrestre<sup>19</sup></span></span><a href="file://petrobras.biz/petrobras/UN-BC/UN-BC_ATP-BR-TVD_OP-P48_GEPLAT/NP-1/LV's/P5/Desarenadora/2023/Outubro/Vis%C3%A3o%20do%20Para%C3%ADso%20(Parte%20I).docx#19_3"><span style="mso-bookmark: 19_2;"></span></a><!--[if !supportNestedAnchors]--><a name="19_2"></a><!--[endif]--><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">. Segundo versão bastante generalizada entre essas descrições, é do
próprio Éden que manam suas águas para ir jorrar de sítio não muito apartado
dele, após um percurso subterrâneo. Mandeville, ainda que, muito a seu pesar,
não pudesse visitar aqueles jardins maravilhosos, cujo ingresso é vedado aos
humanos por um largo deserto povoado de feras, cortado de montanhas invencíveis
e ásperos rocheados, e também pelo tenebroso, pôde, no entanto, ver a fonte e
beber de sua água três ou quatro vezes, com o que se sentira melhor disposto e assim
contava permanecer até que o chamasse Deus desta vida mortal. Achava-se ela
situada ao sopé da montanha chamada Polumbo e o cheiro e sabor das águas, posto
que mudassem de hora em hora, lembravam toda casta de especiarias<sup>20</sup></span></span><a href="file://petrobras.biz/petrobras/UN-BC/UN-BC_ATP-BR-TVD_OP-P48_GEPLAT/NP-1/LV's/P5/Desarenadora/2023/Outubro/Vis%C3%A3o%20do%20Para%C3%ADso%20(Parte%20I).docx#20_3"><span style="mso-bookmark: 20_2;"></span></a><!--[if !supportNestedAnchors]--><a name="20_2"></a><!--[endif]--><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">.<o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">No texto da célebre carta do
Preste João, precisa-se que a mesma fonte ficava situada à distância de três
dias do jardim de onde Adão fora expulso. Quem provasse por três vezes daquelas
águas, achando-se em jejum, ficaria livre de quaisquer enfermidades e passaria
a viver como se não tivesse mais de 32 anos de idade<sup>21</sup></span></span><a href="file://petrobras.biz/petrobras/UN-BC/UN-BC_ATP-BR-TVD_OP-P48_GEPLAT/NP-1/LV's/P5/Desarenadora/2023/Outubro/Vis%C3%A3o%20do%20Para%C3%ADso%20(Parte%20I).docx#21_3"><span style="mso-bookmark: 21_2;"></span></a><!--[if !supportNestedAnchors]--><a name="21_2"></a><!--[endif]--><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">.”<o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"></span><a href="file://petrobras.biz/petrobras/UN-BC/UN-BC_ATP-BR-TVD_OP-P48_GEPLAT/NP-1/LV's/P5/Desarenadora/2023/Outubro/Vis%C3%A3o%20do%20Para%C3%ADso%20(Parte%20I).docx#19_2"><span style="mso-bookmark: 19_3;"></span></a><!--[if !supportNestedAnchors]--><a name="19_3"></a><!--[endif]--><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><sup><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">19</span></sup></span><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="EN-US" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: EN-US; mso-themecolor: text1;"> Journal de Bord de
Saint-Brendam, pág. 189.<o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><sup><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">20</span></sup></span><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"></span><a href="file://petrobras.biz/petrobras/UN-BC/UN-BC_ATP-BR-TVD_OP-P48_GEPLAT/NP-1/LV's/P5/Desarenadora/2023/Outubro/Vis%C3%A3o%20do%20Para%C3%ADso%20(Parte%20I).docx#20_2"><span style="mso-bookmark: 20_3;"></span></a><!--[if !supportNestedAnchors]--><a name="20_3"></a><!--[endif]--><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="EN-US" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: EN-US; mso-themecolor: text1;"> Mandeville’s Travels, II, págs.
325 e segs.: “Et dist on que celle fontaine vient de paradis, et pour ce est
elle si vatueuse. Est avec ce ceuls qui souvent en boivent semblent entre
tousjours jeunes, dont les aucuns lappellent et dient que c'est la fontaine de
iouuent, pour ce quelle fait ressembler a estre les gens iouenes.” </span></span><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 12.5pt; mso-themecolor: text1;">(“E dizem que esta fonte é proveniente
do paraíso, por isso é tão bela. É por isso que aqueles que bebem dela muitas
vezes parecem sempre jovens, alguns dos quais a designam como a fonte da
alegria, por fazer as pessoas parecerem jovens”).<o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><sup><span lang="EN-US" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: EN-US; mso-themecolor: text1;">21</span></sup></span><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="EN-US" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: EN-US; mso-themecolor: text1;"> </span></span><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"></span><a href="file://petrobras.biz/petrobras/UN-BC/UN-BC_ATP-BR-TVD_OP-P48_GEPLAT/NP-1/LV's/P5/Desarenadora/2023/Outubro/Vis%C3%A3o%20do%20Para%C3%ADso%20(Parte%20I).docx#21_2"><span style="mso-bookmark: 21_3;"></span></a><!--[if !supportNestedAnchors]--><a name="21_3"></a><!--[endif]--><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="EN-US" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: EN-US; mso-themecolor: text1;">Richard HENNIG, <i>Terrae Incognitae</i>, II, págs. </span></span><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">361 e segs.; <i>Mandeville's Travels</i>, II, pág. 159.<o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">“De que podem valer especulações
desvairadas, inquietas solicitudes e fantasias, bons ou maus agouros, afinal,
se indiferente a tudo isso, o mundo há de seguir seu curso? “Admitindo que
conheças as coisas vindouras pelos astros, de que te servirá isso? <i>Qui iuvat</i>?”
Assim escreveu o português Francisco Sanches em seu poema sobre o medonho
cometa de 1577, que alguns hão de ter por anúncio do fim sombrio de Dom
Sebastião. “A ninguém”, acrescenta esse filósofo, “a ninguém é dado furtar-se
ao próprio fado. Aquilo que há de vir, virá, seja qual for o teu alvitre”<sup>91</sup></span></span><a href="file://petrobras.biz/petrobras/UN-BC/UN-BC_ATP-BR-TVD_OP-P48_GEPLAT/NP-1/LV's/P5/Desarenadora/2023/Outubro/Vis%C3%A3o%20do%20Para%C3%ADso%20(Parte%20I).docx#91_1"><span style="mso-bookmark: 91;"></span></a><!--[if !supportNestedAnchors]--><a name="91"></a><!--[endif]--><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">. E é nesse fatalismo, tão alheio à curiosidade
universal dos humanistas, que em grande parte se nutre um pensamento onde não
faltou, contudo, quem pretendesse vislumbrar antecipações de Bruno ou de Bacon.”<o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><sup><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">91</span></sup></span><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"> Francisco SANCHES,
“Carmen De Cometa Anui M. D. LXXVII”. Opera Philosophica, pág. 143 e segs.</span></span><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 12.5pt; mso-themecolor: text1;"><o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">“Mas a própria hipótese, se
fundada em melhores razões, de uma inspiração da Ordem de Cristo, quando esta
se achava já empolgada pela Coroa, não pode simbolizar senão o poder de uma
realeza absorvente e disciplinadora das vontades individuais e que, por isso,
deixa pouco lugar à fantasia turbulenta dos heróis da cavalaria. No que
respeita a essa afirmação decisiva do poder monárquico não há dúvida que
Portugal amadureceu cedo: mais cedo do que o resto da península hispânica e,
quase se pode dizer, do que o resto da Europa.<o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Todavia, se a unificação logo
obtida e a sublevação popular e “burguesa”, que dera o poder supremo à Casa de
Avis, ajudaram largamente a mudar-lhe a fisionomia, reorganizando em sentido
moderno, isto é, no sentido de absolutismo, suas instituições políticas e
jurídicas, além de abrir caminho à expansão no Ultramar, não é menos certo que
o deixaram ainda, por muitos aspectos, preso ao passado medieval. E a própria
rapidez e prematuridade da mudança fora, de algum modo, responsável por esses
resultados.<o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">A verdade é que tinham ascendido
novos homens, mas não ascenderam, com eles, suas virtudes ancestrais. Uma
burguesia envergonhada de si, de seu antigo abatimento social, substituíra-se à
velha nobreza, contestando-se com o acomodar-se, tanto quanto possível, aos
padrões desta. E como sucede constantemente em casos tais, aferra-se tanto mais
às aparências quanto mais lhe faltava em substância.<o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">O resultado foi esse estranho
conluio de elementos tradicionais e expressões novas, que ainda irá distinguir
Portugal em pleno Renascimento, posto a serviço da pujança da monarquia. Melhor
se diria, forçando a comparação, que as formas modernas respeitaram ali, em
grande parte, e resguardaram, um fundo eminentemente arcaico e conservador.
Moderna é, sem dúvida, aquela avassaladora preponderância da Coroa, num tempo
em que o poder real ainda luta, cm outras terras, com maior ou menor êxito, por
sobrepujar as vontades particularistas. Aqui, ao contrário, como encontrasse
poucas resistências desse lado, a realeza lograra mobilizar em torno de si
energias ativas da população.<o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Tratava-se, não obstante, de uma
simples fachada que mal encobria os traços antiquados, sobretudo a forma mentis
vinculada ao passado e avessa, por isso, à especulação e à imaginação
desinteressadas do humanismo renascentista. No íntimo sempre se mostrarão os
portugueses pouco afeitos às transformações espirituais que, em muitos outros
países, se operam simultaneamente com a grande obra dos navegadores do Reino.
Seu conservantismo, nesse ponto, seria semelhante ao do ermitão de um dos
diálogos de Frei Heitor Pinto, para quem a verdadeira filosofia não consiste
tanto no saber quanto no fazer e no amar<sup>14</sup></span></span><a href="file://petrobras.biz/petrobras/UN-BC/UN-BC_ATP-BR-TVD_OP-P48_GEPLAT/NP-1/LV's/P5/Desarenadora/2023/Outubro/Vis%C3%A3o%20do%20Para%C3%ADso%20(Parte%20I).docx#14_13"><span style="mso-bookmark: 14_12;"></span></a><!--[if !supportNestedAnchors]--><a name="14_12"></a><!--[endif]--><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">.<o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">E quando, já para os fins do
século XVI, mesmo esse antigo cerne se deixa corroer por todas as partes, nada
de autêntico o substituirá, desfalecidas que se acham, e como “burocratizadas”,
as energias verdadeiramente criadoras do povo. Alarmam-se, então, inutilmente,
os moralistas, ante o gosto de novas invenções, das burlas, dos fumos da
fantasia, o dar ao querer mais vela do que lastro. Em suma, ante o rápido
descaimento, no Reino, de tudo quanto parecera ter produzido sua passada
grandeza. Às vésperas mesmo da catástrofe nacional que se há de seguir à morte
del-rei Dom Sebastião, tentara ainda Diogo do Couto apontar para o exemplo
oferecido pelas nações pouco dadas a mudanças, como os chineses e os venezianos<sup>15</sup></span></span><a href="file://petrobras.biz/petrobras/UN-BC/UN-BC_ATP-BR-TVD_OP-P48_GEPLAT/NP-1/LV's/P5/Desarenadora/2023/Outubro/Vis%C3%A3o%20do%20Para%C3%ADso%20(Parte%20I).docx#15_13"><span style="mso-bookmark: 15_12;"></span></a><!--[if !supportNestedAnchors]--><a name="15_12"></a><!--[endif]--><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">. Não estaria nesse
conservantismo a causa principal das qualidades que os distinguiam, da grandeza
de uns e da fama de outros?<o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">No Brasil, de qualquer forma, só
aos poucos parece ir perdendo terreno, em favor das novas fumaças, aquele
realismo repousado, quase ascético ou ineloquente, que vemos refletido, por
exemplo, nos escritos dos primeiros cronistas. Abrem exceção, mesmo antes de
Simão de Vasconcelos, algumas biografias — quase hagiografias — de um Padre
Anchieta, mas as concessões ao milagroso não são novidade nem escândalo, num
gênero que, por definição, deve abrir crédito ao sobrenatural.<o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">É lícito pensar ainda que certas
ideias bem precisas ou até pragmáticas servissem de reforço à simples devoção
visionária sempre aberta à possibilidade de raros portentos, feitos
maravilhosos, profecias, intuições divinatórias, transes, aparições,
levitações, ubiquidades, como os que se multiplicam nas páginas desses livros,
pois o que inspira muitos de seus autores, fiéis neste ponto ao espírito da era
do barroco, é sobretudo o afã de despertar os ânimos, ocupando os olhos. E
porventura alguma ambição ainda mais definida, como seja a de ver eternamente
glorificada a obra missionária dos inacianos nesta parte do Novo Mundo, através
da canonização de um de seus maiores apóstolos, de sorte que o Brasil nada
ficasse a dever às Índias. Anchieta canarino de ascendência basca seria como a
réplica americana de São Francisco Xavier, outro basco.<o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Já em Vasconcelos, porém, essa
imaginação piedosa irá complicar-se através da fascinação mirífica dos segredos
e “curiosidades” da terra. E a tanto vai a fascinação que não se contenta ele
apenas com o invocar testemunhos alheios, mas procura sustentar-se, cm um ou
outro caso, nas próprias e delirantes visões. Assim é que trata de abonar com
seu depoimento pessoal os mais extravagantes fenômenos, como o é a metamorfose
de uns bichinhos brancos, nascidos à tona da água, que julga ver, com seus
olhos, fazerem-se mosquitos, estes mudarem-se em lagartixas, estas tornarem-se
borboletas e finalmente as borboletas transformarem-se em colibris<sup>16</sup></span></span><a href="file://petrobras.biz/petrobras/UN-BC/UN-BC_ATP-BR-TVD_OP-P48_GEPLAT/NP-1/LV's/P5/Desarenadora/2023/Outubro/Vis%C3%A3o%20do%20Para%C3%ADso%20(Parte%20I).docx#16_13"><span style="mso-bookmark: 16_12;"></span></a><!--[if !supportNestedAnchors]--><a name="16_12"></a><!--[endif]--><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">.<o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Ainda aqui é preciso dizer que os
olhos do cronista se deixaram simplesmente iludir pelo prestígio de uma opinião
corrente e já tradicional entre os índios da costa, que costumavam dar os
colibris por mensageiros de outra vida. Apesar de oposta à lei da natureza e
ainda à velha doutrina de que nenhum vivente se pode converter em outro sem
corrupção, a mesma crença, já registrada, ainda que mais discretamente, por
Anchieta<sup>17</sup></span></span><a href="file://petrobras.biz/petrobras/UN-BC/UN-BC_ATP-BR-TVD_OP-P48_GEPLAT/NP-1/LV's/P5/Desarenadora/2023/Outubro/Vis%C3%A3o%20do%20Para%C3%ADso%20(Parte%20I).docx#17_12"><span style="mso-bookmark: 17_11;"></span></a><!--[if !supportNestedAnchors]--><a name="17_11"></a><!--[endif]--><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"> e Cardim<sup>18</sup></span></span><a href="file://petrobras.biz/petrobras/UN-BC/UN-BC_ATP-BR-TVD_OP-P48_GEPLAT/NP-1/LV's/P5/Desarenadora/2023/Outubro/Vis%C3%A3o%20do%20Para%C3%ADso%20(Parte%20I).docx#18_11"><span style="mso-bookmark: 18_10;"></span></a><!--[if !supportNestedAnchors]--><a name="18_10"></a><!--[endif]--><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">, teria em seu favor manifestas
aparências. Sabe-se, com efeito, de certas borboletas do Brasil, que são muitas
vezes vistas a esvoaçar junto aos beija-flores em busca do mesmo pasto, e
Wappaeus, que relembra essa circunstância, também alude ao caso do observador
que, em sua caça, atirava nelas cuidando ter apontado para estes pássaros<sup>19</sup></span></span><a href="file://petrobras.biz/petrobras/UN-BC/UN-BC_ATP-BR-TVD_OP-P48_GEPLAT/NP-1/LV's/P5/Desarenadora/2023/Outubro/Vis%C3%A3o%20do%20Para%C3%ADso%20(Parte%20I).docx#19_11"><span style="mso-bookmark: 19_10;"></span></a><!--[if !supportNestedAnchors]--><a name="19_10"></a><!--[endif]--><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">.”<o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"></span><a href="file://petrobras.biz/petrobras/UN-BC/UN-BC_ATP-BR-TVD_OP-P48_GEPLAT/NP-1/LV's/P5/Desarenadora/2023/Outubro/Vis%C3%A3o%20do%20Para%C3%ADso%20(Parte%20I).docx#14_12"><span style="mso-bookmark: 14_13;"></span></a><!--[if !supportNestedAnchors]--><a name="14_13"></a><!--[endif]--><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><sup><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">14</span></sup></span><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"> Frei Heitor PINTO, Imagem da Vida Cristã, I, pág. 77.<o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"></span><a href="file://petrobras.biz/petrobras/UN-BC/UN-BC_ATP-BR-TVD_OP-P48_GEPLAT/NP-1/LV's/P5/Desarenadora/2023/Outubro/Vis%C3%A3o%20do%20Para%C3%ADso%20(Parte%20I).docx#15_12"><span style="mso-bookmark: 15_13;"></span></a><!--[if !supportNestedAnchors]--><a name="15_13"></a><!--[endif]--><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><sup><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">15</span></sup></span><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"> Diogo do COUTO, O Soldado Prático, pág. 145.<o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"></span><a href="file://petrobras.biz/petrobras/UN-BC/UN-BC_ATP-BR-TVD_OP-P48_GEPLAT/NP-1/LV's/P5/Desarenadora/2023/Outubro/Vis%C3%A3o%20do%20Para%C3%ADso%20(Parte%20I).docx#16_12"><span style="mso-bookmark: 16_13;"></span></a><!--[if !supportNestedAnchors]--><a name="16_13"></a><!--[endif]--><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><sup><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">16</span></sup></span><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"> Simão de VASCONCELOS, Vida do P. Joam de Almeida da Companhia de Jesus
na Província do Brasil, pág. 236.<o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"></span><a href="file://petrobras.biz/petrobras/UN-BC/UN-BC_ATP-BR-TVD_OP-P48_GEPLAT/NP-1/LV's/P5/Desarenadora/2023/Outubro/Vis%C3%A3o%20do%20Para%C3%ADso%20(Parte%20I).docx#17_11"><span style="mso-bookmark: 17_12;"></span></a><!--[if !supportNestedAnchors]--><a name="17_12"></a><!--[endif]--><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><sup><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">17</span></sup></span><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"> Padre Joseph de ANCHIETA, S.J., Cartas, Informações, Fragmentos
Históricos e Sermões, pág. 124.<o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"></span><a href="file://petrobras.biz/petrobras/UN-BC/UN-BC_ATP-BR-TVD_OP-P48_GEPLAT/NP-1/LV's/P5/Desarenadora/2023/Outubro/Vis%C3%A3o%20do%20Para%C3%ADso%20(Parte%20I).docx#18_10"><span style="mso-bookmark: 18_11;"></span></a><!--[if !supportNestedAnchors]--><a name="18_11"></a><!--[endif]--><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><sup><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">18</span></sup></span><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"> Fernão CARDIM, Tratados da Terra e Gente do Brasil, pág. 52.<o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"></span><a href="file://petrobras.biz/petrobras/UN-BC/UN-BC_ATP-BR-TVD_OP-P48_GEPLAT/NP-1/LV's/P5/Desarenadora/2023/Outubro/Vis%C3%A3o%20do%20Para%C3%ADso%20(Parte%20I).docx#19_10"><span style="mso-bookmark: 19_11;"></span></a><!--[if !supportNestedAnchors]--><a name="19_11"></a><!--[endif]--><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><sup><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">19</span></sup></span><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 12.5pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"> Padre Joseph de ANCHIETA, Cartas, Informações etc., p. 140, n</span></span><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 12pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">.<o:p></o:p></span></span></p>Doneyhttp://www.blogger.com/profile/09476772224297324141noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1937976905822999004.post-63287498694199811422023-09-07T06:46:00.013-03:002023-09-14T18:08:15.327-03:00Fundação (01): Fundação, de Isaac Asimov<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">Editora</span></i><span style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">: Aleph<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt;"><i><span style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">ISBN</span></i><span style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">: 978-85-7657-197-1<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt;"><i><span style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">Tradução</span></i><span style="mso-bookmark: _Hlk144959563;"><span style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">: </span></span><span style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">Fábio Fernandes<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">Opinião</span></i><span style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">: </span><span face=""Segoe UI Symbol",sans-serif" style="color: black; font-size: 14pt; mso-bidi-font-family: "Segoe UI Symbol"; mso-themecolor: text1;">★★★☆☆</span><span style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">Páginas</span></i><span style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">: 299<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">Link para compra</span></i><span style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">: </span><a href="https://amzn.to/3LfkTVs"><span style="font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt;">Clique aqui</span></a><u><span style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;"><o:p></o:p></span></u></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><i><span style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">Sinopse</span></i><span style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">: Obra-prima de Isaac Asimov, a trilogia da <i>Fundação</i>
recebeu o histórico prêmio Hugo de Melhor série de ficção científica e fantasia
de todos os tempos.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">Baseada no
clássico <i>Declínio e queda do Império Romano</i>, de Edward Gibbon, a
trilogia sedimentou seu autor como um dos maiores escritores do gênero e
influenciou outras mentes geniais, como Carl Sagan, Steven Spielberg, George
Lucas, o nobel de economia Paul Krugman, Elon Musk.<o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">A humanidade está
em risco. Uma ciência revolucionária prevê uma longa e inevitável era de trevas
e barbárie. Para evitar que isso aconteça, o chamado plano Seldon é colocado em
prática ao longo de séculos, e percorre a história da galáxia, prevendo
conflitos de nossa civilização. Mas poderá o comportamento humano obedecer a um
padrão científico?<o:p></o:p></span></span></p>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><br /></div><br /><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiImSRXOCzizVoxr6l3xloWC-91xzLjl1_4CgWYB5zmJarpQ6TcShUx_7LAHdPAMKmHunM-MZoUKV6buwBlkyCZv69xJqqfLzhDiu9RLXLO7xss8Y3In68-2VUPd7z4LTTY_ML9NB-zFHXOofCpN_tKSLElFhnIXeNsSItwQFvlgsOCyCYyG7gTRacjgCg/s995/Trilogia%20Funda%C3%A7%C3%A3o%202.jpg" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="995" data-original-width="646" height="400" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiImSRXOCzizVoxr6l3xloWC-91xzLjl1_4CgWYB5zmJarpQ6TcShUx_7LAHdPAMKmHunM-MZoUKV6buwBlkyCZv69xJqqfLzhDiu9RLXLO7xss8Y3In68-2VUPd7z4LTTY_ML9NB-zFHXOofCpN_tKSLElFhnIXeNsSItwQFvlgsOCyCYyG7gTRacjgCg/w260-h400/Trilogia%20Funda%C3%A7%C3%A3o%202.jpg" width="260" /></a></div><p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><br /></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">“P. O senhor não considera sua
declaração como sendo desleal?<o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">R. Não, senhor. A verdade
científica está além de lealdade e deslealdade.”<o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">“– É mesmo? É uma bela de uma
alucinação, não é? Seu grupo aqui é um exemplo perfeito do que andou errado com
toda a galáxia por milhares de anos. Que espécie de ciência é ficar aqui, preso
por séculos, classificando a obra de cientistas do milênio passado? Vocês já
pensaram em trabalhar olhando para a frente, estendendo o conhecimento deles e
o aprimorando? Não! Vocês estão estagnados e felizes. Toda a Galáxia está assim
e sabe lá o espaço há quanto tempo. É por isso que a Periferia está se
revoltando; é por isso que as comunicações estão se deteriorando; é por isso
que guerras mesquinhas estão se tornando eternas; é por isso que sistemas
inteiros estão perdendo a energia nuclear e voltando a técnicas bárbaras da
energia química. Se vocês querem saber a minha opinião – ele gritou – <i>o
Império Galáctico está morrendo!</i>”<o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">“– Por que passar por todas as
cerimônias da audiência oficial do prefeito? Estou ficando muito velho para
toda pompa. Além do que, lisonjas são úteis quando você lida com jovens...
particularmente quando não se compromete com nada.”<o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">“– Suas opiniões são suas, é
claro. Mas o senhor ainda é muito jovem.<o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">– É um defeito do qual a maioria
das pessoas é culpada em algum momento de suas vidas – foi a resposta seca.”<o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">“– Agora é um pouco tarde para falar
de ameaças – Wienis havia olhado rapidamente para o relógio em sua mesa. –
Escute aqui, Hardin, você já esteve em Anacreon uma vez antes. Na época você
era jovem; ambos éramos jovens. Mas, mesmo então, já tínhamos maneiras
diferentes de olhar para as coisas. Você é o que chamam de homem de paz, não é?<o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">– Suponho que sim. Pelo menos,
considero a violência um meio não econômico de se atingir um objetivo. Existem
sempre melhores substitutos, embora eles possam ser um pouco menos diretos.<o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">– Sim. Já ouvi o seu famoso <i>slogan</i>:
“A violência é o último refúgio do incompetente”. E, no entanto – o regente
coçou uma orelha gentilmente numa abstração afetada –, eu não me chamaria
exatamente de incompetente.”<o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">“Não há mérito em disciplina sob
circunstâncias ideais. Ou eu a tenho em face da morte, ou ela é inútil.”<o:p></o:p></span></span></p>Doneyhttp://www.blogger.com/profile/09476772224297324141noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1937976905822999004.post-71045316699764348052023-09-07T06:36:00.002-03:002023-09-07T06:51:57.670-03:00O Leopardo, de Giuseppe Tomasi di Lampedusa <p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">Editora</span></i><span style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">: Companhia das Letras<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><i><span style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">ISBN</span></i><span style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">: 978-85-3592-890-7<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><i><span style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">Tradução</span></i><span style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;"> <i>e
posfácio</i>: Maurício Santana Dias<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">Opinião</span></i><span style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">: </span><span face=""Segoe UI Symbol",sans-serif" style="color: black; font-size: 14pt; mso-bidi-font-family: "Segoe UI Symbol"; mso-themecolor: text1;">★★★☆☆</span><span style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">Páginas</span></i><span style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">: 384<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">Link para compra</span></i><span style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">: </span><a href="https://amzn.to/3Z2fHtE"><span style="font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt;">Clique aqui</span></a><u><span style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;"><o:p></o:p></span></u></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><i><span style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">Sinopse</span></i><span style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">: Itália, anos 1860, Risorgimento. Os fragmentados estados
italianos estavam em um tormentoso processo de unificação, e o estabelecimento
de uma nova ordem se mostrava cada vez mais pungente. Ambientado num universo
intensamente melancólico e sensual e repleto de elementos de ironia e humor, <i>O
Leopardo</i> acompanha a história de Dom Fabrizio Salina e de sua decadente
família aristocrática siciliana – cujo brasão carrega inscrito o Leopardo que
dá nome ao livro –, ameaçados pelas forças revolucionárias e democráticas
durante os embates dessa transição. Nesse intrincado contexto, Salina precisa
decidir como encarar as novas mudanças que se impõem tanto em sua vida pública
como privada. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">Único romance do
escritor italiano, <i>O Leopardo</i> foi recusado por duas editoras e só veio a
ser publicado um ano depois da morte de Lampedusa, em 1958, quando ganhou
atenção da crítica e transformou-se num cultuado best-seller na Itália. Esta
edição tem tradução e posfácio de Maurício Santana Dias e inclui textos do
apêndice de Gioacchino Lanza Tomasi.</span></span><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p></o:p></span></span></p><p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;"><br /></span></span></p>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgwJnVwR825WCCg6ISjblnNltsx0QPXpSFcSkB5s-5XqsVn2wNtL9gS2HCuuwWqOvl0p1tgPOBF97ZsyTWAg4CtHeud8Q12xJfmRqqsF3R11TVIAlT6vQXIWIu5eZDJysrTA18wewETrf7jexQcNTiwTncowXXOMAj8a7mS7zs08BxFt6vru5uA_dBYrz0/s2560/O%20Leopardo.jpg" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="2560" data-original-width="1616" height="400" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgwJnVwR825WCCg6ISjblnNltsx0QPXpSFcSkB5s-5XqsVn2wNtL9gS2HCuuwWqOvl0p1tgPOBF97ZsyTWAg4CtHeud8Q12xJfmRqqsF3R11TVIAlT6vQXIWIu5eZDJysrTA18wewETrf7jexQcNTiwTncowXXOMAj8a7mS7zs08BxFt6vru5uA_dBYrz0/w253-h400/O%20Leopardo.jpg" width="253" /></a></div><p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><br /></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">“Porque morrer por alguém ou por
alguma coisa, tudo bem, é normal; mas é preciso saber ou, pelo menos, ter
certeza de que se sabe por quem ou por que se morreu.”<o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">“Se quisermos que tudo continue
como está, é preciso que tudo mude.”<o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">“Mais uma vez o Príncipe se viu
diante de um dos enigmas sicilianos. Nesta ilha secreta, onde as casas têm
trancas e os camponeses dizem desconhecer o caminho que leva ao povoado em que
vivem e que se avista bem ali, na colina, a dez minutos de estrada, nesta ilha,
malgrado o ostensivo luxo de mistério, a discrição é um mito.<o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Fez sinal para que Russo se
sentasse e o mirou fixo nos olhos: “Pietro, vamos falar de homem para homem,
você também está metido nessas aventuras?”. Metido não estava, respondeu, era
pai de família e esses riscos são coisa para jovens como o sr. Tancredi. “Eu
jamais esconderia algo de Vossa Excelência, que é como meu pai.” (No entanto,
três meses antes, havia escondido em seu depósito cento e cinquenta cestos de
limões do Príncipe, e sabia que o Príncipe sabia.) “Mas devo dizer que meu
coração está com eles, com esses rapazes valentes.” Ergueu-se para dar passagem
a Bendicò, que fazia a porta tremer sob seu ímpeto amistoso. Tornou a
sentar-se. “Vossa Excelência sabe, não é mais possível: buscas,
interrogatórios, papeladas para qualquer coisa, um policial em cada canto; um
cavalheiro não tem liberdade de cuidar do que é seu. Depois, em compensação,
teremos liberdade, segurança, taxas mais brandas, facilidades, comércio. Todos
estaremos melhor: só os padres vão perder. O Senhor protege os pobres coitados
como eu, não eles.” Dom Fabrizio sorria: sabia que era justo ele, Russo, que
desejava comprar Argivocale por meio de um intermediário. “Haverá dias de
tiroteio e confusão, mas a vila Salina continuará segura como uma rocha; Vossa
Excelência é nosso pai, e eu tenho muitos amigos aqui. Os Piemonteses vão
entrar com o chapéu na mão, só para reverenciar Vossas Excelências. Que aliás é
tio e tutor de Dom Tancredi!” O Príncipe sentiu-se humilhado: agora se via
rebaixado à categoria de protegido dos amigos de Russo; seu único mérito, ao
que parecia, era ser tio do moleque Tancredi. “Daqui a uma semana é capaz que
minha vida seja salva só porque tenho Bendicò em casa.” Afagava uma orelha do cão
entre os dedos com tanta força que o pobre animal gania, sem dúvida lisonjeado,
mas sofrendo. <o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Pouco depois, algumas palavras de
Russo lhe trouxeram certo alívio. “Tudo vai ser melhor, acredite em mim,
Excelência. Os homens honestos e capazes poderão tomar a dianteira. O resto
será como antes.” Essa gente, esses liberaizinhos rurais queriam um meio de se
aproveitar mais facilmente. Apenas isso. As andorinhas bateriam asas mais cedo,
e só. De resto, ainda havia muitas no ninho.<o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">“Talvez você tenha razão. Quem
sabe?” Agora havia penetrado todos os sentidos ocultos: as palavras enigmáticas
de Tancredi, as enfáticas de Ferrara, as falsas mas reveladoras de Russo tinham
franqueado seu reconfortante segredo. Muitas coisas ocorreriam, mas tudo seria
uma comédia, uma comédia barulhenta e romântica com algumas manchas de sangue
no figurino bufão. Este era o país das conciliações, não havia a fúria dos
franceses; de resto, mesmo na França, com a exceção do Junho de Quarenta e
Oito, quando acontecera algo de fato sério? Teve vontade de dizer a Russo, mas
a cortesia inata o deteve: “Entendi perfeitamente: vocês não querem destruir a
nós, que somos seus ‘pais’; querem apenas tomar nosso lugar. Com doçura, com
boas maneiras, quem sabe pondo em nossos bolsos uns milhares de ducados. É
assim? Seu sobrinho, meu caro Russo, vai acreditar sinceramente que é um barão;
e você se tornará, sei lá, o descendente de um boiardo moscovita, graças a seu
nome, e não o filho de um matuto de cabelo ruivo, como justamente seu nome
revela. Antes disso sua filha desposará um de nós, quem sabe até o próprio
Tancredi, com seus olhos azuis e suas mãos flexíveis. De resto, ela é linda, e
uma vez que tenha aprendido a se lavar… ‘Para que tudo continue como está.’
Como está, no fundo: simplesmente uma lenta substituição de classes. Minhas
chaves douradas de aristocrata de câmara, o cordão cereja de San Gennaro
ficarão guardados na gaveta e depois vão parar numa vitrine do filho de Paolo,
mas os Salina permanecerão os Salina; e talvez tenham até alguma compensação: o
Senado da Sardenha, a fita pistache de San Maurizio. Penduricalhos estes,
penduricalhos aqueles”.”<o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">““Não somos cegos, caro Padre,
somos apenas homens. Vivemos numa realidade movediça, à qual tentamos nos
adaptar assim como as algas se dobram sob o impulso do mar. À Santa Igreja a
imortalidade foi prometida explicitamente; a nós, como classe social, não. Para
nós, um paliativo que prometa durar cem anos equivale à eternidade. Podemos até
nos preocupar com nossos filhos, talvez com nossos netos; mas, para além do que
podemos acariciar com estas mãos, não temos compromissos; e eu não posso me
preocupar com os meus eventuais descendentes em 1960. A Igreja, sim, precisa
cuidar disso, porque está destinada a não morrer. Em seu desespero, o conforto
é implícito. E o senhor acredita que, se ela pudesse agora, ou no futuro,
salvar a si mesma com nosso sacrifício, não o faria? Claro que sim, e faria bem”.”<o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">“Despertado pelas primeiras luzes
do dia, imerso no suor e no fedor, não pôde deixar de comparar aquela viagem
asquerosa à sua vida, que de início avançara por planícies risonhas, depois
subira por íngremes montanhas, atravessara gargantas ameaçadoras para enfim
desembocar em intermináveis ondulações monocromáticas, desertas como o desespero.
Essas fantasias de manhã cedo eram o que de pior poderia acontecer a um homem
de meia-idade; e, embora Dom Fabrizio soubesse que se dissipariam com as
atividades do dia, sofria agudamente com isso, porque já era experiente o
bastante para saber que elas deixavam no fundo da alma um sedimento de luto
que, acumulando-se a cada dia, acabaria sendo a verdadeira causa da morte.”<o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">“O amor. Claro, o amor. Fogo e
labaredas por um ano, cinzas por trinta.”<o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">“A volúpia de gritar “a culpa é
sua!” é a mais forte que uma criatura humana possa gozar.”<o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">“Essas marchas no fio da navalha estavam
de todo suspensas para o momento, junto a outros pensamentos, no arcaísmo
perfumado do campo, se assim se podiam chamar os locais em que com tanta
frequência caçava. No termo “campo” está implícito um sentido de terra
transformada pelo trabalho: já o bosque, agarrado às encostas de uma colina,
encontra-se no mesmo estado de entrelaçamento aromático em que o haviam
encontrado Fenícios, Dórios e Jônios quando desembarcaram na Sicília, esta
América da Antiguidade. Dom Fabrizio e Tumeo subiam, desciam, escorregavam e
eram arranhados pelos espinhos tal e qual um Arquídamo ou um Filóstrato
qualquer se cansaram e se arranharam vinte e cinco séculos antes; viam as
mesmas árvores, o mesmo suor grudento banhava suas roupas, o mesmo indiferente
vento sem trégua, marinho, movia os mirtos e as giestas, disseminava o cheiro
do timo. As repentinas paradas pensativas dos cães e sua patética tensão à
espera da presa eram idênticas às dos dias em que, para a caça, se invocava
Ártemis. Reduzida a esses elementos essenciais, com o rosto lavado da maquiagem
das preocupações, a vida se mostrava sob um aspecto tolerável.”<o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">““A verdade, Excelência, é que
dom Calogero é muito rico, e muito influente também; é sovina (quando a filha
estava no colégio, ele e a esposa dividiam um ovo frito), mas sabe gastar
quando necessário; e, como cada <i>tarì</i> gasto no mundo acaba no bolso de
alguém, aconteceu que muita gente agora depende dele; mas é preciso reconhecer
que, quando ele é amigo, é amigo; cede sua terra a quatro meeiros e os
camponeses têm de suar sangue para pagar, mas um mês atrás emprestou cinquenta
onças a Pasquale Tripi, que o tinha ajudado no período do desembarque; e sem
juros, o que é o maior milagre que já se viu desde que Santa Rosalia acabou com
a peste em Palermo. De resto, é inteligente feito o diabo; Vossa Excelência
deveria ter visto o homem na primavera passada: corria para cima e para baixo
em todo o território feito um morcego, de carroça, montado em mula, a pé,
debaixo de sol ou de chuva; e por onde passava se formavam círculos secretos,
preparava-se o caminho para os que estavam por vir. Um castigo de Deus,
Excelência, um castigo de Deus! E só estamos vendo o início de sua carreira!
Daqui a uns meses vai ser deputado em Turim, e daqui a uns anos, quando os bens
da Igreja forem postos à venda na bacia das almas, ele vai arrematar os feudos
de Marca e de Masciddàro e se tornar o maior proprietário da província. Esse é
dom Calogero, Excelência, o homem novo como deve ser; mas é pena que deva ser
assim”.”<o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">“Aqueles foram os melhores dias
da vida de Tancredi e Angelica, vidas que depois seriam tão distintas, tão
pecaminosas sobre o fundo inevitável de dor. Mas eles no momento não o sabiam e
perseguiam um futuro que supunham mais concreto, embora depois se mostrasse
feito apenas de névoa e vento. Quando ficaram velhos e inutilmente sábios, seus
pensamentos costumavam retornar àqueles dias com um lamento insistente: tinham
sido os dias do desejo sempre presente porque sempre vencido, das muitas camas
que se haviam oferecido e foram recusadas, do estímulo sensual que, justo por
ter sido reprimido, num instante se sublimara em renúncia, isto é, em amor
verdadeiro. Aqueles dias foram a preparação para o casamento deles que, mesmo
no aspecto erótico, foi malsucedido; uma preparação que se conformou num
conjunto autônomo, delicioso e breve: como aquelas sinfonias que sobrevivem às
óperas esquecidas e que fazem referência, com uma graça velada de pudor, a
todas as árias que, na ópera, seriam desenvolvidas sem destreza, até o
fracasso.”<o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">“Na manhã seguinte, Tancredi e Cavriaghi
o levaram a passeio ao jardim, lhe mostraram a pinacoteca e a coleção de
tapeçarias; também deram uma volta com ele pelo vilarejo; sob o sol cor de mel
de novembro, tudo parecia menos sinistro que na noite anterior; depararam-se
até com alguns sorrisos, e Chevalley de Monterzuolo começou a se tranquilizar
em relação à Sicília rural. Tal fato foi notado por Tancredi, que logo se viu
assaltado pela comichão típica dos nativos da ilha em contar aos forasteiros
histórias assustadoras, infelizmente sempre verídicas. Passavam diante de um
bizarro palácio cuja fachada trazia relevos grosseiros. “Esta, meu caro
Chevalley, é a casa do barão Mùtolo; agora está vazia e fechada porque a
família mora em Agrigento desde que o filho do barão foi sequestrado por
bandoleiros, dez anos atrás.” O piemontês começava a tremer. “Coitado! Quem
sabe quanto precisou pagar para ser libertado!” “Não, o barão não pagou nada;
já estava em dificuldades financeiras, desprovido de dinheiro líquido, como
todos aqui. Ainda assim o rapaz foi restituído, mas em parcelas.” “Como assim,
Príncipe?” “Em parcelas, isso mesmo, em parcelas: pedaço por pedaço. Primeiro
chegou o indicador da mão direita. Depois de uma semana, o pé esquerdo e, por
fim, num belo cesto, sob uma camada de figos (era agosto), a cabeça; tinha os
olhos arregalados e sangue seco no canto dos lábios. Eu não vi nada disso, na
época era um menino; mas me disseram que o espetáculo não foi nada bonito. O
cesto foi deixado naquele degrau ali, o segundo em frente à porta, por uma
velha com um xale preto na cabeça: ninguém a reconheceu.” Os olhos de Chevalley
se contraíram de desgosto; já tinha ouvido sobre aquele caso, mas agora, ver
sob esse belo sol o degrau onde fora depositada a oferenda insólita, era outra
coisa. Sua alma de funcionário o socorreu: “Que polícia incompetente a dos
Bourbon. Em breve, quando nossos policiais estiverem aqui, tudo isso vai
acabar”. “Sem dúvida, Chevalley, sem dúvida.”<o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Passaram então na frente do Clube
dos Civis, que, à sombra dos plátanos da praça, fazia sua exposição cotidiana
de cadeiras de ferro e de homens enlutados. Cumprimentos, sorrisos. “Observe-os
bem, Chevalley, guarde a cena na memória: umas duas vezes por ano, um desses
senhores é fulminado na sua poltroninha; um tiro disparado na luz incerta do
pôr do sol; e ninguém nunca sabe quem foi que atirou.” Chevalley precisou se
apoiar no braço de Cavriaghi para sentir perto de si um pouco de sangue
continental.<o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Logo em seguida, no topo de uma
estradinha íngreme, em meio às guirlandas multicoloridas das roupas de baixo a
secar, despontou uma igrejinha ingenuamente barroca. “Aquela é Santa Ninfa.
Cinco anos atrás o pároco foi assassinado ali dentro enquanto celebrava a
missa.” “Que horror! Tiros numa igreja!” “Tiros coisa nenhuma, Chevalley! Somos
muito bons católicos para fazer grosserias desse tipo. Simplesmente puseram
veneno no vinho da Comunhão; é mais discreto, quero dizer, mais litúrgico.
Nunca se soube quem fez isso: o pároco era uma ótima pessoa e não tinha
inimigos.”<o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Assim como um homem que,
despertando no meio da noite, vê um espectro sentado em sua cama, sobre seus
pés, e se salva do terror tentando acreditar que tudo não passa de uma peça de
amigos brincalhões, do mesmo modo Chevalley refugiou-se na crença de estar
sendo zombado: “Muito engraçado, Príncipe, realmente espirituoso! O senhor
deveria escrever romances, conta tão bem essas lorotas!”. Mas sua voz tremia;
Tancredi sentiu pena dele e, embora na volta para casa tenham passado diante de
três ou quatro locais igualmente evocativos ou mais, absteve-se de atuar como
cronista e falou de Bellini e Verdi, as eternas pomadas curativas das chagas
nacionais.”<o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">“Na Sicília, não importa fazer o
mal ou o bem: o pecado que nós, sicilianos, nunca perdoamos é simplesmente o de
‘fazer’. Somos antigos, Chevalley, muito, muito antigos. Faz pelo menos vinte e
cinco séculos que carregamos nos ombros o peso de magníficas civilizações
heterogêneas, todas vindas de fora já completas e aperfeiçoadas, nenhuma
germinada de nós mesmos, nenhuma à qual tenhamos dado a afinação; somos brancos
assim como o senhor, Chevalley, e tanto quanto a rainha da Inglaterra; no
entanto, há dois mil e quinhentos anos somos colônia. Não digo isso para me
lamentar: em grande parte é culpa nossa, mas mesmo assim estamos exaustos e
esgotados”. (...)<o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">“O senhor me falava há pouco de
uma jovem Sicília que se abre às maravilhas do mundo moderno; a meu ver,
parece-me bem mais uma velha centenária arrastada numa cadeira de rodas à
Exposição Universal de Londres, que não compreende nada, não se importa com
nada, nem com as aciarias de Sheffield nem com as tecelagens de Manchester, e
que só anseia voltar a cochilar entre seus travesseiros babados e o urinol
debaixo da cama”.<o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Ainda falava em tom baixo, mas a
mão em torno do San Pietro já se contraía; no dia seguinte, constatou-se que a
pequena cruz acima da cúpula estava quebrada. “O sono, caro Chevalley, o que os
sicilianos querem é o sono, e eles sempre odiarão quem os quiser despertar,
ainda que seja para lhes dar os mais belos presentes; e, cá entre nós, tenho
minhas dúvidas de que o novo reino traga muitos presentes para nós na bagagem.
Todas as manifestações sicilianas são oníricas, até as mais violentas: nossa
sensualidade é desejo de esquecimento, nossos tiroteios e facadas, desejo de
morte; desejo de imobilidade voluptuosa, isto é, ainda de morte, nossa
preguiça, nossos sorvetes de salsifi-negro ou de canela; nosso ar meditativo é
o do vazio que quer perscrutar os enigmas do nirvana. Disso deriva a
prepotência de certas pessoas entre nós, dos que estão semiacordados; daí o
famoso atraso de um século das manifestações artísticas e intelectuais
sicilianas; as novidades só nos atraem quando sentimos que estão mortas, incapazes
de dar lugar a correntes vitais; daí o inacreditável fenômeno da formação
atual, contemporânea a nós, de mitos que seriam veneráveis se fossem antigos de
verdade, mas que não passam de tentativas sinistras de mergulhar de novo num
passado que nos atrai justamente porque está morto”.<o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Nem tudo era compreendido pelo
bom Chevalley; sobretudo a última frase lhe parecia obscura: tinha visto as
carroças coloridas puxadas por cavalos paramentados e desnutridos, tinha ouvido
falar do teatro de marionetes cavaleirescas, mas acreditava que fossem velhas
tradições autênticas. Disse: “Mas o senhor não acha que está exagerando um
pouco, Príncipe? Eu mesmo conheci em Turim alguns sicilianos emigrados… Crispi,
para mencionar apenas um… que me pareceram o oposto de dorminhocos”.<o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">O Príncipe se irritou: “Somos
muitos, é evidente que há exceções; de resto, já mencionei nossos
semiacordados. Quanto a esse jovem Crispi, decerto não eu, mas talvez o senhor
mesmo possa observar que, quando velho, ele recairá em nosso devaneio voluptuoso:
todos fazem isso. Por outro lado, vejo que me expliquei mal: disse os
sicilianos, mas deveria ter acrescentado a Sicília, o ambiente, o clima, a
paisagem. Estas são as forças que, juntas, e talvez mais que o domínio
estrangeiro e as violações incongruentes, lhe formaram o espírito: esta
paisagem que ignora os meios-termos entre a malemolência lasciva e a aspereza
amaldiçoada; que nunca é mesquinha, prosaica, relaxante, humana, como deveria
ser um espaço feito para acolher seres racionais; este lugar que, a poucas
milhas de distância, tem o inferno em torno de Randazzo e a beleza da baía de
Taormina, ambos desmedidos e, portanto, perigosos; este clima que nos inflige
seis meses de uma febre de quarenta graus; pode contá-los, Chevalley, pode
contá-los: maio, junho, julho, agosto, setembro, outubro; seis vezes trinta
dias de sol a pino nas cabeças; este nosso verão tão longo e terrível quanto o
inverno russo, e contra o qual se luta com menos sucesso; o senhor ainda não
sabe, mas pode-se dizer que aqui neva fogo, como nas cidades amaldiçoadas da
Bíblia; em cada um desses meses, se um siciliano trabalhasse a sério,
consumiria força suficiente para três; além disso, a água ou não existe, ou é
preciso trazê-la de tão longe que cada gota se paga com uma gota de suor; e
ainda temos as chuvas sempre tempestuosas, que fazem delirar as torrentes
secas, que afogam animais e homens exatamente onde uma semana antes ambos
morriam de sede. Essa violência da paisagem, essa crueldade do clima, essa
tensão contínua em cada coisa, até esses monumentos do passado, magníficos mas
incompreensíveis porque não foram construídos por nós, que estão à nossa volta
como extraordinários fantasmas mudos; todos esses governos, desembarcados em
armas vindos sabe-se lá de onde, imediatamente servidos, logo detestados e
sempre incompreendidos, que só se expressaram por meio de obras de arte
enigmáticas para nós e de concretos coletores de impostos gastos depois em
outros lugares; tudo isso formou nosso caráter, que assim permanece condicionado
por fatalidades exteriores e por uma assombrosa insularidade da alma”.”<o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">“Quem segue a própria estrada
está sempre certo, contanto que não cometa torpezas.”<o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">““Se você, dom Pietrino, não
estivesse dormindo neste momento, com certeza me diria, enfático, que os
senhores fazem mal em cultivar esse desprezo pelos outros, e que todos nós,
sujeitos da mesma forma à dupla servidão do amor e da morte, somos iguais
perante o Criador; e eu só poderia lhe dar razão. Mas acrescentaria que não é
justo acusar de desprezo apenas os ‘senhores’, já que esse é um vício
universal. Quem ensina na Universidade despreza o pobre professor das escolas
paroquiais, ainda que não o demonstre; e já que o senhor está dormindo posso
lhe dizer sem meios-termos que nós, sacerdotes, nos consideramos superiores aos
leigos, nós, Jesuítas, superiores ao resto do clero, assim como vocês,
boticários, desprezam os tira-dentes, que por sua vez debocham de vocês; já os
médicos zombam dos tira-dentes e dos boticários e são por seu turno tratados
como asnos pelos doentes que pretendem continuar vivendo com o coração e o
fígado em frangalhos. Para os juízes, os advogados não passam de importunos que
buscam procrastinar o funcionamento das leis; por outro lado, a literatura
transborda de sátiras contra a pomposidade, a indolência e às vezes até coisa
pior desses mesmos magistrados. Os únicos que são desprezados até por seus
pares são os camponeses; quando aprenderem a debochar de outros, o círculo se
fechará e será preciso começar tudo de novo.”<o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">“Toda vez que se encontra um
parente, se encontra um espinho.”<o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">“Aqui, na Itália, nunca se
exagera o bastante em matéria de sentimentalismo e afagos: são os argumentos
políticos mais eficazes que temos.”<o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">“<a name="Top_of_Leopardo_12_xhtml"></a><span style="mso-bookmark: Top_of_Leopardo_12_xhtml;">Dom Fabrizio conhecia desde
sempre aquela sensação. Havia décadas sentia como se a seiva vital, a faculdade
de existir, enfim, a vida e talvez até a vontade de continuar vivendo saíssem
dele lenta mas continuamente, como os grãozinhos que se juntam e caem em fila
um a um, sem pressa e sem trégua, pelo estreito orifício de uma ampulheta. Em
alguns momentos de atividade intensa e grande concentração, esse sentimento de
contínuo abandono desaparecia para reapresentar-se, impassível, à mais breve
ocasião de silêncio ou introspecção, como um rumor ininterrupto no ouvido, como
as batidas de um pêndulo se impõem quando todo o resto se cala — e assim nos
dão a certeza de que sempre estiveram ali, vigilantes, mesmo quando não as
ouvíamos.</span><o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Em todos os outros momentos,
bastava-lhe um mínimo de atenção para notar o chiado dos grãos de areia se
esvaindo de leve, os átimos de tempo escapando de sua vida e o abandonando para
sempre; a sensação, de resto, não estava ligada a nenhum mal-estar, ao
contrário, essa imperceptível perda de vitalidade era a prova, a condição, por
assim dizer, da sensação vital; e para ele, habituado a perscrutar espaços
exteriores ilimitados, a indagar vastíssimos abismos interiores, isso não era
nada desagradável; era a percepção de um contínuo e minúsculo desmantelo da
personalidade, porém associado a um vago presságio de reedificação, noutro
lugar, de uma individualidade (graças a Deus) menos consciente, porém mais
ampla; aqueles grãozinhos de areia não se perderiam: desapareceriam, sim, mas
se acumulariam quem sabe onde para testar uma construção mais duradoura. Mas
construção — refletiu — não era a palavra exata, era muito pesada; tampouco
grãos de areia: eram mais como partículas de vapor aquoso que emanassem de um
pântano estreito e subissem ao céu para formar grandes nuvens, leves e livres.
Às vezes ele se surpreendia que o reservatório vital ainda pudesse conter algo
depois de tantos anos de perdas. “Nem se fosse grande como uma pirâmide.”
Noutras, mais frequentes, se orgulhava de ser quase o único a perceber essa
fuga incessante, enquanto à sua volta ninguém parecia sentir o mesmo; e disso
extraiu motivo para desprezar os demais, assim como o velho soldado despreza o
recruta que se ilude pensando que as balas a zunir ao redor são varejeiras inócuas.
São coisas que, não se sabe bem por qual razão, não se confessam; deixa-se que
os outros as intuam, e ninguém à volta dele jamais as intuíra, nenhuma das
filhas que sonhavam um além-túmulo idêntico a esta vida, repleto de
magistraturas, chefes de cozinha, conventos e relojoeiros, de tudo; nem mesmo
Stella, que, devorada pela gangrena da diabetes, se agarrara mesquinhamente a
essa existência de sofrimentos. Talvez apenas Tancredi, por um instante, o
compreendera quando lhe dissera com sua pungente ironia: “Você, tiozão, está
seduzindo a morte”. Agora a sedução terminara: a beldade havia dado seu sim, a
fuga estava decidida, o compartimento no trem, reservado.”</span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">“Pois o significado de uma
linhagem nobre consiste inteiramente nas tradições, nas recordações vitais; e
ele era o último a possuir recordações incomuns, distintas das de outras
famílias. Fabrizietto teria recordações banais, idênticas às de seus colegas de
ginásio, recordações de merendas econômicas, de brincadeirinhas malvadas com os
professores, de cavalos adquiridos com o olho mais no preço que em suas
qualidades; e o significado do nome se transformaria em pompa vazia, sempre
amargurada pela ameaça de que outros pudessem sobrepujá-la. Ocorreria a caçada
a um casamento rico quando isso já teria se tornado uma <i>routine</i>
ordinária, e não mais uma aventura audaciosa e predatória como fora a de
Tancredi. As tapeçarias de Donnafugata, os amendoais de Ragattisi, quem sabe
até a fonte de Anfitrite, coisas delicadas e vagas que eram, teriam a sorte
grotesca de ser metamorfoseados em terrinas de <i>foie gras</i> logo digeridas
e em mulherzinhas de <i>Bataclan</i> mais efêmeras que seus batons. E dele
restaria apenas a lembrança de um avô velho e colérico que se arrebentara numa
tarde de julho, justo a tempo de impedir o rapaz de sair em férias para as
praias de Livorno. Ele mesmo dissera que os Salina seriam sempre os Salina.
Havia errado. O último era ele. Garibaldi, aquele Vulcano barbudo, no fim das contas
vencera.”<o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">“Mais com o gesto que com a voz,
disse: “Saiam! Saiam!”. Queria se confessar. As coisas se fazem ou não se
fazem. Todos se retiraram, mas, quando precisou falar, se deu conta de que não
tinha muito a dizer: recordava alguns pecados específicos, mas lhe pareciam tão
mesquinhos que realmente não valia a pena ter importunado um digno sacerdote
naquele dia tórrido. Não que se sentisse inocente: mas era toda a vida que era
culpada, não este ou aquele fato determinado; há um só pecado verdadeiro, o
pecado original; e ele não tinha mais tempo de confessá-lo.”<o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">“A conversa prosseguiu por algum
tempo, mas não se pode dizer que dela Concetta tivesse participado muito. A
revelação repentina penetrou em sua mente com lentidão, mas a princípio não a
fez sofrer demasiado. Porém, quando as visitas se despediram e foram embora, e
ela se viu só, começou a perceber com mais clareza e então a sofrer mais. Os
fantasmas do passado tinham sido exorcizados havia anos; é lógico que se
encontravam ocultos em tudo, e eram eles que conferiam amargor à comida, e
tédio às companhias; mas seu verdadeiro rosto não se mostrava fazia muito
tempo; agora saltava para fora envolto na comicidade fúnebre dos problemas
irreparáveis. Decerto seria absurdo dizer que Concetta ainda amasse Tancredi; a
eternidade amorosa dura poucos anos, não cinquenta; mas, assim como uma pessoa
curada de uma varíola que a acometeu cinquenta anos antes ainda traz suas
marcas no rosto, embora possa ter esquecido o tormento do mal, ela trazia em
sua vida atual, oprimida, as cicatrizes de uma desilusão já quase histórica,
aliás, histórica a ponto de celebrar oficialmente seu meio século. Mas até
hoje, quando raras vezes ela repensava o que acontecera em Donnafugata naquele
distante verão, sentia-se amparada por um senso de martírio sofrido, de erro
cometido contra si; pela animosidade em relação ao pai, que a sacrificara; por
um sentimento devastador diante do outro morto — esses sentimentos derivados,
que haviam constituído o esqueleto de seu modo de pensar, também se desfaziam;
não houvera inimigos, mas uma só adversária, ela mesma; seu futuro tinha sido
destruído por sua própria imprudência, pelo ímpeto raivoso dos Salina; agora,
justo no momento em que depois de décadas as recordações voltavam a ganhar
vida, lhe faltava a consolação de poder atribuir sua infelicidade aos outros,
consolação que é o último filtro enganoso dos desesperados.”<o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="mso-bookmark: _Hlk132110989;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">“Mas seria esta, de fato, a
verdade? Em nenhum lugar como na Sicília a verdade tem vida tão breve: o fato
ocorreu há cinco minutos, e já seu núcleo genuíno sumiu, camuflado, embelezado,
desfigurado, oprimido, aniquilado pela fantasia e pelos interesses; o pudor, o
medo, a generosidade, o mau humor, o oportunismo, a caridade, todas as paixões,
tanto as boas quanto as más, se precipitam sobre o fato e o fazem em pedaços;
num instante ele desaparece. E a pobre Concetta queria encontrar a verdade de
sentimentos não expressos, mas apenas entrevistos meio século atrás! A verdade
não existia mais; sua precariedade fora substituída pela irrefutabilidade da
pena.”<o:p></o:p></span></span></p>Doneyhttp://www.blogger.com/profile/09476772224297324141noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1937976905822999004.post-73072388923812116312023-08-18T10:47:00.005-03:002023-08-18T22:32:52.727-03:00Cartas a Legba: um texto encontrado, de Susan Willis (org.)<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">Editora</span></i><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">: Boitempo<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><i><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">ISBN</span></i><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-style: italic; mso-themecolor: text1;">: 978-85-7559-113-0<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">Opinião</span></i><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">: </span><span face=""Segoe UI Symbol","sans-serif"" style="color: black; font-size: 14pt; mso-bidi-font-family: "Segoe UI Symbol"; mso-fareast-font-family: "MS Mincho"; mso-themecolor: text1;">★★★☆☆</span><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-themecolor: text1;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">Páginas</span></i><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">: 306<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">Link para
compra</span></i><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">: </span><a href="https://amzn.to/3E23aNe"><span style="font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt;">Clique aqui</span></a><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><i><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">Sinopse</span></i><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">: Um
misterioso pacote de cartas entregue à escritora Susan Willis é o ponto de
partida deste livro que, por meio da reprodução dessas cartas, conta a história
de um relacionamento amoroso. Susan se apaixonou pela prosa da Bela Adormecida –
pseudônimo utilizado pela autora das cartas, cuja identidade é desconhecida – e
mergulhou fundo em seus múltiplos significados. O resultado desse arrebatamento
é o surpreendente <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Cartas a Legba</i>.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">Carregadas de desejo, as cartas desenvolvem em tom de
fábula a trajetória do amor entre Bela e Legba, seu amante e destinatário.
Ousadas e provocativas, as cartas desafiam o receptor, o censuram e o elogiam,
terminando sempre com um convidativo ‘a seguir’, que instiga a leitura da carta
seguinte. Bela registra os acontecimentos de sua vida, entremeando-os com
relatos de seus sentimentos. Dessa forma, não se furta a dividir com o amante
aspectos de seu cotidiano, como o trabalho e as mudanças de estação. A aparente
simplicidade de sua fábula encobre a complexidade de sentimentos e
subjetividades presentes nas cartas. A autora se apresenta como uma mulher
multifacetada, capaz de encarnar vários papéis e nada inocente.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">O posfácio do livro, escrito por Maria Elisa Cevasco,
traduz os sentimentos de Bela e gera uma identificação imediata com o público
leitor, especialmente o feminino. Quem nunca tentou dar sentido à experiência
do amor, entendê-la, recontá-la? Para Maria Elisa, além da história, sobressai
nas cartas ‘a dor enorme de dizer e, ao dizer, limitar e negar’. A coragem de
Bela está em assumir de forma escancarada seus desejos. Nesse sentido, <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Cartas a Legba</i> cumpre um papel
emancipador. Sua beleza está, nas palavras de Maria Elisa, em empreender a ‘tarefa
necessária e impossível de tentar explicar o que se recusa a ser contido por
palavras’.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;"><br /></span></p>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiZ9ywPnIOqoyf-rn1ZCTzgdQ93aKDwOlnzPya2y4YqvqxhYSYfDasoIoIjmzUMC7oz_FoO1D4XxarEWlhnz3aRucQpHTUSnQ5WkTexDYIRn1adOpBtRmgPFd9EFMaptl3tq4-nciVOqRIuMxBBeYECqbazRTtBz4qPN1-v4HYTRON_aZIasSEAqwJtWeI/s1235/Cartas%20a%20Legba.jpg" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1235" data-original-width="830" height="400" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiZ9ywPnIOqoyf-rn1ZCTzgdQ93aKDwOlnzPya2y4YqvqxhYSYfDasoIoIjmzUMC7oz_FoO1D4XxarEWlhnz3aRucQpHTUSnQ5WkTexDYIRn1adOpBtRmgPFd9EFMaptl3tq4-nciVOqRIuMxBBeYECqbazRTtBz4qPN1-v4HYTRON_aZIasSEAqwJtWeI/w269-h400/Cartas%20a%20Legba.jpg" width="269" /></a></div><p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><br /></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">“A origem destas cartas está envolta em
mistério. Basta dizer que uma pessoa amiga entregou-as a mim. É possível que
soubesse de minhas tendências anacrônicas: não uso correio eletrônico:
portanto, era fatal que essas cartas, escritas à mão e estruturadas como
poemas, me fascinariam.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">De fato, adoro cartas – que chamo de correio
real –, pois elas transformam a correspondência em algo concreto. A página
dobrada em um envelope e enviada para longe – para ser aberta, manuseada, lida,
talvez guardada para sempre –, a carta estabelece uma ligação física entre duas
pessoas. Inscrita de imediato em um sistema real de troca que diminui a
distância a separar quem escreve de quem lê, uma carta é também um veículo de
troca simbólica, que, em um passe de mágica, faz desaparecer o tempo que separa
a escrita e a leitura, o envio e o recebimento. Enquanto a carta eletrônica dilui
a dor da separação, deslocando tempo e distância para o espaço virtual, a carta
física enlaça a dor e a alegria, justamente porque ela é o talismã
contraditório de uma separação e da sua negação.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">Uma carta apresenta-se como prova tangível,
incontroversa, dos sentimentos e dos pensamentos de quem a escreve. Mas é também
testemunho de enorme reserva de ideias e de desejos, que vão morrer com quem
escreve, sem deixar nenhum traço. A brevidade de uma carta funciona como um
criptograma de tudo o que é pensado, mas jamais escrito. Assim, a materialidade
da carta fala de silêncios e ausências. Penso, por exemplo, no pacote de cartas
que encontrei, escritas por minha mãe ao homem que viria a ser seu marido. Suas
palavras eram esparsas e eficientes, excluindo qualquer tipo de sentimento. E,
no entanto, meu pai as guardou e mais tarde as devolveu a minha mãe, como
testemunhos de um amor que permanece não dito.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">Não se trata de afirmar que as cartas
necessariamente dizem verdades. Muitas veiculam significados parciais, ou mesmo
distorcidos, evidenciando todas as emoções contraditórias e mal resolvidas que
afloraram em nossas melhores tentativas de expressão. Ao escrever, encontramos
modos de desviar do que é difícil de se evitar, ou de se dizer. A solução mais
rasteira para uma verdade de mau jeito é uma mentira deslavada. Aposto que
algumas cartas utilizam o caráter de evidência da escrita para cobrir com uma
pátina de verdade a falsidade. Mas a maioria das cartas escritas sob o peso de
uma bagagem de emoções trata de lidar com a verdade de forma muito mais
complicada, na qual a escritora torna-se uma forma de apagamento. O que é
escrito pode não mentir, mas oculta a verdade. Como nos sonhos, nossas cartas podem
fazer referência oblíqua a verdades que deveriam permanecer não ditas.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">As cartas podem também ser mal entendidas,
uma prova da bagagem emocional que o receptor adiciona à carta. Na verdade, ler
uma carta é muito mais complicado do que escrevê-la. Cada palavra nos leva a
evocar um silêncio. As frases convidam a negociar apagamentos. Ao ler,
construímos significados consistentes com nossas próprias esperanças e medos,
em especial com aqueles que mal percebemos. Uma carta jamais é o que parece e
sempre é mais do que é.” (Prefácio de Susan Willis)<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">“Toda carta é um risco, tanto em termos
factuais quanto de seu significado. Será que a carta que escrevi será enviada
(ou ficará guardada na minha gaveta)? Chegará a seu destino (ou ficará perdida,
ou será interceptada no acaso do trânsito)? Será aberta (ou será jogada no lixo
por um receptor enraivecido ou mesmo indiferente)? Minha carta será guardada? E
se for, será como um tesouro ou meramente arquivada? E, aí, o jogo fatal: minha
carta será encontrada? E se for, por quem? Quais serão, então, as consequências?
Tenho certeza de que não sou a única esposa que, procurando selos na
escrivaninha do marido, acabou encontrando uma carta de amor. Como foi
divertido encontrá-la, que deliciosa a enorme curiosidade de ler, como me senti
superior ao ver as linhas patéticas, cheias de carinho. Certamente eu poderia
redigir algo mil vezes melhor, embora escrever cartas de amor para o marido
seja algo que as esposas nunca fazem. Um amor feito de certezas não se
confessa.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">Ainda que seja um objeto, a carta guarda a
característica especial de não ser uma mercadoria, a menos que tenha o azar de
ter sido escrita por uma pessoa famosa e, depois, vendida em leilão. As cartas apresentam
a matéria-prima do pensamento trabalhada em uma forma física, e enviada a outra
pessoa, em um processo no qual a produção e a troca não geram lucro. O capitalismo
não é a economia das cartas. Falta-lhe o ofuscamento da mediação e da
abstração, sua economia é muito mais brutal e direta. Trata-se de uma forma econômica
semelhante à dos jogos de azar, que nos pede que arrisquemos uma parte de nós
mesmos cada vez que escrevemos. Apostamos nosso futuro no resultado de nossas
palavras. Uma carta pode não gerar lucros, mas seu custo pode ser muito alto.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">Quando recebemos uma carta, fazemos o jogo de
sua economia. Ler uma carta é confiscar significados. Só os leitores simplistas
aceitam as palavras pelo seu valor nominal. Assim, negociamos o custo da
escrita da carta pelo preço da nossa interpretação. (Prefácio de Susan Willis)<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">“<i style="mso-bidi-font-style: normal;">dia
cinzento, monótono<o:p></o:p></i></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">aqui em paris retomo minha história<o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">ainda no momento em que a Bela lê o texto de Legba<o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">Gata mimada,<o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">a Bela tem prazer com o texto de Legba<o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">mais instintual<o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10.0pt; margin-left: 35.4pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; margin: 0cm 0cm 10pt 35.4pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">que intelectual<o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">ela esquadrinha as páginas<o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">fareja as palavras<o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">e condescende em saborear as mais belas de todas<o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">Horas depois<o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">enrosca-se<o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">e adormece com o livro<o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">contente de respirar<o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">os levíssimos traços<o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">do feiticeiro impregnados nas páginas<o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">Ao despertar<o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">retoma o livro<o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">Mas dessa vez ela começa a refletir sobre as palavras<o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">abre o cérebro para aí gravar o sentido da escrita<o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">com a sagacidade inesperada<o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10.0pt; margin-left: 35.4pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; margin: 0cm 0cm 10pt 35.4pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">ela descobre a base da
magia de seu amante<o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">vê que ele constrói um discurso<o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10.0pt; margin-left: 35.4pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; margin: 0cm 0cm 10pt 35.4pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">como uma joia perfeita<o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10.0pt; margin-left: 35.4pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; margin: 0cm 0cm 10pt 35.4pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">uma safira<o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10.0pt; margin-left: 35.4pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; margin: 0cm 0cm 10pt 35.4pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">que maravilha a leitora<o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10.0pt; margin-left: 35.4pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; margin: 0cm 0cm 10pt 35.4pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">com uma lógica hipnótica<o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">ler é entrar num sistema fechado<o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">para ativar o poder de Legba em termos determinados<o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10.0pt; margin-left: 35.4pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; margin: 0cm 0cm 10pt 35.4pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">pelo próprio feiticeiro<o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10.0pt; margin-left: 35.4pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; margin: 0cm 0cm 10pt 35.4pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">Aterrorizada,<o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">a Bela fecha o livro –<o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">unir-se ao feiticeiro no plano da palavra é<o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10.0pt; margin-left: 35.4pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; margin: 0cm 0cm 10pt 35.4pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">mais perigoso<o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10.0pt; margin-left: 35.4pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; margin: 0cm 0cm 10pt 35.4pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">que se unir a ele no amor<o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">Reencontrando seu orgulho,<o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">a Bela olha o livro<o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">agora como um desafio<o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">Mais obstinada que corajosa,<o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">ela abre novamente o livro<o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">e, para expulsar os espíritos do vodu,<o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">lê em voz alta<o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">na sua própria voz ela ouve<o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10.0pt; margin-left: 35.4pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; margin: 0cm 0cm 10pt 35.4pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">as palavras de Legba<o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">na sua própria voz ela escuta<o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10.0pt; margin-left: 35.4pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; margin: 0cm 0cm 10pt 35.4pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">a descrição do hotel em
Porterville<o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10.0pt; margin-left: 35.4pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; margin: 0cm 0cm 10pt 35.4pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">todas as janelas abertas<o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10.0pt; margin-left: 35.4pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; margin: 0cm 0cm 10pt 35.4pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">todos os quartos vazios<o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10.0pt; margin-left: 35.4pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; margin: 0cm 0cm 10pt 35.4pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">todas as televisões ligadas<o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10.0pt; margin-left: 35.4pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; margin: 0cm 0cm 10pt 35.4pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">De súbito<o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">a Bela se dá conta<o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">de que já ouvira as mesmas palavras<o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10.0pt; margin-left: 35.4pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; margin: 0cm 0cm 10pt 35.4pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">antes que fossem escritas<o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">ela as ouvira<o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10.0pt; margin-left: 35.4pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; margin: 0cm 0cm 10pt 35.4pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">sussurradas<o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10.0pt; margin-left: 35.4pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; margin: 0cm 0cm 10pt 35.4pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">ao ouvido<o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10.0pt; margin-left: 35.4pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; margin: 0cm 0cm 10pt 35.4pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">nas noites de amor<o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10.0pt; margin-left: 35.4pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; margin: 0cm 0cm 10pt 35.4pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">quando Legba a tomava em
seu leito<o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10.0pt; margin-left: 35.4pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; margin: 0cm 0cm 10pt 35.4pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">para aí misturar<o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10.0pt; margin-left: 35.4pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; margin: 0cm 0cm 10pt 35.4pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">o desejo com seus contos
fabulosos<o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10.0pt; margin-left: 35.4pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; margin: 0cm 0cm 10pt 35.4pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">Enraivecida, transtornada,<o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">a Bela fecha o livro<o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">sente-se traída<o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">seu amante recolheu e publicou os contos<o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">que ela aceitara como presentes<o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10.0pt; margin-left: 35.4pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; margin: 0cm 0cm 10pt 35.4pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">como joias<o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10.0pt; margin-left: 35.4pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; margin: 0cm 0cm 10pt 35.4pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">oferecidas expressamente a
ela<o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10.0pt; margin-left: 35.4pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; margin: 0cm 0cm 10pt 35.4pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">Perdida numa torrente de sentimentos<o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10.0pt; margin-left: 35.4pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; margin: 0cm 0cm 10pt 35.4pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">tão coléricos<o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10.0pt; margin-left: 35.4pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; margin: 0cm 0cm 10pt 35.4pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">quanto caóticos<o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">a Bela luta contra sua tendência bruja<o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">Para poder ainda refletir<o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10.0pt; margin-left: 35.4pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; margin: 0cm 0cm 10pt 35.4pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">sobre o feiticeiro<o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10.0pt; margin-left: 35.4pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; margin: 0cm 0cm 10pt 35.4pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">e sobre seu livro<o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10.0pt; margin-left: 70.8pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; margin: 0cm 0cm 10pt 70.8pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">... onde as palavras
ouvidas na clandestinidade<o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10.0pt; margin-left: 106.2pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; margin: 0cm 0cm 10pt 106.2pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">se transformaram<o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10.0pt; margin-left: 106.2pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; margin: 0cm 0cm 10pt 106.2pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">em uma forma acessível<o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10.0pt; margin-left: 141.6pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; margin: 0cm 0cm 10pt 141.6pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">a olhos inumeráveis</span></i><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">“As escolhas são todas mortais.”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">“<i style="mso-bidi-font-style: normal;">como o
uróboro<o:p></o:p></i></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">dragão mítico que engole a própria cauda<o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">para metaforizar a circularidade do tempo<o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">também a sequência das cartas escritas a Legba<o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">encerra a circularidade de um ano<o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">onde o uróboro representa a unidade perfeita<o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">a história de Legba e a Bela envolve complexidade<o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">na qual o fio de Ariadne<o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10.0pt; margin-left: 141.6pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; margin: 0cm 0cm 10pt 141.6pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">que revela a linearidade no
labirinto<o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">transforma-se em teia de aranha<o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">onde os fios designam a simultaneidade<o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10.0pt; margin-left: 247.8pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; margin: 0cm 0cm 10pt 247.8pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">em que tudo é possível<o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">assim, a conclusão em seguida das cartas<o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">oferece eventualidades múltiplas<o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">todos os desenlaces são verdadeiros<o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">nenhum é exclusivo<o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">Eis o desenlace melodramático:<o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">seguindo um dos fios de sua história<o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">Legba volta à Terra Desconhecida<o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">para encontrar a Bela completamente mudada<o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">em vez de alegre<o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10.0pt; margin-left: 106.2pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; margin: 0cm 0cm 10pt 106.2pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">vivaz<o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10.0pt; margin-left: 35.4pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; margin: 0cm 0cm 10pt 35.4pt; text-align: justify;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">está distraída<o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10.0pt; margin-left: 106.2pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; margin: 0cm 0cm 10pt 106.2pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">agitada<o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">procurando sossegá-la<o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">Legba propõe uma viagem ao interior do país<o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">habitualmente, ela aceitaria sem pensar duas vezes<o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">mas desta vez ela hesita<o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10.0pt; margin-left: 177.0pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; margin: 0cm 0cm 10pt 177pt; text-align: justify;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">desconcertada<o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10.0pt; margin-left: 177.0pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; margin: 0cm 0cm 10pt 177pt; text-align: justify;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">perturbada até a histeria<o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">imagine<o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10.0pt; margin-left: 35.4pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; margin: 0cm 0cm 10pt 35.4pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">o desespero de Legba<o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">contando com a magia, não consegue compreender<o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">o que acontece à Bela<o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">presa de sua biologia<o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">a Bela está grávida<o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">paralisada entre o rei<o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10.0pt; margin-left: 141.6pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; margin: 0cm 0cm 10pt 141.6pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">que pede o aborto<o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">e Legba<o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10.0pt; margin-left: 35.4pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; margin: 0cm 0cm 10pt 35.4pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">que propõe a fuga<o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">a Bela não suporta<o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10.0pt; margin-left: 106.2pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; margin: 0cm 0cm 10pt 106.2pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">e diz que vai embora<o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10.0pt; margin-left: 106.2pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; margin: 0cm 0cm 10pt 106.2pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">que se afasta<o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10.0pt; margin-left: 106.2pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; margin: 0cm 0cm 10pt 106.2pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">e que ninguém a encontrará<o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">imagine,<o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10.0pt; margin-left: 35.4pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; margin: 0cm 0cm 10pt 35.4pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">o desgosto<o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10.0pt; margin-left: 35.4pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; margin: 0cm 0cm 10pt 35.4pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">a dor<o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10.0pt; margin-left: 35.4pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; margin: 0cm 0cm 10pt 35.4pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">enfim, a cólera de Legba<o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10.0pt; margin-left: 35.4pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; margin: 0cm 0cm 10pt 35.4pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">quando, três dias depois<o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">vê<o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">que a Bela mentiu<o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">que ela não partiu<o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">com efeito, está ainda com o rei<o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">Lúcifer<o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10.0pt; margin-left: 35.4pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; margin: 0cm 0cm 10pt 35.4pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">fogo e fumaça<o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">Legba se enraivece<o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">Furioso<o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10.0pt; margin-left: 35.4pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; margin: 0cm 0cm 10pt 35.4pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">vai-se embora como um vento
tempestuoso até o deserto<o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10.0pt; margin-left: 35.4pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; margin: 0cm 0cm 10pt 35.4pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">lá, encontra o lugar
secreto<o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10.0pt; margin-left: 35.4pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; margin: 0cm 0cm 10pt 35.4pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">a gruta clandestina<o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10.0pt; margin-left: 35.4pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; margin: 0cm 0cm 10pt 35.4pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">onde ele e a Bela fizeram o
amor<o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10.0pt; margin-left: 35.4pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; margin: 0cm 0cm 10pt 35.4pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">num ato ritual<o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">um exorcismo executado para expulsar todo traço da Bela<o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">ele queima<o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">todas as cartas que a Bela escreveu<o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">e que ele guardara<o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">ainda encolerizado<o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">recolhe as cinzas<o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">e as envia à Bela<o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">imagine<o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10.0pt; margin-left: 35.4pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; margin: 0cm 0cm 10pt 35.4pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">a esperança que a Bela
alimentava<o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">quando recebeu a carta<o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">escrita pela mão de seu amante<o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">esperança transformada no mais profundo desespero<o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">no momento em que a Bela abre a carta e encontra as cinzas<o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">amante assassino<o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10.0pt; margin-left: 106.2pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; margin: 0cm 0cm 10pt 106.2pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">Legba emprega o simbólico<o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10.0pt; margin-left: 106.2pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; margin: 0cm 0cm 10pt 106.2pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">para matar o amor<o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><!--[if gte vml 1]><v:line id="Conector_x0020_reto_x0020_5"
o:spid="_x0000_s1027" style='position:absolute;left:0;text-align:left;
z-index:251659264;visibility:visible;mso-wrap-style:square;
mso-width-percent:0;mso-height-percent:0;mso-wrap-distance-left:9pt;
mso-wrap-distance-top:0;mso-wrap-distance-right:9pt;
mso-wrap-distance-bottom:0;mso-position-horizontal:absolute;
mso-position-horizontal-relative:text;mso-position-vertical:absolute;
mso-position-vertical-relative:text;mso-width-percent:0;mso-height-percent:0;
mso-width-relative:margin;mso-height-relative:margin' from="156pt,11.05pt"
to="240.5pt,32.35pt" o:gfxdata="UEsDBBQABgAIAAAAIQC75UiUBQEAAB4CAAATAAAAW0NvbnRlbnRfVHlwZXNdLnhtbKSRvU7DMBSF
dyTewfKKEqcMCKEmHfgZgaE8wMW+SSwc27JvS/v23KTJgkoXFsu+P+c7Ol5vDoMTe0zZBl/LVVlJ
gV4HY31Xy4/tS3EvRSbwBlzwWMsjZrlprq/W22PELHjb51r2RPFBqax7HCCXIaLnThvSAMTP1KkI
+gs6VLdVdad08ISeCho1ZLN+whZ2jsTzgcsnJwldluLxNDiyagkxOquB2Knae/OLUsyEkjenmdzb
mG/YhlRnCWPnb8C898bRJGtQvEOiVxjYhtLOxs8AySiT4JuDystlVV4WPeM6tK3VaILeDZxIOSsu
ti/jidNGNZ3/J08yC1dNv9v8AAAA//8DAFBLAwQUAAYACAAAACEArTA/8cEAAAAyAQAACwAAAF9y
ZWxzLy5yZWxzhI/NCsIwEITvgu8Q9m7TehCRpr2I4FX0AdZk2wbbJGTj39ubi6AgeJtl2G9m6vYx
jeJGka13CqqiBEFOe2Ndr+B03C3WIDihMzh6RwqexNA281l9oBFTfuLBBhaZ4ljBkFLYSMl6oAm5
8IFcdjofJ0z5jL0MqC/Yk1yW5UrGTwY0X0yxNwri3lQgjs+Qk/+zfddZTVuvrxO59CNCmoj3vCwj
MfaUFOjRhrPHaN4Wv0VV5OYgm1p+LW1eAAAA//8DAFBLAwQUAAYACAAAACEATOxvR60BAAA6BAAA
HwAAAGNsaXBib2FyZC9kcmF3aW5ncy9kcmF3aW5nMS54bWysU9tuEzEQfUfiHyy/090EkrSrOn0I
0BdUKgofMPLaWav2eGWbZfP3jPeSRBEqCHjz5Zwz58zYt3e9s6xTIRqPgi+uSs4USl8b3Av+7evH
N9ecxQRYg/WoBD+oyO+2r1/dQrUP0DZGMlLAWIHgTUptVRRRNspBvPKtQrrTPjhItA37og7wg5Sd
LZZluS4cGOTbk9R7SMC+B/MXUtbLZ1XvADuIJGlldX4yebTy35Whwu4+tE/tY8jO5UP3GJipBafO
IThqES+miwlG2+KCtT8J9Dq4jPdas17wt+W63JSkdRD83c315ma5GvVUn5gkwKLcLFeLFWeSEMs1
QSaAbD7/RkI2H14WIZujHVqcWZQ9PrXZI3a7vLxMTmbG5Dt6IjL5wIJKns2+HmbW3IgzkTiJ/acu
HANA1YaY7pV3LC8EtwbV8NSg+xTT6GSGDPOZncR0sCqHtfhFaZps7vnAHN612tnAOrCC18+LPBkq
OSAzRRtrj6TyZdKEzTSlNbXtT4lH9FDR44noDPrwq6qpn63qET8mHpNSgGnAxcWvGVDTL89f83y/
/QkAAP//AwBQSwMEFAAGAAgAAAAhAODMYzwIBwAADSAAABoAAABjbGlwYm9hcmQvdGhlbWUvdGhl
bWUxLnhtbOxZS28bNxC+F+h/WOy9sWTrERuRA+vhOIllG5GSIkdql9plxH2ApOzoViSnXgoUSIse
GqC3HoqiARqgQS/9MQYctOmP6JD7EClR8QM+BIUdINid/WY4nBnOjIZ37j6PqHOMGSdJ3HKrtyqu
g2Mv8UkctNzHw90vbrsOFyj2EU1i3HJnmLt3tz//7A7a8ihJRwli/jDEEXZAUMy3UMsNhUi31ta4
B2TEbyUpjuHbOGEREvDKgjWfoRNYIKJr65VKYy1CJHa3QaKQgnoU/osFlwSPsoEUg50YRbD64XhM
PKyw/qQqEXzGO5Q5x4i2XJDpJydD/Fy4DkVcwIeWW1F/7tr2nTW0lTNRsYJX49tVfzlfzuBP1tWa
LBiVi9Zq9Vpjp5SvAFQs43rNXqPXKOUpAPI82Gmmiymzud6p5VgNlD1aZHeb3Y2qgdfkbyzpvFOX
/wy8AmXya0v43d0OWNHAK1CGry/h6+3NdteUr0AZvrGEb1Z2urWmIV+BQkriyRK6Um9sdIrdlpBx
Qves8M16bbe5ngufoyAayuiSS4yTWKyKtQg9S9guACSQIkFiR8xSPEYexGQHUTJixNknQSjkMmgL
I+17RvL4Ekmu6HCPkVS03Acpil0Ncvbu3emLt6cv/jh9+fL0xW+6dINvD8WBzvfh52//ff2V88/v
P3149V229CKe6/j3v379/s+/PiYeDtN8s2ffv3n/9s3ZD9/8/csri/QdhkY6fEgizJ0DfOI8SiLY
oLKOqQ8esctxDENEdI6dOOAoRnIVi/yeCA30wQxRZMG1sWnHJwySiQ14b/rMUHgQsqkgFokPw8gA
9pOEthNmtcJDuZZm5uE0DuyLs6mOe4TQsW3tDooNL/emKWRRYhPZCbGh5hFFsUABjrFw5LdkgrFl
d08JMezaJx5LeDIWzlPitBGxmmRIRkY0zZn2SAR+mdkUBH8btuk/cdoJte26i49NJJwNRC3KDzE1
zHgPTQWKbCKHKKK6wfeRCG1KDmbM03E9LsDTAaaJ0/Mx5zaeQwb71Zz+EBKJ3e19OotMJBNkYpO5
j5JER3aTSSdEUWrDDkgc6tj7fAIhipyjRNjg/cQ8IfId/IDile5+QrDh7vOzwWPIobpK8wCRX6bM
4st7ODHidzCjY4RtqWaHRUaK3WHEGh3taWCE9j7GFJ0gH2Pn8X2LBu0kNWw+V/pBCFllD9sC6wEy
Y1W+x5hjR7Uvy3lyn3AjZAc4SFbo058tJJ4ZiiPEVkk+AK/rNu9BMYtsAXBIvYkOPCDQ0UG8WI1y
yEGGFtwrpR6FyChg8p3b43XGDP9d5IzBuXxmqHGBcwk8+NI8kNh1no/aZoioscA8YIYI+ghbugUW
w/1zFllcFdvUyjc2D+3cDdD/GG1NROJze5ws+K+nu4Ee4uzH15bjdD0djV2wkY4u2cusShd7Cx3M
Ktxi39JJmE8+/bali6bxEYZKsZyTbrqWm67F/d93LavO802vsqqjuOlVXOghbnqVfEByPb3KvD2B
zkWOELJhjRrdRCsnN2NC6UDMKN7nanjD4ReLvwtEyacmlLic5KUhPMoyBwsYuIAhxeOwRHxJRDgI
UQqDn6orhQQ8Fx1wJ004DBwV2Spb4uk06id+NrCsVuVwMqusHIk5vVIv6TBsEhm60ZwP4UrxSttA
DUsLBSTvZZTQFjOV2LAo0SyI0khqNAtGsyihdnYtWmxatLgtxReuWtICVCu9Aj+pHfgh3nLrNWAB
Jpi4QfvtSz9lri68q5x5nZ5eZUwjAiowAc8jYO7pTanryu3J3WWhdgFPG0po4WYqoSyjGjwewg/d
PDol9SJqXNbXm3OXGupJU+S20NRo3v6YFlf1NfAt5gYa65mCxs5Jy21s1CFkPJS23DEMfuExSiF2
uPxVhWgAVyaeYNmBv0pmSRkXXcTDzOAq6WTZICICM4eSqOXK7ZduoLHKIUq36jokhE9WuU1IK5+a
cuB008l4PMae0N2uUaSls1fI8FmusH5V7FcHS85kCu4ehP6JM6JT9ghBiNWbVWlAn3C4Hahm1vQJ
XGiViWwefwuFKU+7+o2SiqGMjmgaoryi6Mk8g6tUXqqj3kobaG/5nsGgmknyQjgKZIHVjWpU07Jq
ZDqsrLrnM0nLaUlzXjONrCKrpj2LGSsUZWDBllcr8ppWhYmhXOoVPkvdiyl3s8h1C31CWSXA4KX9
LFX3AgVBU22+mKGa1Hg5DcucnVPN2lFs8BzVLlIktKzfKMQu2K2sEdblgHilyg98i1ELpHHRVypL
2y6n+yh1RkG15cIFMYz/nsMTXDG7QFuXtHVJgye4N4ZykV32ttz8oaDA94xSYjYKykaBqRWUWkGp
F5R6QWkUlIbrqFtRuImXF6KuU1x6Qg3LL0nz3sK8wd/+DwAA//8DAFBLAwQUAAYACAAAACEAnGZG
QbsAAAAkAQAAKgAAAGNsaXBib2FyZC9kcmF3aW5ncy9fcmVscy9kcmF3aW5nMS54bWwucmVsc4SP
zQrCMBCE74LvEPZu0noQkSa9iNCr1AcIyTYtNj8kUezbG+hFQfCyMLPsN7NN+7IzeWJMk3ccaloB
Qae8npzhcOsvuyOQlKXTcvYOOSyYoBXbTXPFWeZylMYpJFIoLnEYcw4nxpIa0cpEfUBXNoOPVuYi
o2FBqrs0yPZVdWDxkwHii0k6zSF2ugbSL6Ek/2f7YZgUnr16WHT5RwTLpRcWoIwGMwdKV2edNS1d
gYmGff0m3gAAAP//AwBQSwECLQAUAAYACAAAACEAu+VIlAUBAAAeAgAAEwAAAAAAAAAAAAAAAAAA
AAAAW0NvbnRlbnRfVHlwZXNdLnhtbFBLAQItABQABgAIAAAAIQCtMD/xwQAAADIBAAALAAAAAAAA
AAAAAAAAADYBAABfcmVscy8ucmVsc1BLAQItABQABgAIAAAAIQBM7G9HrQEAADoEAAAfAAAAAAAA
AAAAAAAAACACAABjbGlwYm9hcmQvZHJhd2luZ3MvZHJhd2luZzEueG1sUEsBAi0AFAAGAAgAAAAh
AODMYzwIBwAADSAAABoAAAAAAAAAAAAAAAAACgQAAGNsaXBib2FyZC90aGVtZS90aGVtZTEueG1s
UEsBAi0AFAAGAAgAAAAhAJxmRkG7AAAAJAEAACoAAAAAAAAAAAAAAAAASgsAAGNsaXBib2FyZC9k
cmF3aW5ncy9fcmVscy9kcmF3aW5nMS54bWwucmVsc1BLBQYAAAAABQAFAGcBAABNDAAAAAA=
" strokecolor="black [3200]" strokeweight=".5pt">
<v:stroke joinstyle="miter"/>
</v:line><![endif]--><!--[if !vml]--><span style="height: 30px; left: 0px; margin-left: 207px; margin-top: 14px; mso-ignore: vglayout; position: absolute; width: 115px; z-index: 251659264;"><br /></span><!--[endif]--><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">Bruja<i style="mso-bidi-font-style: normal;">, sem saber<o:p></o:p></i></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10.0pt; margin-left: 212.4pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; margin: 0cm 0cm 10pt 212.4pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><!--[if gte vml 1]><v:line
id="Conector_x0020_reto_x0020_6" o:spid="_x0000_s1026" style='position:absolute;
left:0;text-align:left;flip:x;z-index:251660288;visibility:visible;
mso-wrap-style:square;mso-width-percent:0;mso-wrap-distance-left:9pt;
mso-wrap-distance-top:0;mso-wrap-distance-right:9pt;
mso-wrap-distance-bottom:0;mso-position-horizontal:absolute;
mso-position-horizontal-relative:text;mso-position-vertical:absolute;
mso-position-vertical-relative:text;mso-width-percent:0;mso-width-relative:margin'
from="187.9pt,6.4pt" to="240.45pt,32.65pt" o:gfxdata="UEsDBBQABgAIAAAAIQC75UiUBQEAAB4CAAATAAAAW0NvbnRlbnRfVHlwZXNdLnhtbKSRvU7DMBSF
dyTewfKKEqcMCKEmHfgZgaE8wMW+SSwc27JvS/v23KTJgkoXFsu+P+c7Ol5vDoMTe0zZBl/LVVlJ
gV4HY31Xy4/tS3EvRSbwBlzwWMsjZrlprq/W22PELHjb51r2RPFBqax7HCCXIaLnThvSAMTP1KkI
+gs6VLdVdad08ISeCho1ZLN+whZ2jsTzgcsnJwldluLxNDiyagkxOquB2Knae/OLUsyEkjenmdzb
mG/YhlRnCWPnb8C898bRJGtQvEOiVxjYhtLOxs8AySiT4JuDystlVV4WPeM6tK3VaILeDZxIOSsu
ti/jidNGNZ3/J08yC1dNv9v8AAAA//8DAFBLAwQUAAYACAAAACEArTA/8cEAAAAyAQAACwAAAF9y
ZWxzLy5yZWxzhI/NCsIwEITvgu8Q9m7TehCRpr2I4FX0AdZk2wbbJGTj39ubi6AgeJtl2G9m6vYx
jeJGka13CqqiBEFOe2Ndr+B03C3WIDihMzh6RwqexNA281l9oBFTfuLBBhaZ4ljBkFLYSMl6oAm5
8IFcdjofJ0z5jL0MqC/Yk1yW5UrGTwY0X0yxNwri3lQgjs+Qk/+zfddZTVuvrxO59CNCmoj3vCwj
MfaUFOjRhrPHaN4Wv0VV5OYgm1p+LW1eAAAA//8DAFBLAwQUAAYACAAAACEAsH+oUbgBAABBBAAA
HwAAAGNsaXBib2FyZC9kcmF3aW5ncy9kcmF3aW5nMS54bWykU8tu2zAQvBfIPxC8J3JiSwmE0Dm4
bXoo2qBpPmBBkRYRPgSSVeW/71KibMNokqLRiRRnZmeWy9u7wWjSCx+Us4xeXiwoEZa7Rtkto08/
P5/fUBIi2Aa0s4LRnQj0bn324RbqrYeuVZyggg01MNrG2NVFEXgrDIQL1wmLZ9J5AxG3fls0Hn6j
stHF1WJRFQaUpeuD1EeIQH559R9S2vFn0WzA9hBQUvP6+E/2qPn7laG2/b3vHrsHn5zzb/2DJ6ph
FDtnwWCLaJEPMgy3xQlrexAYpDcJ76QkA6PLVVWtqpKSHaPlVXmzWpaTnhgi4Qioquq6xFocAUv8
rvM5b7+/ocDbT69qoMnJDC6ODPLBPnbJoe03aXmau5pzb3BAeHSeeBEdqfZtyKy5DUciIYulskRq
1X3BERwH4n3d2CeBuvMh3gtnSFowqpUVYwHov4Y4WZoh4zXNlkLcaZFSa/tDSLxgbP1kbRxvsdGe
9KAZbZ4vU1IsOSITRSqt96TFWO5FUsYmmpAS+/evxD16rOjsgWiUdf5vVeMwW5UTfko8JcUA+aaL
k8czovJjTy/0eL/+AwAA//8DAFBLAwQUAAYACAAAACEA4MxjPAgHAAANIAAAGgAAAGNsaXBib2Fy
ZC90aGVtZS90aGVtZTEueG1s7FlLbxs3EL4X6H9Y7L2xZOsRG5ED6+E4iWUbkZIiR2qX2mXEfYCk
7OhWJKdeChRIix4aoLceiqIBGqBBL/0xBhy06Y/okPsQKVHxAz4EhR0g2J39ZjicGc6MhnfuPo+o
c4wZJ0nccqu3Kq6DYy/xSRy03MfD3S9uuw4XKPYRTWLccmeYu3e3P//sDtryKElHCWL+MMQRdkBQ
zLdQyw2FSLfW1rgHZMRvJSmO4ds4YRES8MqCNZ+hE1ggomvrlUpjLUIkdrdBopCCehT+iwWXBI+y
gRSDnRhFsPrheEw8rLD+pCoRfMY7lDnHiLZckOknJ0P8XLgORVzAh5ZbUX/u2vadNbSVM1Gxglfj
21V/OV/O4E/W1ZosGJWL1mr1WmOnlK8AVCzjes1eo9co5SkA8jzYaaaLKbO53qnlWA2UPVpkd5vd
jaqB1+RvLOm8U5f/DLwCZfJrS/jd3Q5Y0cArUIavL+Hr7c1215SvQBm+sYRvVna6taYhX4FCSuLJ
ErpSb2x0it2WkHFC96zwzXptt7meC5+jIBrK6JJLjJNYrIq1CD1L2C4AJJAiQWJHzFI8Rh7EZAdR
MmLE2SdBKOQyaAsj7XtG8vgSSa7ocI+RVLTcBymKXQ1y9u7d6Yu3py/+OH358vTFb7p0g28PxYHO
9+Hnb/99/ZXzz+8/fXj1Xbb0Ip7r+Pe/fv3+z78+Jh4O03yzZ9+/ef/2zdkP3/z9yyuL9B2GRjp8
SCLMnQN84jxKItigso6pDx6xy3EMQ0R0jp044ChGchWL/J4IDfTBDFFkwbWxaccnDJKJDXhv+sxQ
eBCyqSAWiQ/DyAD2k4S2E2a1wkO5lmbm4TQO7IuzqY57hNCxbe0Oig0v96YpZFFiE9kJsaHmEUWx
QAGOsXDkt2SCsWV3Twkx7NonHkt4MhbOU+K0EbGaZEhGRjTNmfZIBH6Z2RQEfxu26T9x2gm17bqL
j00knA1ELcoPMTXMeA9NBYpsIocoorrB95EIbUoOZszTcT0uwNMBponT8zHnNp5DBvvVnP4QEond
7X06i0wkE2Rik7mPkkRHdpNJJ0RRasMOSBzq2Pt8AiGKnKNE2OD9xDwh8h38gOKV7n5CsOHu87PB
Y8ihukrzAJFfpsziy3s4MeJ3MKNjhG2pZodFRordYcQaHe1pYIT2PsYUnSAfY+fxfYsG7SQ1bD5X
+kEIWWUP2wLrATJjVb7HmGNHtS/LeXKfcCNkBzhIVujTny0knhmKI8RWST4Ar+s270Exi2wBcEi9
iQ48INDRQbxYjXLIQYYW3CulHoXIKGDyndvjdcYM/13kjMG5fGaocYFzCTz40jyQ2HWej9pmiKix
wDxghgj6CFu6BRbD/XMWWVwV29TKNzYP7dwN0P8YbU1E4nN7nCz4r6e7gR7i7MfXluN0PR2NXbCR
ji7Zy6xKF3sLHcwq3GLf0kmYTz79tqWLpvERhkqxnJNuupabrsX933ctq87zTa+yqqO46VVc6CFu
epV8QHI9vcq8PYHORY4QsmGNGt1EKyc3Y0LpQMwo3udqeMPhF4u/C0TJpyaUuJzkpSE8yjIHCxi4
gCHF47BEfElEOAhRCoOfqiuFBDwXHXAnTTgMHBXZKlvi6TTqJ342sKxW5XAyq6wciTm9Ui/pMGwS
GbrRnA/hSvFK20ANSwsFJO9llNAWM5XYsCjRLIjSSGo0C0azKKF2di1abFq0uC3FF65a0gJUK70C
P6kd+CHecus1YAEmmLhB++1LP2WuLryrnHmdnl5lTCMCKjABzyNg7ulNqevK7cndZaF2AU8bSmjh
ZiqhLKMaPB7CD908OiX1Impc1tebc5ca6klT5LbQ1Gje/pgWV/U18C3mBhrrmYLGzknLbWzUIWQ8
lLbcMQx+4TFKIXa4/FWFaABXJp5g2YG/SmZJGRddxMPM4CrpZNkgIgIzh5Ko5crtl26gscohSrfq
OiSET1a5TUgrn5py4HTTyXg8xp7Q3a5RpKWzV8jwWa6wflXsVwdLzmQK7h6E/okzolP2CEGI1ZtV
aUCfcLgdqGbW9AlcaJWJbB5/C4UpT7v6jZKKoYyOaBqivKLoyTyDq1ReqqPeShtob/mewaCaSfJC
OApkgdWNalTTsmpkOqysuuczSctpSXNeM42sIqumPYsZKxRlYMGWVyvymlaFiaFc6hU+S92LKXez
yHULfUJZJcDgpf0sVfcCBUFTbb6YoZrUeDkNy5ydU83aUWzwHNUuUiS0rN8oxC7YrawR1uWAeKXK
D3yLUQukcdFXKkvbLqf7KHVGQbXlwgUxjP+ewxNcMbtAW5e0dUmDJ7g3hnKRXfa23PyhoMD3jFJi
NgrKRoGpFZRaQakXlHpBaRSUhuuoW1G4iZcXoq5TXHpCDcsvSfPewrzB3/4PAAD//wMAUEsDBBQA
BgAIAAAAIQCcZkZBuwAAACQBAAAqAAAAY2xpcGJvYXJkL2RyYXdpbmdzL19yZWxzL2RyYXdpbmcx
LnhtbC5yZWxzhI/NCsIwEITvgu8Q9m7SehCRJr2I0KvUBwjJNi02PyRR7Nsb6EVB8LIws+w3s037
sjN5YkyTdxxqWgFBp7yenOFw6y+7I5CUpdNy9g45LJigFdtNc8VZ5nKUxikkUigucRhzDifGkhrR
ykR9QFc2g49W5iKjYUGquzTI9lV1YPGTAeKLSTrNIXa6BtIvoST/Z/thmBSevXpYdPlHBMulFxag
jAYzB0pXZ501LV2BiYZ9/SbeAAAA//8DAFBLAQItABQABgAIAAAAIQC75UiUBQEAAB4CAAATAAAA
AAAAAAAAAAAAAAAAAABbQ29udGVudF9UeXBlc10ueG1sUEsBAi0AFAAGAAgAAAAhAK0wP/HBAAAA
MgEAAAsAAAAAAAAAAAAAAAAANgEAAF9yZWxzLy5yZWxzUEsBAi0AFAAGAAgAAAAhALB/qFG4AQAA
QQQAAB8AAAAAAAAAAAAAAAAAIAIAAGNsaXBib2FyZC9kcmF3aW5ncy9kcmF3aW5nMS54bWxQSwEC
LQAUAAYACAAAACEA4MxjPAgHAAANIAAAGgAAAAAAAAAAAAAAAAAVBAAAY2xpcGJvYXJkL3RoZW1l
L3RoZW1lMS54bWxQSwECLQAUAAYACAAAACEAnGZGQbsAAAAkAQAAKgAAAAAAAAAAAAAAAABVCwAA
Y2xpcGJvYXJkL2RyYXdpbmdzL19yZWxzL2RyYXdpbmcxLnhtbC5yZWxzUEsFBgAAAAAFAAUAZwEA
AFgMAAAAAA==
" strokecolor="black [3200]" strokeweight=".5pt">
<v:stroke joinstyle="miter"/>
</v:line><![endif]--><!--[if !vml]--><span style="height: 37px; left: 0px; margin-left: 250px; margin-top: 8px; mso-ignore: vglayout; position: absolute; width: 72px; z-index: 251660288;"><br /></span><!--[endif]--><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">A Bela ingere as cinzas<o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">Feiticeira, sem ciência<o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">anos mais tarde<o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10.0pt; margin-left: 106.2pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; margin: 0cm 0cm 10pt 106.2pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">ela começa a escrever ainda
cartas a Legba<o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">Talismãs<o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10.0pt; margin-left: 70.8pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; margin: 0cm 0cm 10pt 70.8pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">de seu desejo</span></i><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">”<o:p></o:p></span></p>Doneyhttp://www.blogger.com/profile/09476772224297324141noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1937976905822999004.post-34977050901909950412023-08-18T01:23:00.012-03:002023-09-08T15:30:51.110-03:00Mas não se matam cavalos?, de Horace McCoy<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">Editora</span></i><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">: L&PM<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">Opinião</span></i><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">: </span><span face=""Segoe UI Symbol","sans-serif"" style="color: black; font-size: 14pt; mso-bidi-font-family: "Segoe UI Symbol"; mso-themecolor: text1;">★★★☆☆</span><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">Tradução</span></i><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-style: italic; mso-themecolor: text1;">: Irene Hirsch<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">Link para
compra</span></i><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">: </span><a href="https://amzn.to/3QDTO1F"><span style="font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt;">Clique aqui</span></a><u><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;"><o:p></o:p></span></u></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">ISBN</span></i><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">: 978-85-2541-646-9<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">Páginas</span></i><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">: 136<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><i><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; line-height: 106%; mso-themecolor: text1;">Sinopse</span></i><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; line-height: 106%; mso-themecolor: text1;">: A depressão econômica da década de 1930 nos
Estados Unidos fez as pessoas tomarem medidas drásticas para sobreviver. Popularizaram-se
no país as maratonas de dança – competições públicas em que casais dançavam por
dias a fio, desafiando os limites dos seus corpos diante de uma plateia animada,
na tentativa de ser a última dupla remanescente. Em um período de fome e desespero,
parecia uma maneira simples de ganhar um dinheirinho. Mas tais concursos escondiam
uma agressividade e uma violência social usualmente não associadas aos salões de
dança.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; line-height: 106%; mso-themecolor: text1;">Em
<i>Mas não se matam cavalos?</i> (1935), Horace McCoy (1897-1955) apresenta Robert
Syverten e Gloria Beatty, duas pessoas sem perspectiva alguma, que decidem participar
de uma maratona de dança achando que, assim, granjearão alguma oportunidade de trabalho
em Hollywood. Quando de sua publicação, a novela foi considerada experimental devido
à maneira como é utilizado o recurso de flashback. Em 1969, o filme foi adaptado
para o cinema por Sydney Pollack, com Jane Fonda no papel de Gloria. Tanto o livro
quanto o filme chocaram o público ao mostrar ao mundo como um lugar em que aqueles
sem dinheiro ou status social lutam como podem pela sobrevivência – tendo à frente
apenas a certeza da morte. Um livro pungente, impossível de largar.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; line-height: 106%; mso-themecolor: text1;"><br /></span></p>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj7n6pgDu3wc9CPJZoV8QDK27tHpfTplu2e2aGUwzk9y-kJDBS3cKEXP8Mx2dLhm2BCrCHngQXbP70ozvS81EYrTeD5MJ41Jd92k6DDudzFA0AFcNzI0JZDSl7HEckb_GMehz7Zmb93bKJXN93cIqD8pSif53IdKLqvhI83qjvQEtVETItKGR7UTtMpR6o/s2074/Mas%20n%C3%A3o%20se%20matam%20cavalos.jpg" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="2074" data-original-width="1238" height="400" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj7n6pgDu3wc9CPJZoV8QDK27tHpfTplu2e2aGUwzk9y-kJDBS3cKEXP8Mx2dLhm2BCrCHngQXbP70ozvS81EYrTeD5MJ41Jd92k6DDudzFA0AFcNzI0JZDSl7HEckb_GMehz7Zmb93bKJXN93cIqD8pSif53IdKLqvhI83qjvQEtVETItKGR7UTtMpR6o/w239-h400/Mas%20n%C3%A3o%20se%20matam%20cavalos.jpg" width="239" /></a></div><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><br /></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; line-height: 106%; mso-themecolor: text1;">“</span><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; line-height: 106%; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Não existem experiências novas na vida. Alguma coisa
pode acontecer que você acha que nunca aconteceu antes, que você acha que é
novidade, mas é um engano. Basta você ver, ou sentir um cheiro, ou escutar
alguma coisa para você entender que essa experiência, que você pensou que era
nova, já aconteceu antes.”</span><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; line-height: 106%; mso-themecolor: text1;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; line-height: 106%; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; line-height: 106%; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; line-height: 106%; mso-themecolor: text1;">“</span><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; line-height: 106%; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">— O que você vai fazer quando isso acabar? — ela
perguntou.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; line-height: 106%; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">— Por que se
preocupar com isso? — eu disse. — Ainda não acabou. Não sei do que você está
reclamando — eu disse a ela. — Estamos numa situação melhor do que antes...
Pelo menos, sabemos onde vamos comer.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; line-height: 106%; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">— Queria estar morta
— ela disse. — Queria que Deus me matasse.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; line-height: 106%; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Ela não parava de
dizer isso. Eu estava começando a ficar irritado.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; line-height: 106%; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">— Um dia Deus vai
fazer esse favorzinho a você — eu disse.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; line-height: 106%; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">— Queria tanto que
fizesse mesmo... Queria ter coragem de fazer isso por Ele.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; line-height: 106%; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">— Se ganharmos essa
coisa, você pode pegar seus quinhentos dólares e ir para qualquer lugar — eu
disse. — Você pode se casar. Tem um monte de sujeitos querendo se casar. Nunca
pensou nisso?<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; line-height: 106%; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">— Já pensei muito
nisso — ela disse. — Mas nunca conseguiria casar com o tipo de homem que quero.
O único tipo que se casaria comigo é aquele que não quero. Um ladrão, um
cafetão, ou algo parecido.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; line-height: 106%; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">— Sei por que você
está tão mórbida — eu disse. — Vai se sentir bem dentro de alguns dias. Vai se
sentir melhor.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; line-height: 106%; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">— Não tem nada a ver
— ela disse. — Não estou nem com dores nas costas. Não é isso. Isso aqui é um
turbilhão. Quando sairmos daqui, vamos estar no mesmo lugar onde estávamos
antes de começar.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; line-height: 106%; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">— Nós comemos e
dormimos — eu disse.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; line-height: 106%; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">— E de que adianta
isso, se isso apenas significa adiar uma coisa que vai mesmo acontecer?”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; line-height: 106%; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; line-height: 106%; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; line-height: 106%; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">“— Estou cheia disso
— disse Glória. — Estou cheia de olhar para as celebridades e estou cheia de
fazer sempre a mesma coisa...<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; line-height: 106%; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">— Às vezes me
arrependo de ter conhecido você — eu disse. — Não gosto de dizer isso, mas é
verdade. Antes de conhecer você eu não sabia como era estar perto de gente
deprimida.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; line-height: 106%; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Nós nos juntamos aos
outros pares na linha de partida.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; line-height: 106%; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">— Estou cansada de
viver e tenho medo de morrer<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; line-height: 106%; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">— Glória disse.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; line-height: 106%; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">— Ora, essa é uma
ideia legal para uma música — disse James Bates, que escutou tudo. — Você podia
compor uma música sobre um velho negro no rio que estava cansado de viver e
tinha medo de morrer. Ele poderia estar carregando algodão e enquanto isso
cantava uma música para o rio Mississipi. Ora, sei de um bom título... você
podia chamar de <i>Old Man River</i>...<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; line-height: 106%; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Glória lançou olhares
fulminantes para ele, mexendo no nariz.”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; line-height: 106%; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; line-height: 106%; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; line-height: 106%; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">“— As senhoras têm
filhos? — Glória perguntou, quando a porta se fechou.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; line-height: 106%; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">— Nós duas temos
filhas adultas — disse a sra. Higby.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; line-height: 106%; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">— Sabem onde elas
estão hoje à noite e o que estão fazendo?<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; line-height: 106%; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Nenhuma das duas mulheres
disse nada.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; line-height: 106%; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">— Talvez eu possa
lhes dar uma ideia — Glória disse. — Enquanto as senhoras, duas nobres
personalidades, estão aqui cumprindo seu dever com pessoas que nem conhecem,
suas filhas provavelmente estão sem roupas no apartamento de algum sujeito
enchendo a cara.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; line-height: 106%; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">A sra. Higby e a sra.
Witcher prenderam a respiração ao mesmo tempo.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; line-height: 106%; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">— É o que acontece em
geral com as filhas de reformadores — Glória disse. — Mais cedo ou mais tarde
elas transam com alguém e a maioria não sabe nem evitar encrenca. Vocês as
afastam de casa com seus malditos sermões sobre pureza e decência, e ficam
muito ocupadas se metendo na vida dos outros para poder ensinar a elas...<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; line-height: 106%; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">— Ora! — disse a sra.
Higby, com o rosto cada vez mais vermelho.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; line-height: 106%; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">— Eu... — disse a sra.
Witcher.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; line-height: 106%; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">— Glória... — eu
disse.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; line-height: 106%; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">— Está na hora de
alguém falar isso para essas mulheres — disse Glória, ficando de costas para a
porta, como se para evitar que as mulheres saíssem —, e sou quem vai fazer
isso. Vocês são daquele tipo de vaca que se enfia no banheiro para ler livros
de sacanagem e contar histórias sujas e depois anda por aí tentando estragar a
festa dos outros...<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; line-height: 106%; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">— Saia da frente
desta porta, mocinha, e deixe— nos sair daqui! — gritou a sra. Higby. — Me
recuso a escutá-la. Sou uma senhora respeitável. Sou professora da escola
dominical...<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; line-height: 106%; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">— Não vou me mexer
nem um milímetro, enquanto eu não acabar — disse Glória.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; line-height: 106%; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">— Glória...<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; line-height: 106%; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">— Sua Liga da
Moralidade e seus malditos clubes de mulheres — ela disse, sem prestar atenção
em mim — cheios de vacas intrometidas que não dão uma bela trepada há mais de
vinte anos. Por que as senhoras não saem por aí e pagam por uma de vez em
quando? É isso que está errado com vocês...”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; line-height: 106%; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; line-height: 106%; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; line-height: 106%; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">“Glória esteve
mórbida o dia todo. Perguntei um monte de vezes o que ela estava pensando.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; line-height: 106%; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">— Nada — era a
resposta.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; line-height: 106%; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Percebo agora como
fui burro. Eu deveria saber sobre o que ela estava pensando. Lembrando agora
daquela noite, não entendo como pude ser tão burro. Mas naquela época eu era um
idiota a respeito de um monte de coisas... O juiz está sentado ali, fazendo seu
discurso, me olhando pelos seus óculos, mas suas palavras têm o mesmo efeito
sobre o meu corpo como sua visão em relação aos óculos, atravessam sem parar,
destruindo cada olhar e cada palavra que seguem. Não estou escutando o juiz com
meus ouvidos e meu cérebro, assim como as lentes dos óculos não pegam e
aprisionam os olhares que as atravessam. Eu o escuto com os pés e as pernas e
as costas e os braços e tudo menos meus ouvidos e meu cérebro. Com meus ouvidos
e meu cérebro escuto um vendedor de jornal na rua gritando alguma coisa sobre o
rei Alexandre, escuto os bondes passando na rua, escuto os carros, escuto os
avisos dos semáforos; na sala do tribunal escuto as pessoas respirando e
mexendo os pés, escuto a madeira de um banco estalando, escuto o pingo de uma
pessoa cuspindo. Tudo isso eu escuto com meus ouvidos e meu cérebro, mas escuto
o juiz apenas com meu corpo. Se algum dia você escutar um juiz dizer a você o
que ele está dizendo para mim, você vai entender o que quero dizer.</span></i><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; line-height: 106%; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; line-height: 106%; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; line-height: 106%; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; line-height: 106%; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">(Na
parte abaixo conta-se o final do livro – o famoso </span></i><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; line-height: 106%; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">spoiler<i style="mso-bidi-font-style: normal;"> – portanto, cuidado ao seguir.)<o:p></o:p></i></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; line-height: 106%; mso-themecolor: text1;">“</span><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; line-height: 106%; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Glória e eu andamos pela pista de dança, meus
calcanhares fazendo tanto barulho que nem pareciam meus. Rocky estava na porta
da frente com um policial.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; line-height: 106%; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">— Para onde vocês
vão? — Rocky perguntou.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; line-height: 106%; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">— Vamos tomar um
pouco de ar — Glória disse.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; line-height: 106%; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">— Vão voltar?<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; line-height: 106%; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">— Vamos — eu disse a
ele. — Só vamos tomar um pouco de ar. Faz tanto tempo que não saímos ao ar livre...<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; line-height: 106%; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">— Não demorem — Rocky
disse, olhando para Glória e molhando os lábios de modo expressivo.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; line-height: 106%; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">— Vá à merda! —
Glória disse, saindo.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; line-height: 106%; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Passava das duas da
madrugada. O ar estava úmido, espesso e limpo. Tão espesso e limpo que eu
sentia meus pulmões devorando o ar em imensos pedaços.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; line-height: 106%; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">“Aposto que estão
contentes por receber este tipo de ar”, eu disse aos meus pulmões.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; line-height: 106%; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Virei para trás e
olhei para o edifício.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; line-height: 106%; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">— Então foi nesse
lugar que estivemos o tempo todo — eu disse. — Agora sei como Jonas se sentiu
quando olhou para a baleia.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; line-height: 106%; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">— Vamos — disse
Glória.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; line-height: 106%; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Andamos em volta do
prédio em direção ao píer. O píer se estendia pelo oceano até onde a vista
alcançava, subindo e descendo, gemendo e estalando com o movimento da água.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; line-height: 106%; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">— É um mistério as
ondas não levarem esse píer embora — eu disse.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; line-height: 106%; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">— Você é obcecado por
ondas — Glória disse.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; line-height: 106%; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">— Não, não sou — eu
disse.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; line-height: 106%; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">— Você só fala nisso
há um mês...<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; line-height: 106%; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">— Tudo bem, fique
parada um minuto e vai entender o que estou dizendo. Dá para sentir o sobe e
desce...<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; line-height: 106%; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">— Posso sentir isso
sem ficar parada — ela disse </span><span style="font-family: Georgia, "serif"; font-size: 18.6667px; text-indent: 47.2px;">—, </span><span style="font-family: Georgia, "serif"; font-size: 14pt; text-indent: 35.4pt;">mas isso não é motivo de preocupação. Isso
acontece há milhões de anos.</span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; line-height: 106%; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">— Não fique pensando
que sou louco pelo oceano — eu disse. — Tudo bem se eu nunca mais vir o oceano.
Já vi o bastante pelo resto de minha vida.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; line-height: 106%; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Sentamos num banco
que estava úmido dos borrifos do mar. No fim do píer vários homens pescavam à
beira do trapiche. A noite estava escura, não tinha lua nem estrelas. Uma linha
irregular de espuma branca marcava a praia.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; line-height: 106%; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">— A brisa está
gostosa — eu disse.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; line-height: 106%; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Glória não disse
nada, olhando para longe. Lá embaixo na praia tinha um lugar com luzes.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; line-height: 106%; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">— Ali é Malibu — eu
disse. — Onde todas as estrelas de cinema moram.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; line-height: 106%; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">— O que você vai
fazer agora? — ela disse, por fim.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; line-height: 106%; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">— Não sei direito.
Pensei em procurar o sr. Maxwell amanhã. Talvez ele possa fazer alguma coisa.
Ele parecia interessado de verdade.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; line-height: 106%; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">— Sempre amanhã — ela
disse. — A grande chance sempre vem amanhã.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; line-height: 106%; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Passaram dois homens,
carregando varas de pescar. Um deles arrastava um tubarão-martelo atrás de si.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; line-height: 106%; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">— Essa criancinha não
vai fazer mais nenhum estrago — ele disse para o outro homem...<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; line-height: 106%; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">— O que você vai
fazer? — eu perguntei a Glória.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; line-height: 106%; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">— Vou pular fora
desse carrossel — ela disse. — Estou de saco cheio desta coisa nojenta.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; line-height: 106%; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">— Que coisa?<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; line-height: 106%; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">— A vida — ela disse.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; line-height: 106%; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">— Por que não tenta
ajudar a si mesma? — eu disse. — Você sempre toma a atitude errada em todas as
coisas.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; line-height: 106%; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">— Não me venha com
sermões — ela disse.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; line-height: 106%; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">— Não estou fazendo
sermão — eu disse </span><span style="font-family: Georgia, "serif"; font-size: 18.6667px; text-indent: 47.2px;">—,</span><span style="font-family: Georgia, "serif"; font-size: 14pt; text-indent: 35.4pt;"> mas você tem de mudar de atitude. É sério. Isso afeta todo
mundo que chega perto de você. Eu, por exemplo. Antes de conhecer você eu não
achava que poderia fracassar. Nunca pensei em não dar certo. E agora...</span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; line-height: 106%; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">— Quem ensinou você a
falar desse jeito? — ela perguntou. — Você nunca pensaria isso por você.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; line-height: 106%; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">— Sim, eu pensei — eu
disse.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; line-height: 106%; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Ela olhou para o
oceano em direção a Malibu.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; line-height: 106%; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">— Ah, de que adianta
eu enganar a mim mesma? — ela disse, depressa. — Sei qual é meu lugar...<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; line-height: 106%; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Eu não disse nada,
fiquei olhando para o oceano e pensando em Hollywood, pensando se já tinha
estado lá, ou se acordaria de novo em Arkansas e teria de correr e pegar meu
jornal antes que amanhecesse.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; line-height: 106%; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">—...Filho-da-puta —
Glória dizia para si. — Não precisa me olhar desse jeito — ela disse. — Sei que
não presto...<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; line-height: 106%; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">“Ela tem razão”,
disse comigo. “Ela tem toda razão. Ela não presta...”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; line-height: 106%; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">— Queria ter morrido
naquela vez em Dallas — ela disse. — Sempre achei que o médico salvou minha
vida por uma única razão...<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; line-height: 106%; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Eu não disse nada
quando escutei isso, ainda olhando para o oceano e pensando em como ela estava
certa sobre não prestar e que não foi legal ela não ter morrido naquela vez em
Dallas. Com certeza ela estaria melhor se estivesse morta.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; line-height: 106%; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">— Sou uma
desajustada. Não tenho nada para dar para ninguém — ela dizia. — Pare de me
olhar desse jeito </span><span style="font-family: Georgia, "serif"; font-size: 14pt; text-indent: 35.4pt;">— ela disse.</span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; line-height: 106%; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">— Não estou olhando
para você de nenhum jeito — eu disse. — Você não está vendo meu rosto...<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; line-height: 106%; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">— Estou sim — ela
disse.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; line-height: 106%; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Ela estava mentindo.
Ela não podia ver meu rosto. Estava muito escuro.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; line-height: 106%; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">— Você não acha que
devemos entrar? — eu disse. — Rocky queria ver você...<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; line-height: 106%; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">— Aquele... — ela
disse. — Sei o que ele quer, mas ele nunca mais vai conseguir. Nem ninguém
mais.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; line-height: 106%; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">— O quê? — eu disse.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; line-height: 106%; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">— Você não sabe?<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; line-height: 106%; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">— Não sei o quê? — eu
disse.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; line-height: 106%; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">— O que Rocky quer.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; line-height: 106%; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">— Ah! — eu disse. —
Claro. Agora caiu a ficha.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; line-height: 106%; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">— É o que todos os
homens querem — ela disse —, mas tudo bem. Ah, não foi ruim dar para o Rocky.
Ele me fez um favor e eu fiz um favor a ele... Mas, e se eu me encrenquei?<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; line-height: 106%; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">— Você não está
achando que sim, está? — perguntei.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; line-height: 106%; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">— Sim, estou. Até
agora sempre tomei conta de mim. E se eu tiver uma criança? — ela disse. — Você
já sabe o que ela vai ser quando crescer, não é? Como nós. Não quero isso. De
qualquer modo, estou acabada. Acho este mundo podre e estou acabada. Eu estaria
melhor se estivesse morta, assim como todo mundo. Eu estrago tudo que chega
perto de mim. Você mesmo disse isso.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; line-height: 106%; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">— Quando foi que eu
disse uma coisa dessas?<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; line-height: 106%; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">— Agora mesmo. Você
disse que antes de me conhecer nunca tinha pensado em fracassar... Bem, não é
minha culpa. Não tenho controle. Já tentei me matar uma vez, mas não consegui e
nunca mais tive coragem para tentar de novo... Quer fazer um favor ao mundo? —
ela perguntou.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; line-height: 106%; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Eu não disse nada,
fiquei escutando o oceano bater contra a balaustrada, sentindo o píer subir e
descer e pensando que ela estava certa sobre o que dissera.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; line-height: 106%; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Glória estava
remexendo na bolsa. Quando tirou a mão de dentro, vi que estava segurando uma
arma pequena. Não tinha visto a arma antes, mas não fiquei surpreso. Não fiquei
nada surpreso.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; line-height: 106%; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">— Pegue — ela disse,
entregando a arma para mim.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; line-height: 106%; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">— Não quero. Guarde
isso — eu disse. — Vamos, vamos voltar lá para dentro. Estou com frio...<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; line-height: 106%; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">— Pegue e ajude a
Deus — ela disse, pressionando a arma na minha mão. — Atire em mim. É o único
jeito de me salvar deste sofrimento.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><i><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; line-height: 106%; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">“Ela está certa”,
disse comigo. “É o único jeito de salvá-la desse sofrimento.” Quando eu era
criança passava as férias na fazenda de meu avô em Arkansas. Certo dia estava
perto do defumadouro, vendo a minha avó fazer sabão numa grande panela de
ferro, quando meu avô atravessou o jardim, muito agitado. “A Nellie quebrou a
perna”, meu avô disse. Minha avó e eu subimos a escada para o jardim onde meu
avô estava arando. A Nellie estava no chão gemendo, ainda presa ao arado.
Ficamos ali olhando para ela, só olhando para ela. Meu avô voltou com a arma
que tinha usado em Chickamauga Ridge. “Ela pisou num buraco”, ele disse
acariciando a cabeça de Nellie. Minha avó me virou para o outro lado. Comecei a
chorar. Ouvi um tiro. Ainda escuto esse tiro. Corri até ela, me joguei no chão,
abraçando o pescoço dela. Eu amava aquela égua. Eu odiei meu avô. Me levantei e
fui até ele, bati nas pernas dele com meus punhos... Mais tarde, naquele dia,
ele me explicou que também amava Nellie, mas que teve de atirar nela. “Era a
coisa mais bondosa a fazer”, ele disse. “Ela não ia ficar boa. Era o único
jeito de salvá-la do sofrimento...”<o:p></o:p></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; line-height: 106%; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Eu estava com a arma
na mão.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; line-height: 106%; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">— Tudo bem — eu disse
a Glória. — Diga quando.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; line-height: 106%; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">— Estou pronta.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; line-height: 106%; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">— Onde?<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; line-height: 106%; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">— Aqui mesmo. Do lado
da cabeça.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; line-height: 106%; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">O píer pulou quando
uma onda grande se quebrou.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; line-height: 106%; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">— Agora?<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; line-height: 106%; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">— Agora.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; line-height: 106%; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Atirei nela.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; line-height: 106%; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">O píer se mexeu de
novo e a água fez um barulho de engolir algo quando voltou para o oceano.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; line-height: 106%; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Joguei a arma no mar.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; line-height: 106%; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; line-height: 106%; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; line-height: 106%; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">Um policial estava
sentado atrás comigo enquanto o outro dirigia. Estávamos indo bem depressa e a
sirene tocava. Era o mesmo tipo de sirene que usaram na maratona de dança
quando queriam nos acordar.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; line-height: 106%; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">— Por que você a
matou? — perguntou o policial no banco de trás.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; line-height: 106%; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">— Ela me pediu — eu
disse.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; line-height: 106%; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">— Escutou isso, Ben?<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; line-height: 106%; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">— Que filho-da-puta
mais prestativo! — disse Ben, por cima do ombro.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; line-height: 106%; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">— É seu único motivo?
— perguntou o policial do banco de trás.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span lang="pt" style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; line-height: 106%; mso-ansi-language: #0016; mso-themecolor: text1;">— Mas não se matam
cavalos? — eu disse.”<o:p></o:p></span></p>Doneyhttp://www.blogger.com/profile/09476772224297324141noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1937976905822999004.post-83262073789271892862023-08-18T00:59:00.004-03:002023-08-18T00:59:33.079-03:00Michael Kohlhaas, de Heinrich von Kleist<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">Editora</span></i><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">: Clube de Literatura Clássica<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">Opinião</span></i><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">: </span><span face=""Segoe UI Symbol","sans-serif"" style="color: black; font-size: 14pt; mso-bidi-font-family: "Segoe UI Symbol"; mso-fareast-font-family: "MS Mincho"; mso-themecolor: text1;">★★★☆☆</span><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-themecolor: text1;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><i><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">ISBN</span></i><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-bidi-font-style: italic; mso-themecolor: text1;">: 978-65-8703-618-2<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">Páginas</span></i><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">: 306<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">Link para compra</span></i><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">: </span><a href="https://amzn.to/3KNj5CJ"><span style="font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt;">Clique aqui</span></a><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><i><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">Sinopse</span></i><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">: <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Michael Kohlhaas</i>, de Heinrich von Kleist,
narra a trajetória de um comerciante de cavalos que sofreu uma terrível injustiça
das autoridades: seus cavalos foram confiscados ilegalmente e devolvidos em estado
deplorável.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">Kohlhaas sai em busca de justiça, mas se choca com uma rede
de corrupção nas cortes e nos tribunais. Decide, então, revoltar-se contra este
estado de coisas, e, liderando um grupo de bandoleiros, espalha terror e violência
pelos Estados alemães.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">A saga de Kohlhaas toma proporções imprevistas, encontrando
pelo caminho intrigas palacianas, guerras entre nações, profecias de videntes e
até mesmo Martinho Lutero.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;"><br /></span></p>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgV_eicVJL3PHfB9e6nx7lK9kvCB5I7aEvwByliCFCWIUhdTSexjrN4B-6ukm_hOk9ROAETFj-NqZGgPVFbWPIN_hpz1YRwC5Hqdnuirw_wKHIN6gKg1ISzlpcBMw9cPEq6G9Gi1ZH49Cr-mYzyO6IdGl6cmU0iMIK03gXtpFeUlxviuDXddSqVcZwPOU8/s1016/Michael%20Kohlhaas.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1016" data-original-width="620" height="400" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgV_eicVJL3PHfB9e6nx7lK9kvCB5I7aEvwByliCFCWIUhdTSexjrN4B-6ukm_hOk9ROAETFj-NqZGgPVFbWPIN_hpz1YRwC5Hqdnuirw_wKHIN6gKg1ISzlpcBMw9cPEq6G9Gi1ZH49Cr-mYzyO6IdGl6cmU0iMIK03gXtpFeUlxviuDXddSqVcZwPOU8/w244-h400/Michael%20Kohlhaas.jpg" width="244" /></a></div><p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify;"><br /></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 15.6pt; margin-bottom: 10pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: black; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 14pt; mso-themecolor: text1;">“Não posso, querida Lisbeth, ficar em um país
onde não querem me proteger em meu direito. Antes ser um cão, para ser chutado e
pisoteado, que homem!”<o:p></o:p></span></p>Doneyhttp://www.blogger.com/profile/09476772224297324141noreply@blogger.com0