Editora: LeYa
ISBN: 978-65-5643-003-4
Opinião: ★★★☆☆
Páginas: 272
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Sinopse: Ver Parte
I
“Quando fui chamado por Itamar para assumir o Ministério da Fazenda, a inflação
projetada para o mês estava em 3%, além de haver ágio estabelecido em certos setores
e uma pressão generalizada de desabastecimento na economia brasileira. Nessas circunstâncias,
com a capacidade instalada da produção brasileira 100% ocupada trabalhando algumas
vezes a três turnos e a taxa de desemprego ao seu menor nível histórico, só havia
uma chance de salvar a estabilização e não deixar o Plano Real morrer da mesma doença
que matou o Plano Cruzado: um choque de oferta. Então o fiz, explicitamente garantindo
que aquilo não era paradigma de política industrial e comércio exterior, apenas
uma medida emergencial. Antecipei a vigência da tarifa externa comum do Mercosul
e baixei as tarifas alfandegárias naqueles segmentos de produtos em que estava havendo
ágio e desabastecimento, portanto, pressão inflacionária. Importando mais barato
as mercadorias que o consumidor brasileiro queria comprar, acabamos com o jogo do
ágio que quase enterrou o Real.
Recebi
naquele momento o câmbio sobrevalorizado e os juros muito altos, que deveriam, como
repeti exaustivamente na época, ser expedientes temporários em direção a um novo
governo que fosse capaz de, para além do tratamento tópico da febre, que era a inflação,
trabalhar a verdadeira infecção, que era o colapso do modelo econômico. Isso evidencia
que não estou engessado por interdições ideológicas na gestão econômica que se sobreponham
ao interesse nacional brasileiro. Tais expedientes foram, naquele momento, fundamentais
para controlar os preços dos produtos afetados pelo dólar e garantir a moeda nascente
através do fluxo de dólares para um país sem reservas. Os juros elevados naqueles
primeiros meses tinham ainda outra função essencial: proteger o Brasil de uma crise
bancária, compensando transitoriamente o inflado sistema bancário nacional, viciado
em inflação, pela receita perdida com o antigo ganho inflacionário. Isso garantiria
uma transição menos abrupta para o sistema. Sem esse “antibiótico” monetário e cambial,
não teríamos conseguido nos livrar das pressões inflacionárias do câmbio e teríamos
enfrentado uma crise bancária de consequências imprevisíveis. Poderíamos ter sido
derrotados pela memória inflacionária.
Mas
não fomos. Fizemos o que era preciso e fomos muito bem-sucedidos naquela missão
histórica. A superinflação foi finalmente derrotada. Entreguei o comando da economia
a Pedro Malan, o ministro da Fazenda de FHC, com inflação de um dígito e profunda
saúde fiscal, tendo ajudado a consolidar o maior superávit primário da história,
de 5,21% do PIB.14 Para alcançar este resultado, estados e municípios
contribuíram com um superávit de somente 0,77% do PIB.15 O Brasil tinha
então uma módica dívida interna de R$61,7 bilhões16
e uma dívida externa de US$119 bilhões.17 O total da dívida líquida consolidada
do setor público (a soma das dívidas e dos créditos internos e externos do Estado)
em relação ao PIB estava num dos níveis mais baixos dos últimos quarenta anos: 30,01%
do PIB.18 Era chegada a hora da segunda fase do Plano, necessária para
a estabilização: a limpeza das contas públicas e a elevação das receitas do Estado,
que garantissem uma suave mas progressiva desvalorização do câmbio e a diminuição
das taxas de juros, criando o círculo virtuoso de crescimento que caracteriza as
economias saudáveis.
Porém, com o fim da ciranda inflacionária,
a elite brasileira logo viu nas altas taxas de juros o novo imposto para continuar
a tirar dos pobres para dar aos ricos: foi o início do vício do rentismo.
O Novo Rentismo
Os dois
primeiros anos do Real geraram uma bolha de consumo que sustentou a popularidade
de FHC no início de seu governo. Com o fim do imposto inflacionário, a população
que não tinha como se proteger da inflação experimentou um súbito aumento do poder
de compra. Como toda essa “sobra” de dinheiro foi para o consumo, o aumento das
importações gerou a necessidade de dólar e fez disparar o seu preço. Isso forneceu
a desculpa que o sistema financeiro e a elite viciada em ganhos fáceis queriam para
manter os juros mais altos do mundo: atrair dólares para ganhar com nossa dívida,
e diminuir o crédito e o consumo para controlar a inflação.
Para
minha grande decepção, o partido que eu tinha ajudado a fundar para implantar uma
socialdemocracia no Brasil, o PSDB, e o plano econômico que tinha ajudado a consolidar,
o Real, se desvirtuaram completamente durante o Governo FHC, se deixando corromper
pelos interesses do novo rentismo e pela embriaguez eleitoreira de uma emenda de
reeleição obtida por suborno. Logo após a posse, esses novos protagonistas da vida
econômica passaram a comandar o governo e a submeter todas as outras frações do
capitalismo nacional, cooptando a maioria da classe política. Ou seja, o Plano Real
foi uma iniciativa muito séria, mas era como uma espécie de antipirético, um comprimido
para febre. Melhor explicando: a inflação não era a doença; era, como as febres,
um sintoma das doenças. É preciso tratar a febre alta, mas, controlada a febre,
é preciso levar o paciente a identificar a infecção. Essa sim é a doença. A doença
era o colapso do modelo e a febre era a inflação. FHC experimentou a popularidade
extraordinária do fim da febre e em vez de levar o paciente para a terapia ou cirurgia,
levou o paciente para o baile funk, se é possível tratar com bom humor com esse
momento crítico de nossa história. (...)
Infelizmente,
tudo se deu como denunciei. A estabilização seguiu ancorada nos juros escorchantes
e câmbio sobrevalorizado, novos vícios destrutivos da elite nacional dos quais ela
não se livrou até hoje. Quando FHC entregou o governo em 2002, o custo médio anual
da dívida interna ainda era de 27,6%19 contra uma inflação de 12,53%,
o que significava juros reais de cerca de 15%. Quando falo esses números em seminários
internacionais, as audiências se recusam a acreditar. Já a política cambial foi,
por quatro anos, uma dolarização disfarçada, que, acompanhada de reformas e abertura
de mercado, devastou nossa indústria. Quanto ao processo de privatizações, não serviu
ao objetivo de modernização ou ajuste das contas públicas, mas somente ao de entregar
criminosamente metade do patrimônio público tão arduamente construído por nosso
povo durante cinquenta anos em troca de preços irrisórios e títulos podres, que
só estavam ali para mascarar a mais vergonhosa doação de riqueza pública. (...)
Ao fim
desse período trágico, os números eram impressionantes e resistem a qualquer defesa.
Quando FHC toma posse, lembre-se de que eu era ministro da Fazenda no dia anterior,
os números eram: de Pedro Álvares Cabral a Itamar Franco, dívida interna bruta de
37% do PIB, com correspondência de financiamento de toda uma poderosa rede de infraestrutura
e de estatais. Ativos privatizáveis superiores a US$100 bilhões em telefonia, mineração
e distribuição de energia elétrica, por exemplo. Apenas oito anos depois, a dívida
pública saltava para 76% do PIB. Nossa carga tributária havia sido elevada de 26%
em 1995 para 32,1%,20 e metade de nosso patrimônio construído durante
os períodos Vargas, JK e militar (inclusive Petrobras, que tem hoje quase metade
de seu capital em posse de investidores nacionais e internacionais) vendida. Haviam
achatado os salários do funcionalismo por oito anos e sucateado a infraestrutura
do país sem a realização de uma única obra de vulto. Nossa dívida externa tinha
saltado para US$220 bilhões,21 e a dívida interna decuplicara em termos
nominais, de R$61,7 bilhões para R$623 bilhões,22 elevando a proporção
dívida líquida/PIB de 30,01 para 59,93%.23
Naquele
período, o país tinha quebrado três vezes e recorrido duas vezes a empréstimos do
Fundo Monetário Internacional (FMI). A cada vez que o fazia, entregava mais um naco
de sua soberania e de seus legítimos interesses de desenvolvimento. Esse enorme
aumento de carga tributária foi efetuado não para diminuir as taxas de juros, mas
para pagá-las. E é esse governo que segundo parte de nossa imprensa governou com
responsabilidade o país.
E isso
não era tudo. Segundo estudo do Ipea de 2004, cerca de 20 mil clãs familiares, num
país de mais de 200 milhões de habitantes, apropriavam-se de 70% dos juros que o
governo pagava aos detentores de títulos da dívida pública.24 Desde então,
rigorosamente nada foi feito para mudar esse descalabro moral inédito no mundo.
Estava estabelecida uma plutocracia rentista que controlava o sistema político.
Quando Lula assina a chamada “Carta aos brasileiros”, era então parte da esquerda
brasileira que também se submetia ao modelo.”
14 Banco
Central. Disponível em: https://www3.bcb.gov.br/sgspub/localizarseries/localizarSeries.do?method=prepararTelaLocalizarSeries. Acessado em 18 de maio de 2018.
15 O superávit primário gerado somente
pelo governo federal e Banco Central, excetuando-se o das empresas estatais, foi
de 3,25% do PIB, também o maior da série histórica.
16 Isso, a valores de hoje, corrigidos
pelo IGP-M, equivaleria a R$388,6 bilhões, menos do que o Brasil pagou só de juros
em 2017. Ipeadata. Produto Interno Bruto (PIB); Dívida mobiliária interna federal.
Disponível em: http://www.ipeadata.gov.br
17 CERQUEIRA, Ceres Aires. Dívida
externa brasileira. Banco Central do Brasil: Brasília, 2003. Disponível em:
http://www.bcb.gov.br/htms/Infecon/DividaRevisada/03%20Publica%C3%A7%C3%A3o%20Completa.pdf
18 A
dívida pública brasileira. Brasília: Câmara dos Deputados, Coordenação de Publicações, 2005. Disponível
em: http://www2.camara.leg.br/a-camara/estruturaadm/altosestudos/pdf/Livro%20DIVIDA%20PUBLICA.pdf
20 IBGE. Séries históricas e estatísticas.
Carga tributária bruta. Disponível em: http://seriesestatisticas.ibge.gov.br/series.aspx?vcodigo=SCN49
21 CERQUEIRA, Ceres Aires. Op. cit.
22 Ipeadata. Produto Interno Bruto
(PIB); Dívida mobiliária interna federal. Disponível em: http://www.ipeadata.gov.br
23 Ipeadata. Produto Interno Bruto
(PIB); Dívida pública total (líquida). Disponível em: http://www.ipeadata.gov.br/exibeserie.aspx?serid=38388
24 CAMPOS, A.; BARBOSA, A.; POCHMANN,
M.; AMORIN, R.; SILVA, R. Atlas da exclusão social volume 3: Os ricos no
Brasil. 2ª ed. São Paulo: Cortez Editora, 2004.
“O Governo
Lula tentou realizar uma inflexão suave na política econômica, sem abandonar a ortodoxia
do chamado tripé macroeconômico (câmbio flutuante,25 metas de inflação
e superávit primário). As taxas de juros iniciaram uma trajetória de queda consistente,
com a taxa Selic chegando a 10,75% em dezembro de 2010.26 O resultado
é que, ao contrário do Governo FHC, foram gerados sucessivos superávits primários,
derrubando a relação dívida líquida/PIB para 38,48% no fim de 2010.27
Mas
Lula não reverteu o rentismo (manteve as maiores taxas reais de juros do mundo na
maior parte de seu governo) nem o processo de desnacionalização e desindustrialização
da economia (embora tenha executado políticas importantes, como a de conteúdo nacional
da Petrobras, investimentos em refinarias e a reativação da indústria naval). No
entanto, Lula escapou não só da estagnação que tem sido o padrão desde 1980 como
também da crise econômica de 2008. Por quê? Em minha opinião porque, além da relativa
queda das taxas de juros e de políticas industriais setoriais, ele lidou bem com
dois fenômenos que herdou:
1) O
medo do Governo Lula fez, no fim do Governo FHC, a busca por dólar levar a moeda
a ser negociada no dia 17 de outubro de 2002 a R$3,92 (o equivalente a R$11,01 em
valores atuais). Seu governo entregou essa taxa, em 31 de dezembro de 2010, a R$1,66
no dólar comercial28 (R$2,49 em valores atuais29). Essa queda,
possibilitada pelo grande afluxo de dólar com o valor das commodities e a compra
de bônus da dívida pública, criou uma sensação de enriquecimento maior do que a
lastreada no avanço do PIB, e uma bolha de consumo felicitante que, ao mesmo tempo,
diminuía ainda mais a competitividade de nossa indústria.
2) O
déficit crônico nas contas externas brasileiras foi mascarado por uma alta extemporânea
do preço das commodities (minério de ferro, petróleo, grãos) no mercado mundial,
que cobriu nosso déficit na conta de produtos manufaturados.
A bonança
foi bem aproveitada pelo governo para melhorar o perfil da dívida interna e externa,
acumular reservas recordes e financiar a retomada do crescimento. Paralelamente,
políticas sociais exitosas, assim como o aumento real do salário mínimo, elevaram
o poder de consumo de nosso mercado interno. Esse ciclo virtuoso foi interrompido
com a maior crise do capitalismo neste século e uma das maiores de sua história,
a crise econômica de 2008, da qual o Governo Lula pareceu se sair muito bem, com
um choque de crédito governamental que supriu o desaparecimento do dinheiro do mercado
causado pelo pânico da crise.
A Queda do Preço das Commodities
O início
do mandato de Dilma foi marcado pela estagnação mundial causada pela crise econômica
de 2008 e por uma série de ações moralizantes e medidas que tinham a intenção de
melhorar a competitividade de nossa indústria. Na Petrobras, executou uma mudança
completa nos quadros da diretoria, demitindo aqueles que depois viriam a ser denunciados
na Operação Lava Jato, provocando a fúria da base fisiológica do Congresso, liderada
por Eduardo Cunha.
Para
aumentar a produtividade industrial, depois de uma alta nos seis primeiros meses,
começou a baixar a taxa básica de juros até a Selic alcançar 7,25%.30
Paralelamente, para incentivar o consumo, pressionou o setor bancário a diminuir
o spread31 com os créditos mais baratos oferecidos pelos bancos
públicos. Obrigou as prestadoras de energia a baixarem suas tarifas e tentou, via
renúncia fiscal, desonerar fiscalmente a indústria.
Esta
última medida, além de completamente ineficaz, causou um buraco na arrecadação federal
de R$342 bilhões32 entre 2011 e 2015. Esses recursos foram drenados pelas
remessas de lucros das multinacionais, pressionadas por suas matrizes no momento
agudo da crise, ou ainda diretamente para o bolso do empresariado nacional, que
não investiu ou investirá neste país enquanto os juros pagos pelo governo remunerarem
mais que a taxa de retorno médio dos negócios, e não tiver garantias da retomada
dos investimentos do Estado para alavancar a economia.
No geral,
a política econômica do início do primeiro mandato de Dilma fez o país crescer entre
2011 e 2013 a uma média de 3% ao ano, mesmo diante da recessão mundial. Mas então,
no começo de 2013, a política de queda das taxas de juros foi abandonada rapidamente
sob pressão da mídia e dos bancos, os maiores sócios do rentismo brasileiro, que
fizeram uma feroz campanha sobre uma alta inexistente da inflação, a famosa “inflação
do tomate”. Essa volta da alta dos juros, somada aos protestos de junho de 2013,
selou o futuro do Governo Dilma, sendo uma das principais causas do desequilíbrio
fiscal que se agravaria em 2014 e 2015, até chegar ao colapso no Governo Temer.
Como
se não bastasse, então outra triste realidade, a da desindustrialização brasileira,
novamente bateu à nossa porta. Já tivemos, em 1985, a indústria de transformação
responsável por 21,8% do PIB nacional.33 Em 2016, a indústria de transformação
respondeu por somente 11,7% do PIB.34 É verdade que a diminuição da participação
da indústria no PIB é um fenômeno comum às economias avançadas. Entre 1970 e 2007,
a participação da indústria no PIB dos países da Europa Ocidental e países de língua
inglesa caiu de 25% para 15%. Mas nós não somos um país desenvolvido. Os apelos
a uma economia “pós-industrial” ainda são nada mais que um luxo no discurso de nações
altamente industrializadas. Nos países em desenvolvimento da Ásia (incluindo a China),
a participação da indústria no PIB praticamente se manteve: foi de 32% em 1970 para
31% em 2007.35 Já nós, chegamos em 2017 a valores correlatos aos que
alcançávamos em 1910.36
Enquanto
a grande maioria da química fina usada em nossos medicamentos, componentes de nossos
carros e computadores continuavam importados, o preço das commodities que sustentavam
nosso padrão de consumo e comércio com o exterior despencou, voltando a níveis do
início dos anos 2000. Para termos uma ideia, nos primeiros meses do Governo Dilma
chegamos a vender nossa tonelada do minério de ferro a cerca de US$190. Em janeiro
de 2016, às vésperas da derrubada de Dilma, o Brasil chegou a vendê-lo a US$38.37
O governo reagiu a isso com mais populismo cambial, mantendo nossa moeda sobrevalorizada
para deter a inflação, e, diante do agravamento do desequilíbrio, em vez de esclarecer
nossa nova situação à população, preferiu escondê-la para disputar as eleições.
Dilma
cai com o mesmo filme de FHC em 1999: passadas as eleições de 2014 o Brasil começa
a desvalorizar sua moeda, levando a cotação do dólar de cerca de R$2,40 para aproximadamente
R$4 em somente um ano. Ou seja, desvaloriza sua moeda em cerca de 40%38
e atira a taxa de juros a 14,25%39 com o ministro Joaquim Levy na Fazenda.
O país, que já vivia os impactos econômicos negativos das desonerações e consequente
degradação do superávit primário, da crise política e da Operação Lava Jato (que,
segundo a Consultoria Tendências,40 derrubou o PIB de 2015 em 2,5%),
viveu uma tempestade perfeita.
Uma
associação de gângsteres no Congresso, determinados a deter a Lava Jato e a recuperar
os espaços para roubar, decidiu não mais deixar Dilma governar a partir da metade
de 2015. No momento de crise mais aguda do orçamento, promoveram, com o apoio do
então deputado Jair Bolsonaro, uma farra fiscal com uma série de reajustes enormes
e irresponsáveis ao Judiciário e ao Legislativo, ao mesmo tempo que impediam o governo
de gerar receitas para bancá-las. Isso, somado aos efeitos paralisantes da Lava
Jato, à queda das commodities, ao rombo dos juros, ao aumento do desemprego, das
recuperações judiciais e falências, nos jogou na mais aguda crise econômica de nossa
história e criou as condições políticas para o golpe de Estado que encerrou o mais
longo período de normalidade democrática da República e cujos efeitos radicalizantes
sentimos até hoje.
Assim
terminava no Brasil a era dos governos do PT, deixando um saldo medíocre, resultado
de sua falta de projeto nacional de desenvolvimento e covardia em enfrentar os verdadeiros
gargalos brasileiros. De um lado, a importante política de recuperação do salário
mínimo e o Bolsa Família, que, apesar de ser um programa compensatório e não emancipatório,
foi fundamental para que durante algum tempo eliminássemos a miséria absoluta. Do
outro, a completa falta de reformas estruturais. O resumo do saldo dessa política
pode ser vislumbrado em alguns números frios. O crescimento médio do PIB no Governo
FHC foi de 2,3% ao ano, nos governos do PT, 2,6%. A fatia da indústria de transformação
no PIB era de 16,9% em 2003, e em 2014, de 10,9%.41 Em 2003, o Brasil
era o oitavo país mais desigual do mundo,42 e em 2016, o décimo.43
Segundo estudo de Thomas Piketty,44 concentramos renda entre 2001 e 2015.
A fatia da renda nacional apropriada pelos 10% mais ricos da população subiu de
54,3% para 55,3%, enquanto a apropriada pelos 10% mais pobres subiu de 11,3% para
12,3%, e a apropriada pelos 40% intermediários caiu de 34,4% para 32,4%, o que indica
que o discurso de um novo país de classe média nunca passou de mera ilusão.”
25 “Câmbio
flutuante” é uma forma de se determinar o valor de troca da moeda nacional por outras
moedas fundamentalmente na oferta e demanda do mercado. O governo influenciaria
o mínimo possível a determinação desse valor, e para evitar flutuações mais bruscas
neste lançaria mão de compra e venda de moeda nacional com os recursos de suas reservas
internacionais.
26 Banco Central. Histórico das taxas
de juros. Disponível em: https://www.bcb.gov.br/Pec/Copom/Port/taxaSelic.asp
27 Banco Central. Portal de dados
abertos. Disponível em: https://www3.bcb.gov.br/sgspub/consultarvalores/consultarValoresSeries.do?method=consultarGraficoPorId&hdOidSeriesSelecionadas=4536
28 Banco Central. Cotações e boletins.
Disponível em: http://www4.bcb.gov.br/pec/taxas/port/ptaxnpesq.asp?id=txcotacao
29 Valores de abril de 2018 pelo IGP-M.
Banco Central. Calculadora do cidadão. Disponível em: https://www3.bcb.gov.br/CALCIDADAO/publico/exibirFormCorrecaoValores.do?method=exibirFormCorrecaoValores&aba=1
30 Banco Central. Histórico das taxas
de juros. Op. cit.
31 É a diferença entre o preço de
compra e venda de uma ação, título ou transação monetária. Geralmente, se refere
à diferença entre o juro que o banco paga para receber um capital e o juro que ele
cobra para emprestar o mesmo capital, este último certamente maior.
32 Receita Federal. Desonerações instituídas.
Disponível em: http://idg.receita.fazenda.gov.br/dados/receitadata/renuncia-fiscal
33 Em série histórica com metodologia
já em desuso e contabilizando a participação da indústria como um todo no PIB, chegou-se
a 35,9% em 1980. Fiesp. Panorama da Indústria de Transformação brasileira,
18ª edição, 2019. Disponível em: https://www.fiesp.com.br/indices-pesquisas-e-publicacoes/panorama-da-industria-de-transformacao-brasileira/
34 Fiesp. Panorama da Indústria
de Transformação brasileira, 14ª edição, 2017. Disponível em: https://www.fiesp.com.br/indices-pesquisas-e-publicacoes/panorama-da-industria-de-transformacao-brasileira/. Acessado em 18 de maio de 2018.
35 BONELLI, R. & PESSÔA, S. Desindustrialização
no Brasil, um resumo da evidência. Rio de Janeiro: FGV, 2010. Disponível em:
http://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/bitstream/handle/10438/11689/Desindustrializa%C3%A7%C3%A3o%20no%20Brasil.pdf?sequence=1
36 BONELLI, R. & GONÇALVES, R.
Para onde vai a estrutura industrial brasileira. Rio de Janeiro: Ipea, 1998.
Disponível em: https://www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=3806
37 Vale. Índices de minério de ferro.
Disponível em: http://www.vale.com/mozambique/PT/business/mining/iron-ore-pellets/Paginas/Iron-Ore-Indices.aspx
38 Banco Central. Cotações e boletins.
Op. cit.
39 Banco Central. Histórico das taxas
de juros. Op. cit.
40 COSTAS, Ruth. “Escândalo da Petrobras
‘engoliu 2,5% da economia em 2015’.” BBC Brasil, dez. 2015. Disponível em:
http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2015/12/151201_lavajato_ru
41 IBGE. Escolho o ano de 2014 como
parâmetro para não contaminar a avaliação com o efeito desindustrializante da Operação
Lava Jato.
42 Pnud. Relatório de Desenvolvimento
Humano 2005.
43 Pnud. Relatório de Desenvolvimento
Humano 2017.
44 MÁXIMO, Wellton. “Desigualdade
de renda no Brasil não caiu entre 2001 e 2015, revela estudo.” Agência Brasil,
set. 2017. Disponível em: http://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2017-09/desigualdade-de-renda-no-brasil-nao-caiu-entre-2001-e-2015-revela-estudo
“Ainda
gostaria de lembrar que a destruição econômica do país não é causada por esses desvios
éticos, mas sim por nossa desindustrialização e escoamento de nossos recursos para
os juros da dívida interna. Apesar do terrível impacto moral na sociedade, razão
pela qual o combate à corrupção não deve ter tréguas, seu impacto no orçamento nacional
é extremamente limitado, ao contrário do que a imprensa faz parecer. Mesmo porque
a corrupção leva predominantemente um percentual dos recursos para investimento
do Estado, e em 2017 os investimentos federais foram previstos em 1,4% do orçamento.
Enquanto isso, perdemos quase 10% deles no pagamento de uma das taxas de juros mais
altas do mundo.46 A corrupção, sendo uma distorção gravíssima porque
destrói a confiança da população no sistema, não é a causa de nosso atraso econômico.
Essa é uma narrativa falsa imposta por aqueles que não querem mudar o modelo que
fracassa inapelavelmente desde os anos 1980, e que poderia ser perfeitamente chamado
de corrupção institucionalizada, pois é o sequestro do Estado e de suas energias
por uma minoria de poderosos barões do sistema financeiro. O aumento da corrupção
é só mais um sintoma de nossa degradação como sociedade e da percepção generalizada
de injustiça e impunidade.”
46 Projeto
de Lei Orçamentária Anual – Ploa 2017. Disponível em: http://www.orcamentofederal.gov.br/clientes/portalsof/portalsof/orcamentos-anuais/orcamento-2017/p_ploa
“Outro
componente básico da pior depressão de nossa história é a crise política causada
pelo golpe de 2016. Remédio para governo ruim é pressão popular e, no limite, as
eleições seguintes. Impeachment em nossa Constituição é um remédio extremo para
retirar um presidente contra o qual haja provas de crime de responsabilidade dolosamente
praticado no exercício do mandato. É um processo político, pois levado a cabo pelo
Congresso Nacional, mas que não pode prescindir do elemento jurídico e legal: a
comprovação do crime doloso de responsabilidade. E isso, evidentemente, não inclui
uma manobra fiscal (a “pedalada fiscal”) aprovada por pareceres técnicos, executada
por um membro do segundo escalão, que é feita todo ano desde FHC e que não envolve
dolo ou desvio de recursos.
Não
resta mais qualquer dúvida razoável hoje de que o Brasil sofreu um golpe. O uso
de uma forma constitucional sem o conteúdo acusatório adequado não torna legal o
processo. E hoje sabemos que o mesmo Congresso que se inflamou contra as pedaladas
tornou-as legais dois dias depois de afastar a presidente legítima.47
Esse mesmo Congresso negou a autorização para investigação do golpista que ocupou
a Presidência da República desonrando nosso país e nosso povo, mesmo diante de malas
de dinheiro e confissões de crimes gravadas. O ex-presidente da Câmara e hoje condenado
por corrupção Eduardo Cunha, que outrora me processou por tê-lo chamado de corrupto,
aceitou e conduziu o pedido de impeachment. Alguns meses depois estava condenado
por corrupção e preso na Papuda, e teria delatado, segundo a imprensa,48
deputados que teriam recebido dinheiro para votar pelo impeachment.
Julgo
que esse golpe tinha basicamente três interesses poderosos que o levaram a cabo.
O primeiro e o mais evidente hoje era o do sindicato dos corruptos que se articulavam
em torno de Cunha, e queriam “parar a sangria” da Lava Jato e se livrar da cadeia.
O segundo e menos evidente para a população eram os interesses da oligarquia rentista
brasileira, que através dos bancos e da mídia queria, num momento agudo de crise
econômica, garantir a geração de excedentes a qualquer custo para pagar os juros,
o serviço da dívida. Por fim, o último dos interesses poderosos estava mais oculto,
e não teríamos como falar abertamente dele hoje se não fossem os documentos revelados
por Edward Snowden e Julian Assange, que mostraram, logo antes do início da Lava
Jato, a espionagem norte-americana na Petrobras49 e na Presidência da
República que foi denunciada por Dilma e Ângela Merkel na Organização das Nações
Unidas (ONU).50 Esse interesse queria acabar com a Lei do Pré-sal, colocar
a mão em nossas reservas de petróleo, tomar a base de Alcântara, permitir a construção
de bases militares norte-americanas na América do Sul, acabar com o Brics e com
o financiamento pelo BNDES das empresas brasileiras que atuam no exterior. Não surpreende,
nem um pouco, que todos esses interesses tenham sido promessas de campanha do homem
que atualmente ocupa a Presidência da República.”
47 “Após
impeachment, Senado transforma pedaladas fiscais em lei.” Jornal do Brasil,
set. 2016. Disponível em: https://www.jb.com.br/index.php?id=/acervo/materia.php&cd_matia=820982&dinamico=1&preview=1
48 “A lista de Eduardo Cunha.” O
Globo, jul. 2017. Disponível em: http://noblat.oglobo.globo.com/meus-textos/noticia/2017/07/lista-de-eduardo-cunha.html. Acessado em 18 de maio de 2018.
49 “EUA espionaram Petrobras, dizem
papéis vazados por Snowden.” BBC Brasil, set. 2013. Disponível em: http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2013/09/130908_eua_snowden_petrobras_dilma_mm
50 CORRÊA, Alessandra. “ONU aprova
resolução contraespionagem apresentada por Brasil e Alemanha.” BBC Brasil,
dez. 2013. Disponível em: http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2013/12/131218_onu_espionagem_ac
“De Novo a Devastação do Neoliberalismo
O déficit
público em 2014 inteiro, que motivou a campanha da mídia por um representante da
banca na Fazenda, foi de R$17 bilhões. Diminuir em um ponto os juros médios teria
provavelmente resolvido o problema. Mas Dilma cedeu e resolveu aplicar a maior parte
do programa contra o qual se bateu e derrotou na eleição para que a banca e a mídia
aplacassem a direita radicalizada. Promoveu um choque de juros e tarifas públicas
assim que fechadas as urnas e nomeou Joaquim Levy, funcionário do Bradesco e egresso
da Universidade de Chicago, para administrar a economia brasileira. Esse foi, certamente,
um dos maiores estelionatos eleitorais a que pude assistir durante minha vida política.
Seus efeitos deletérios para a crença na democracia representativa e a reputação
da esquerda serão ainda sentidos por muitos anos. Como explicar agora à população
que o que o PT aplicou de fato em 2015 foi o receituário neoliberal?
Com
o Brasil em recessão, crise política e setores inteiros da indústria paralisados
pela Lava Jato, Levy (que depois veio a se tornar presidente do BNDES no Governo
Bolsonaro) jogou querosene para apagar o fogo da crise, cortando investimentos e
mantendo os maiores juros reais do mundo. Ao fazê-lo, colapsou as contas de 2015,
levando o setor público a comprometer assombrosos 8,4% do PIB nacional em pagamento
de juros, ou R$501,8 bilhões, o recorde da história brasileira.51
Com
o golpe consumado em abril de 2016, os golpistas dobraram a aposta no neoliberalismo
nomeando Henrique Meirelles (que tinha sido por oito anos presidente do Banco Central
do Governo Lula) ministro da Fazenda. O novo governo tentou acertar o rombo fiscal
causado por queda de receita com mais corte de investimentos. O resultado está aí.
Em 2016,
o serviço da dívida levou 44% do orçamento federal. Em 2017, levou cerca de 49%
de um orçamento de R$3,5 trilhões, ou seja, R$1,72 trilhões.52 Em 2018
estima-se que tenha levado outros 52% de um orçamento de R$3,55 trilhões, ou seja,
R$ 1,85 trilhão.53 O descontrole da dívida pública, sua apropriação do
orçamento nacional foram galopantes sob o governo daqueles que a mídia trata como
responsáveis fiscais.
Para
termo de comparação, podemos lembrar que a Previdência, ao contrário da campanha
difamatória, consumiu somente 16,8% (R$598,2 bilhões) do orçamento de 2018, os gastos
com pessoal, 8,5% (R$301,3 bilhões, aí incluídos inativos e pensionistas da União54),
e as despesas discricionárias, de onde saem os investimentos, tragicamente, somente
1,8% (R$65 bilhões).55
Enquanto
isso, os juros (R$342,67 bilhões em 2018, ou 9,7% do orçamento56) e a
sonegação (estimada em R$550 bilhões em 201857) destruíram as contas
públicas.
Ao contrário
da maciça propaganda positiva de nossos meios de comunicação, o colapso da nossa
economia só se agravou. Em março de 2018, o déficit do governo central era de assombrosos
R$25,53 bilhões,58 maior que o déficit de todo o ano de 2014 (de R$17
bilhões). Curiosamente, agora esse déficit é tratado como fruto de “responsabilidade
fiscal” por grande parte de nossos “especialistas econômicos”.
Ao contrário
da propaganda de gestão responsável da economia, o Governo Temer foi o maior desastre
fiscal da história brasileira. Terminou seu mandato tendo como meta obter, em vez
de um superávit primário, um déficit primário (!) de R$139 bilhões.59
Obteve R$120,3 bilhões, simplesmente, cerca de sete vezes maior que o de 2014.60
Um dos
motivos para esse déficit foi a rápida degradação das contas da Previdência diante
do desemprego e da informalidade crescentes. A crise atual dessas contas é fundamentalmente
uma crise de receita, e não de despesa.
Com
menos pessoas formalmente empregadas, a arrecadação previdenciária diminui. No primeiro
trimestre de 2018, a taxa de desemprego no Brasil era de 13,1% da população ativa,
o que equivalia a 13,7 milhões de brasileiros desempregados, contra os somente 6,5%
registrados no último trimestre de 2014.61
A informalidade
avançou a passos largos. O Brasil perde em média 1 milhão de empregos formais por
ano desde 2015.62 Em 2017, pela primeira vez neste século, a quantidade
de brasileiros trabalhando na informalidade superou a de brasileiros com emprego
formal.
Já a
reforma trabalhista que entrou em vigor veio complicar mais ainda esse quadro dramático.
Prometendo 2 milhões de empregos63 novos, ela nada entregou diante de
mais de 13 milhões de desempregados em fevereiro deste ano.64 O que ela
veio de fato incentivar é a extinção progressiva do trabalho formal tradicional
e a geração de postos de trabalho que não contribuem necessariamente com a Previdência,
o que causa maior degradação nas contas públicas.
Depois
do mandato de um governo federal que fez tudo o que a mídia e a banca mandaram,
a dívida bruta já passou dos 66,7% do PIB – no mês em que Temer assumiu o governo
– para incríveis 76,7% do PIB em dezembro de 2018.65 Essa disparada do
endividamento ocorreu mesmo com a entrada dos recursos arrecadados com a repatriação
de dinheiro de origem duvidosa evadido do país e com os recursos tomados da descapitalização
do BNDES (o único banco que financiava nosso desenvolvimento). Ocorreu mesmo com
os recursos da “venda” (com o barril de petróleo mais barato que uma latinha de
Coca-Cola) de campos inteiros do nosso pré-sal a empresas estrangeiras, a maioria
estatais, evidenciando a falácia neoliberal que prega a privatização da Petrobras.
Outra
ilusão vendida pelo Governo Temer era sobre os juros efetivamente pagos pela dívida
pública, nossa verdadeira taxa de juros reais. Juros reais são o rendimento do dinheiro
investido descontada a inflação do período, ou seja, quanto efetivamente o credor
ficou mais rico por emprestar o dinheiro.
Essa
ilusão é possível devido à composição de nossa dívida interna. Temos quatro tipos
básicos de títulos na dívida pública federal, cujos rendimentos possuem indexadores
diferentes. O primeiro, correspondendo a somente 35,5% de nossa dívida em 2018,66
remunera o credor a taxas flutuantes. A maioria desses títulos é indexada à Selic.
Temos, no entanto, ainda títulos com rentabilidade prefixada, vinculados a índice
de preços e até ao câmbio. Ou seja, a Selic não é nossa taxa média de juros.
Para
uma estimativa adequada dos juros reais pagos por nossa dívida interna, precisamos
saber o custo médio efetivo dessa, que é uma composição das taxas efetivamente pagas
por todos os tipos de títulos.
Portanto,
enquanto a taxa Selic terminou o ano de 2018 em 6,5%, o custo médio efetivo de nossa
dívida terminou em dezembro de 2018 em 9,86% nos últimos doze meses.67
Como a inflação de 2018 pelo IPCA fechou em 3,75%, a verdade é que, considerando
a taxa de juros real passada (taxa ex-post), nossa taxa real em 2018 foi
de aproximadamente 6,11%. Sob qualquer critério que se adote, estamos entre os seis
países que pagaram juros reais mais altos do mundo em 2018, com a Argentina neoliberal
de Macri liderando o ranking.
Se o
governo paga por seus papéis, de forma segura, mais do que paga a taxa de retorno
dos negócios no Brasil, não é preciso ser prêmio Nobel em economia para deduzir
que ninguém vai pegar dinheiro emprestado para colocar num negócio que remunera
menos que os juros bancários.
E o
custo de tantos desastres econômicos é a volta do aumento da miséria em nosso país.
Só em 2017, enquanto os órgãos de imprensa falavam de recuperação econômica, 1,5
milhão de brasileiras e brasileiros voltaram à extrema pobreza. Em 2018 eram 14,8
milhões de irmãs e irmãos, compatriotas, nessa desesperadora condição.68
Desde o golpe, estima-se que no mínimo 4 milhões de pessoas tenham voltado à extrema
pobreza no Brasil.69
O desastre
do aumento da miséria é agravado por outro desastre moral, que é o aumento da desigualdade
no décimo país mais desigual do mundo. O neoliberalismo tem sido de fato nada mais
que um aparato discursivo para justificar políticas de concentração de renda, e
o que entrega é o aumento da riqueza em mãos dos super-ricos. Em 2016, o índice
Gini (um dos parâmetros de desigualdade usados no mundo) calculado pela Fundação
Getúlio Vargas (FGV) voltou a subir depois de 22 anos de queda.70 A mesma
política econômica que atirou mais de 4 milhões de pessoas na extrema pobreza produziu,
só em 2017, um aumento de 39% no número de bilionários brasileiros. O Brasil levou
quinhentos anos para produzir 31 bilionários e somente o ano de 2017 para produzir
mais doze deles. Enquanto o país agonizava, o patrimônio dessas pessoas cresceu,
em média, 13% em 2017. Hoje, os cinco homens mais ricos do Brasil têm riqueza correlata
à da metade da população mais pobre. Ou seja, cinco cidadãos têm no Brasil a riqueza
equivalente a mais de 100 milhões de pessoas.71
O colapso
social descrito aqui se reflete no aumento da violência que assombra nossas famílias.
Em 2016 tivemos 57.549 assassinatos registrados, enquanto em 2017 tivemos mais de
60 mil.72 Contando com as mortes causadas por intervenção policial, tivemos
cerca de 70.200 óbitos em 2016, o que equivaleu a 12,5% das mortes violentas em
todo o planeta!73 Mais um título mundial terrível para nós: o país que
mais mata no mundo. O Atlas da Violência de 2018 trouxe outra comparação alarmante.
Nos últimos onze anos, por volta de 553 mil pessoas foram assassinadas no Brasil.
Na Síria, em sete anos de guerra, a ONU estima cerca de 500 mil mortos. Ou seja,
nos últimos onze anos, o Brasil teve mais assassinatos que um país em guerra civil
há sete anos.
Infelizmente,
o que nosso governo atual promete em relação a esse quadro é distribuir ainda mais
armas, autorizar a posse e o porte, para que alunos torturados mentalmente possam
facilmente transformar o Brasil numa filial dos assassinatos em massa típicos dos
EUA.
A violência
é um fenômeno de múltiplas causas. Mas todos os fatores que pressionam os índices
de violência pioraram no Governo Temer: a miséria, a desigualdade, a sensação de
impunidade e de injustiça, o mau exemplo das autoridades.
O país
que temos hoje é, na medida das pioras descritas, um produto tanto do estelionato
eleitoral do PT quanto do golpe, apoiado por Bolsonaro, que para derrubar uma presidente
legítima ajudou a implodir a economia com uma série de pautas-bombas cujo objetivo
era somente o de enfraquecê-la. A imagem da classe política se degradou terrivelmente
em todo esse processo, a ponto de, em 2017, pesquisa da Latinobarômetro74
informar que, para 97% dos brasileiros, “o país está governado por alguns grupos
poderosos em seu próprio benefício”.”
51 BARBOSA,
Nelson. Op. cit.
52 Lei Orçamentária Anual – 2017.
Disponível em: http://www.planejamento.gov.br/assuntos/orcamento-1/orcamentos-anuais/orcamento-anual-de-2017
53 Lei Orçamentária Anual – 2018.
Disponível em: http://www.planejamento.gov.br/assuntos/orcamento-1/orcamentos-anuais/orcamento-anual-de-2018
54 O valor chega a R$323,7 bilhões
se contabilizarmos os R$22,4 bilhões referentes à contribuição patronal ao regime
próprio dos servidores.
55 Lei Orçamentária Anual – 2018.
Op. cit.
56 Relatório anual da dívida pública
federal – 2018. Receita Federal. Disponível em: http://www.tesouro.fazenda.gov.br/relatorio-anual-da-divida
57 Sindicato Nacional dos Procuradores
da Fazenda Nacional. Sonegômetro. Disponível em: http://www.quantocustaobrasil.com.br/
58 “Dívida do governo bate novo recorde
em março.” Estado de S. Paulo, abr. 2018. Disponível em: http://economia.estadao.com.br/noticias/geral,setor-publico-tem-rombo-de-r-25-135-bilhoes-em-marco,70002289680
59 Orçamento anual de 2018. Disponível
em: http://www.planejamento.gov.br/assuntos/orcamento-1/orcamentos-anuais/2018/orcamento-anual-de-2018
60 MÁXIMO, Wellton. “Déficit primário
somou R$ 120,3 bilhões em 2018.” Agência Brasil, jan. 2019. Disponível em:
http://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2019-01/deficit-primario-somou-r-1203-bilhoes-em-2018
61 IBGE. “Desemprego volta a crescer
no primeiro trimestre de 2018.” Agência IBGE, abr. 2018. Disponível em: https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/20995-desemprego-volta-a-crescer-no-primeiro-trimestre-de-2018.html
62 IBGE. Pesquisa Nacional por Amostra
de Domicílios Contínua – Pnad Contínua. Disponível em: https://www.ibge.gov.br/estatisticas-novoportal/sociais/trabalho/9171-pesquisa-nacional-por-amostra-de-domicilios-continua-mensal.html?=&t=series-historicas
63 AGUIAR, Adriana. “Reforma trabalhista
não gerou volume de empregos esperado.” Valor Econômico, nov. 2018. Disponível
em: https://www.valor.com.br/legislacao/5969407/reforma-trabalhista-nao-gerou-volume-de-empregos-esperado
64 PARADELLA, Rodrigo. “Desemprego
sobe para 12,4% e população subutilizada é a maior desde 2012.” Agência IBGE,
mar. 2019. Disponível em: https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/24110-desemprego-sobe-para-12-4-e-populacao-subutilizada-e-a-maior-desde-2012
65 Relatório anual da dívida pública
federal – 2018. Receita Federal. Op. cit.
66 Relatório anual da dívida pública
federal – 2019. Receita Federal. Disponível em: http://sisweb.tesouro.gov.br/apex/cosis/thot/transparencia/arquivo/31542:1064336:inline:28082283733871
67 Tesouro Nacional. Séries temporais.
Custo médio mensal da Dívida Pública Mobiliária Federal interna (DPMFi). Disponível
em: https://sisstn.tesouro.gov.br/series-temporais-ext/#/
68 VILLAS BÔAS, Bruno. “Pobreza extrema
aumenta 11% e atinge 14,8 milhões de pessoas.” Valor Econômico, abr. 2018.
Disponível em: http://www.valor.com.br/brasil/5446455/pobreza-extrema-aumenta-11-e-atinge-148-milhoes-de-pessoas
69 PRENGAMAN, P.; DILORENZO, S.; TRIELLI,
D.. “Em 2 anos, milhões ficam abaixo de pobre no Brasil e ganham menos de R$140.”
Uol, 2017. Disponível em: https://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2017/10/24/pobreza-miseria-brasil-recessao.htm?cmpid=copiaecola
70 COSTA, D.; GONÇALVEZ, K.. “Com
crise, desigualdade no país aumenta pela primeira vez em 22 anos.” O Globo,
mar. 2017. Disponível em: https://oglobo.globo.com/economia/com-crise-desigualdade-no-pais-aumenta-pela-primeira-vez-em-22-anos-21061992
71 “Super-ricos estão ficando com
quase toda riqueza, às custas de bilhões de pessoas.” Oxfam Brasil, jan.2018.
Disponível em: https://www.oxfam.org.br/noticias/super-ricos-estao-ficando-com-quase-toda-riqueza-as-custas-de-bilhoes-de-pessoas
72 O número de 59.109 homicídios ainda
não conta com os números completos de Tocantins e Minas Gerais e não leva em conta
os mortos em decorrência de ação policial.
CAESAR, G.; REIS, T. “Brasil registra quase 60 mil pessoas assassinadas em 2017.”
G1, mar. 2018. Disponível em: https://g1.globo.com/monitor-da-violencia/noticia/brasil-registra-quase-60-mil-pessoas-assassinadas-em-2017.ghtml
73 CHADE, Jamil. “Brasil tem maior
número de mortes violentas do mundo.”Estado de S. Paulo, dez. 2017. Disponível
em: http://brasil.estadao.com.br/noticias/geral,brasil-tem-maior-numero-de-mortes-violentas-no-mundo-diz-entidade,70002111415
74 Latinobarômetro 2017. Disponível
em: http://www.latinobarometro.org/LATDocs/F00006433-InfLatinobarometro2017.pdf
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