Editora: Hedra
ISBN: 978-85-7715-549-1
Opinião: ★★★☆☆
Páginas: 800
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Sinopse: Ver Parte
I
“GUERRA E TÉCNICAS DE
COMBATE
Na cultura nórdica da
Era Viking, como parte de uma cultura germânica, a guerra ocupava função
precípua, por meio da qual laços políticos, econômicos e sociais eram
estabelecidos ou refeitos a cada combate. A sorte e a fortuna estavam dispostas
no combate para aqueles que pudessem sobreviver. Aos que não vivessem ao final
do dia, um destino de fama cobria o morto com uma glória que promovia o nome da
família, garantindo prestígio.
A favor dos vikings
contava a capacidade da mobilidade proporcionada por seus navios, com calado
relativamente pequeno, bem como as marchas e deslocamentos feitos em
velocidades superiores a de forças oponentes no mesmo período, em especial pela
leveza dos equipamentos e a natureza de suas ações.
A organização tribal
das sociedades germânicas em um primeiro momento foi a conformada das forças
vikings em combate. Nos primeiros tempos da Era Viking, os laços clânicos e
tribais eram o elo que direcionavam os homens e mulheres a seguirem em combate.
Com o investimento em diversas áreas do norte da Europa, em especial Irlanda e
Inglaterra, esse tipo de organização foi substituído por outro, construído ao
redor do poder político de chefes guerreiros ou grupos de homens de armas que
ofereciam serviços a quem pudesse pagar.
Tais grupos evoluíram
em tamanho, treinamento e efetivo à medida que se processaram as expedições e
invasões vikings em diversas áreas. Um desses grupos guerreiros foi formalizado
através de um tratado entre os rus de Kiev e o imperador bizantino em 874: era
a Guarda Varegue (Varangiana), uma unidade de elite do exército bizantino
subordinada diretamente ao imperador e encarregada de sua proteção, valendo-se
dos costumes germânicos de ligação entre o guerreiro e o seu senhor, de
fidelidade até a morte.
O treinamento dos
guerreiros era feito por familiares ou, em casos mais avançados, por membros
experientes dos grupos guerreiros. Havia uma série de armas ofensivas e defensivas
à disposição e o guerreiro em formação era treinado em todas, embora existisse,
naturalmente, uma preferência por um tipo de armamento com o qual se obtivesse
maior eficiência no manejo.
Espadas e machados
eram as armas ofensivas principais, sendo as espadas mais bem elaboradas garças
aos custos envolvidos em sua produção. Os machados eram mais baratos e ainda
estavam presentes no dia-a-dia, utilizados em diversas tarefas, o que
familiarizava muito o futuro guerreiro, pelo manejo diário, com as funcionalidades
da arma, que podia ser utilizada na mão ou, dependendo do tamanho, arremessada,
produzindo efeito devastador.
Assim como os
machados, variando em tamanhos, as lanças eram outro tipo de arma muito
utilizada pelos vikings, sustentando formações de combate e em arremessos,
sendo populares como os machados, por causa do baixo custo de produção. Apesar
disso, lanças e machados não eram considerados armas “menores” em importância
em relação às espadas, sendo, assim como estas, decoradas com motivos sagrados
pagãos ou cristãos, e com papel mitológico. Deuses portavam machados ou lanças
como armas sagradas tanto quanto espadas.
O último grupo de
armas ofensivas vikings eram arcos e flechas. Embora não sejam muito
conhecidos, existia o uso em larga escala por parte de exércitos germânicos
antes da Era Viking de arcos e flechas, para causar baixas no inimigo, antes ou
durante a batalha, e a Escandinávia não era exceção nisto, ainda mais em
combates navais, onde os arcos eram decisivos para causar baixas nas
tripulações inimigas e facilitar a abordagem de navios hostis. Arcos também
eram de grande valia em expedições de pilhagem e saque, eliminando ou
incapacitando um oponente em relativa distância.
Em matéria de
armamento defensivo, destacam-se os escudos e as proteções individuais, como
armaduras, completas ou não. Os escudos tinham importância vital, e sem eles um
homem não podia tomar parte em expedições, pois só era permitido embarcar
aqueles que portassem um escudo. O escudo era composto basicamente por madeira,
pintada em cores diversas, com um pomo de ferro central, no qual o guerreiro o
manejava, podendo se valer do peso do corpo para sustentá-lo, quando da
formação defensiva mais clássica viking, a parede de escudos, no qual os
guerreiros colocavam os escudos lado a lado.
As armaduras, mais
caras, estavam restritas a quem pudesse pagar pelo fabrico, e o custo se
refletia tanto na qualidade quanto na proteção individual oferecida por elas,
que variava do tronco e cabeça até uma cobertura corporal completa. Os elmos
possuíam formatos que ofereciam desde uma proteção simples da parte superior da
cabeça até uma proteção do todo do rosto e parte da nuca, tendo, normalmente,
trama de cota de malha.
A proteção individual
era composta por armaduras de couro, reforçadas ou não com elementos de ferro,
como pequenas placas ou anéis, tendo um custo que permitia a aquisição por mais
guerreiros. As mais caras eram as cotas de malha, compostas de anéis de ferro
entrelaçados, cuja densidade oferecia proteção contra projéteis como flechas e
dardos ou ao menos reduzia os danos causados por estes. O fabrico de uma cota
de malha exigia alta especialização e capacidade, de maneira que seu acesso era
restrito. No decorrer da Era Viking, o conhecimento se disseminou, e a ascensão
de chefes guerreiros e reis promoveu um maior acesso a elas, em especial na
Normandia, um ducado do Reino de França comandado por um chefe guerreiro viking
a partir de 911.
Com a transformação
dos exércitos vikings e com a ascensão desses chefes guerreiros e reis, a sua
mobilidade foi ressaltada, lançando ataques por todo o litoral e redes fluviais
da Europa no século IX e parte do X. Nesses ataques, compostos tanto por
expedições de pilhagem quanto por invasões, o uso do equipamento por parte dos
guerreiros variava de acordo com a natureza da ação a ser executada.
Em caso de pilhagens,
saques e razias, o armamento leve e ofensivo era privilegiado, como machados,
lanças e arcos e flechas. Escudos eram a proteção individual escolhida, já que
armaduras pesadas como as cotas de malha reduziam a mobilidade e a velocidade
de marcha dos grupos, quando em terra. Em invasões, os vikings lançavam mão de
todo o arsenal disponível, já que a conquista e o estabelecimento de um domínio
eram os objetivos.
A despeito dessa
mobilidade, os vikings não constituíam forças de cavalaria, devido à escassez
de cavalos na Escandinávia e a pouca capacidade de suprir a forragem necessária
a grandes forças de cavaleiros, como os francos podiam fazer. Isso não quer
dizer que eles não soubessem utilizar os cavalos, como demonstrado em diversas
ações na Inglaterra e na França, mas o modo viking de fazer a guerra terrestre
era centrado na infantaria, seja como força de choque ou de inquietação e
desgaste do inimigo mediante o uso de projéteis.
A liberdade de ação
concedida pela superior técnica naval, constituída de conhecimentos de
navegação mais do que por tecnologia, concedeu aos vikings uma capacidade de
deslocamento não vista na Europa até tempos modernos. Valendo-se dos navios, havia
projeção do poder viking em diversas áreas.
Entretanto, o combate
naval não diferia muito do combate terrestre e buscava-se em muito
reproduzi-lo, com a abordagem de embarcações e luta entre as tripulações, com
amarração de um navio ao outro. Havia pouca margem de manobra, de modo que
quando um barco quebrava a formação, fazia-o normalmente para flanqueio da
frota inimiga, para explorar uma brecha na linha inimiga ou ainda para um
ataque direto ao navio que seria a nau capitânia da força inimiga.
E tanto em terra como
no mar, predominava uma técnica de combate de infantaria, típica do modo de
guerra germânico e aprimorada pelos vikings: a parede de escudos (skjaldborg).
A parede variava em tamanho de acordo com o efetivo usado e com a intenção do
comandante. Basicamente, os guerreiros ombreavam uma linha juntos, sobrepondo
escudos de maneira a oferecer uma proteção que permitia avanço ou defesa. A
profundidade da parede variava de uma linha singular a várias, com uso de
lanceiros, tal como nas falanges gregas. A variação se dava quando do ataque,
normalmente um escalão de ataque seguia por trás da parede de escudos,
flanqueando ou apoiando a quebra da parede de escudos quando entrava em choque
com o inimigo.
Normalmente a
formação de uma parede de escudos, tanto em ataque como em defesa, era
acompanhada de uma forte dose de ferocidade, com cantos e gritos de guerra
entoados, de maneira a fortalecer o moral dos guerreiros e sustentar o duro e
violento combate que se seguiria.
A outra formação
tática era em uma disposição das forças em cunha (triangular), com as linhas
reforçadas em profundidade e protegidas por forças nos flancos. Embora a lenda
diga que a técnica foi ensinada pelo deus Odin, é bem mais possível que ela
tenha se desenvolvido com base nos contatos e combates entre os germânicos
continentais e os romanos, que utilizavam uma formação do tipo, intitulada porcinum
capet, que tinha finalidade ofensiva, buscando abrir uma brecha na linha
inimiga pelo choque.
Quanto ao reino da
estratégia, os vikings se utilizavam de diversas técnicas que não somente o
combate frontal e brutal, como o estereótipo medieval. Além da busca pela
utilização do recurso de atacar com efeito de surpresa, para provocar paralisia
e destruição do dispositivo inimigo, seja por combate ou fuga, é possível
encontrar registros de técnicas de desinformação, pela disseminação de boatos,
marchas falsas, uso de recursos como pedidos para enterrar chefes em cidades
sitiadas, entre outros.
Embora com uma
reputação de ferozes combatentes, é importante perceber que os vikings não eram
provocadores de batalha. Suas forças tinham qualidade, por treinamento, técnica
e tecnologia, mas podiam ser derrotadas, como o foram, por anglo-saxões e
francos, para citar alguns. Ainda havia sempre o recurso de buscar eliminar a
liderança em batalha ou por meio de ardis, como foi a tentativa viking de
eliminar o rei anglo-saxão Alfredo, o Grande, ao atacar seu palácio
diretamente.
Um exército viking em
geral fazia o possível para evitar batalha. Não se trata de covardia, mas de
estratégia e judiciosa aplicação de seu poder combativo por parte de suas
lideranças, uma vez que onde eles combatiam rara era a chance de obter novos
guerreiros para completar os vazios abertos pelas baixas em batalha. Portanto,
a escolha de lutar era condicionada a uma grande certeza de vitória.
Isso foi reforçado
pela utilização de fortificações por francos e anglo-saxões para se defenderem
das forças vikings, estabelecendo sistemas defensivos que acabaram por inspirar
as próprias técnicas vikings de fortificação, como se pode observar nas linhas
defensivas de Trelleborg, na Dinamarca, criadas para deter uma invasão franca,
que têm aspectos semelhantes às dos burghs anglo-saxões, estabelecidos
para conter os vikings.” (Guerra e técnicas de combate – Sandro Teixeira
Moita)
“HIDROMEL
As fermentações
naturais de frutas e folhas sempre foram observadas desde a Pré-história e, ao
longo dos séculos, aperfeiçoadas e adaptadas ao paladar de cada região. O
hidromel, um dos fermentados mais antigos de que se tem notícia, é considerado
a bebida dos vikings por excelência. Esse estereótipo já cristalizado de que os
nórdicos se embriagavam com abundante hidromel ainda hoje é difundido sem se
conhecer a fundo como e em quais circunstâncias essa bebida rara e cara era
consumida. O mel, na Era Viking, era recolhido de colmeias selvagens. Portanto,
conseguir mel não era algo tão fácil, fato que o tornava um produto escasso,
destinado exclusivamente para o consumo em ocasiões especiais e, claro, para a
produção de hidromel. Um fermentado simples: mel, água, ervas aromáticas ou
frutas e uma levedura. Esta podia ser uma “levedura selvagem” presente no ar,
que contaminaria a bebida provocando a fermentação alcoólica e, depois de algum
tempo, o hidromel estaria pronto para ser consumido.
O hidromel (mjöð),
além de ser a bebida que proporcionava a inspiração para a arte de se compor
poesia, era também utilizado pelas profetisas, pelos berserkir –
guerreiros consagrados a Odin – para conseguirem atingir o êxtase e,
consequentemente, o furor na batalha. Serviam também, claro, para os líderes,
os grandes guerreiros e os escaldos cantarem as vitórias das batalhas e
glorificarem o deus de um só olho. Mas, devido ao seu ingrediente principal – o
mel – ser raro e também bastante caro, o seu consumo era destinado somente aos
mais ricos e às grandes comemorações de caráter religioso, político e
guerreiro. O hidromel era associado às festas no mundo dos deuses (o banquete
de Égir, Lokasenna 1-65; a cuba mágica dos einherjar, Gylfaginning
38), bem como a poesia e ao próprio Odin (Skáldskaparmál 1). Portanto,
ao contrário da cerveja, o vinho e o hidromel tinham um caráter muito mais
sagrado, sendo destinados aos mais abastados.
Bebida por excelência
dos deuses, guerreiros e chefes, o hidromel era servido a todos os mortos em
combate que adentravam o Valhala. As valquírias, depois de escolherem os mortos
de Odin no campo de batalha, trajavam seus vestidos de trabalho e, com o cabelo
preso com um nó triplo ofereciam o corno cheio de hidromel como uma forma de
boas vindas àqueles que se mostraram corajosos e que agora irão desfrutar pela
eternidade da carne de porco e dessa bebida tão desejada.
As mulheres eram as
responsáveis por fazerem e servirem o hidromel, assim como eram pela cerveja
consumida cotidianamente, durante as festividades. A tarefa era feminina por
excelência, pois eram as mulheres que controlavam o fluxo de alimentos que
entravam e saíam das despensas e também eram responsáveis pelo cuidado com as
ervas utilizadas para dar sabor à bebida e auxiliar na sua fermentação.
Diferentemente do que se difunde atualmente, o hidromel da Era Viking não
possuía uma graduação alcoólica elevada, ficando entre os 4 e 8 graus. A
embriaguez advinda do consumo da bebida não era devido à graduação alcoólica,
mas sim à grande quantidade consumida: já que eram poucos os consumidores, a
quantidade destinada a eles era grande, e uma das qualidades apreciadas em um
grande líder e guerreiro era justamente a gula e a embriaguez pela grande
ingestão de bebida alcoólica. Quanto mais se bebia e comia, mais valoroso era o
homem.
O hidromel tem uma
origem mítica. A bebida era guardada pela giganta Gúnnlod e os deuses e homens
não tinham acesso a ela. Odin, usando de sua astúcia, seduziu a giganta e a
amou por três dias. Depois, metamorfoseado em águia roubou a preciosa bebida
que além de saciar a sede de deuses e guerreiros no post mortem,
inspirou os escaldos a comporem a sua refinada poesia com as gotas que caíram
do bico da águia odínica sobre a suas frontes. O hidromel expelido pela cloaca
da ave inspirou os maus poetas a comporem a sua poesia medíocre.
Atualmente o hidromel
é largamente consumido. Fabricado praticamente em escala industrial,
distancia-se muito da bebida consumida na Era Viking, não só pelos ingredientes
utilizados, como também pelo modo de preparo e graduação alcoólica que
ultrapassa a original. A bebida dos deuses, dos poetas e dos guerreiros no
Valhala ainda inspira canções e poesia, bem como desperta curiosidade daqueles
que querem provar na terra as doçuras dos lábios de Gúnnlod.” (Hidromel
– Luciana de Campos)
“HISTORIOGRAFIA E PSEUDO-HISTÓRIA
Durante o medievo, a
ação de recuperar o passado e utilizá-lo como um locus no qual seus
aspectos seriam modificados para legitimar uma situação política no presente
foi constante. O passado e o presente constantemente faziam parte do mesmo
objeto textual, onde muitas vezes o tempo pretérito era recuperado para servir
de exemplo no presente, principalmente com objetivos de legitimação política.
Dessa forma, um objeto formulado no passado poderia servir, posteriormente,
para diferentes objetivos. O passado poderia ser recuperado ou até modificado
em seus diversos aspectos, tais como o textual, o paleográfico, o codicológico
ou o visual.
A produção de um
objeto historiográfico dependia das circunstâncias políticas e culturais de sua
produção. Nesse sentido, alguns aspectos gerais relacionados à historiografia
medieval podem ser encontrados em diferentes documentos, compostos em distintos
contextos, os quais comentamos a continuação. 1. Os conceitos de actor e
auctor. Durante o medievo, os conceitos de actor e auctor
apresentavam definições distintas, significando, respectivamente, aquele que
produz um livro (ou o responsável pela sua produção) e aquele que tem a
autoridade (auctoritas). 2. A pluralidade do conceito de autoria.
A função do historiador no medievo era descrita de uma forma muito mais ambígua
e plural. Sua ação estava definida nos seguintes verbos: compilare
(compilar), colligere (reunir), excerpere (escolher), breviare
(sintetizar) e redigere (redigir). Considerando o aspecto único de cada
produção historiográfica no medievo, tal pluralidade do conceito de autoria
ajuda a compreender a razão pela qual cada objeto era considerado como uma
composição individual a partir do seu contexto de composição. 3. A concepção
linear da história. Outra característica da historiografia medieval é o
aspecto de linearidade. Uma narrativa em forma linear, com foco em um passado
distante, longínquo e com um término voltado para um presente, apresentava uma
mentalidade contínua que estava de acordo com os documentos que retratavam a
formação de, por exemplo, uma linhagem ou dinastia. 4. A lógica social do
texto histórico. De acordo com Gabrielle M. Spiegel, todo estudo
historiográfico que apresente a perspectiva “texto-contexto” deve considerar a
relação do texto com o momento de composição, no qual o mundo histórico foi
internalizado no texto. De acordo com essa proposta, os textos históricos
medievais não devem ser compreendidos como documentos históricos pouco
confiáveis: eles pertencem a um contexto de composição e a partir deste
adquirem um significado. Nesse sentido, é necessário considerar a interação “texto-contexto”
para descobrir o motivo da composição de um texto historiográfico e,
consequentemente, a intencionalidade do actor ou do patrocinador do
texto. 5. Relação com o passado e a sua representação. O passado
dinástico, a partir de uma perspectiva de sucessão linear, demonstra uma
continuidade fundamentada na legitimação, por exemplo, de uma linhagem. Dessa
forma, a fusão entre presente e passado, reunidos na materialidade do
documento, nos faz refletir sobre a importância do tempo pretérito e sua
relação com a contemporaneidade. 6. Função de legitimação. Um gênero
histórico possui características próprias que eram conhecidas pelos medievais e
por isso eram selecionados dependendo da situação política a ser resolvida ou
recordada. 7. História e política. A relação entre esses dois âmbitos
condensa a participação de todos os outros aspectos citados até aqui, já que
tais âmbitos fazem parte da principal característica da historiografia
medieval. Os gêneros históricos foram utilizados constantemente em termos
políticos, para legitimações políticas, para fins políticos. O passado era o locus
através do qual poder-se-ia transitar e encontrar soluções para situações no
presente, seja através de modificações do passado, seja através “somente” da
recuperação de suas informações que serviriam para serem utilizadas no
presente.
Após a composição
original de um texto pelo seu auctor, sobre o qual este estabelecia sua auctoritas,
as posteriores reproduções dependiam tão somente dos patrocinadores e dos actores,
os quais atuavam de acordo com o contexto em que viviam: eliminavam,
acrescentavam e modificavam as informações de acordo com os seus conhecimentos
linguísticos, religiosos, morais, políticos e literários. Portanto, quando
compunham um manuscrito ou preparavam uma nova cópia, os patrocinadores e actores
realizavam uma tarefa exaustiva e introduziam no objeto a ser preparado informações
que eram próprias do seu tempo histórico.
No caso dos textos
oriundos do norte da Europa, diferentes versões e redações indicam que eles
puderam ser adaptados pelos novos actores (com suas intenções
específicas) ou para as diferentes necessidades dos públicos finais, ou seja,
da audiência. Por exemplo, diversos autores afirmam que uma das principais
obras islandesas, o Landnámabók, foi manipulada em suas composições
posteriores para legitimar reivindicações políticas que emergiram depois de sua
composição. Da mesma forma, ainda sobre as produções historiográficas, a
veracidade de uma história estava relacionada a diversos fatores, tais como o
tema abordado e a relação da escrita com a verdade.
Há uma diversidade de
produtos historiográficos específicos oriundos do território do norte europeu,
dentre os quais encontra-se, por exemplo, as sagas (que podem ser islandesas,
lendárias, reais), as eddas
(tanto em prosa como em poesia), os registros escáldicos (antigas tradições,
narrativas heroicas, narrativas históricas, contos, folclore), as gestas, os
poemas (épicos, rúnicos) e a poesia (éddica, escáldica, pagã, feminina). Tais
produtos, oriundos da historiografia do norte da Europa medieval, apresentam
uma considerável diversidade (temática, material etc.), com diferenças em seus
conteúdos e intencionalidades. Em um âmbito geral, a historiografia nórdica
apresenta algumas características particulares, como, por exemplo, o foco na
história contemporânea. Além disso, difere-se da historiografia continental justamente
por apresentar em seus textos iniciais a escrita vernacular, desde os primeiros
momentos do seu surgimento. Uma característica geral é que a tradição oral e as
produções locais foram utilizadas como fontes para a composição
historiográfica. Tais tradições orais são classificadas como a memória coletiva
do território. No caso da historiografia islandesa, um dos principais aspectos
que a caracterizam é a ausência de versos épicos em um sentido clássico e a
presença de manifestações vernaculares desde suas primeiras expressões. Os
textos historiográficos desse âmbito territorial estão entre os mais antigos
trabalhos escritos na Islândia. Além disso, as produções historiográficas
islandesas apresentaram como foco de atuação o passado imediato antes e depois
da conversão ao cristianismo ocorrida no território. Percebe-se nesses produtos
uma preocupação em mencionar autoridades escritas e testemunhas presenciais,
com o objetivo de destacar sua própria história. Nesse sentido, a perspectiva
genealógica foi muito utilizada, principalmente nos primeiros textos elaborados
durante o contexto da colonização, demonstrando a consciência do vínculo
territorial com a Noruega e, por conseguinte, estabelecendo o ato migratório
como uma ação criativa e legitimadora, o que posteriormente serviu para diluir
gradualmente o vínculo norueguês e afirmar um processo de construção de
identidade local. Por outro lado, a historiografia norueguesa apresentou uma
intensa utilização do latim em seus primórdios; porém, gradativamente a escrita
vernacular foi cada vez mais utilizada.” (Historiografia
e pseudo-história – Luciano José Vianna)
“VIKINGS NA FRANÇA
A primeira incursão
escandinava ao Reino Franco aconteceu em 799, na região de Vendée. Até a década
de 830, contudo, os reides vikings foram esporádicos, concentrados
especialmente na Frísia, Flandres e no estuário do Sena. As principais regiões
do Império Carolíngio atingidas pelas invasões foram a bacia do Sena, a
Aquitânia, a Bretanha, a Nêustria e a área do Meuse, baixo Reno. Na perspectiva
de Simon Coupland, podemos dividir a expansão viking em três fases, tanto na
França quanto na Inglaterra: 1) 790s-840: reides raros e de pequeno
porte às regiões costeiras; 2) 841-875: aumento no número, escopo e escala das
incursões; 3) 876-911: estabelecimento no território ocupado (colonização).
Neil Price, por sua
vez, num estudo de caso sobre a Bretanha, separou as atividades vikings em
cinco etapas: 1) 799-856, primeiros reides; 2) 856-892, agressão à
França; 3) 892-907, paz de Alan, o Grande; 4) 907-939, conquista e ocupação da
Bretanha; 5) 939-1076, últimos vikings. Para o autor, o ano de 856 é um marco
fundamental, pois assinala o início de ofensivas mais intensas à Frância
ocidental. Com efeito, a chamada Grande Invasão (856-862) e o cerco de Paris
(885-886) distinguiam-se das investidas anteriores em virtude de sua meticulosa
organização. Tais balizas cronológicas variam entre os historiadores, visto
que, evidentemente, são meras convenções didáticas – na realidade, nunca
existiu um plano viking (consciente e coletivo) que coordenasse as etapas,
natureza e alcance da expansão na Europa. As invasões e colonizações de partes
da Frância eram feitas por grupos independentes, que, muitas vezes, guerreavam
entre si.
As explicações para
as frequentes vitórias escandinavas sobre os carolíngios já foram (e ainda são)
muito debatidas pela historiografia. Segundo Albert d’Haenens, as causas do
sucesso viking foram a mobilidade de suas tropas (tanto na terra quanto nos
mares/rios) e as estratégias militares, como o ataque surpresa. Janet L.
Nelson, por sua vez, aponta certos motivos, como a escolha do momento propício
para a ofensiva (à noite, p. ex.), a destreza naval e, talvez o mais
importante, a capacidade para construir boas fortificações. Numa visão recente,
Coupland afirma que as razões capitais foram as divisões políticas entre os
francos, bem como a tática dos vikings de erguer acampamentos em locais de
difícil acesso (como em ilhas) e evitar uma batalha aberta e demorada para
reagrupar, reorganizar e, depois, voltar a lutar – sempre em ataques rápidos.
Seja como for, esses
triunfos vikings construíram ao longo dos séculos uma imagem de “catástrofe” do
mundo franco, em decorrência de profundas e duradouras crises socioeconômicas e
políticas que teriam ocorrido. Devemos, no entanto, salientar de antemão que a
ideia de um “catastrofismo” deriva sobretudo do exagero das fontes textuais
daquela época, escritas quase sempre por clérigos. De fato, elas apresentam
muitas vezes uma dicotomia religiosa entre “pagãos” (vikings) e “cristãos”
(francos), num discurso que via os nórdicos como “ameaças apocalípticas”, o
“flagelo” enviado por Deus para punir os pecados dos carolíngios. As
testemunhas oculares também registravam exageros numéricos, muitos deles
relacionados à quantidade de inimigos – em 885, por exemplo, o monge Abbon
Cernuus (c. 850-923) afirma que Paris foi atacada por “mais de mil vezes
quarenta homens”, cifra que não faz sentido quando confrontada à demografia
(franca e viking) e às possibilidades limitadas de transporte e manutenção da
tropa em território hostil.
Em verdade, a partir
da década de 1960, os historiadores e arqueólogos iniciaram uma revisão
historiográfica que matizou a visão “catastrófica” encontrada nas fontes
cristãs e aquelas que eram oriundas de uma interpretação errônea (literal, p.
ex.) dos documentos. É claro que os textos medievais não foram abandonados, mas
eles passaram a ser interpretados principalmente à luz das descobertas
arqueológicas, cada vez mais frequentes a partir da segunda metade do século
XX. Com relação ao impacto dessas invasões no mundo carolíngio, observamos a
mesma reconsideração nos historiadores contemporâneos.
Pierre Bauduin, por
exemplo, lançou uma tese que minimiza os resultados das invasões vikings na
civilização franca. Ele sustenta a ideia de uma “acomodação” dos invasores,
que, obviamente, não estavam numa contínua guerra com os carolíngios. Na
realidade, em várias regiões a consequência da chegada dos nórdicos foi muito
menor do que se imagina. As destruições e combates não foram tão arrasadores e
frequentes; muitas vezes, esses recém-chegados eram absorvidos e seus
assentamentos assimilados por concessões e negociações. Houve uma “aproximação”
entre vikings e carolíngios, na qual variadas estratégias e compromissos eram
usados para atenuar os problemas que surgiam durante a integração e
coexistência. Para o historiador, o caso paradigmático de “acomodação” foi o
estabelecimento dos escandinavos na Nêustria (séculos IX-X), cujo resultado seria
a formação da Normandia. Já o caso clássico da “integração” concedida pelos
carolíngios aos vikings seria o batismo dos chefes nórdicos em solo franco.
Existe uma antiga
teoria de que os vikings eram motivados por um “paganismo militante”, que os
fizeram conduzir uma guerra religiosa contra as populações cristãs da Frância.
Essa proposição foi retomada por John Michael Wallace-Hadrill (1975), que a
defendeu com seis argumentos principais: 1) a alta frequência do uso do termo
“pagão” em referência aos nórdicos; 2) a destruição de igrejas e mosteiros; 3)
o ataque a altares, sacristias e relicários; 4) a tortura de monges e a morte
deles sem uma razão clara; 5) a prática de sacrifício ritual; 6) a aparente
conversão de certos francos ao paganismo. Já Lucien Musset havia afirmado que o
“paganismo agressivo não tinha inspirado muito os vikings”, e coube a Coupland
rebater cada um desses pontos.
Para Coupland, 1) o
termo “pagão” nem sempre é o mais citado nas fontes – na verdade, ele aparece
como sinônimo de “bárbaro”, inclusive em referência aos muçulmanos e eslavos;
2) os edifícios religiosos eram atacados por guardarem riquezas e serem pouco
protegidos; 3) a destruição de relíquias e outros itens era causada, quase
sempre, para a obtenção de ouro e prata que eles continham; 4) não está claro
que as torturas e mortes de cristãos foram causadas por uma “motivação pagã”,
pois os vikings preferiam fazer prisioneiros, que poderiam escravizar ou vender
(resgate); 5) não podemos generalizar, já que provavelmente existe apenas uma
evidência de sacrifício, que teria ocorrido em 845 na região do Sena; 6) nos
casos de conversão ao paganismo, não há qualquer sinal de adoração aos deuses
ou mesmo uma obrigação para isso.
A presença dos
vikings no mundo carolíngio chamou a atenção da Igreja, que, juntamente com a
monarquia, passou a atuar na conversão desses pagãos. Algumas vezes, o batismo
era precedido pela troca de reféns; na maioria dos casos, o “padrinho”
(monarca) franco entregava presentes ao chefe viking batizado. O dinamarquês
Haroldo Klak foi o primeiro soberano escandinavo a ser convertido ao
cristianismo, o que aconteceu em Mainz (826) por iniciativa do imperador Luís,
o Piedoso. As conversões em território franco continuaram nas décadas
seguintes, como o batismo de Weland (862) por Carlos, o Calvo, além daqueles de
Godfrid (882) e Hundeus (897), ambos por Carlos, o Simples. É claro que nem
todas as conversões tiveram êxito, como foi o caso do chefe viking Rodulf, que,
mesmo já sendo batizado, terminou “sua vida de cão com uma morte apropriada” em
873, pelo menos é o que afirma uma fonte carolíngia. De acordo com Stéphane
Coviaux, a partir da segunda metade do século IX, os governantes francos
praticaram esses batismos, em primeiro lugar, para conter as invasões vikings e
proteger o reino – o sentido “missionário” era secundário.” (Vikings na
França – Guilherme Queiroz de Souza)
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