Editora: Hedra
ISBN: 978-85-7715-549-1
Opinião: ★★★☆☆
Páginas: 800
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Sinopse: Passados cerca de dez séculos desde o seu
apogeu na região da Escandinávia, os vikings tornaram-se uma constante no
imaginário ocidental contemporâneo. O Dicionário de História e Cultura da Era
Viking apresenta ao leitor um guia abrangente para seu mundo, suas aventuras,
viagens marítimas, grandes batalhas, explorações e descobertas. Organizado por
uma equipe de especialistas vinculados à instituições nacionais e
internacionais, a obra possui o mérito de combinar pesquisa rigorosa? e, desse
modo, atender ao público especializado? com uma linguagem clara e objetiva,
tornando o livro acessível também ao público em geral, bem como àqueles que
possuem curiosidades e outros interesses extra-acadêmicos acerca do tema.
“No que diz respeito
à aparência tanto de homens como de mulheres durante a Era Viking, podemos
dizer que, de um modo geral, eram elegantes, pois os mais abastados podiam
vestir-se com roupas feitas com a lã de carneiros especiais que produziam uma
lã macia e sedosa, ou então com linho e até com tecidos finos, como a seda
vinda de Bizâncio. Além dos tecidos caros também usavam joias feitas com contas
de vidro, âmbar, conchas, pedras e metais preciosos. Altos, de estatura muito
próxima a dos escandinavos contemporâneos, esses homens e mulheres tinham uma
altura que variava entre 1,70cm e 1,80cm, com cabelos e tez clara em sua
maioria. A constituição física dos nórdicos medievais era muito parecida com a
nossa. Podemos dizer que, devido aos constantes trabalhos braçais realizados
tanto por homens como por mulheres, a musculatura das populações da Era Viking
devia ser mais forte do que atualmente. Os rostos de homens e mulheres eram
mais parecidos do que são hoje. Os rostos femininos possuíam os nervos da testa
protuberantes e, por outro lado, os homens tinham o maxilar saliente e os
nervos menos ressaltados. Essas características faciais ambíguas significam que
é mais difícil decidir sobre o sexo de um esqueleto nórdico baseado apenas no
crânio. Portanto, outros traços precisam ser estudados para identificar o sexo
dos esqueletos, como a largura da pelve.
Os cabelos sempre
foram um dos adornos mais importantes usados tanto por homens como por mulheres
e a eles era dada uma atenção maior, daí a necessidade de pentes especiais para
os seus cuidados diários. Os cabelos podiam ser utilizados simplesmente para se
enfeitar ou seduzir, ou arrumados para agradar aos deuses e, assim,
protegerem-se contra possíveis infortúnios, bem como demonstravam o status
social. Uma farta cabeleira bem arrumada era mais do que um simples acessório
de beleza em uma mulher. Esses penteados podiam apresentar maiores
possibilidades de análise do seu uso e não apenas restringir-se à habilidade
manual para a composição de tranças: essas tramas capilares são reveladoras de
posições sociais, de estado civil, de serviço religioso e de utilização mágica.
Os cabelos longos
sempre estiveram ligados à virilidade, à força e também à liberdade. A
literatura, as artes plásticas, o cinema e mais recentemente os jogos de RPG e
eletrônicos sempre apresentaram os guerreiros mais fortes e as mulheres mais
belas com vastas e espessas cabeleiras – as madeixas femininas muitas vezes
caíam até a altura da cintura ou ainda mais longas. A arte pré-rafaelita sempre
apresentou as mulheres, que na maioria das vezes eram personagens da mitologia
e do folclore nórdicos, com cabelos muito longos e geralmente soltos para
reforçar o seu caráter de sedução e também mostrar que os cabelos muito longos
constituíam um padrão de beleza da Era Viking. Essas representações das longas
cabeleiras, tanto masculinas como femininas, que sobreviveram ao longo do tempo
nas artes e no imaginário popular, foram preservadas em pingentes, em múmias e
na iconografia e são fundamentais para entendermos como as tramas capilares
femininas foram importantes meios de demonstração de condição social e também
de práticas mágico-religiosas. Os cabelos femininos bem compridos eram deixados
soltos pelas mulheres solteiras, sem necessidade de ocultá-los sob lenços ou
toucas, acessórios que eram evidência de matrimônio. As mulheres trançavam seus
cabelos e depois faziam um nó triplo, o valknut, ou nó dos mortos e
envolviam toda a cabeça com uma espécie de touca.
As joias eram muito
usadas por todos e os homens usavam uma grande quantidade de pulseiras de
prata, que podiam ser úteis nas transações comerciais. Por serem objetos fáceis
de transportar, essas joias serviam como valiosas moedas de câmbio. As mulheres
usavam colares de contas caras e raras, pendurados nos broches que prendiam o
avental sobre a túnica. Os broches feitos em prata trabalhada serviam de
suporte para o colar, que muitas vezes tinha como maior pingente as chaves dos
baús e arcas, demonstrando o poder dessa mulher naquela família. Também usavam
brincos de prata com contas e pingentes.” (Aparência
e Costumes – Luciana de Campos)
“Outro ponto central na história do reino dinamarquês
foi o núcleo de estratégias utilizadas pelas elites centrais – reis e jarls
– para integrar as províncias da Dinamarca e unificá-la aos poucos. Alguns
fizeram o uso direto e coercitivo da força, outros utilizaram de seu poder e
influência: houve a promoção e consolidação do militarismo, que facilitou o
controle real sobre cada vez mais pessoas e lugares; a manipulação de antigos
códigos de lei para minar certos direitos e obrigações dos homens livres; a
construção de grandes centros urbanos e, por fim, a adoção de uma nova
religião, o cristianismo, utilizado como ferramenta para aumentar e sustentar
novas relações de poder, mais abrangentes e influentes.
Os fatores decisivos
para unificação da Dinamarca enquanto reino foram, conforme aponta Tina
Thurston, o militarismo, a transformação do aparato jurídico, a urbanização dos
grandes centros e a ascensão do comércio. Além da construção de Danevirke,
outro projeto monumental foi a criação do canal de Kanhave, criado entre os
anos de 728 a 737 d.C. Este canal dividia toda a ilha de Samsø, visando
proporcionar a rápida movimentação marítima de tropas por todo o arquipélago
dinamarquês. Posteriormente, por volta do século X, surgiram várias
fortificações militares espalhadas por todo o reino, construídas em pontos
estratégicos que permitiam o controle e a vigilância militar de toda Dinamarca.
As leis, passadas
oralmente durante a Era Viking, também foram sendo modificadas aos poucos. As
assembleias – Thing – provinham a todos os dinamarqueses o direito de
registrar legalmente suas queixas e resolver suas disputas legais. Elas
existiam não somente como um lugar onde as pessoas se reuniam para participar
no governo, mas eram também onde os reis mantinham sua corte oficial. Havia as
pequenas Thing, onde aqueles que moravam no mesmo distrito se
encontravam, e também as Landstings, maiores, que eram uma espécie de
assembleia regional. Dentre as principais Thing, havia Viborg na
Jutlândia, Odense em Fyn, Lund na Scania e Ringsted em Sjælland. Curiosamente,
todos esses lugares tinham conexões com o sagrado do paganismo e,
posteriormente, vínculos com a Igreja: Viborg significa “lugar de oferenda na
colina”; Odense, “lugar de oferenda a Odin”; Lund, por fim, significa “arvoredo
sagrado”. Além de servir como assembleia regional, Viborg era a maior Thing
de toda nação dinamarquesa da Era Viking: era lá onde o rei da Dinamarca era
eleito pelo povo.
Segundo Thurston, no
quesito urbanização, a ideia de cidade era um conceito completamente estranho
durante a Era Viking. Ainda assim, aos poucos foi se consolidando uma
hierarquia urbana relacionada ao poder real, começando a intervir em questões
como o comércio ou questões políticas importantes. Esses núcleos
administrativos foram construídos em lugares onde fosse possível aproveitar os
recursos naturais de maneira favorável, como em canais, portos e em terras defensáveis
que se conectavam a locais economicamente importantes – estradas, pontes,
fiordes, rotas de comércio, mercados e locais de pesca. Os primeiros centros
urbanos da Dinamarca foram as cidades de comércio próximas à costa, sendo o
mais antigo deles a cidade de Ribe, na parte sul da Jutlândia.
A religião adotada
pela Dinamarca da Era Viking, o paganismo nórdico, não possuía um corpo
dogmático centralizado. A própria ideia de religião não circulava entre os
dinamarqueses, que sequer tinham uma palavra que representasse esse conceito.
Ao invés disso, circulava a palavra sidr, que significava algo como “costume”.
Nenhum dogma específico, chefes religiosos ou templos são mencionados até um
período mais tardio e provavelmente pertencem já ao fim da Era Viking, fruto de
um movimento de resposta ao crescente cristianismo e à construção de igrejas –
e, portanto, não representavam o jeito costumeiro dos dinamarqueses conceberem
sua crença.
Como não possuía um
corpo unificado, a religiosidade viking apresentava diferenças sociais,
temporais e geográficas. Outra razão para que isso acontecesse era o fato de
que os rituais pré-cristãos eram conduzidos de maneira pessoal, numa relação
diretamente situada entre os homens e os deuses, sendo costumeiro que oferendas
e a comunicação com o divino fossem conduzidas particularmente. Não existiam
regras a respeito de como a pessoa deveria se dirigir ao sobrenatural, aos
deuses, ou como entrar em contato com eles, apesar de alguns encantamentos e
entoações desse período terem sido preservados. Era comum que casamentos,
rituais de passagem, juramentos e punições fossem testemunhados de maneira mais
pública e comunitária, acompanhados por rituais religiosos específicos.
Estudos recentes
conduzidos pelo arqueólogo Søren Sindbæk alegam que a Dinamarca foi a
responsável por proporcionar as condições sociais e materiais que inaugurariam
o que chamamos de Era Viking. Os estudos em questão apontam que viagens
marítimas eram realizadas entre a Noruega e Ribe, o centro comercial dinamarquês
mais antigo, muito antes da Era Viking ter começado oficialmente. É possível,
portanto, que os vikings tenham começado a desenvolver sua cultura marítima e a
estabelecer relações comerciais ainda no ano de 725 d.C; muito antes da invasão
à Lindisfarne, em 793 d.C.
Os achados
arqueológicos em questão eram chifres de rena, utilizados sobretudo na produção
de pentes. No entanto, os chifres encontrados em Ribe eram de uma espécie de
rena típica do território norueguês. Tal descoberta aponta para alguns importantes
fatos: primeiramente, que os vikings realizavam grandes viagens marítimas já no
começo do século VIII; que essas famosas viagens marítimas eram feitas para que
se estabelecessem relações de comércio, e não somente para invasões, como se
pensava; por fim, que Ribe, a cidade mais antiga na Dinamarca, já era
desenvolvida o bastante, também no século VIII, para ser palco de um intenso
comércio que abarcava visitantes estrangeiros de regiões distantes.
Foi descoberta, no
ano de 2017, uma sepultura em território dinamarquês que continha os restos de
um viking, provavelmente de alta posição social e, junto dele, uma rédea de
cavalo com detalhes de ouro. Segundo arqueólogos, esse tipo de rédea só estaria
acessível para pessoas altamente poderosas durante a Era Viking, podendo ter
sido um presente do rei em agradecimento a algum tipo de aliança. Os acessórios
datam do ano de 950 d.C., o que significa que os restos encontrados podem ser
de um grande aliado do rei Gorm, o Velho.” (Dinamarca da era viking
– Victor
Hugo Sampaio Alves)
“DUELOS
Entre os escandinavos
da Era Viking a noção de honra (familiar ou individual) era de extrema
importância familiar. Era uma instância de equilíbrio que homem algum podia
deixar que se abalasse e, portanto, ao se deparar com o risco de vê-la
manchada, a passividade não era uma opção para lidar com o assunto. Muitas
vezes tinha início um longo e tortuoso processo de disputas, duelos e rixas, às
vezes individuais, às vezes entre famílias inteiras que, não raramente,
resultava em mortes.
Segundo Gunnvör
Silfrahárr, era comum nas sociedades germânicas que esse processo de retaliação
e vingança tomasse proporções muito maiores do que as do insulto primeiro e
originário. Muitas vezes esse padrão de comportamento vingativo tornava-se um
sangrento ciclo entre famílias: quando uma delas acreditava ter obtido sua
vingança, a outra sentia-se no direito de vingar-se, e assim continuamente. A
tendência era que esse processo se perpetuasse até que, com o passar de
gerações, ou a ofensa inicial fosse esquecida, ou então toda uma linhagem
terminasse morta. Esse tipo de disputa violenta foi glorificada em várias das
sagas islandesas e estava presente também no poema épico anglo-saxão Beowulf,
imortalizando o tema por meio da literatura.
Mesmo um conhecimento
superficial sobre as sagas islandesas suscita a percepção de que elas tratam,
centralmente, sobre as disputas, rixas e duelos. William Miller afirma que esse
tipo de disputa nos informa sobre basicamente todos os aspectos legais e
políticos da Islândia medieval. Para o autor, os duelos surgem nas sagas como
uma estrutura social que permite a expressão de toda a conjuntura das
atividades política, moral e jurídica, atuando também como meios pelos quais
essas mesmas atividades são buscadas, como uma espécie de sanção extrema.
As disputas e rixas
de sangue eram, portanto, de cunho moral em seu aspecto vingativo, um meio de
se punir violações de normas sociais, como a ofensa da honra, o roubo e a
morte. Eram de cunho jurídico quando, na Islândia, ofereciam sanções que
atuavam embasadas em acordos e julgamentos legais. Nesse aspecto, as disputas
ocupavam o lugar de uma espécie de poder executivo frente a um sistema jurídico
que não detinha qualquer outro aparato de execução instituído formalmente pelo
Estado. Por último, elas consistiam também em atos políticos porque funcionavam
como uma das estruturas-chave dentro da qual a competição por poder e a luta
pela dominância ocorriam livremente.
Com o tempo, ao menos
no contexto islandês, as disputas e rixas passaram a ser mediadas e arbitradas
por terceiros – que seriam, em tese, imparciais – e aconteciam, quase que
exclusivamente, por questões relacionadas à vingança e manutenção da honra. A
mediação e arbitragem das rixas surgiram, segundo Gunnvör, como um mecanismo
social de limitação e contenção das disputas e matanças excessivas. Visto que
elas tendiam a aumentar e se proliferar de maneira contínua, passando a
envolver em seus laços de sangue e ódio cada vez mais e mais membros da sociedade,
era benéfico e prudente que essa sociedade desenvolvesse métodos de proteger
não somente os membros envolvidos diretamente e suas famílias, mas a sociedade
como um todo. Do contrário, seria perigoso que se atingisse um número de mortes
que colocasse em risco a estrutura social, ocasionando diversas lacunas – como
a falta de diversificação de papéis sociais e de execução de trabalhos, baixo
índice de natalidade e alto índice de mortalidade, dificuldade em proteger as
terras contra outros etc.
Contudo, esses não
foram os únicos motivos para que as disputas e rixas começassem a ser
reguladas. Conforme elucida Carol Clover, na Islândia medieval, assim como em
outros lugares onde ocorriam essas supracitadas práticas, as disputas eram um
modo de legislação e regulação baseadas e centradas nos clãs. Era do interesse
do Estado – e posteriormente, da Igreja – reduzir o poder dos clãs, das suas
práticas e legislações. A isso soma-se, segundo Jesse Byock, uma das principais
preocupações da sociedade nórdica durante a Era Viking, muito refletida nas
sagas: canalizar a violência desmedida em padrões de disputa aceitáveis,
regulando conflitos. Como proposta a essa resolução surge a prática dos duelos,
que consiste basicamente no desenvolvimento de um duelo “de honra” entre dois
homens como um modo socialmente aceito de se retificar uma ofensa, injúria,
prejuízo ou dano. Esse primeiro passo consistiu numa tentativa de estreitar o
círculo daqueles diretamente envolvidos em cada disputa, reduzindo o número a
apenas um representante de cada um dos lados.
A partir desse ponto,
o duelo passou a ser uma forma legalizada de disputa. Ele se embasava na crença
que circulava por todo o norte da Europa segundo a qual o guerreiro era
glorificado e o covarde, desprezado. Enfatiza Marlene Ciklamini que as sagas,
por lidarem predominantemente com as vidas de famílias notáveis e distintas,
sugerem que era principalmente a classe da aristocracia que se engajava em
duelos, por mais que, aparentemente, o homem comum, mesmo que pobre (desde que
não fosse escravo) também tivesse direito a duelar. Mas a prática, assim como
as leis de maneira geral na Islândia medieval, era feita para favorecer os
poderosos e bem abastados.
Contudo, era possível
que a lógica se invertesse. Na Noruega e Islândia, duelar passou a ser um modo
de ganhar a vida e conquistar bens. Homens com poucos recursos podiam
reivindicar uma propriedade e desafiar o dono para um duelo. Caso vencesse ou o
dono legítimo se recusasse lutar, a propriedade estaria garantida ao desafiador.
Os famosos berserkir e outros guerreiros com reputação igualmente
sinistra por sua força e intrepidez oprimiam frequentemente os ricos nesse
sentido, desafiando-os para duelos, sobre risco de tomarem sua propriedade ou
bens.
A primeira forma de
duelo legalizado na Escandinávia viking foi o einvigi, palavra que
literalmente significa “combate individual”. É possível que o conceito
envolvendo este formato de duelo seja anterior à Era Viking, tendo se originado
entre seus ancestrais germânicos. Cognatos aparecem em sueco antigo (einvighe),
antigo alto-alemão (einwic) e inglês antigo (artwig).
Basicamente, o einvigi consistia numa forma de duelo sem regras e
restrições, lutado com armas à escolha dos participantes, em qualquer
localização e valendo-se de qualquer método de disputa. Segundo Gwyn Jones,
tratava-se, em suma, de uma briga em que se valia tudo para fazer o adversário
desistir.
Os combatentes
envolvidos no einvigi não possuíam qualquer jurado ou árbitro que
apontasse o resultado. Ao contrário dos duelos anglo-saxões, não havia nenhuma
espécie de invocação ou judicium dei antes da luta, ou seja, os
participantes não enxergavam o resultado como uma preferência de algum deus ou
revelação da vontade divina. Dessa forma, ao invés de invocar alguma divindade,
os participantes confiavam em suas habilidades, força e sorte. No Gylfaginning,
Snorri Sturluson cita Ullr como o deus do einvigi, o que poderia ser um
indício de que os participantes o invocassem pontualmente pedindo sua ajuda
para vencer o duelo, porém, não há qualquer indício dessa interferência divina
nas sagas ou qualquer outro material literário. Essa escassez de referências
reforça a ideia de que os participantes não contavam com proteção ou
assistência divina, mas com a própria competência e agilidade. Por isso,
Ciklamini afirma que o einvigi era uma forma de duelo secular, não sendo
visto como um julgamento divino, mas como um atalho direto para resolução
formal de conflitos e para a proteção dos indivíduos contra calúnias, quebra de
juramentos e ofensas à sua honra vindas de seus oponentes.
Apesar de ter atuado
minimizando os efeitos das grandes disputas, ao longo do tempo o einvigi
mostrou possuir defeitos. Se um dos combatentes fosse assassinado durante o
duelo, a seus familiares era concedido o eptirmál, direito legal de
processar o responsável pelo assassinato. As opções para os familiares eram, em
seguida, receber uma indenização pela morte do ente querido, ou requerer
formalmente a vingança. O padrão nesses casos, ressalta Gunnvör, era o caminho
da vingança, que gerava outro processo de vingança pela outra parte, e assim
sucessivamente. Tantas vinganças resultavam, muitas vezes, em grandes rixas
generalizadas entre duas famílias, desembocando no processo sangrento que o
duelo visava evitar a princípio.
Eis que,
posteriormente, outro tipo de duelo surge na parte oeste da Escandinávia. O hólmgang
(ou hólmganga) era um compromisso firmado que surgiu como fruto da união
entre as forças antagônicas do direito privado e do direito comum. Explica Gwyn
Jones que, por um lado, o hólmgang era um duelo direto e simples, lutado
até que um dos lados obtivesse a vitória; por outro, tratava-se de um tipo de
disputa cujos passos eram todos regulamentados por medidas estipuladas em um
rígido código de etiqueta dos duelos, o hólmgõngulög. O hólmgang
era, portanto, um julgamento do valor pessoal de um homem e o teste de suas aptidões
físicas. Sua existência se justificava graças à valorização dada aos atributos
da força e coragem, algo fortemente presente na sociedade islandesa, e também
como um testemunho do quanto as leis islandesas validavam e apreciavam essas
características ao resolver problemas práticos.
Diferentemente do einvigi,
os duelos no hólmgang deveriam acontecer em lugares específicos,
demarcados e delimitados, os hólmgangustadr, que de maneira geral
ficavam em áreas geograficamente mais isoladas. Era comum que cada distrito
tivesse seu lugar específico onde os duelos eram tipicamente realizados. A área
onde a luta ocorria era delimitada com pedras e grandes estacas de madeira, constituindo
uma espécie de ringue, e os participantes não podiam evadir esse espaço. A arma
utilizada costumava ser a espada; cada participante podia contar também com um
escudeiro que substituiria seu escudo durante a luta caso o mesmo quebrasse.
Uma importante característica do hólmgang é o fato de que as feridas
causadas pela disputa eram raramente mortais, pois estipulava-se que a luta
deveria ser encerrada assim que a primeira gota de sangue fosse derramada.
Explica Gwyn Jones que, mesmo em caso de morte durante o duelo, os familiares
do falecido eram proibidos de buscar vingança ou retribuição.
O hólmgang
também era desprovido de qualquer caráter relacionado a um juízo ou escolha
divina de um lutador em detrimento do outro. Não há nenhuma evidência nas sagas
que aponte para esse tipo de percepção acerca do duelo. Ao que tudo indica, os
islandeses, com sua clareza de visão e ceticismo, enxergavam a futilidade de
tal pretensão. Para eles, Thor, Odin, Njord e Freyr compartilhavam com os seres
humanos muitas de suas fraquezas e jamais poderiam ser vistos como árbitros
imparciais daquilo que é certo, errado ou justo. Por isso, o hólmgang
podia até ser, por vezes, um teste moral, mas sempre resolvido com base
exclusivamente nas aptidões físicas dos competidores que, por sua vez,
confiavam em nada mais que sua própria força.
Apesar disso, o duelo
podia ser acompanhado de alguns ritos, como nos mostram, por exemplo, as sagas
de Egill e de Kormáks. Ainda assim, eram cerimônias religiosas pontuais que não
ofereciam quaisquer indícios de pretender invocar os deuses ou suplicar por sua
interferência em prol do competidor cuja reivindicação fosse a mais justa ou
correta. Segundo Jones, há indícios de casos em que um touro era sacrificado
aos deuses. Aparentemente, consta no hólmgõngulög que este sacrifício,
chamado blótnaut, deveria ser feito em todas as ocasiões em que houvesse
um hólmgang, preferencialmente antes da realização do duelo propriamente
dito. Havia também a performance do tjösnublót que, ressalta Ciklamini,
era um ritual mágico realizado com o intuito de afastar possíveis influências
malignas ou invocações feitas previamente para trazer má sorte a um dos
duelistas. Em suma, era um modo de tornar o duelo mais justo e assegurar que
seu resultado fosse mera consequência da força e habilidade dos participantes.”
(Duelos – Victor Hugo Sampaio Alves)
“EXPANSÃO NÓRDICA
Entre os povos da
Europa medieval, provavelmente os povos da Escandinávia foram os que mais
empreenderam longas viagens no continente e para além deste. Viajando por
terra, mar e rios, os nórdicos atravessaram grandes extensões da Europa,
desbravaram o mar do Norte, o arquipélago britânico, chegaram à América do
Norte, passaram pelo norte da África, o Mediterrâneo e se aventuraram na Ásia.
Tudo isso caracterizou um processo longo que se estendeu por quase três
séculos.
As fontes para se
estudar a expansão nórdica são diversas e redigidas em diferentes épocas e
línguas, o que revela não apenas a extensão temporal dessas viagens, mas também
a variedade de lugares e povos que os nórdicos visitaram e conheceram. Além dos
relatos escritos, a arqueologia consiste em outro meio para se estudar a
história dessas expansões, pois os vikings construíram assentamentos, cidades,
entrepostos, túmulos etc. Todavia, o que se conhece sobre a expansão nórdica é
limitado a acontecimentos que foram preservados na escrita ou a vestígios
arqueológicos, de modo que tais fontes não compreendem todas as expedições
realizadas, podendo haver muito mais do que se supõe.
Embora o início da
Era Viking comumente seja situado no século VIII, período que marca o início
das viagens para outros territórios, especialmente a Inglaterra, é provável que
antes disso já houvessem viagens regulares para o norte da Alemanha e outros
territórios que margeiam o mar Báltico. Devido à proximidade destas terras com
a Dinamarca, Noruega e Suécia, além dos achados de moedas romanas, árabes,
francas e outros objetos, tudo indicaria um comércio produtivo na região báltica.
Sendo esse comércio um dos possíveis fatores para que grupos de nórdicos se
aventurassem para o Leste Europeu.
O historiador James
Graham-Campbell também cogita que poderia já existir comércio entre a
Escandinávia e a Inglaterra pelo menos desde o século VII. Ele defende tal
teoria com base na cultura material referente a objetos e túmulos, que em ambos
os lugares eram bem similares. Ele aponta, inclusive, que o estilo artístico do
Período Vendel (séculos VI-VIII) possuía algumas semelhanças com a arte anglo-saxã
da parte oriental da ilha. Tais fatos seriam indicativos do porquê os vikings
decidirem atacar a Inglaterra, pois já existiria determinado conhecimento a
respeito da ilha, e eles não teriam chegado lá por acaso.
No entanto, os
motivos que levaram às expedições nórdicas partiram de diferentes locais e se
constituíram por distintos fatores. James H. Barret comenta que as
justificativas clássicas tendiam a apontar que fatores de ordem climática, como
temperaturas mais baixas, teriam levado grupos a se deslocar da Escandinávia
para outras terras a fim de escapar do frio. Incluem-se também motivos
relacionados a perseguições políticas, guerras e insegurança. O aumento
populacional teria agravado surtos de fome, obrigando populações de certas
regiões a migrarem. E por fim, mencionam-se fatores econômicos relacionados a
uma suposta “corrida da prata” e por metais em geral, devido a sua escassez.
Quando se passa para
a história das expedições, porém, nota-se que as justificativas clássicas nem
sempre eram respostas definitivas. O início das primeiras expedições aconteceu
ainda no século VIII. Em 750 havia um assentamento viking em Staraia Ladoga, ao
sul do lago Ladoga, na atual Rússia. O assentamento teria servido de entreposto
comercial para negócios na região. Pois Staraia Ladoga ficava situada numa
região onde passavam rotas comerciais que ligavam o mar Báltico até a Bulgária
do Volga (Rússia), além de ser ponto de caminho para viagens ao sul. No século
IX, especificamente em 839, é registrada a primeira menção de nórdicos em
Constantinopla (atual Istambul), capital do Império Bizantino.
O caminho para
Constantinopla foi uma rota comercial bastante importante no Leste Europeu, a
ponto de os vikings estabeleceram vários contatos com os povos eslavos,
chegando a formar assentamentos, entrepostos comerciais e até mesmo a controlar
algumas cidades, como no caso de Novgorod (Rússia) no século IX e Kiev
(Ucrânia) no século X. Não obstante, a partir do rio Volga e do mar Negro,
incursões se aventuraram cada vez mais adentro da Ásia, chegando ao território
do Canato de Cazar. Entre 911 e 912 encontram-se relatos de pirataria viking no
mar Cáspio. Data também do ano de 921 o relato do embaixador árabe Ahmad ibn
Fadlan e seu encontro com um grupo de nórdicos na Bulgária do Volga.
Entretanto, se as
expedições no leste parecem ter seguido para um lado mais comercial, as
expedições no oeste, realizadas pelos noruegueses e dinamarqueses, por muito
tempo tiveram um caráter bélico. Na data de 8 de junho de 793, como consta na Crônica
anglo-saxã, o mosteiro de São Cuteberto, na ilha de Lindisfarne, no Reino
da Nortúmbria, foi atacado por pagãos do norte.
Tal acontecimento foi
considerado um marco para a história. Entre os anos de 794 e 799 foram
relatadas novas incursões à Inglaterra, Escócia e Irlanda, todas basicamente
restritas ao intuito da pilhagem. O fato é interessante, pois a Dinamarca,
devido a sua proximidade com a Alemanha, possuía vários importantes centros
comerciais onde se negociava com os povos germânicos, além de acesso a rotas
comerciais que desciam até o Império Franco.
Tentar justificar as
incursões dinamarquesas como oriundas de falta de recursos é problemático. O
mais provável é que se tratasse de iniciativas organizadas por chefes de
determinadas comunidades, os quais buscavam riqueza e fama pessoal, lembrando
que a Dinamarca, Noruega e Suécia não eram Estados unificados, mas conjuntos de
reinos e Estados vassalos que se digladiavam pelo poder. A presença de reis
envolvidos nessas expedições data de vários anos depois.
Porém no século IX
ocorreram grandes mudanças a respeito da forma como a expansão nórdica se
processou. O século IX foi o auge dessas expansões. Nesse período encontramos
reis da Noruega e Dinamarca envolvidos em algumas expedições, como, por exemplo,
o rei Godofredo da Dinamarca declarando guerra ao imperador Carlos Magno da
Francia, para disputar o controle da Frísia, importante região comercial. Anos
depois, em 845, o rei Horik I da Dinamarca ordenou ataque à cidade de Hamburgo
(na atual Alemanha), como data também desse período o início da cobrança do danegeld,
tributo em prata cobrado dos povos atacados, para evitar novas ondas de
invasão.
Não obstante, a
década 840-880 foi bastante intensa na Europa Ocidental. Paris, capital do
Império Franco, foi saqueada pelo menos três vezes. Londres, Kent, Rochester e
outras cidades inglesas foram atacadas regularmente. Datam também da década de
840 as primeiras incursões à Península Ibérica, com ataques a Lisboa, Sevilha,
Cádiz e várias outras cidades, sobretudo no ano de 844. A partir de tais
expedições, os vikings entraram em contato com os muçulmanos do Ocidente, como
também visitaram brevemente o norte da África e se aventuraram pelo mar
Mediterrâneo, passando pelo sul da França e Itália.
Mas, para além dessa
intensa onda de ataques, o século IX também foi marcado pela colonização
norueguesa e dinamarquesa de distintos territórios, principalmente situados no
Atlântico Norte. No caso inglês, o ano de 865-866 culminou com a chegada do
Grande Exército Pagão, que conquistou os reinos saxões da Nortúmbria, Mércia e
Ânglia Oriental, constituindo o Danelaw. A ilha da Irlanda, a ilha de Man, e os
arquipélagos escoceses das Órcades, Faroe, Hébridas e posteriormente a Islândia
foram colonizados no mesmo século.
Nota-se uma mudança
no comportamento das expedições ocidentais, as quais eram inicialmente
esporádicas e motivadas por atos de pirataria e pilhagem. A partir de meados do
século IX, no entanto, tornaram-se expedições voltadas para assegurar
territórios nas terras atacadas, o que culminou no estabelecimento sedentário
de comunidades nórdicas, principalmente nas ilhas mencionadas. Mas esse
processo somente ocorreu décadas depois das primeiras expedições ao arquipélago
britânico e à Francia, o que põe em dúvida a natureza dos fatores como excesso
populacional, fome, guerras, economia e o frio como motivos que levaram as
expedições do século VIII a ter início.
Quando se adentra o
século X, as expedições haviam sofrido uma longa pausa, pois, devido à
colonização e permanência na Inglaterra, Irlanda, ilhas escocesas, Normandia e
no Leste Europeu, reis e chefes optaram em não investir em expedições militares
com maior regularidade. Em termos de novas expansões, destaca-se a descoberta
da Groenlândia em 985 por Érico, o Vermelho.
A partir da
colonização do sul da Groenlândia, navegantes noruegueses começaram a explorar
os arredores, vindo avistar terras no Ocidente no que corresponde à atual
região do Canadá. Os territórios costeiros foram nomeados pelos nomes de Helluland,
Markland e Vínland. Por volta do ano 1000, um dos filhos de Érico, Leif
Ericsson, fundou um povoado em Vínland, mais exatamente na atual ilha de
Newfoundland, Canadá. Consistindo na única povoação viking conhecida na
América. A fundação de uma povoação em Vínland é considerada por alguns
historiadores o último grande feito da expansão nórdica.” (Expansão nórdica
– Leandro Vilar Oliveira)
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