Editora: Boitempo
ISBN: 978-85-7559-548-0
Tradução: Rubens
Enderle
Opinião: ★★★★★
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Páginas: 894
Sinopse: Ver Parte I
“De
nada adianta deduzir essa troca de mais trabalho por menos trabalho da
diferença formal, que nos esclarece que, num caso, ele é trabalho objetivado,
e, no outro, é trabalho vivo24. Isso é tanto mais absurdo pelo valor
de uma mercadoria não ser determinado pela quantidade de trabalho realmente
objetivado nela, mas pela quantidade de trabalho vivo necessário para sua
produção. Digamos que uma mercadoria represente 6 horas de trabalho. Caso
surjam invenções que permitam produzi-la em 3 horas, o valor da mercadoria já
produzida também se reduzirá pela metade. Ela representa, agora, 3 horas de
trabalho social necessário, em vez das 6 horas de antes. O que determina sua
grandeza de valor é, portanto, a quantidade de trabalho requerido para sua produção,
e não sua forma objetivada.
No
mercado, o que se contrapõe diretamente ao possuidor de dinheiro não é, na
realidade, o trabalho, mas o trabalhador. O que este último vende é sua força
de trabalho. Mal seu trabalho tem início efetivamente e a força de trabalho já
deixou de lhe pertencer, não podendo mais, portanto, ser vendida por ele. O
trabalho é a substância e a medida imanente dos valores, mas ele mesmo não tem
valor nenhum25.
Na
expressão “valor do trabalho”, o conceito de valor não só se apagou por
completo, mas converteu-se em seu contrário. É uma expressão imaginária, como
valor da terra. Essas expressões imaginárias surgem, no entanto, das próprias
relações de produção. São categorias para as formas em que se manifestam
relações essenciais. Que em sua manifestação as coisas frequentemente se
apresentem invertidas é algo conhecido em quase todas as ciências, menos na
economia política.26
A
economia política clássica tomou emprestada à vida cotidiana, de modo acrítico,
a categoria “preço do trabalho”, para, em seguida, perguntar-se: como esse
preço é determinado? Ela logo reconheceu que a variação na relação entre oferta
e demanda nada esclarece acerca do preço do trabalho, assim como de que
qualquer outra mercadoria, além de sua variação, isto é, a oscilação dos preços
de mercado abaixo ou acima de certa grandeza. Se oferta e demanda coincidem,
cessa, mantendo-se iguais as demais circunstâncias, a oscilação de preço. Mas,
então, oferta e demanda cessam também de explicar qualquer coisa. Quando oferta
e demanda coincidem, o preço do trabalho é determinado independentemente da
relação entre procura e oferta, quer dizer, é seu preço natural, que, desse
modo, tornou-se o objeto que realmente se deveria analisar. Ou ela tomou um
período mais longo de oscilações do preço de mercado, por exemplo, um ano, e
verificou que suas altas e baixas se compensavam numa grandeza média, uma
grandeza constante. Esta última tinha, naturalmente, de ser determinada de
outro modo que não por suas próprias oscilações, que se compensam umas às
outras. Esse preço que predomina sobre os preços acidentais obtidos pelo
trabalho no mercado e os regula, o “preço necessário” (fisiocratas) ou “preço
natural” do trabalho (Adam Smith), só podia ser, como no caso das outras
mercadorias, seu valor expresso em dinheiro. E assim, por meio dos preços
acidentais do trabalho, a economia política acreditou poder penetrar em seu
valor. Como no caso das demais mercadorias, esse valor continuou a ser
determinado pelos custos de produção. Mas em que consistem os custos de
produção – do trabalhador, isto é, os custos para produzir ou reproduzir o
próprio trabalhador? Inconscientemente, essa questão assumiu, para a economia
política, o lugar da questão original, já que, no que diz respeito aos custos de
produção do trabalho enquanto tais, ela girava num círculo vicioso e não
progredia um passo sequer. Portanto, o que ela chama de valor do trabalho (value
of labour) é, na verdade, o valor da força de trabalho, que existe na
personalidade do trabalhador e é tão diferente de sua função, o trabalho,
quanto uma máquina de suas operações. Ocupada com a diferença entre os preços
de mercado do trabalho e seu assim chamado valor, com a relação entre esse
valor e a taxa de lucro, e entre ele e os valores-mercadoria produzidos
mediante o trabalho etc., a economia política nunca descobriu que o curso da
análise não só tinha evoluído dos preços do trabalho no mercado a seu valor
presumido, mas chegara a dissolver novamente esse mesmo valor do trabalho no
valor da força de trabalho. A inconsciência acerca desse resultado de sua
própria análise, a aceitação acrítica das categorias “valor do trabalho”,
“preço natural do trabalho” etc. como expressões adequadas e últimas da relação
de valor considerada, enredou a economia política clássica, como veremos mais
adiante, em confusões e contradições insolúveis, ao mesmo tempo que ofereceu à
economia vulgar uma base segura de operações para sua superficialidade, fundada
no princípio do culto das aparências. (...)”
24
“Seria necessário chegar a um acordo” (mais uma versão do contrat social
[contrato social]) “de modo que ele sempre trocasse trabalho realizado por
trabalho a realizar, o último” (o capitalista) “teria de receber um valor maior
que o primeiro” (o trabalhador)], Sismondi, De la richesse commerciale
(Genebra, 1803), t. I, p. 37.
25
“O trabalho, medida exclusiva do valor [...] o criador de toda riqueza, não é
uma mercadoria”, T. Hodgskin, Popul. Polit. Econ., cit., p. 186.
26
Ao contrário, explicar tais expressões como mera licentia poetica
[licença poética] apenas revela a impotência da análise. Contra a frase de
Proudhon, “Diz-se que o trabalho é um valor, não como mercadoria propriamente
dita, mas com vista aos valores que, segundo se supõe, nele estão contidos
potencialmente. O valor do trabalho é uma expressão figurada etc.”], observei:
“No trabalho-mercadoria, que é de uma realidade assustadora, ele vê apenas uma
elipse gramatical. Logo, toda a sociedade atual, fundada sobre o
trabalho-mercadoria, está doravante fundada sobre uma licença poética, sobre
uma expressão figurada. Se a sociedade quer ‘eliminar todos os inconvenientes’
que a afligem, pois bem!, que elimine, então, as expressões malsonantes, que
modifique a linguagem, e, para isso, basta que ela se dirija à Académie
e lhe solicite uma nova edição de seu dicionário”, K. Marx, Miséria da filosofia, p. 34-5. Mais cômodo ainda, naturalmente, é não entender por valor
absolutamente nada. Desse modo, é fácil incluir nessa categoria tudo o que se
queira. Como, por exemplo, em J.-B. Say. O que é “valeur” [valor]?
Resposta: “Aquilo que uma coisa vale”. E o que é “prix” [preço]?
Resposta: “O valor de uma coisa expresso em dinheiro”. E por que “o trabalho da
terra [...] tem um valor? Porque se lhe atribui um preço”. Portanto, valor é o
que uma coisa vale, e a terra tem um “valor” porque seu valor é “expresso em
dinheiro”. Esse é, em todo caso, um método muito simples de se compreender o why
[porquê] e o wherefore [em razão de quê] das coisas.
“No exame da “jornada de trabalho” etc., tivemos a oportunidade de
mostrar que o trabalhador é frequentemente forçado a converter seu consumo
individual em mero incidente do processo de produção. Nesse caso, ele se
abastece de meios de subsistência para manter sua força de trabalho em
funcionamento, do mesmo modo como se abastece de carvão e água a máquina a
vapor e de óleo a roda. Seus meios de consumo são, então, simples meios de um
meio de produção, e seu consumo individual é consumo imediatamente produtivo.
Isso se mostra, no entanto, como um abuso não essencial ao processo de produção
capitalista7. A questão assume outro aspecto assim que passamos a
considerar não o capitalista individual e o trabalhador individual, mas a
classe capitalista e a classe trabalhadora, não o processo isolado de produção
da mercadoria, mas o processo de produção capitalista em seu fluxo e em sua
escala social. Quando o capitalista converte parte de seu capital em força de
trabalho, ele valoriza, com isso, seu capital total e mata dois coelhos de uma
cajadada. Ele lucra não apenas com o que recebe do trabalhador, mas também com
o que lhe dá. O capital que foi alienado em troca da força de trabalho é
convertido em meios de subsistência, cujo consumo serve para reproduzir os músculos,
os nervos, os ossos, o cérebro dos trabalhadores existentes e para produzir
novos trabalhadores. Dentro dos limites do absolutamente necessário, portanto,
o consumo individual da classe trabalhadora é a reconversão dos meios de
subsistência, alienados pelo capital em troca da força de trabalho, em nova
força de trabalho a ser explorada pelo capital. Tal consumo é produção e
reprodução do meio de produção mais indispensável ao capitalista: o próprio
trabalhador. O consumo individual do trabalhador continua a ser, assim, um
momento da produção e reprodução do capital, quer se efetue dentro, quer fora
da oficina, da fábrica etc., e quer se efetue dentro, quer fora do processo de
trabalho, exatamente como ocorre com a limpeza da máquina, seja ela realizada durante
o processo de trabalho ou em determinadas pausas deste último. O fato de o
trabalhador realizar seu consumo individual por amor a si mesmo, e não ao
capitalista, não altera em nada a questão. Do mesmo modo, o consumo do animal
de carga não deixa de ser um elemento necessário do processo de produção pelo
fato de o próprio animal se satisfazer com o que come. A manutenção e
reprodução constantes da classe trabalhadora continuam a ser uma condição
constante para a reprodução do capital. O capitalista pode abandonar
confiadamente o preenchimento dessa condição ao impulso de autoconservação e
procriação dos trabalhadores. Ele apenas se preocupa em limitar ao máximo o
consumo individual dos trabalhadores, mantendo-o nos limites do necessário, e
está muito longe daquela rusticidade sul-americana que obriga o trabalhador a
ingerir alimentos mais nutritivos, em vez de outros menos nutritivos8.
É
por isso que o capitalista e seu ideólogo, o economista político, entendem como
produtiva apenas a parte do consumo individual do trabalhador exigida para a
perpetuação da classe trabalhadora, isto é, aquela parte que, de fato, tem de
ser consumida para que o capital consuma a força de trabalho; tudo o que, além
dessa parte, o trabalhador possa consumir para seu próprio prazer é consumo
improdutivo9. Se a acumulação do capital provocasse um aumento do
salário e, portanto, um incremento dos meios de consumo do trabalhador sem ser
acompanhada de um maior consumo de força de trabalho pelo capital, o capital
adicional teria sido consumido improdutivamente10. De fato: o
consumo individual do trabalhador é improdutivo para ele mesmo, posto que
apenas reproduz o indivíduo necessitado, e é produtivo para o capitalista e
para o Estado, pois é produção da força produtora de riqueza alheia11.
Do
ponto de vista social, a classe trabalhadora, mesmo à margem do processo
imediato de trabalho, é um acessório do capital tanto quanto o é o instrumento
morto de trabalho. Mesmo seu consumo individual, dentro de certos limites, não
é mais do que um momento do processo de reprodução do capital. Mas o processo
cuida para que esses instrumentos autoconscientes de produção não se evadam, e
o faz removendo constantemente o produto desses instrumentos do polo que ocupam
para o polo oposto, o polo do capital. Por um lado, o consumo individual cuida
de sua própria conservação e reprodução; por outro lado, mediante a destruição
dos meios de subsistência, ele cuida de seu constante ressurgimento no mercado
de trabalho. O escravo romano estava preso por grilhões a seu proprietário; o
assalariado o está por fios invisíveis. Sua aparência de independência é
mantida pela mudança constante dos patrões individuais e pela fictio juris
do contrato.”
7
Rossi não declamaria tão enfaticamente sobre esse ponto se tivesse penetrado
efetivamente no segredo do “productive consumption” [consumo produtivo].
8
“Os trabalhadores nas minas da América do Sul, cuja ocupação diária (talvez a
mais pesada do mundo) consiste em carregar sobre os ombros, de uma profundidade
de 450 pés até a superfície, uma carga de minério de 100 a 200 libras-peso,
vivem apenas de pão e feijão; eles prefeririam receber apenas o pão como
alimento, mas seus senhores, tendo descoberto que com pão eles não conseguiriam
trabalhar com tanta força, tratam-nos como cavalos e os forçam a comer feijão;
ocorre que o feijão é comparativamente muito mais rico em fosfato de cálcio que
o pão”, Liebig, Die Chemie in ihrer Anwendung auf Agrikultur und Phisiologie,
cit., parte I, p. 194, nota.
9 James Mill, Elements etc., cit., p. 238s.
10
“Se o preço do trabalho subisse tanto que, apesar do acréscimo de capital, não
se pudesse empregar mais trabalho, então eu diria que esse incremento de
capital é consumido improdutivamente”, Ricardo, The Princ. of Pol. Econ.,
cit., p. 163.
11
“O único consumo produtivo propriamente dito é o consumo ou a destruição de
riqueza” (ele se refere ao consumo dos meios de produção) “por capitalistas com
vistas à reprodução [...]. O trabalhador [...] é um consumidor produtivo para a
pessoa que o emprega e para o Estado, mas não o é, em sentido estrito, para si
mesmo”, Malthus, Definitions etc., cit., p. 30.
“Em
seu próprio desenrolar, portanto, o processo capitalista de produção reproduz a
cisão entre força de trabalho e condições de trabalho. Com isso, ele reproduz e
eterniza as condições de exploração do trabalhador. Ele força continuamente o
trabalhador a vender sua força de trabalho para viver e capacita continuamente
o capitalista a comprá-la para se enriquecer17. Já não é mais o
acaso que contrapõe o capitalista e o trabalhador no mercado, como comprador e
vendedor. É o beco sem saída [Zwickmühle] característico do próprio
processo que faz com que o trabalhador tenha de retornar constantemente ao
mercado como vendedor de sua força de trabalho e converte seu próprio produto
no meio de compra nas mãos do primeiro. Na realidade, o trabalhador pertence ao
capital ainda antes de vender-se ao capitalista. Sua servidão econômica é a um
só tempo mediada e escondida pela renovação periódica de sua venda de si mesmo,
pela mudança de seus patrões individuais e pela oscilação do preço de mercado
do trabalho19.
Assim,
o processo capitalista de produção, considerado em seu conjunto ou como
processo de reprodução, produz não apenas mercadorias, não apenas mais-valor,
mas produz e reproduz a própria relação capitalista: de um lado, o capitalista,
do outro, o trabalhador assalariado20.”
17
“O trabalhador exigia meios de subsistência para viver; o patrão exigia
trabalho para lucrar”, Sismondi, Nouv. princ. d’écon. pol., cit., p. 91.
19
Lembremos que, no trabalho das crianças etc., desaparece até mesmo a
formalidade da venda de si mesmo.
20
“O capital pressupõe o trabalho assalariado; o trabalho assalariado pressupõe o
capital. Ambos se condicionam reciprocamente, ambos se produzem reciprocamente.
Um trabalhador numa fábrica de algodão produz apenas tecidos de algodão? Não,
ele produz capital. Ele produz valores que servem novamente para comandar seu
trabalho e, por meio dele, criar novos valores”, Karl Marx, Trabalho
assalariado e capital, em: Nova Gazeta Renana, n. 266, 7 abr. 1849. Os
artigos publicados com esse título na N.Rh.Z. são fragmentos das
conferências que proferi sobre o tema em 1847, na Associação dos Trabalhadores
Alemães em Bruxelas e cuja impressão foi interrompida pela Revolução de
Fevereiro. [A Associação dos Trabalhadores Alemães em Bruxelas, à qual
pertenciam Marx e Engels, voltava-se à realização de atividades culturais e de
agitação política entre os trabalhadores alemães radicados na Bélgica. Foi
fundada em agosto de 1847 e dissolvida pela polícia no início de 1848. A
Revolução de Fevereiro, deflagrada a 24 de fevereiro de 1848, derrubou o rei
Luís Filipe e estabeleceu a Segunda República francesa. (N. T.)]
“Apenas
como capital personificado o capitalista tem um valor histórico e dispõe
daquele direito histórico à existência de que, como diz o espirituoso
Lichnovski, nenhuma data não dispõef Somente
nesse caso sua própria necessidade transitória está incluída na necessidade
transitória do modo de produção capitalista. Ainda assim, porém, sua força
motriz não é o valor de uso e a fruição, mas o valor de troca e seu incremento.
Como fanático da valorização do valor, o capitalista força inescrupulosamente a
humanidade à produção pela produção e, consequentemente, a um desenvolvimento
das forças produtivas sociais e à criação de condições materiais de produção
que constituem as únicas bases reais possíveis de uma forma superior de
sociedade, cujo princípio fundamental seja o pleno e livre desenvolvimento de
cada indivíduo. O capitalista só é respeitável como personificação do capital.
Como tal, ele partilha com o entesourador o impulso absoluto de enriquecimento.
Mas o que neste aparece como mania individual, no capitalista é efeito do
mecanismo social, no qual ele não é mais que uma engrenagem. Além disso, o
desenvolvimento da produção capitalista converte em necessidade o aumento
progressivo do capital investido numa empresa industrial, e a concorrência
impõe a cada capitalista individual, como leis coercitivas externas, as leis
imanentes do modo de produção capitalista. Obriga-o a ampliar continuamente seu
capital a fim de conservá-lo, e ele não pode ampliá-lo senão por meio da
acumulação progressiva.
Por
conseguinte, na medida em que suas ações são apenas uma função do capital que
nele está dotado de vontade e consciência, seu próprio consumo privado
apresenta-se a ele como um roubo contra a acumulação de seu capital, assim como
na contabilidade italiana os gastos privados figuram na coluna daquilo que o
capitalista “deve” ao capital. A acumulação é a conquista do mundo da riqueza
social. Juntamente com a massa de material humano explorado, ela amplia o
domínio direto e indireto do capitalista34.
Mas o pecado original age em toda
parte. Com o desenvolvimento do modo de produção capitalista e o aumento da
acumulação e da riqueza, o capitalista deixa de ser mera encarnação do capital.
Ele sente uma “comoção humana”g por seu próprio Adãoh
e se civiliza ao ponto de ridicularizar a paixão pela ascese como preconceito
do entesourador arcaico. Enquanto o capitalista clássico estigmatizava o
consumo individual como pecado contra sua função e como uma “abstinência” da
acumulação, o capitalista moderno está em condições de conceber a acumulação
como “renúncia” ao seu impulso de fruição. “Vivem-lhe duas almas, ah!, no
seio,/ Querem trilhar em tudo opostas sendas.”i
Nos
primórdios da história do modo de produção capitalista, e todo neófito
capitalista percorre individualmente esse estágio histórico, o impulso de enriquecimento
e a avareza predominam como paixões absolutas. Entretanto, o progresso da
produção capitalista não cria apenas um mundo de desfrutes. Ele abre, com a
especulação e o sistema de crédito, milhares de fontes de enriquecimento
repentino. A certa altura do desenvolvimento, o “desventurado” capitalista deve
praticar, até mesmo como uma necessidade do negócio, um determinado grau
convencional de esbanjamento, que é, ao mesmo tempo, ostentação de riqueza e,
por isso, meio de crédito. O luxo entra nos custos de representação do capital.
Além disso, o capitalista não enriquece como o fazia o entesourador, em
proporção ao seu trabalho e não-consumo [Nichtkonsum] pessoais, mas
quando suga força de trabalho alheia e obriga o trabalhador a renunciar a todos
os desfrutes da vida. Por isso, embora o esbanjamento do capitalista não tenha
jamais o caráter de bona fide [boa-fé] do esbanjamento do pródigo senhor
feudal, nele subjazendo, antes, a mais sórdida avareza e o cálculo mais
angustioso, sua prodigalidade aumenta, contudo, a par de sua acumulação, sem
que uma tenha de prejudicar a outra. Com isso, ao mesmo tempo se desenvolve, no
coração do capitalista, um conflito fáustico entre os impulsos da acumulação e
do desfrute. (...)
Acumulai,
acumulai! Eis Moisés e os profetas!j “A indústria
provê o material que a poupança acumula.”36
Portanto, poupai, poupai, isto é, reconvertei em capital a maior parte possível
do mais-valor ou do mais-produto! A acumulação pela acumulação, a produção pela
produção: nessa fórmula, a economia clássica expressou a vocação histórica do
período burguês. Em nenhum instante ela se enganou sobre as dores de parto da
riqueza37, mas de que adianta lamentar-se diante
da necessidade histórica? Se para a economia clássica o proletário não era mais
que uma máquina para a produção de mais-valor, também o capitalista, para ela,
era apenas uma máquina para a transformação desse mais-valor em mais-capital.
Ela leva rigorosamente a sério a função histórica do capitalista.”
f A 31 de agosto de 1848, na Assembleia Nacional
de Frankfurt, o latifundiário silesiano Lichnovski pronunciou-se – num alemão
que provocou risos nos ouvintes – contra o direito histórico da Polônia à
existência autônoma, direito de que, disse, “nenhuma data não dispõe”. Segundo
Lichnovski, uma data anterior de ocupação do território polonês sempre “poderia
reivindicar” um “direito maior”, como era o caso dos alemães. Esse discurso foi
comentado à época por Marx e Engels, na Nova Gazeta Renana, numa série
de artigos intitulada “Die Polendebatte in Frankfurt” [O debate sobre a Polônia
em Frankfurt] (N. E. A. MEW)
34 Na forma arcaica, ainda que constantemente
renovada, do capitalista, ou seja, no usurário, Lutero ilustra muito
corretamente o afã de poder como elemento do impulso de enriquecimento. “Pela
razão, os pagãos puderam deduzir que um usurário é um ladrão e assassino
elevado à quarta potência. Mas nós cristãos o honramos a tal ponto que quase o
adoramos por seu dinheiro [...]. Quem suga, rouba ou subtrai o alimento de
outrem comete um assassinato tão grande (no que lhe diz respeito) como aquele
que o deixa morrer de fome ou o arruína por completo. Mas é isso que faz um
usurário, sentado com toda a segurança em sua cadeira quando deveria estar
dependurado numa forca e ser devorado por tantos corvos quantos fossem os
florins que ele furtou, se fosse possível que houvesse carne suficiente para
que tantos corvos pudessem despedaçá-la e reparti-la entre si. Enquanto isso,
enforcam-se os pequenos ladrões [...]. Pequenos ladrões vão para o cadafalso,
ladrões grandes se pavoneiam cobertos de ouro e seda. [...] De maneira,
portanto, que não há sobre a Terra maior inimigo do homem (depois do Diabo) do
que um avarento e usurário, pois ele quer ser Deus sobre todos os homens.
Turcos, guerreiros e tiranos são também homens maus, mas se veem obrigados a
deixar as pessoas viverem e a confessar que são maus e inimigos. E
eventualmente podem, e inclusive devem, apiedar-se de algumas delas. Mas um
usurário e avarento desejaria que todo mundo morresse de fome e sede, de
tristeza e miséria, no que dependesse dele, pois assim teria tudo para si, e
que todos recebessem dele como de um Deus e se tornassem eternamente seus
servos. Vestir mantos, portar correntes de ouro, anéis, limpar o focinho e
fazer-se reverenciar como homens virtuosos e piedosos [...]. A usura é um
monstro grande e descomunal, qual um lobisomem que tudo devasta, mais do que
qualquer Caco, Gerião ou Anteu. E, no entanto, enfeita-se e se faz de mansa,
para que ninguém possa ver onde foram parar os bois que ela faz andar para trás
até sua cova. Mas Hércules há de ouvir os bramidos dos bois e dos prisioneiros
e buscará Caco entre as rochas e escolhos e libertará os bois do maligno. Pois
Caco é o nome de um vilão, um usurário hipócrita que furta, rouba, devora tudo.
Finge não ter feito nada e pretende que ninguém o descubra, porque os bois
puxados para trás para seu antro deixam rastros e pegadas como se ele os
tivesse soltado. Portanto, o usurário também quer enganar o mundo, como se ele
fosse útil e desse bois ao mundo, quando na verdade os toma só para si e os devora.
[...]. E, do mesmo modo como os assaltantes de estrada, os assassinos e
bandidos são submetidos ao suplício da roda e decapitados, com muito mais razão
deveriam todos os usurários ser supliciados e mortos [...] banidos,
amaldiçoados e decapitados”, Martinho Lutero, An die Pfarrherrn, wider den
Wucher zu predigen, cit.
g Schiller, Die Bürgschaft. (N. E. A. MEW)
h Isto é, “ele mesmo”.
Na versão francesa, a expressão aparece seguida de “sua carne”. (N. T.)
i J. W. Goethe, Fausto, cit., p. 64. (N. T.)
j A expressão tem aqui
o sentido de: “Isto é o fundamental! É isto que importa!”. (N. T.)
36 A. Smith, Wealth of Nations, cit., livro II, c. III, p. 367.
37 O próprio J. B. Say diz: “As poupanças dos ricos se fazem à custa dos
pobres”, J. B. Say, Traité d’économie politique, cit., v. 1, p. 130-1.
“O proletariado romano vivia quase exclusivamente à custa da sociedade [...].
Poder-se-ia dizer que a sociedade moderna vive à custa dos proletários, da
parte que ela desconta da remuneração de seu trabalho”, Sismondi, Études,
cit., t. I, p. 24.
“(...)
Eden deveria ter perguntado: e as “as instituições burguesas”, são criaturas de
quem? Sob o ângulo da ilusão jurídica, ele não enxerga a lei como produto das
relações materiais de produção, mas, ao contrário, as relações de produção como
produto da lei. Linguet demoliu numa frase o ilusório Esprit des Lois,
de Montesquieu: “L’esprit des lois, c’est la propriété”. [S.-N.-H.
Linguet, Théorie des loix civiles, ou principes fondamentaux de la société
(Londres, 1767), v. 1, p. 236. (N. E. A. MEW)]”
“Além
disso, ainda que o progresso da acumulação diminua a grandeza relativa da parte
variável do capital, ele não exclui de modo algum, com isso, o aumento de sua
grandeza absoluta. Suponha que o valor de um capital se decomponha,
inicialmente, em 50% de capital constante e 50% de variável, e, posteriormente,
em 80% de capital constante e 20% de variável. Se, nesse ínterim, o capital
original, digamos £6 mil, aumentou para £18 mil, seu componente variável também
terá aumentado 1/5. De suas £3 mil anteriores ela chega, agora, a £3.600. Mas
se antes teria bastado um crescimento de 20% de capital para aumentar a demanda
de trabalho em 20%, agora isso requer a triplicação do capital original.
Na
seção IV mostramos como o desenvolvimento da força produtiva social do trabalho
pressupõe a cooperação em larga escala, e como apenas partindo desse
pressuposto se podem organizar a divisão e a combinação do trabalho, poupar
meios de produção mediante sua concentração massiva, criar materialmente meios
de trabalho utilizáveis apenas coletivamente, como o sistema de maquinaria
etc., pôr a serviço da produção forças colossais da natureza e consumar a
transformação do processo de produção na aplicação tecnológica da ciência.
Sobre o fundamento da produção de mercadorias, na qual os meios de produção são
propriedade privada de indivíduos e o trabalhador manual, por conseguinte, ou
produz mercadorias de maneira isolada e autônoma, ou vende sua força de
trabalho como mercadoria porque lhe faltam os meios para produzir por sua
própria conta, aquele pressuposto só se realiza mediante o aumento dos capitais
individuais ou na medida em que os meios sociais de produção e subsistência se
transformam em propriedade privada de capitalistas. O solo da produção de
mercadorias só tolera a produção em larga escala na forma capitalista. Certa
acumulação de capital nas mãos de produtores individuais de mercadorias
constitui, por isso, o pressuposto do modo específico de produção capitalista, razão
pela qual tivemos de pressupô-la na passagem do artesanato para a produção
capitalista. Podemos chamá-la de acumulação primitiva, pois, em vez de
resultado, ela é o fundamento histórico da produção especificamente
capitalista. De que modo ela surge é algo que ainda não precisamos examinar
aqui. Basta dizer que ela constitui o ponto de partida. Devemos assinalar, no
entanto, que todos os métodos para aumentar a força produtiva social do
trabalho surgidos sobre esse fundamento são, ao mesmo tempo, métodos para
aumentar a produção de mais-valor ou mais-produto, que, por sua vez, forma o
elemento constitutivo da acumulação. Portanto, tais métodos servem, ao mesmo
tempo, para produzir capital mediante capital ou para sua acumulação acelerada.
A contínua reconversão de mais-valor em capital apresenta-se como grandeza
crescente do capital que entra no processo de produção. Este se torna, por sua
vez, o fundamento de uma escala ampliada da produção, dos métodos nela
empregados para o aumento da força produtiva do trabalho e a aceleração da
produção de mais-valor. Se, portanto, certo grau da acumulação do capital
aparece como condição do modo de produção especificamente capitalista, este
último provoca, em reação, uma acumulação acelerada do capital. Com a acumulação
do capital desenvolve-se, assim, o modo de produção especificamente capitalista
e, com ele, a acumulação do capital. Esses dois fatores econômicos provocam, de
acordo com a conjugação dos estímulos que eles exercem um sobre o outro, a
mudança na composição técnica do capital, o que faz com que a seu componente
variável se torne cada vez menor em comparação ao componente constante.
Cada
capital individual é uma concentração maior ou menor de meios de produção e
dotada de comando correspondente sobre um exército maior ou menor de
trabalhadores. Cada acumulação se torna meio de uma nova acumulação. Juntamente
com a massa multiplicada da riqueza que funciona como capital, ela amplia sua
concentração nas mãos de capitalistas individuais e, portanto, a base da produção
em larga escala e dos métodos de produção especificamente capitalistas. O
crescimento do capital social se consuma no crescimento de muitos capitais
individuais. Pressupondo-se inalteradas as demais circunstâncias, crescem os
capitais individuais e, com eles, a concentração dos meios de produção na
proporção em que constituem partes alíquotas do capital social total. Ao mesmo
tempo, partes dos capitais originais se descolam e passam a funcionar como
novos capitais independentes. Nisso desempenha um grande papel, com outros
fatores, a divisão do patrimônio das famílias capitalistas. Portanto, com a
acumulação do capital aumenta, em maior ou menor proporção, o número dos
capitalistas. Dois pontos caracterizam esse tipo de concentração, que repousa diretamente
sobre a acumulação ou, antes, é idêntica a ela. Primeiro: a concentração
crescente dos meios sociais de produção nas mãos de capitalistas individuais é,
mantendo-se inalteradas as demais circunstâncias, limitada pelo grau de
crescimento da riqueza social. Segundo: a parte do capital social localizada em
cada esfera particular da produção está repartida entre muitos capitalistas,
que se confrontam como produtores de mercadorias autônomos e mutuamente
concorrentes. Portanto, a acumulação e a concentração que a acompanha estão não
apenas fragmentadas em muitos pontos, mas o crescimento dos capitais em
funcionamento é atravessado pela formação de novos capitais e pela cisão de
capitais antigos, de maneira que, se a acumulação se apresenta, por um lado, como
concentração crescente dos meios de produção e do comando sobre o trabalho, ela
aparece, por outro lado, como repulsão mútua entre muitos capitais individuais.
Essa fragmentação do capital
social total em muitos capitais individuais ou a repulsão mútua entre seus
fragmentos é contraposta por sua atração. Essa já não é a concentração simples,
idêntica à acumulação, de meios de produção e de comando sobre o trabalho. É
concentração de capitais já constituídos, supressão [Aufhebung] de sua
independência individual, expropriação de capitalista por capitalista,
conversão de muitos capitais menores em poucos capitais maiores. Esse processo
se distingue do primeiro pelo fato de pressupor apenas a repartição alterada
dos capitais já existentes e em funcionamento, sem que, portanto, seu terreno
de ação esteja limitado pelo crescimento absoluto da riqueza social ou pelos
limites absolutos da acumulação. Se aqui o capital cresce nas mãos de um homem
até atingir grandes massas, é porque acolá ele se perde nas mãos de muitos
outros homens. Trata-se da centralização propriamente dita, que se distingue da
acumulação e da concentração.
As
leis dessa centralização dos capitais ou da atração do capital pelo capital não
podem ser desenvolvidas aqui. Bastará uma breve indicação dos fatos. A luta
concorrencial é travada por meio do barateamento das mercadorias. O baixo preço
das mercadorias depende, caeteris paribus, da produtividade do trabalho,
mas esta, por sua vez, depende da escala da produção. Os capitais maiores
derrotam, portanto, os menores. Recordemos, ademais, que com o desenvolvimento
do modo de produção capitalista cresce o volume mínimo de capital individual
requerido para conduzir um negócio sob condições normais. Os capitais menores
buscam, por isso, as esferas da produção das quais a grande indústria se
apoderou apenas esporádica ou incompletamente. A concorrência aflora ali na
proporção direta da quantidade e na proporção inversa do tamanho dos capitais
rivais. Ela termina sempre com a ruína de muitos capitalistas menores, cujos
capitais em parte passam às mãos do vencedor, em parte se perdem. Abstraindo
desse fato, podemos dizer que, com a produção capitalista, constitui-se uma
potência inteiramente nova: o sistema de crédito, que em seus primórdios
insinua-se sorrateiramente como modesto auxílio da acumulação e, por meio de
fios invisíveis, conduz às mãos de capitalistas individuais e associados
recursos monetários que se encontram dispersos pela superfície da sociedade em
massas maiores ou menores, mas logo se converte numa arma nova e temível na
luta concorrencial e, por fim, num gigantesco mecanismo social para a
centralização dos capitais.
Na
mesma medida em que se desenvolvem a produção e a acumulação capitalistas,
desenvolvem-se também a concorrência e o crédito, as duas alavancas mais
poderosas da centralização. Paralelamente, o progresso da acumulação aumenta o
material centralizável, isto é, os capitais individuais, ao mesmo tempo que a
ampliação da produção capitalista cria aqui a necessidade social, acolá os
meios técnicos daqueles poderosos empreendimentos industriais cuja realização
está vinculada a uma centralização prévia do capital. Hoje, portanto, a força
de atração mútua dos capitais individuais e a tendência à centralização são
mais fortes do que qualquer época anterior. Mas mesmo que a expansão relativa e
a energia do movimento centralizador sejam determinadas até certo ponto pelo
volume já alcançado pela riqueza capitalista e pela superioridade do mecanismo
econômico, de modo nenhum o progresso da centralização depende do crescimento
positivo do volume do capital social. E é especialmente isso que distingue a
centralização da concentração, que não é mais do que outra expressão para a
reprodução em escala ampliada. A centralização é possível por meio da mera
alteração na distribuição de capitais já existentes, da simples modificação do
agrupamento quantitativo dos componentes do capital social. Se aqui o capital
pode crescer nas mãos de um homem até formar massas grandiosas é porque acolá
ele é retirado das mãos de muitos outros homens. Num dado ramo de negócios, a
centralização teria alcançado seu limite último quando todos os capitais aí
aplicados fossem fundidos num único capital individual77b.
Numa dada sociedade, esse limite seria alcançado no instante em que o capital
social total estivesse reunido nas mãos, seja de um único capitalista, seja de
uma única sociedade de capitalistas.
A
centralização complementa a obra da acumulação, colocando os capitalistas
industriais em condições de ampliar a escala de suas operações. Se esse último
resultado é uma consequência da acumulação ou da centralização; se a
centralização se dá pelo caminho violento da anexação – quando certos capitais
se convertem em centros de gravitação tão dominantes para outros que rompem a
coesão individual destes últimos e atraem para si seus fragmentos isolados –;
ou se a fusão ocorre a partir de uma multidão de capitais já formados ou em
vias de formação, mediante o simples procedimento da formação de sociedades por
ações –; o efeito econômico permanece o mesmo. A extensão aumentada de
estabelecimentos industriais constitui por toda parte o ponto de partida para
uma organização mais abrangente do trabalho coletivo, para um desenvolvimento
mais amplo de suas forças motrizes materiais, isto é, para a transformação
progressiva de processos de produção isolados e fixados pelo costume em
processos de produção socialmente combinados e cientificamente ordenados.
Mas
é evidente que a acumulação, o aumento gradual do capital por meio da reprodução
que passa da forma circular para a espiral, é um procedimento extremamente
lento se comparado com a centralização, que só precisa alterar o agrupamento
quantitativo dos componentes do capital social. O mundo ainda careceria de
ferrovias se tivesse de ter esperado até que a acumulação possibilitasse a
alguns capitais individuais a construção de uma estrada de ferro. Mas a
centralização, por meio das sociedades por ações, concluiu essas construções
num piscar de olhos. E enquanto reforça e acelera desse modo os efeitos da
acumulação, a centralização amplia e acelera, ao mesmo tempo, as revoluções na
composição técnica do capital, que aumentam a parte constante deste último à
custa de sua parte variável, reduzindo, com isso, a demanda relativa de trabalho.
As
massas de capital fundidas entre si da noite para o dia por obra da
centralização se reproduzem e multiplicam como as outras, só que mais
rapidamente, convertendo-se, com isso, em novas e poderosas alavancas da
acumulação social. Por isso, quando se fala do progresso da acumulação social,
nisso se incluem – hoje – tacitamente os efeitos da centralização.
Os
capitais adicionais formados no decorrer da acumulação normal (ver capítulo 22, item 1)
servem preferencialmente como veículos para a exploração de novos inventos e
descobertas, ou aperfeiçoamentos industriais em geral. Com o tempo, porém,
também o velho capital chega ao momento em que se renova da cabeça aos pés,
troca de pele e renasce na configuração técnica aperfeiçoada, em que uma massa
menor de trabalho basta para pôr em movimento uma massa maior de maquinaria e
matérias-primas. Evidentemente, o decréscimo absoluto da demanda de trabalho,
que decorre necessariamente daí, torna-se tanto maior quanto mais já estejam
acumulados, graças ao movimento centralizador, os capitais submetidos a esse
processo de renovação.
Por
um lado, o capital adicional formado no decorrer da acumulação atrai,
proporcionalmente a seu volume, cada vez menos trabalhadores. Por outro lado, o
velho capital, reproduzido periodicamente numa nova composição, repele cada vez
mais trabalhadores que ele anteriormente ocupava.”
77b Nota à quarta edição: Os mais recentes “trusts” ingleses e
americanos já apontam para esse objetivo, procurando unificar numa grande
sociedade por ações, dotada de um monopólio efetivo, ao menos todas as grandes
empresas ativas num ramo de negócios. (F. E.)
“O modo de produção especificamente capitalista, o
desenvolvimento a ele correspondente da força produtiva do trabalho e a
alteração que esse desenvolvimento ocasiona na composição orgânica do capital
não apenas acompanham o ritmo do progresso da acumulação ou o crescimento da
riqueza social. Avançam com rapidez incomparavelmente maior, porque a
acumulação simples ou a ampliação absoluta do capital total é acompanhada pela
centralização de seus elementos individuais, e a revolução técnica do capital
adicional é acompanhada pela revolução técnica do capital original. Com o
avanço da acumulação modifica-se, portanto, a proporção entre as partes constante
e variável do capital; se originalmente era de 1:1, agora ela passa a 2:1, 3:1,
4:1, 5:1, 7:1 etc., de modo que, à medida que cresce o capital, em vez de 1/2
de seu valor total, convertem-se em força de trabalho, progressivamente, apenas
1/3, 1/4, 1/5, 1/6, 1/8 etc., ao passo que se convertem em meios de produção
2/3, 3/4, 4/5, 5/6, 7/8 etc. Como a demanda de trabalho não é determinada pelo
volume do capital total, mas por seu componente variável, ela decresce
progressivamente com o crescimento do capital total, em vez de, como
pressupomos anteriormente, crescer na mesma proporção dele. Essa demanda
diminui em relação à grandeza do capital total e em progressão acelerada com o
crescimento dessa grandeza. Ao aumentar o capital global, também aumenta, na
verdade, seu componente variável, ou seja, a força de trabalho nele
incorporada, porém em proporção cada vez menor. Os períodos em que a acumulação
atua como mera ampliação da produção sobre uma base técnica dada tornam-se mais
curtos. Para absorver um número adicional de trabalhadores de uma dada
grandeza, ou mesmo por causa da metamorfose constante que o capital antigo
sofre a fim de manter ocupados os trabalhadores já em funcionamento, requer-se
não apenas uma acumulação acelerada do capital total em progressão crescente.
Essa acumulação e centralização crescentes, por sua vez, convertem-se numa
fonte de novas variações na composição do capital ou promovem a diminuição
novamente acelerada de seu componente variável em comparação com o componente
constante. Por outro lado, essa diminuição relativa de seu componente variável,
acelerada pelo crescimento do capital total, e numa proporção maior que o
próprio crescimento deste último, aparece, inversamente, como um aumento
absoluto da população trabalhadora, aumento que é sempre mais rápido do que o
do capital variável ou dos meios que este possui para ocupar aquela. A
acumulação capitalista produz constantemente, e na proporção de sua energia e
seu volume, uma população trabalhadora adicional relativamente excedente, isto
é, excessiva para as necessidades médias de valorização do capital e, portanto,
supérflua.
Se
consideramos o capital social total, ora o movimento de sua acumulação provoca
uma variação periódica, ora seus elementos se distribuem simultaneamente entre
as diferentes esferas da produção. Em algumas dessas esferas ocorre, em
decorrência da mera concentração, uma variação na composição do capital sem
crescimento de sua grandeza absoluta; em outras, o crescimento absoluto do
capital está vinculado ao decréscimo absoluto de seu componente variável ou da
força de trabalho por ele absorvida; em outras, ora o capital continua a
crescer sobre sua base técnica dada e atrai força de trabalho suplementar em
proporção ao seu próprio crescimento, ora ocorre uma mudança orgânica e seu
componente variável se contrai; em todas as esferas, o crescimento da parte
variável do capital e, portanto, do número de trabalhadores ocupados,
vincula-se sempre a violentas flutuações e à produção transitória de uma
superpopulação, quer esta adote agora a forma mais notória da repulsão de
trabalhadores já ocupados anteriormente, quer a forma menos evidente, mas não
menos eficaz, de uma absorção mais dificultosa da população trabalhadora
suplementar mediante os canais habituais. Juntamente com a grandeza do capital
social já em funcionamento e com o grau de seu crescimento, com a ampliação da
escala de produção e da massa dos trabalhadores postos em movimento, com o
desenvolvimento da força produtiva de seu trabalho, com o fluxo mais amplo e
mais pleno de todos os mananciais da riqueza, amplia-se também a escala em que
uma maior atração dos trabalhadores pelo capital está vinculada a uma maior
repulsão desses mesmos trabalhadores, aumenta a velocidade das mudanças na
composição orgânica do capital e em sua forma técnica, e dilata-se o âmbito das
esferas da produção que são atingidas por essas mudanças, ora simultânea, ora
alternadamente. Assim, com a acumulação do capital produzida por ela mesma, a
população trabalhadora produz, em volume crescente, os meios que a tornam
relativamente supranumerária. Essa lei de população é peculiar ao modo de
produção capitalista, tal como, de fato, cada modo de produção particular na
história tem suas leis de população particulares, historicamente válidas. Uma
lei abstrata de população só é válida para as plantas e os animais e, ainda
assim, apenas enquanto o ser humano não interfere historicamente nesses
domínios.
Mas
se uma população trabalhadora excedente é um produto necessário da acumulação
ou do desenvolvimento da riqueza com base capitalista, essa superpopulação se
converte, em contrapartida, em alavanca da acumulação capitalista, e até mesmo
numa condição de existência do modo de produção capitalista. Ela constitui um
exército industrial de reserva disponível, que pertence ao capital de maneira
tão absoluta como se ele o tivesse criado por sua própria conta. Ela fornece a
suas necessidades variáveis de valorização o material humano sempre pronto para
ser explorado, independentemente dos limites do verdadeiro aumento
populacional. Com a acumulação e o consequente desenvolvimento da força
produtiva do trabalho aumenta a súbita força de expansão do capital, e não só
porque aumentam a elasticidade do capital em funcionamento e a riqueza
absoluta, da qual o capital não constitui mais do que uma parte elástica, não
só porque o crédito, sob todo tipo de estímulos particulares, e num abrir e
fechar de olhos, põe à disposição da produção, como capital adicional, uma
parte extraordinária dessa riqueza, mas porque as condições técnicas do próprio
processo de produção, a maquinaria, os meios de transporte etc. possibilitam,
em maior escala, a transformação mais rápida de mais-produto em meios de
produção suplementares. A massa da riqueza social, superabundante e
transformável em capital adicional graças ao progresso da acumulação,
precipita-se freneticamente sobre os velhos ramos da produção, cujo mercado se
amplia repentinamente, ou em ramos recém-abertos, como o das ferrovias etc.,
cuja necessidade decorre do desenvolvimento dos ramos passados. Em todos esses
casos, é preciso que grandes massas humanas estejam disponíveis para serem
subitamente alocadas nos pontos decisivos, sem que, com isso, ocorra uma quebra
na escala de produção alcançada em outras esferas. A superpopulação provê essas
massas. O curso vital característico da indústria moderna, a forma de um ciclo
decenal interrompido por oscilações menores de períodos de vitalidade média,
produção a todo vapor, crise e estagnação, repousa sobre a formação constante,
sobre a maior ou menor absorção e sobre a reconstituição do exército industrial
de reserva ou superpopulação. Por sua vez, as oscilações do ciclo industrial
conduzem ao recrutamento da superpopulação e, com isso, convertem-se num dos
mais enérgicos agentes de sua reprodução.
Esse
currículo peculiar da indústria moderna, que não se encontra em nenhuma época
anterior da humanidade, era também impossível na infância da produção
capitalista. A composição do capital só se modificava gradualmente, e à sua
acumulação correspondia, no geral, um crescimento proporcional da demanda de
trabalho. Tal crescimento, tão lento quanto o progresso da acumulação do
capital – se comparado com o da época moderna –, chocava-se com barreiras
naturais da população trabalhadora explorável, as quais só podiam ser removidas
pelos meios violentos que mencionaremos mais tarde. A expansão súbita e
intermitente da escala de produção é o pressuposto de sua contração repentina;
esta última, por sua vez, provoca uma nova expansão, a qual é impossível na
ausência de material humano disponível, isto é, se o número dos trabalhadores
não aumenta independentemente do crescimento absoluto da população. Ela é
criada pelo simples processo que “libera” constantemente parte dos
trabalhadores, por métodos que reduzem o número de trabalhadores ocupados em
relação à produção aumentada. Toda a forma de movimento da indústria moderna
deriva, portanto, da transformação constante de uma parte da população
trabalhadora em mão de obra desempregada ou semiempregada. A superficialidade
da economia política se mostra, entre outras coisas, no fato de ela converter a
expansão e a contração do crédito, que é o mero sintoma dos períodos de mudança
do ciclo industrial, em causa destes últimos. Tão logo iniciam esse movimento
de expansão e contração alternadas, ocorre com a produção exatamente o mesmo
que com os corpos celestes, os quais, uma vez lançados em determinado
movimento, repetem-no sempre. Os efeitos, por sua vez, convertem-se em causas,
e as variações de todo o processo, que reproduz continuamente suas próprias
condições, assumem a forma da periodicidade. (...)
A
produção de uma superpopulação relativa ou a liberação de trabalhadores avança
com rapidez ainda maior do que a – já acelerada com o progresso da acumulação –
revolução técnica do processo de produção e a correspondente redução
proporcional da parte variável do capital em relação à parte constante. Se os
meios de produção, crescendo em volume e eficiência, tornam-se meios de
ocupação dos trabalhadores em menor grau, essa mesma relação é novamente
modificada pelo fato de que, à medida que cresce a força produtiva do trabalho,
o capital eleva mais rapidamente sua oferta de trabalho do que sua demanda de
trabalhadores. O sobretrabalho da parte ocupada da classe trabalhadora engrossa
as fileiras de sua reserva, ao mesmo tempo que, inversamente, esta última
exerce, mediante sua concorrência, uma pressão aumentada sobre a primeira,
forçando-a ao sobretrabalho e à submissão aos ditames do capital. A condenação
de uma parte da classe trabalhadora à ociosidade forçada em razão do
sobretrabalho da outra parte, e vice-versa, torna-se um meio de enriquecimento
do capitalista individual, ao mesmo tempo que acelera a produção do exército
industrial de reserva num grau correspondente ao progresso da acumulação
social. A importância desse fator na formação da superpopulação relativa o
demonstra, por exemplo, o caso da Inglaterra. Seus meios técnicos para
“economizar” trabalho são colossais, no entanto, se amanhã o trabalho fosse
reduzido, de modo geral, a uma medida racional, e fosse graduado de acordo com
as diferentes camadas da classe trabalhadora, conforme a idade e o sexo, a
população trabalhadora existente seria absolutamente insuficiente para conduzir
adiante a produção nacional em sua escala atual. A grande maioria dos
trabalhadores atualmente “improdutivos” teria de ser transformada em
“produtivos”.
Grosso
modo, os movimentos
gerais do salário são regulados exclusivamente pela expansão e contração do
exército industrial de reserva, que se regem, por sua vez, pela alternância
periódica do ciclo industrial. Não se determinam, portanto, pelo movimento do
número absoluto da população trabalhadora, mas pela proporção variável em que a
classe trabalhadora se divide em exército ativo e exército de reserva, pelo
aumento ou redução do tamanho relativo da superpopulação, pelo grau em que ela
é ora absorvida, ora liberada. (...)
Entre
1849 e 1859, simultaneamente à queda dos preços dos cereais, ocorreu nos
distritos agrícolas ingleses um aumento salarial que, na prática, foi apenas
nominal. Em Wiltshire, por exemplo, o salário semanal aumentou de 7 para 8
xelins, em Dorsetshire de 7 ou 8 para 9 xelins etc. Isso foi uma consequência
da evasão extraordinária da superpopulação agrícola, causada pela demanda
bélica e pela expansão massiva das construções de ferrovias, fábricas, minas
etc. Quanto menor o salário, tanto maior será a expressão percentual de
qualquer elevação dele, por mais insignificante que seja. Se o salário semanal
é, por exemplo, de 20 xelins e sobe para 22, ele se eleva em 10%; se, no
entanto, é de apenas 7 xelins e sobe para 9, ele se eleva em 284/7%, o que
parece bastante considerável. Seja como for, os arrendatários gritaram de
indignação, e até o Economist84 de Londres tagarelou com absoluta
seriedade sobre “a general and substantial advance” [um avanço geral e
substancial] com relação a esses salários de fome. O que fizeram, então, os
arrendatários? Esperaram até que os trabalhadores rurais, graças a essas
remunerações esplêndidas, tivessem se multiplicado tanto que seu salário teria
novamente de cair, tal como costuma ocorrer no cérebro do economista dogmático?
Eles introduziram mais maquinaria e, num piscar de olhos, os trabalhadores
voltaram a ser “supranumerários” numa proporção suficiente até mesmo para os
arrendatários. Agora havia “mais capital” investido na agricultura do que
antes, e de forma mais produtiva. Com isso, a demanda de trabalho caiu não
apenas de modo relativo, mas absoluto.
Essa
ficção econômica confunde as leis que regem o movimento geral do salário – ou a
relação entre a classe trabalhadora, isto é, a força de trabalho em seu
conjunto, e o capital total da sociedade – com as leis que distribuem a
população trabalhadora entre as esferas particulares da produção. Se, por
exemplo, em decorrência de uma conjuntura favorável, a acumulação é
especialmente intensa numa determinada esfera da produção, fazendo com que os
lucros sejam aí maiores do que os lucros médios e atraindo para ela o capital
adicional, então ocorre, naturalmente, um aumento da demanda de trabalho e do
salário. O salário mais alto atrai uma parte maior da população trabalhadora
para a esfera favorecida, até que ela esteja saturada de força de trabalho e o
salário caia novamente para o nível médio anterior ou, caso o afluxo tenha sido
grande demais, para um nível abaixo dele. Nesse caso, a imigração de
trabalhadores para o ramo de atividades em questão não apenas é interrompida,
como dá até mesmo lugar à sua emigração. Aqui, o economista político crê
vislumbrar “onde e como”, com o incremento do salário, ocorre um incremento
absoluto de trabalhadores e, com o incremento absoluto de trabalhadores, uma
redução do salário, mas na verdade ele só enxerga a oscilação local do mercado
de trabalho de uma esfera específica da produção, nada mais do que fenômenos da
distribuição da população trabalhadora nas diferentes esferas de investimento
do capital, conforme suas necessidades mutáveis.
Nos
períodos de estagnação e prosperidade média, o exército industrial de reserva
pressiona o exército ativo de trabalhadores; nos períodos de superprodução e
paroxismo, ele barra suas pretensões. A superpopulação relativa é, assim, o
pano de fundo sobre o qual se move a lei da oferta e da demanda de trabalho.
Ela reduz o campo de ação dessa lei a limites absolutamente condizentes com a avidez
de exploração e a mania de dominação próprias do capital. (...)
Quanto
maiores forem a riqueza social, o capital em funcionamento, o volume e o vigor
de seu crescimento e, portanto, também a grandeza absoluta do proletariado e a
força produtiva de seu trabalho, tanto maior será o exército industrial de
reserva. A força de trabalho disponível se desenvolve pelas mesmas causas que a
força expansiva do capital. A grandeza proporcional do exército industrial de
reserva acompanha, pois, o aumento das potências da riqueza. Mas quanto maior
for esse exército de reserva em relação ao exército ativo de trabalhadores,
tanto maior será a massa da superpopulação consolidada, cuja miséria está na
razão inversa do martírio de seu trabalho. Por fim, quanto maior forem as
camadas lazarentas da classe trabalhadora e o exército industrial de reserva,
tanto maior será o pauperismo oficial. Essa é a lei geral, absoluta, da
acumulação capitalista. Como todas as outras leis, ela é modificada, em sua
aplicação, por múltiplas circunstâncias, cuja análise não cabe realizar aqui.
(...)
A
lei segundo a qual uma massa cada vez maior de meios de produção, graças ao
progresso da produtividade do trabalho social, pode ser posta em movimento com
um dispêndio progressivamente decrescente de força humana, é expressa no
terreno capitalista – onde não é o trabalhador quem emprega os meios de
trabalho, mas estes o trabalhador – da seguinte maneira: quanto maior a força
produtiva do trabalho, tanto maior a pressão dos trabalhadores sobre seus meios
de ocupação, e tanto mais precária, portanto, a condição de existência do
assalariado, que consiste na venda da própria força com vistas ao aumento da
riqueza alheia ou à autovalorização do capital. Em sentido capitalista,
portanto, o crescimento dos meios de produção e da produtividade do trabalho
num ritmo mais acelerado do que o da população produtiva se expressa
invertidamente no fato de que a população trabalhadora sempre cresce mais
rapidamente do que a necessidade de valorização do capital.
Na seção IV, ao analisarmos a
produção do mais-valor relativo, vimos que, no interior do sistema capitalista,
todos os métodos para aumentar a força produtiva social do trabalho aplicam-se
à custa do trabalhador individual; todos os meios para o desenvolvimento da
produção se convertem em meios de dominação e exploração do produtor, mutilam o
trabalhador, fazendo dele um ser parcial, degradam-no à condição de um apêndice
da máquina, aniquilam o conteúdo de seu trabalho ao transformá-lo num suplício,
alienam ao trabalhador as potências espirituais do processo de trabalho na
mesma medida em que a tal processo se incorpora a ciência como potência
autônoma, desfiguram as condições nas quais ele trabalha, submetem-no, durante
o processo de trabalho, ao despotismo mais mesquinho e odioso, transformam seu
tempo de vida em tempo de trabalho, arrastam sua mulher e seu filho sob a roda
do carro de Jagrenái do capital. Mas todos os métodos de produção do
mais-valor são, ao mesmo tempo, métodos de acumulação, e toda expansão da
acumulação se torna, em contrapartida, um meio para o desenvolvimento desses
métodos. Segue-se, portanto, que à medida que o capital é acumulado, a situação
do trabalhador, seja sua remuneração alta ou baixa, tem de piorar. Por último,
a lei que mantém a superpopulação relativa ou o exército industrial de reserva
em constante equilíbrio com o volume e o vigor da acumulação prende o
trabalhador ao capital mais firmemente do que as correntes de Hefesto prendiam
Prometeu ao rochedo. Ela ocasiona uma acumulação de miséria correspondente à
acumulação de capital. Portanto, a acumulação de riqueza num polo é, ao mesmo
tempo, a acumulação de miséria, o suplício do trabalho, a escravidão, a
ignorância, a brutalização e a degradação moral no polo oposto, isto é, do lado
da classe que produz seu próprio produto como capital.
Esse
caráter antagônico da acumulação capitalista88
foi expresso de diferentes formas pelos economistas políticos, embora eles o
confundam com fenômenos em parte análogos, sem dúvida, porém essencialmente
diferentes, que ocorrem nos modos de produção pré-capitalistas.”*
*Havia
algumas notas nesse texto, que não foram trazidas para cá.
i Juggernaut (Dschagannat): uma das formas do deus Vishnu. O culto de
Jagrená se caracterizava por um elevado grau de fanatismo religioso, incluindo
rituais de autoflagelação e autossacrifício extremos. Em certos dias festivos,
os fiéis se jogavam sob as rodas de um carro (o “carro de Jagrená”), sobre o
qual se encontrava uma figura de Vishnu-Dschagannat. (N. E. A. MEW)
88 “Dia após dia, torna-se mais claro, portanto, que as
relações de produção em que a burguesia se move não têm um caráter unitário,
simples, mas dúplice; que nas mesmas relações em que se produz a riqueza também
se produz a miséria; que nas mesmas relações em que há desenvolvimento das
forças produtivas há também uma força produtiva de repressão; que essas
relações só produzem a riqueza burguesa, isto é, a riqueza da classe burguesa,
sob a condição do aniquilamento contínuo da riqueza dos membros integrantes
dessa classe e da produção de um proletariado cada vez maior”, Karl Marx, Miséria da filosofia, cit., p. 116.
“A época imediatamente anterior à revogação das leis dos cereais lançou
nova luz sobre a situação dos trabalhadores rurais. Por um lado, interessava
aos agitadores burgueses demonstrar quão pouco essas leis protecionistas
protegiam o verdadeiro produtor de cereal. Por outro lado, a burguesia
industrial espumava de raiva ante as denúncias que os aristocratas rurais
faziam das condições fabris em face da simpatia que esses ociosos degenerados,
frios e refinados afetavam pelos sofrimentos do trabalhador urbano e diante de
seu “zelo diplomático” pela lei fabril. Um velho ditado inglês diz que quando
dois ladrões se engalfinham, algo de bom sempre ocorre. E, de fato, a rumorosa
e apaixonada peleja entre as duas facções da classe dominante para saber qual
das duas explorava mais desavergonhadamente o trabalhador tornou-se, de um lado
e de outro, a parteira da verdade.”
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