terça-feira, 18 de maio de 2021

O Capital: crítica da economia política. Livro I: o processo de produção do capital (Parte IV), de Karl Marx

Editora: Boitempo

ISBN: 978-85-7559-548-0

Tradução: Rubens Enderle

Opinião: ★★★★★

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Páginas: 894

Sinopse: Ver Parte I




“De nada adianta deduzir essa troca de mais trabalho por menos trabalho da diferença formal, que nos esclarece que, num caso, ele é trabalho objetivado, e, no outro, é trabalho vivo24. Isso é tanto mais absurdo pelo valor de uma mercadoria não ser determinado pela quantidade de trabalho realmente objetivado nela, mas pela quantidade de trabalho vivo necessário para sua produção. Digamos que uma mercadoria represente 6 horas de trabalho. Caso surjam invenções que permitam produzi-la em 3 horas, o valor da mercadoria já produzida também se reduzirá pela metade. Ela representa, agora, 3 horas de trabalho social necessário, em vez das 6 horas de antes. O que determina sua grandeza de valor é, portanto, a quantidade de trabalho requerido para sua produção, e não sua forma objetivada.

No mercado, o que se contrapõe diretamente ao possuidor de dinheiro não é, na realidade, o trabalho, mas o trabalhador. O que este último vende é sua força de trabalho. Mal seu trabalho tem início efetivamente e a força de trabalho já deixou de lhe pertencer, não podendo mais, portanto, ser vendida por ele. O trabalho é a substância e a medida imanente dos valores, mas ele mesmo não tem valor nenhum25.

Na expressão “valor do trabalho”, o conceito de valor não só se apagou por completo, mas converteu-se em seu contrário. É uma expressão imaginária, como valor da terra. Essas expressões imaginárias surgem, no entanto, das próprias relações de produção. São categorias para as formas em que se manifestam relações essenciais. Que em sua manifestação as coisas frequentemente se apresentem invertidas é algo conhecido em quase todas as ciências, menos na economia política.26

A economia política clássica tomou emprestada à vida cotidiana, de modo acrítico, a categoria “preço do trabalho”, para, em seguida, perguntar-se: como esse preço é determinado? Ela logo reconheceu que a variação na relação entre oferta e demanda nada esclarece acerca do preço do trabalho, assim como de que qualquer outra mercadoria, além de sua variação, isto é, a oscilação dos preços de mercado abaixo ou acima de certa grandeza. Se oferta e demanda coincidem, cessa, mantendo-se iguais as demais circunstâncias, a oscilação de preço. Mas, então, oferta e demanda cessam também de explicar qualquer coisa. Quando oferta e demanda coincidem, o preço do trabalho é determinado independentemente da relação entre procura e oferta, quer dizer, é seu preço natural, que, desse modo, tornou-se o objeto que realmente se deveria analisar. Ou ela tomou um período mais longo de oscilações do preço de mercado, por exemplo, um ano, e verificou que suas altas e baixas se compensavam numa grandeza média, uma grandeza constante. Esta última tinha, naturalmente, de ser determinada de outro modo que não por suas próprias oscilações, que se compensam umas às outras. Esse preço que predomina sobre os preços acidentais obtidos pelo trabalho no mercado e os regula, o “preço necessário” (fisiocratas) ou “preço natural” do trabalho (Adam Smith), só podia ser, como no caso das outras mercadorias, seu valor expresso em dinheiro. E assim, por meio dos preços acidentais do trabalho, a economia política acreditou poder penetrar em seu valor. Como no caso das demais mercadorias, esse valor continuou a ser determinado pelos custos de produção. Mas em que consistem os custos de produção – do trabalhador, isto é, os custos para produzir ou reproduzir o próprio trabalhador? Inconscientemente, essa questão assumiu, para a economia política, o lugar da questão original, já que, no que diz respeito aos custos de produção do trabalho enquanto tais, ela girava num círculo vicioso e não progredia um passo sequer. Portanto, o que ela chama de valor do trabalho (value of labour) é, na verdade, o valor da força de trabalho, que existe na personalidade do trabalhador e é tão diferente de sua função, o trabalho, quanto uma máquina de suas operações. Ocupada com a diferença entre os preços de mercado do trabalho e seu assim chamado valor, com a relação entre esse valor e a taxa de lucro, e entre ele e os valores-mercadoria produzidos mediante o trabalho etc., a economia política nunca descobriu que o curso da análise não só tinha evoluído dos preços do trabalho no mercado a seu valor presumido, mas chegara a dissolver novamente esse mesmo valor do trabalho no valor da força de trabalho. A inconsciência acerca desse resultado de sua própria análise, a aceitação acrítica das categorias “valor do trabalho”, “preço natural do trabalho” etc. como expressões adequadas e últimas da relação de valor considerada, enredou a economia política clássica, como veremos mais adiante, em confusões e contradições insolúveis, ao mesmo tempo que ofereceu à economia vulgar uma base segura de operações para sua superficialidade, fundada no princípio do culto das aparências. (...)”

24 “Seria necessário chegar a um acordo” (mais uma versão do contrat social [contrato social]) “de modo que ele sempre trocasse trabalho realizado por trabalho a realizar, o último” (o capitalista) “teria de receber um valor maior que o primeiro” (o trabalhador)], Sismondi, De la richesse commerciale (Genebra, 1803), t. I, p. 37.

25 “O trabalho, medida exclusiva do valor [...] o criador de toda riqueza, não é uma mercadoria”, T. Hodgskin, Popul. Polit. Econ., cit., p. 186.

26 Ao contrário, explicar tais expressões como mera licentia poetica [licença poética] apenas revela a impotência da análise. Contra a frase de Proudhon, “Diz-se que o trabalho é um valor, não como mercadoria propriamente dita, mas com vista aos valores que, segundo se supõe, nele estão contidos potencialmente. O valor do trabalho é uma expressão figurada etc.”], observei: “No trabalho-mercadoria, que é de uma realidade assustadora, ele vê apenas uma elipse gramatical. Logo, toda a sociedade atual, fundada sobre o trabalho-mercadoria, está doravante fundada sobre uma licença poética, sobre uma expressão figurada. Se a sociedade quer ‘eliminar todos os inconvenientes’ que a afligem, pois bem!, que elimine, então, as expressões malsonantes, que modifique a linguagem, e, para isso, basta que ela se dirija à Académie e lhe solicite uma nova edição de seu dicionário”, K. Marx, Miséria da filosofia, p. 34-5. Mais cômodo ainda, naturalmente, é não entender por valor absolutamente nada. Desse modo, é fácil incluir nessa categoria tudo o que se queira. Como, por exemplo, em J.-B. Say. O que é “valeur” [valor]? Resposta: “Aquilo que uma coisa vale”. E o que é “prix” [preço]? Resposta: “O valor de uma coisa expresso em dinheiro”. E por que “o trabalho da terra [...] tem um valor? Porque se lhe atribui um preço”. Portanto, valor é o que uma coisa vale, e a terra tem um “valor” porque seu valor é “expresso em dinheiro”. Esse é, em todo caso, um método muito simples de se compreender o why [porquê] e o wherefore [em razão de quê] das coisas.

 

 

No exame da “jornada de trabalho” etc., tivemos a oportunidade de mostrar que o trabalhador é frequentemente forçado a converter seu consumo individual em mero incidente do processo de produção. Nesse caso, ele se abastece de meios de subsistência para manter sua força de trabalho em funcionamento, do mesmo modo como se abastece de carvão e água a máquina a vapor e de óleo a roda. Seus meios de consumo são, então, simples meios de um meio de produção, e seu consumo individual é consumo imediatamente produtivo. Isso se mostra, no entanto, como um abuso não essencial ao processo de produção capitalista7. A questão assume outro aspecto assim que passamos a considerar não o capitalista individual e o trabalhador individual, mas a classe capitalista e a classe trabalhadora, não o processo isolado de produção da mercadoria, mas o processo de produção capitalista em seu fluxo e em sua escala social. Quando o capitalista converte parte de seu capital em força de trabalho, ele valoriza, com isso, seu capital total e mata dois coelhos de uma cajadada. Ele lucra não apenas com o que recebe do trabalhador, mas também com o que lhe dá. O capital que foi alienado em troca da força de trabalho é convertido em meios de subsistência, cujo consumo serve para reproduzir os músculos, os nervos, os ossos, o cérebro dos trabalhadores existentes e para produzir novos trabalhadores. Dentro dos limites do absolutamente necessário, portanto, o consumo individual da classe trabalhadora é a reconversão dos meios de subsistência, alienados pelo capital em troca da força de trabalho, em nova força de trabalho a ser explorada pelo capital. Tal consumo é produção e reprodução do meio de produção mais indispensável ao capitalista: o próprio trabalhador. O consumo individual do trabalhador continua a ser, assim, um momento da produção e reprodução do capital, quer se efetue dentro, quer fora da oficina, da fábrica etc., e quer se efetue dentro, quer fora do processo de trabalho, exatamente como ocorre com a limpeza da máquina, seja ela realizada durante o processo de trabalho ou em determinadas pausas deste último. O fato de o trabalhador realizar seu consumo individual por amor a si mesmo, e não ao capitalista, não altera em nada a questão. Do mesmo modo, o consumo do animal de carga não deixa de ser um elemento necessário do processo de produção pelo fato de o próprio animal se satisfazer com o que come. A manutenção e reprodução constantes da classe trabalhadora continuam a ser uma condição constante para a reprodução do capital. O capitalista pode abandonar confiadamente o preenchimento dessa condição ao impulso de autoconservação e procriação dos trabalhadores. Ele apenas se preocupa em limitar ao máximo o consumo individual dos trabalhadores, mantendo-o nos limites do necessário, e está muito longe daquela rusticidade sul-americana que obriga o trabalhador a ingerir alimentos mais nutritivos, em vez de outros menos nutritivos8.

É por isso que o capitalista e seu ideólogo, o economista político, entendem como produtiva apenas a parte do consumo individual do trabalhador exigida para a perpetuação da classe trabalhadora, isto é, aquela parte que, de fato, tem de ser consumida para que o capital consuma a força de trabalho; tudo o que, além dessa parte, o trabalhador possa consumir para seu próprio prazer é consumo improdutivo9. Se a acumulação do capital provocasse um aumento do salário e, portanto, um incremento dos meios de consumo do trabalhador sem ser acompanhada de um maior consumo de força de trabalho pelo capital, o capital adicional teria sido consumido improdutivamente10. De fato: o consumo individual do trabalhador é improdutivo para ele mesmo, posto que apenas reproduz o indivíduo necessitado, e é produtivo para o capitalista e para o Estado, pois é produção da força produtora de riqueza alheia11.

Do ponto de vista social, a classe trabalhadora, mesmo à margem do processo imediato de trabalho, é um acessório do capital tanto quanto o é o instrumento morto de trabalho. Mesmo seu consumo individual, dentro de certos limites, não é mais do que um momento do processo de reprodução do capital. Mas o processo cuida para que esses instrumentos autoconscientes de produção não se evadam, e o faz removendo constantemente o produto desses instrumentos do polo que ocupam para o polo oposto, o polo do capital. Por um lado, o consumo individual cuida de sua própria conservação e reprodução; por outro lado, mediante a destruição dos meios de subsistência, ele cuida de seu constante ressurgimento no mercado de trabalho. O escravo romano estava preso por grilhões a seu proprietário; o assalariado o está por fios invisíveis. Sua aparência de independência é mantida pela mudança constante dos patrões individuais e pela fictio juris do contrato.”

7 Rossi não declamaria tão enfaticamente sobre esse ponto se tivesse penetrado efetivamente no segredo do “productive consumption” [consumo produtivo].

8 “Os trabalhadores nas minas da América do Sul, cuja ocupação diária (talvez a mais pesada do mundo) consiste em carregar sobre os ombros, de uma profundidade de 450 pés até a superfície, uma carga de minério de 100 a 200 libras-peso, vivem apenas de pão e feijão; eles prefeririam receber apenas o pão como alimento, mas seus senhores, tendo descoberto que com pão eles não conseguiriam trabalhar com tanta força, tratam-nos como cavalos e os forçam a comer feijão; ocorre que o feijão é comparativamente muito mais rico em fosfato de cálcio que o pão”, Liebig, Die Chemie in ihrer Anwendung auf Agrikultur und Phisiologie, cit., parte I, p. 194, nota.

9 James Mill, Elements etc., cit., p. 238s.

10 “Se o preço do trabalho subisse tanto que, apesar do acréscimo de capital, não se pudesse empregar mais trabalho, então eu diria que esse incremento de capital é consumido improdutivamente”, Ricardo, The Princ. of Pol. Econ., cit., p. 163.

11 “O único consumo produtivo propriamente dito é o consumo ou a destruição de riqueza” (ele se refere ao consumo dos meios de produção) “por capitalistas com vistas à reprodução [...]. O trabalhador [...] é um consumidor produtivo para a pessoa que o emprega e para o Estado, mas não o é, em sentido estrito, para si mesmo”, Malthus, Definitions etc., cit., p. 30.

 

 

“Em seu próprio desenrolar, portanto, o processo capitalista de produção reproduz a cisão entre força de trabalho e condições de trabalho. Com isso, ele reproduz e eterniza as condições de exploração do trabalhador. Ele força continuamente o trabalhador a vender sua força de trabalho para viver e capacita continuamente o capitalista a comprá-la para se enriquecer17. Já não é mais o acaso que contrapõe o capitalista e o trabalhador no mercado, como comprador e vendedor. É o beco sem saída [Zwickmühle] característico do próprio processo que faz com que o trabalhador tenha de retornar constantemente ao mercado como vendedor de sua força de trabalho e converte seu próprio produto no meio de compra nas mãos do primeiro. Na realidade, o trabalhador pertence ao capital ainda antes de vender-se ao capitalista. Sua servidão econômica é a um só tempo mediada e escondida pela renovação periódica de sua venda de si mesmo, pela mudança de seus patrões individuais e pela oscilação do preço de mercado do trabalho19.

Assim, o processo capitalista de produção, considerado em seu conjunto ou como processo de reprodução, produz não apenas mercadorias, não apenas mais-valor, mas produz e reproduz a própria relação capitalista: de um lado, o capitalista, do outro, o trabalhador assalariado20.”

17 “O trabalhador exigia meios de subsistência para viver; o patrão exigia trabalho para lucrar”, Sismondi, Nouv. princ. d’écon. pol., cit., p. 91.

19 Lembremos que, no trabalho das crianças etc., desaparece até mesmo a formalidade da venda de si mesmo.

20 “O capital pressupõe o trabalho assalariado; o trabalho assalariado pressupõe o capital. Ambos se condicionam reciprocamente, ambos se produzem reciprocamente. Um trabalhador numa fábrica de algodão produz apenas tecidos de algodão? Não, ele produz capital. Ele produz valores que servem novamente para comandar seu trabalho e, por meio dele, criar novos valores”, Karl Marx, Trabalho assalariado e capital, em: Nova Gazeta Renana, n. 266, 7 abr. 1849. Os artigos publicados com esse título na N.Rh.Z. são fragmentos das conferências que proferi sobre o tema em 1847, na Associação dos Trabalhadores Alemães em Bruxelas e cuja impressão foi interrompida pela Revolução de Fevereiro. [A Associação dos Trabalhadores Alemães em Bruxelas, à qual pertenciam Marx e Engels, voltava-se à realização de atividades culturais e de agitação política entre os trabalhadores alemães radicados na Bélgica. Foi fundada em agosto de 1847 e dissolvida pela polícia no início de 1848. A Revolução de Fevereiro, deflagrada a 24 de fevereiro de 1848, derrubou o rei Luís Filipe e estabeleceu a Segunda República francesa. (N. T.)]

 

 

“Apenas como capital personificado o capitalista tem um valor histórico e dispõe daquele direito histórico à existência de que, como diz o espirituoso Lichnovski, nenhuma data não dispõef Somente nesse caso sua própria necessidade transitória está incluída na necessidade transitória do modo de produção capitalista. Ainda assim, porém, sua força motriz não é o valor de uso e a fruição, mas o valor de troca e seu incremento. Como fanático da valorização do valor, o capitalista força inescrupulosamente a humanidade à produção pela produção e, consequentemente, a um desenvolvimento das forças produtivas sociais e à criação de condições materiais de produção que constituem as únicas bases reais possíveis de uma forma superior de sociedade, cujo princípio fundamental seja o pleno e livre desenvolvimento de cada indivíduo. O capitalista só é respeitável como personificação do capital. Como tal, ele partilha com o entesourador o impulso absoluto de enriquecimento. Mas o que neste aparece como mania individual, no capitalista é efeito do mecanismo social, no qual ele não é mais que uma engrenagem. Além disso, o desenvolvimento da produção capitalista converte em necessidade o aumento progressivo do capital investido numa empresa industrial, e a concorrência impõe a cada capitalista individual, como leis coercitivas externas, as leis imanentes do modo de produção capitalista. Obriga-o a ampliar continuamente seu capital a fim de conservá-lo, e ele não pode ampliá-lo senão por meio da acumulação progressiva.

Por conseguinte, na medida em que suas ações são apenas uma função do capital que nele está dotado de vontade e consciência, seu próprio consumo privado apresenta-se a ele como um roubo contra a acumulação de seu capital, assim como na contabilidade italiana os gastos privados figuram na coluna daquilo que o capitalista “deve” ao capital. A acumulação é a conquista do mundo da riqueza social. Juntamente com a massa de material humano explorado, ela amplia o domínio direto e indireto do capitalista34.

Mas o pecado original age em toda parte. Com o desenvolvimento do modo de produção capitalista e o aumento da acumulação e da riqueza, o capitalista deixa de ser mera encarnação do capital. Ele sente uma “comoção humana”g por seu próprio Adãoh e se civiliza ao ponto de ridicularizar a paixão pela ascese como preconceito do entesourador arcaico. Enquanto o capitalista clássico estigmatizava o consumo individual como pecado contra sua função e como uma “abstinência” da acumulação, o capitalista moderno está em condições de conceber a acumulação como “renúncia” ao seu impulso de fruição. “Vivem-lhe duas almas, ah!, no seio,/ Querem trilhar em tudo opostas sendas.”i

Nos primórdios da história do modo de produção capitalista, e todo neófito capitalista percorre individualmente esse estágio histórico, o impulso de enriquecimento e a avareza predominam como paixões absolutas. Entretanto, o progresso da produção capitalista não cria apenas um mundo de desfrutes. Ele abre, com a especulação e o sistema de crédito, milhares de fontes de enriquecimento repentino. A certa altura do desenvolvimento, o “desventurado” capitalista deve praticar, até mesmo como uma necessidade do negócio, um determinado grau convencional de esbanjamento, que é, ao mesmo tempo, ostentação de riqueza e, por isso, meio de crédito. O luxo entra nos custos de representação do capital. Além disso, o capitalista não enriquece como o fazia o entesourador, em proporção ao seu trabalho e não-consumo [Nichtkonsum] pessoais, mas quando suga força de trabalho alheia e obriga o trabalhador a renunciar a todos os desfrutes da vida. Por isso, embora o esbanjamento do capitalista não tenha jamais o caráter de bona fide [boa-fé] do esbanjamento do pródigo senhor feudal, nele subjazendo, antes, a mais sórdida avareza e o cálculo mais angustioso, sua prodigalidade aumenta, contudo, a par de sua acumulação, sem que uma tenha de prejudicar a outra. Com isso, ao mesmo tempo se desenvolve, no coração do capitalista, um conflito fáustico entre os impulsos da acumulação e do desfrute. (...)

Acumulai, acumulai! Eis Moisés e os profetas!j “A indústria provê o material que a poupança acumula.”36 Portanto, poupai, poupai, isto é, reconvertei em capital a maior parte possível do mais-valor ou do mais-produto! A acumulação pela acumulação, a produção pela produção: nessa fórmula, a economia clássica expressou a vocação histórica do período burguês. Em nenhum instante ela se enganou sobre as dores de parto da riqueza37, mas de que adianta lamentar-se diante da necessidade histórica? Se para a economia clássica o proletário não era mais que uma máquina para a produção de mais-valor, também o capitalista, para ela, era apenas uma máquina para a transformação desse mais-valor em mais-capital. Ela leva rigorosamente a sério a função histórica do capitalista.”

f A 31 de agosto de 1848, na Assembleia Nacional de Frankfurt, o latifundiário silesiano Lichnovski pronunciou-se – num alemão que provocou risos nos ouvintes – contra o direito histórico da Polônia à existência autônoma, direito de que, disse, “nenhuma data não dispõe”. Segundo Lichnovski, uma data anterior de ocupação do território polonês sempre “poderia reivindicar” um “direito maior”, como era o caso dos alemães. Esse discurso foi comentado à época por Marx e Engels, na Nova Gazeta Renana, numa série de artigos intitulada “Die Polendebatte in Frankfurt” [O debate sobre a Polônia em Frankfurt] (N. E. A. MEW)

34 Na forma arcaica, ainda que constantemente renovada, do capitalista, ou seja, no usurário, Lutero ilustra muito corretamente o afã de poder como elemento do impulso de enriquecimento. “Pela razão, os pagãos puderam deduzir que um usurário é um ladrão e assassino elevado à quarta potência. Mas nós cristãos o honramos a tal ponto que quase o adoramos por seu dinheiro [...]. Quem suga, rouba ou subtrai o alimento de outrem comete um assassinato tão grande (no que lhe diz respeito) como aquele que o deixa morrer de fome ou o arruína por completo. Mas é isso que faz um usurário, sentado com toda a segurança em sua cadeira quando deveria estar dependurado numa forca e ser devorado por tantos corvos quantos fossem os florins que ele furtou, se fosse possível que houvesse carne suficiente para que tantos corvos pudessem despedaçá-la e reparti-la entre si. Enquanto isso, enforcam-se os pequenos ladrões [...]. Pequenos ladrões vão para o cadafalso, ladrões grandes se pavoneiam cobertos de ouro e seda. [...] De maneira, portanto, que não há sobre a Terra maior inimigo do homem (depois do Diabo) do que um avarento e usurário, pois ele quer ser Deus sobre todos os homens. Turcos, guerreiros e tiranos são também homens maus, mas se veem obrigados a deixar as pessoas viverem e a confessar que são maus e inimigos. E eventualmente podem, e inclusive devem, apiedar-se de algumas delas. Mas um usurário e avarento desejaria que todo mundo morresse de fome e sede, de tristeza e miséria, no que dependesse dele, pois assim teria tudo para si, e que todos recebessem dele como de um Deus e se tornassem eternamente seus servos. Vestir mantos, portar correntes de ouro, anéis, limpar o focinho e fazer-se reverenciar como homens virtuosos e piedosos [...]. A usura é um monstro grande e descomunal, qual um lobisomem que tudo devasta, mais do que qualquer Caco, Gerião ou Anteu. E, no entanto, enfeita-se e se faz de mansa, para que ninguém possa ver onde foram parar os bois que ela faz andar para trás até sua cova. Mas Hércules há de ouvir os bramidos dos bois e dos prisioneiros e buscará Caco entre as rochas e escolhos e libertará os bois do maligno. Pois Caco é o nome de um vilão, um usurário hipócrita que furta, rouba, devora tudo. Finge não ter feito nada e pretende que ninguém o descubra, porque os bois puxados para trás para seu antro deixam rastros e pegadas como se ele os tivesse soltado. Portanto, o usurário também quer enganar o mundo, como se ele fosse útil e desse bois ao mundo, quando na verdade os toma só para si e os devora. [...]. E, do mesmo modo como os assaltantes de estrada, os assassinos e bandidos são submetidos ao suplício da roda e decapitados, com muito mais razão deveriam todos os usurários ser supliciados e mortos [...] banidos, amaldiçoados e decapitados”, Martinho Lutero, An die Pfarrherrn, wider den Wucher zu predigen, cit.

g Schiller, Die Bürgschaft. (N. E. A. MEW)

h Isto é, “ele mesmo”. Na versão francesa, a expressão aparece seguida de “sua carne”. (N. T.)

i J. W. Goethe, Fausto, cit., p. 64. (N. T.)

j A expressão tem aqui o sentido de: “Isto é o fundamental! É isto que importa!”. (N. T.)

36 A. Smith, Wealth of Nations, cit., livro II, c. III, p. 367.

37 O próprio J. B. Say diz: “As poupanças dos ricos se fazem à custa dos pobres”, J. B. Say, Traité d’économie politique, cit., v. 1, p. 130-1. “O proletariado romano vivia quase exclusivamente à custa da sociedade [...]. Poder-se-ia dizer que a sociedade moderna vive à custa dos proletários, da parte que ela desconta da remuneração de seu trabalho”, Sismondi, Études, cit., t. I, p. 24.

 

 

“(...) Eden deveria ter perguntado: e as “as instituições burguesas”, são criaturas de quem? Sob o ângulo da ilusão jurídica, ele não enxerga a lei como produto das relações materiais de produção, mas, ao contrário, as relações de produção como produto da lei. Linguet demoliu numa frase o ilusório Esprit des Lois, de Montesquieu: “L’esprit des lois, c’est la propriété”. [S.-N.-H. Linguet, Théorie des loix civiles, ou principes fondamentaux de la société (Londres, 1767), v. 1, p. 236. (N. E. A. MEW)]”

 

 

“Além disso, ainda que o progresso da acumulação diminua a grandeza relativa da parte variável do capital, ele não exclui de modo algum, com isso, o aumento de sua grandeza absoluta. Suponha que o valor de um capital se decomponha, inicialmente, em 50% de capital constante e 50% de variável, e, posteriormente, em 80% de capital constante e 20% de variável. Se, nesse ínterim, o capital original, digamos £6 mil, aumentou para £18 mil, seu componente variável também terá aumentado 1/5. De suas £3 mil anteriores ela chega, agora, a £3.600. Mas se antes teria bastado um crescimento de 20% de capital para aumentar a demanda de trabalho em 20%, agora isso requer a triplicação do capital original.

Na seção IV mostramos como o desenvolvimento da força produtiva social do trabalho pressupõe a cooperação em larga escala, e como apenas partindo desse pressuposto se podem organizar a divisão e a combinação do trabalho, poupar meios de produção mediante sua concentração massiva, criar materialmente meios de trabalho utilizáveis apenas coletivamente, como o sistema de maquinaria etc., pôr a serviço da produção forças colossais da natureza e consumar a transformação do processo de produção na aplicação tecnológica da ciência. Sobre o fundamento da produção de mercadorias, na qual os meios de produção são propriedade privada de indivíduos e o trabalhador manual, por conseguinte, ou produz mercadorias de maneira isolada e autônoma, ou vende sua força de trabalho como mercadoria porque lhe faltam os meios para produzir por sua própria conta, aquele pressuposto só se realiza mediante o aumento dos capitais individuais ou na medida em que os meios sociais de produção e subsistência se transformam em propriedade privada de capitalistas. O solo da produção de mercadorias só tolera a produção em larga escala na forma capitalista. Certa acumulação de capital nas mãos de produtores individuais de mercadorias constitui, por isso, o pressuposto do modo específico de produção capitalista, razão pela qual tivemos de pressupô-la na passagem do artesanato para a produção capitalista. Podemos chamá-la de acumulação primitiva, pois, em vez de resultado, ela é o fundamento histórico da produção especificamente capitalista. De que modo ela surge é algo que ainda não precisamos examinar aqui. Basta dizer que ela constitui o ponto de partida. Devemos assinalar, no entanto, que todos os métodos para aumentar a força produtiva social do trabalho surgidos sobre esse fundamento são, ao mesmo tempo, métodos para aumentar a produção de mais-valor ou mais-produto, que, por sua vez, forma o elemento constitutivo da acumulação. Portanto, tais métodos servem, ao mesmo tempo, para produzir capital mediante capital ou para sua acumulação acelerada. A contínua reconversão de mais-valor em capital apresenta-se como grandeza crescente do capital que entra no processo de produção. Este se torna, por sua vez, o fundamento de uma escala ampliada da produção, dos métodos nela empregados para o aumento da força produtiva do trabalho e a aceleração da produção de mais-valor. Se, portanto, certo grau da acumulação do capital aparece como condição do modo de produção especificamente capitalista, este último provoca, em reação, uma acumulação acelerada do capital. Com a acumulação do capital desenvolve-se, assim, o modo de produção especificamente capitalista e, com ele, a acumulação do capital. Esses dois fatores econômicos provocam, de acordo com a conjugação dos estímulos que eles exercem um sobre o outro, a mudança na composição técnica do capital, o que faz com que a seu componente variável se torne cada vez menor em comparação ao componente constante.

Cada capital individual é uma concentração maior ou menor de meios de produção e dotada de comando correspondente sobre um exército maior ou menor de trabalhadores. Cada acumulação se torna meio de uma nova acumulação. Juntamente com a massa multiplicada da riqueza que funciona como capital, ela amplia sua concentração nas mãos de capitalistas individuais e, portanto, a base da produção em larga escala e dos métodos de produção especificamente capitalistas. O crescimento do capital social se consuma no crescimento de muitos capitais individuais. Pressupondo-se inalteradas as demais circunstâncias, crescem os capitais individuais e, com eles, a concentração dos meios de produção na proporção em que constituem partes alíquotas do capital social total. Ao mesmo tempo, partes dos capitais originais se descolam e passam a funcionar como novos capitais independentes. Nisso desempenha um grande papel, com outros fatores, a divisão do patrimônio das famílias capitalistas. Portanto, com a acumulação do capital aumenta, em maior ou menor proporção, o número dos capitalistas. Dois pontos caracterizam esse tipo de concentração, que repousa diretamente sobre a acumulação ou, antes, é idêntica a ela. Primeiro: a concentração crescente dos meios sociais de produção nas mãos de capitalistas individuais é, mantendo-se inalteradas as demais circunstâncias, limitada pelo grau de crescimento da riqueza social. Segundo: a parte do capital social localizada em cada esfera particular da produção está repartida entre muitos capitalistas, que se confrontam como produtores de mercadorias autônomos e mutuamente concorrentes. Portanto, a acumulação e a concentração que a acompanha estão não apenas fragmentadas em muitos pontos, mas o crescimento dos capitais em funcionamento é atravessado pela formação de novos capitais e pela cisão de capitais antigos, de maneira que, se a acumulação se apresenta, por um lado, como concentração crescente dos meios de produção e do comando sobre o trabalho, ela aparece, por outro lado, como repulsão mútua entre muitos capitais individuais.

Essa fragmentação do capital social total em muitos capitais individuais ou a repulsão mútua entre seus fragmentos é contraposta por sua atração. Essa já não é a concentração simples, idêntica à acumulação, de meios de produção e de comando sobre o trabalho. É concentração de capitais já constituídos, supressão [Aufhebung] de sua independência individual, expropriação de capitalista por capitalista, conversão de muitos capitais menores em poucos capitais maiores. Esse processo se distingue do primeiro pelo fato de pressupor apenas a repartição alterada dos capitais já existentes e em funcionamento, sem que, portanto, seu terreno de ação esteja limitado pelo crescimento absoluto da riqueza social ou pelos limites absolutos da acumulação. Se aqui o capital cresce nas mãos de um homem até atingir grandes massas, é porque acolá ele se perde nas mãos de muitos outros homens. Trata-se da centralização propriamente dita, que se distingue da acumulação e da concentração.

As leis dessa centralização dos capitais ou da atração do capital pelo capital não podem ser desenvolvidas aqui. Bastará uma breve indicação dos fatos. A luta concorrencial é travada por meio do barateamento das mercadorias. O baixo preço das mercadorias depende, caeteris paribus, da produtividade do trabalho, mas esta, por sua vez, depende da escala da produção. Os capitais maiores derrotam, portanto, os menores. Recordemos, ademais, que com o desenvolvimento do modo de produção capitalista cresce o volume mínimo de capital individual requerido para conduzir um negócio sob condições normais. Os capitais menores buscam, por isso, as esferas da produção das quais a grande indústria se apoderou apenas esporádica ou incompletamente. A concorrência aflora ali na proporção direta da quantidade e na proporção inversa do tamanho dos capitais rivais. Ela termina sempre com a ruína de muitos capitalistas menores, cujos capitais em parte passam às mãos do vencedor, em parte se perdem. Abstraindo desse fato, podemos dizer que, com a produção capitalista, constitui-se uma potência inteiramente nova: o sistema de crédito, que em seus primórdios insinua-se sorrateiramente como modesto auxílio da acumulação e, por meio de fios invisíveis, conduz às mãos de capitalistas individuais e associados recursos monetários que se encontram dispersos pela superfície da sociedade em massas maiores ou menores, mas logo se converte numa arma nova e temível na luta concorrencial e, por fim, num gigantesco mecanismo social para a centralização dos capitais.

Na mesma medida em que se desenvolvem a produção e a acumulação capitalistas, desenvolvem-se também a concorrência e o crédito, as duas alavancas mais poderosas da centralização. Paralelamente, o progresso da acumulação aumenta o material centralizável, isto é, os capitais individuais, ao mesmo tempo que a ampliação da produção capitalista cria aqui a necessidade social, acolá os meios técnicos daqueles poderosos empreendimentos industriais cuja realização está vinculada a uma centralização prévia do capital. Hoje, portanto, a força de atração mútua dos capitais individuais e a tendência à centralização são mais fortes do que qualquer época anterior. Mas mesmo que a expansão relativa e a energia do movimento centralizador sejam determinadas até certo ponto pelo volume já alcançado pela riqueza capitalista e pela superioridade do mecanismo econômico, de modo nenhum o progresso da centralização depende do crescimento positivo do volume do capital social. E é especialmente isso que distingue a centralização da concentração, que não é mais do que outra expressão para a reprodução em escala ampliada. A centralização é possível por meio da mera alteração na distribuição de capitais já existentes, da simples modificação do agrupamento quantitativo dos componentes do capital social. Se aqui o capital pode crescer nas mãos de um homem até formar massas grandiosas é porque acolá ele é retirado das mãos de muitos outros homens. Num dado ramo de negócios, a centralização teria alcançado seu limite último quando todos os capitais aí aplicados fossem fundidos num único capital individual77b. Numa dada sociedade, esse limite seria alcançado no instante em que o capital social total estivesse reunido nas mãos, seja de um único capitalista, seja de uma única sociedade de capitalistas.

A centralização complementa a obra da acumulação, colocando os capitalistas industriais em condições de ampliar a escala de suas operações. Se esse último resultado é uma consequência da acumulação ou da centralização; se a centralização se dá pelo caminho violento da anexação – quando certos capitais se convertem em centros de gravitação tão dominantes para outros que rompem a coesão individual destes últimos e atraem para si seus fragmentos isolados –; ou se a fusão ocorre a partir de uma multidão de capitais já formados ou em vias de formação, mediante o simples procedimento da formação de sociedades por ações –; o efeito econômico permanece o mesmo. A extensão aumentada de estabelecimentos industriais constitui por toda parte o ponto de partida para uma organização mais abrangente do trabalho coletivo, para um desenvolvimento mais amplo de suas forças motrizes materiais, isto é, para a transformação progressiva de processos de produção isolados e fixados pelo costume em processos de produção socialmente combinados e cientificamente ordenados.

Mas é evidente que a acumulação, o aumento gradual do capital por meio da reprodução que passa da forma circular para a espiral, é um procedimento extremamente lento se comparado com a centralização, que só precisa alterar o agrupamento quantitativo dos componentes do capital social. O mundo ainda careceria de ferrovias se tivesse de ter esperado até que a acumulação possibilitasse a alguns capitais individuais a construção de uma estrada de ferro. Mas a centralização, por meio das sociedades por ações, concluiu essas construções num piscar de olhos. E enquanto reforça e acelera desse modo os efeitos da acumulação, a centralização amplia e acelera, ao mesmo tempo, as revoluções na composição técnica do capital, que aumentam a parte constante deste último à custa de sua parte variável, reduzindo, com isso, a demanda relativa de trabalho.

As massas de capital fundidas entre si da noite para o dia por obra da centralização se reproduzem e multiplicam como as outras, só que mais rapidamente, convertendo-se, com isso, em novas e poderosas alavancas da acumulação social. Por isso, quando se fala do progresso da acumulação social, nisso se incluem – hoje – tacitamente os efeitos da centralização.

Os capitais adicionais formados no decorrer da acumulação normal (ver capítulo 22, item 1) servem preferencialmente como veículos para a exploração de novos inventos e descobertas, ou aperfeiçoamentos industriais em geral. Com o tempo, porém, também o velho capital chega ao momento em que se renova da cabeça aos pés, troca de pele e renasce na configuração técnica aperfeiçoada, em que uma massa menor de trabalho basta para pôr em movimento uma massa maior de maquinaria e matérias-primas. Evidentemente, o decréscimo absoluto da demanda de trabalho, que decorre necessariamente daí, torna-se tanto maior quanto mais já estejam acumulados, graças ao movimento centralizador, os capitais submetidos a esse processo de renovação.

Por um lado, o capital adicional formado no decorrer da acumulação atrai, proporcionalmente a seu volume, cada vez menos trabalhadores. Por outro lado, o velho capital, reproduzido periodicamente numa nova composição, repele cada vez mais trabalhadores que ele anteriormente ocupava.”

77b Nota à quarta edição: Os mais recentes “trusts” ingleses e americanos já apontam para esse objetivo, procurando unificar numa grande sociedade por ações, dotada de um monopólio efetivo, ao menos todas as grandes empresas ativas num ramo de negócios. (F. E.)

 

 

“O modo de produção especificamente capitalista, o desenvolvimento a ele correspondente da força produtiva do trabalho e a alteração que esse desenvolvimento ocasiona na composição orgânica do capital não apenas acompanham o ritmo do progresso da acumulação ou o crescimento da riqueza social. Avançam com rapidez incomparavelmente maior, porque a acumulação simples ou a ampliação absoluta do capital total é acompanhada pela centralização de seus elementos individuais, e a revolução técnica do capital adicional é acompanhada pela revolução técnica do capital original. Com o avanço da acumulação modifica-se, portanto, a proporção entre as partes constante e variável do capital; se originalmente era de 1:1, agora ela passa a 2:1, 3:1, 4:1, 5:1, 7:1 etc., de modo que, à medida que cresce o capital, em vez de 1/2 de seu valor total, convertem-se em força de trabalho, progressivamente, apenas 1/3, 1/4, 1/5, 1/6, 1/8 etc., ao passo que se convertem em meios de produção 2/3, 3/4, 4/5, 5/6, 7/8 etc. Como a demanda de trabalho não é determinada pelo volume do capital total, mas por seu componente variável, ela decresce progressivamente com o crescimento do capital total, em vez de, como pressupomos anteriormente, crescer na mesma proporção dele. Essa demanda diminui em relação à grandeza do capital total e em progressão acelerada com o crescimento dessa grandeza. Ao aumentar o capital global, também aumenta, na verdade, seu componente variável, ou seja, a força de trabalho nele incorporada, porém em proporção cada vez menor. Os períodos em que a acumulação atua como mera ampliação da produção sobre uma base técnica dada tornam-se mais curtos. Para absorver um número adicional de trabalhadores de uma dada grandeza, ou mesmo por causa da metamorfose constante que o capital antigo sofre a fim de manter ocupados os trabalhadores já em funcionamento, requer-se não apenas uma acumulação acelerada do capital total em progressão crescente. Essa acumulação e centralização crescentes, por sua vez, convertem-se numa fonte de novas variações na composição do capital ou promovem a diminuição novamente acelerada de seu componente variável em comparação com o componente constante. Por outro lado, essa diminuição relativa de seu componente variável, acelerada pelo crescimento do capital total, e numa proporção maior que o próprio crescimento deste último, aparece, inversamente, como um aumento absoluto da população trabalhadora, aumento que é sempre mais rápido do que o do capital variável ou dos meios que este possui para ocupar aquela. A acumulação capitalista produz constantemente, e na proporção de sua energia e seu volume, uma população trabalhadora adicional relativamente excedente, isto é, excessiva para as necessidades médias de valorização do capital e, portanto, supérflua.

Se consideramos o capital social total, ora o movimento de sua acumulação provoca uma variação periódica, ora seus elementos se distribuem simultaneamente entre as diferentes esferas da produção. Em algumas dessas esferas ocorre, em decorrência da mera concentração, uma variação na composição do capital sem crescimento de sua grandeza absoluta; em outras, o crescimento absoluto do capital está vinculado ao decréscimo absoluto de seu componente variável ou da força de trabalho por ele absorvida; em outras, ora o capital continua a crescer sobre sua base técnica dada e atrai força de trabalho suplementar em proporção ao seu próprio crescimento, ora ocorre uma mudança orgânica e seu componente variável se contrai; em todas as esferas, o crescimento da parte variável do capital e, portanto, do número de trabalhadores ocupados, vincula-se sempre a violentas flutuações e à produção transitória de uma superpopulação, quer esta adote agora a forma mais notória da repulsão de trabalhadores já ocupados anteriormente, quer a forma menos evidente, mas não menos eficaz, de uma absorção mais dificultosa da população trabalhadora suplementar mediante os canais habituais. Juntamente com a grandeza do capital social já em funcionamento e com o grau de seu crescimento, com a ampliação da escala de produção e da massa dos trabalhadores postos em movimento, com o desenvolvimento da força produtiva de seu trabalho, com o fluxo mais amplo e mais pleno de todos os mananciais da riqueza, amplia-se também a escala em que uma maior atração dos trabalhadores pelo capital está vinculada a uma maior repulsão desses mesmos trabalhadores, aumenta a velocidade das mudanças na composição orgânica do capital e em sua forma técnica, e dilata-se o âmbito das esferas da produção que são atingidas por essas mudanças, ora simultânea, ora alternadamente. Assim, com a acumulação do capital produzida por ela mesma, a população trabalhadora produz, em volume crescente, os meios que a tornam relativamente supranumerária. Essa lei de população é peculiar ao modo de produção capitalista, tal como, de fato, cada modo de produção particular na história tem suas leis de população particulares, historicamente válidas. Uma lei abstrata de população só é válida para as plantas e os animais e, ainda assim, apenas enquanto o ser humano não interfere historicamente nesses domínios.

Mas se uma população trabalhadora excedente é um produto necessário da acumulação ou do desenvolvimento da riqueza com base capitalista, essa superpopulação se converte, em contrapartida, em alavanca da acumulação capitalista, e até mesmo numa condição de existência do modo de produção capitalista. Ela constitui um exército industrial de reserva disponível, que pertence ao capital de maneira tão absoluta como se ele o tivesse criado por sua própria conta. Ela fornece a suas necessidades variáveis de valorização o material humano sempre pronto para ser explorado, independentemente dos limites do verdadeiro aumento populacional. Com a acumulação e o consequente desenvolvimento da força produtiva do trabalho aumenta a súbita força de expansão do capital, e não só porque aumentam a elasticidade do capital em funcionamento e a riqueza absoluta, da qual o capital não constitui mais do que uma parte elástica, não só porque o crédito, sob todo tipo de estímulos particulares, e num abrir e fechar de olhos, põe à disposição da produção, como capital adicional, uma parte extraordinária dessa riqueza, mas porque as condições técnicas do próprio processo de produção, a maquinaria, os meios de transporte etc. possibilitam, em maior escala, a transformação mais rápida de mais-produto em meios de produção suplementares. A massa da riqueza social, superabundante e transformável em capital adicional graças ao progresso da acumulação, precipita-se freneticamente sobre os velhos ramos da produção, cujo mercado se amplia repentinamente, ou em ramos recém-abertos, como o das ferrovias etc., cuja necessidade decorre do desenvolvimento dos ramos passados. Em todos esses casos, é preciso que grandes massas humanas estejam disponíveis para serem subitamente alocadas nos pontos decisivos, sem que, com isso, ocorra uma quebra na escala de produção alcançada em outras esferas. A superpopulação provê essas massas. O curso vital característico da indústria moderna, a forma de um ciclo decenal interrompido por oscilações menores de períodos de vitalidade média, produção a todo vapor, crise e estagnação, repousa sobre a formação constante, sobre a maior ou menor absorção e sobre a reconstituição do exército industrial de reserva ou superpopulação. Por sua vez, as oscilações do ciclo industrial conduzem ao recrutamento da superpopulação e, com isso, convertem-se num dos mais enérgicos agentes de sua reprodução.

Esse currículo peculiar da indústria moderna, que não se encontra em nenhuma época anterior da humanidade, era também impossível na infância da produção capitalista. A composição do capital só se modificava gradualmente, e à sua acumulação correspondia, no geral, um crescimento proporcional da demanda de trabalho. Tal crescimento, tão lento quanto o progresso da acumulação do capital – se comparado com o da época moderna –, chocava-se com barreiras naturais da população trabalhadora explorável, as quais só podiam ser removidas pelos meios violentos que mencionaremos mais tarde. A expansão súbita e intermitente da escala de produção é o pressuposto de sua contração repentina; esta última, por sua vez, provoca uma nova expansão, a qual é impossível na ausência de material humano disponível, isto é, se o número dos trabalhadores não aumenta independentemente do crescimento absoluto da população. Ela é criada pelo simples processo que “libera” constantemente parte dos trabalhadores, por métodos que reduzem o número de trabalhadores ocupados em relação à produção aumentada. Toda a forma de movimento da indústria moderna deriva, portanto, da transformação constante de uma parte da população trabalhadora em mão de obra desempregada ou semiempregada. A superficialidade da economia política se mostra, entre outras coisas, no fato de ela converter a expansão e a contração do crédito, que é o mero sintoma dos períodos de mudança do ciclo industrial, em causa destes últimos. Tão logo iniciam esse movimento de expansão e contração alternadas, ocorre com a produção exatamente o mesmo que com os corpos celestes, os quais, uma vez lançados em determinado movimento, repetem-no sempre. Os efeitos, por sua vez, convertem-se em causas, e as variações de todo o processo, que reproduz continuamente suas próprias condições, assumem a forma da periodicidade. (...)

A produção de uma superpopulação relativa ou a liberação de trabalhadores avança com rapidez ainda maior do que a – já acelerada com o progresso da acumulação – revolução técnica do processo de produção e a correspondente redução proporcional da parte variável do capital em relação à parte constante. Se os meios de produção, crescendo em volume e eficiência, tornam-se meios de ocupação dos trabalhadores em menor grau, essa mesma relação é novamente modificada pelo fato de que, à medida que cresce a força produtiva do trabalho, o capital eleva mais rapidamente sua oferta de trabalho do que sua demanda de trabalhadores. O sobretrabalho da parte ocupada da classe trabalhadora engrossa as fileiras de sua reserva, ao mesmo tempo que, inversamente, esta última exerce, mediante sua concorrência, uma pressão aumentada sobre a primeira, forçando-a ao sobretrabalho e à submissão aos ditames do capital. A condenação de uma parte da classe trabalhadora à ociosidade forçada em razão do sobretrabalho da outra parte, e vice-versa, torna-se um meio de enriquecimento do capitalista individual, ao mesmo tempo que acelera a produção do exército industrial de reserva num grau correspondente ao progresso da acumulação social. A importância desse fator na formação da superpopulação relativa o demonstra, por exemplo, o caso da Inglaterra. Seus meios técnicos para “economizar” trabalho são colossais, no entanto, se amanhã o trabalho fosse reduzido, de modo geral, a uma medida racional, e fosse graduado de acordo com as diferentes camadas da classe trabalhadora, conforme a idade e o sexo, a população trabalhadora existente seria absolutamente insuficiente para conduzir adiante a produção nacional em sua escala atual. A grande maioria dos trabalhadores atualmente “improdutivos” teria de ser transformada em “produtivos”.

Grosso modo, os movimentos gerais do salário são regulados exclusivamente pela expansão e contração do exército industrial de reserva, que se regem, por sua vez, pela alternância periódica do ciclo industrial. Não se determinam, portanto, pelo movimento do número absoluto da população trabalhadora, mas pela proporção variável em que a classe trabalhadora se divide em exército ativo e exército de reserva, pelo aumento ou redução do tamanho relativo da superpopulação, pelo grau em que ela é ora absorvida, ora liberada. (...)

Entre 1849 e 1859, simultaneamente à queda dos preços dos cereais, ocorreu nos distritos agrícolas ingleses um aumento salarial que, na prática, foi apenas nominal. Em Wiltshire, por exemplo, o salário semanal aumentou de 7 para 8 xelins, em Dorsetshire de 7 ou 8 para 9 xelins etc. Isso foi uma consequência da evasão extraordinária da superpopulação agrícola, causada pela demanda bélica e pela expansão massiva das construções de ferrovias, fábricas, minas etc. Quanto menor o salário, tanto maior será a expressão percentual de qualquer elevação dele, por mais insignificante que seja. Se o salário semanal é, por exemplo, de 20 xelins e sobe para 22, ele se eleva em 10%; se, no entanto, é de apenas 7 xelins e sobe para 9, ele se eleva em 284/7%, o que parece bastante considerável. Seja como for, os arrendatários gritaram de indignação, e até o Economist84 de Londres tagarelou com absoluta seriedade sobre “a general and substantial advance” [um avanço geral e substancial] com relação a esses salários de fome. O que fizeram, então, os arrendatários? Esperaram até que os trabalhadores rurais, graças a essas remunerações esplêndidas, tivessem se multiplicado tanto que seu salário teria novamente de cair, tal como costuma ocorrer no cérebro do economista dogmático? Eles introduziram mais maquinaria e, num piscar de olhos, os trabalhadores voltaram a ser “supranumerários” numa proporção suficiente até mesmo para os arrendatários. Agora havia “mais capital” investido na agricultura do que antes, e de forma mais produtiva. Com isso, a demanda de trabalho caiu não apenas de modo relativo, mas absoluto.

Essa ficção econômica confunde as leis que regem o movimento geral do salário – ou a relação entre a classe trabalhadora, isto é, a força de trabalho em seu conjunto, e o capital total da sociedade – com as leis que distribuem a população trabalhadora entre as esferas particulares da produção. Se, por exemplo, em decorrência de uma conjuntura favorável, a acumulação é especialmente intensa numa determinada esfera da produção, fazendo com que os lucros sejam aí maiores do que os lucros médios e atraindo para ela o capital adicional, então ocorre, naturalmente, um aumento da demanda de trabalho e do salário. O salário mais alto atrai uma parte maior da população trabalhadora para a esfera favorecida, até que ela esteja saturada de força de trabalho e o salário caia novamente para o nível médio anterior ou, caso o afluxo tenha sido grande demais, para um nível abaixo dele. Nesse caso, a imigração de trabalhadores para o ramo de atividades em questão não apenas é interrompida, como dá até mesmo lugar à sua emigração. Aqui, o economista político crê vislumbrar “onde e como”, com o incremento do salário, ocorre um incremento absoluto de trabalhadores e, com o incremento absoluto de trabalhadores, uma redução do salário, mas na verdade ele só enxerga a oscilação local do mercado de trabalho de uma esfera específica da produção, nada mais do que fenômenos da distribuição da população trabalhadora nas diferentes esferas de investimento do capital, conforme suas necessidades mutáveis.

Nos períodos de estagnação e prosperidade média, o exército industrial de reserva pressiona o exército ativo de trabalhadores; nos períodos de superprodução e paroxismo, ele barra suas pretensões. A superpopulação relativa é, assim, o pano de fundo sobre o qual se move a lei da oferta e da demanda de trabalho. Ela reduz o campo de ação dessa lei a limites absolutamente condizentes com a avidez de exploração e a mania de dominação próprias do capital. (...)

Quanto maiores forem a riqueza social, o capital em funcionamento, o volume e o vigor de seu crescimento e, portanto, também a grandeza absoluta do proletariado e a força produtiva de seu trabalho, tanto maior será o exército industrial de reserva. A força de trabalho disponível se desenvolve pelas mesmas causas que a força expansiva do capital. A grandeza proporcional do exército industrial de reserva acompanha, pois, o aumento das potências da riqueza. Mas quanto maior for esse exército de reserva em relação ao exército ativo de trabalhadores, tanto maior será a massa da superpopulação consolidada, cuja miséria está na razão inversa do martírio de seu trabalho. Por fim, quanto maior forem as camadas lazarentas da classe trabalhadora e o exército industrial de reserva, tanto maior será o pauperismo oficial. Essa é a lei geral, absoluta, da acumulação capitalista. Como todas as outras leis, ela é modificada, em sua aplicação, por múltiplas circunstâncias, cuja análise não cabe realizar aqui. (...)

A lei segundo a qual uma massa cada vez maior de meios de produção, graças ao progresso da produtividade do trabalho social, pode ser posta em movimento com um dispêndio progressivamente decrescente de força humana, é expressa no terreno capitalista – onde não é o trabalhador quem emprega os meios de trabalho, mas estes o trabalhador – da seguinte maneira: quanto maior a força produtiva do trabalho, tanto maior a pressão dos trabalhadores sobre seus meios de ocupação, e tanto mais precária, portanto, a condição de existência do assalariado, que consiste na venda da própria força com vistas ao aumento da riqueza alheia ou à autovalorização do capital. Em sentido capitalista, portanto, o crescimento dos meios de produção e da produtividade do trabalho num ritmo mais acelerado do que o da população produtiva se expressa invertidamente no fato de que a população trabalhadora sempre cresce mais rapidamente do que a necessidade de valorização do capital.

Na seção IV, ao analisarmos a produção do mais-valor relativo, vimos que, no interior do sistema capitalista, todos os métodos para aumentar a força produtiva social do trabalho aplicam-se à custa do trabalhador individual; todos os meios para o desenvolvimento da produção se convertem em meios de dominação e exploração do produtor, mutilam o trabalhador, fazendo dele um ser parcial, degradam-no à condição de um apêndice da máquina, aniquilam o conteúdo de seu trabalho ao transformá-lo num suplício, alienam ao trabalhador as potências espirituais do processo de trabalho na mesma medida em que a tal processo se incorpora a ciência como potência autônoma, desfiguram as condições nas quais ele trabalha, submetem-no, durante o processo de trabalho, ao despotismo mais mesquinho e odioso, transformam seu tempo de vida em tempo de trabalho, arrastam sua mulher e seu filho sob a roda do carro de Jagrenái do capital. Mas todos os métodos de produção do mais-valor são, ao mesmo tempo, métodos de acumulação, e toda expansão da acumulação se torna, em contrapartida, um meio para o desenvolvimento desses métodos. Segue-se, portanto, que à medida que o capital é acumulado, a situação do trabalhador, seja sua remuneração alta ou baixa, tem de piorar. Por último, a lei que mantém a superpopulação relativa ou o exército industrial de reserva em constante equilíbrio com o volume e o vigor da acumulação prende o trabalhador ao capital mais firmemente do que as correntes de Hefesto prendiam Prometeu ao rochedo. Ela ocasiona uma acumulação de miséria correspondente à acumulação de capital. Portanto, a acumulação de riqueza num polo é, ao mesmo tempo, a acumulação de miséria, o suplício do trabalho, a escravidão, a ignorância, a brutalização e a degradação moral no polo oposto, isto é, do lado da classe que produz seu próprio produto como capital.

Esse caráter antagônico da acumulação capitalista88 foi expresso de diferentes formas pelos economistas políticos, embora eles o confundam com fenômenos em parte análogos, sem dúvida, porém essencialmente diferentes, que ocorrem nos modos de produção pré-capitalistas.”*

*Havia algumas notas nesse texto, que não foram trazidas para cá.

i Juggernaut (Dschagannat): uma das formas do deus Vishnu. O culto de Jagrená se caracterizava por um elevado grau de fanatismo religioso, incluindo rituais de autoflagelação e autossacrifício extremos. Em certos dias festivos, os fiéis se jogavam sob as rodas de um carro (o “carro de Jagrená”), sobre o qual se encontrava uma figura de Vishnu-Dschagannat. (N. E. A. MEW)

88 “Dia após dia, torna-se mais claro, portanto, que as relações de produção em que a burguesia se move não têm um caráter unitário, simples, mas dúplice; que nas mesmas relações em que se produz a riqueza também se produz a miséria; que nas mesmas relações em que há desenvolvimento das forças produtivas há também uma força produtiva de repressão; que essas relações só produzem a riqueza burguesa, isto é, a riqueza da classe burguesa, sob a condição do aniquilamento contínuo da riqueza dos membros integrantes dessa classe e da produção de um proletariado cada vez maior”, Karl Marx, Miséria da filosofia, cit., p. 116.

 

 

A época imediatamente anterior à revogação das leis dos cereais lançou nova luz sobre a situação dos trabalhadores rurais. Por um lado, interessava aos agitadores burgueses demonstrar quão pouco essas leis protecionistas protegiam o verdadeiro produtor de cereal. Por outro lado, a burguesia industrial espumava de raiva ante as denúncias que os aristocratas rurais faziam das condições fabris em face da simpatia que esses ociosos degenerados, frios e refinados afetavam pelos sofrimentos do trabalhador urbano e diante de seu “zelo diplomático” pela lei fabril. Um velho ditado inglês diz que quando dois ladrões se engalfinham, algo de bom sempre ocorre. E, de fato, a rumorosa e apaixonada peleja entre as duas facções da classe dominante para saber qual das duas explorava mais desavergonhadamente o trabalhador tornou-se, de um lado e de outro, a parteira da verdade.”

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