Editora: Boitempo/UFRJ
ISBN: 978-85-7559-172-7
Tradução: Mario
Duayer e Nélio Schneider (com colaboração de Alice Helga Wermer e Rudiger
Hoffman
Opinião: ★★★★☆
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Páginas: 792
Sinopse: Ver Parte
I
“(Em
uma forma do dinheiro – como meio de troca (e não medida do valor
de troca) – é claro para os economistas que a existência do dinheiro pressupõe
a coisificação do nexo social; na medida em que, portanto, o dinheiro aparece
como penhor que um deve deixar na mão do outro para obter deste uma
mercadoria. Os próprios economistas dizem, nesse caso, que os homens depositam
na coisa (no dinheiro) a confiança que não depositam em si mesmos como pessoas.
Mas por que depositam a confiança na coisa? Evidentemente, só como relação
coisificada das pessoas entre si, como valor de troca coisificado, e o
valor de troca nada mais é do que uma relação da atividade produtiva das
pessoas entre si. Qualquer outro penhor pode servir diretamente ao seu
possuidor enquanto tal: o dinheiro serve-lhe somente como “penhor mobiliário
da sociedade”42, mas só é tal penhor em
virtude de sua propriedade (simbólica) social; e só pode possuir propriedade
social porque os indivíduos se estranharam de sua própria relação social como
objeto.)
Nas listas
de preços correntes, onde todos os valores são medidos em dinheiro, a
independência do caráter social das coisas em relação às pessoas, assim como,
simultaneamente, a atividade do comércio sobre essa base da condição
estranhada, na qual as relações globais de produção e intercâmbio aparecem
confrontadas ao indivíduo, a todos os indivíduos, parece se subordinar
novamente aos indivíduos singulares. Dado que a autonomização do mercado
mundial, se se quiser, (no qual está incluída a atividade de cada indivíduo
singular) cresce com o desenvolvimento das relações monetárias (do valor de
troca) e, vice-versa, que a conexão universal e a dependência generalizada na
produção e no consumo crescem simultaneamente com a independência e a
indiferença recíproca de produtores e consumidores; dado que essa contradição
conduz a crises etc., paralelamente ao desenvolvimento do estranhamento
tenta-se suprimir a contradição em seu próprio terreno; listas de preços
correntes, taxas de câmbio, conexão postal dos comerciantes entre si,
telégrafos etc. (os meios de comunicação desenvolvem-se naturalmente ao mesmo
tempo), em que cada indivíduo singular obtém informação sobre a atividade de
todos os outros e procura em seguida ajustar a sua própria. (I.e.,
embora a oferta e a demanda de todos com respeito a todos transcorram de forma
independente, cada um procura se informar sobre a situação da demanda e da
oferta universais; e, em seguida, esse conhecimento retroage praticamente sobre
todos eles. Muito embora tudo isso, sob ponto de vista dado, não suprima a
condição estranhada, dá lugar a relações e conexões que contêm em si a
possibilidade de abolir o antigo ponto de vista.) (A possibilidade de
estatística universal etc.) (De resto, cabe assinalar aqui apenas que a visão
geral sobre o comércio e a produção globais, na medida em que está factualmente
presente nas listas de preços correntes, fornece de fato a melhor demonstração
de como o seu próprio intercâmbio e sua própria produção confrontam os
indivíduos singulares como relação coisal, deles independente. No
mercado mundial desenvolveu-se em tal nível o nexo do indivíduo
singular com todos, mas ao mesmo tempo também a independência desse
nexo em relação aos próprios indivíduos singulares, que sua formação já
contém simultaneamente a condição de transição para fora dele mesmo.) A equiparação
em lugar da comunalidade e da universalidade efetivas.
(Foi
dito e pode ser dito que a beleza e a grandeza residem justamente nessa conexão
espontânea e natural, nesse metabolismo material e espiritual independente do
saber e da vontade dos indivíduos, e que pressupõe precisamente sua
independência e indiferença recíprocas. E essa conexão coisificada é certamente
preferível à sua desconexão, ou a uma conexão local baseada unicamente na
estreiteza da consanguinidade natural ou nas relações de dominação e servidão.
É igualmente certo que os indivíduos não podem subordinar suas próprias
conexões sociais antes de tê-las criado. Porém, é absurdo conceber tal conexão
puramente coisificada como a conexão natural e espontânea, inseparável
da natureza da individualidade (em oposição ao saber e ao querer reflexivos) e
a ela imanente. A conexão é um produto dos indivíduos. É um produto histórico.
Faz parte de uma determinada fase de seu desenvolvimento. A condição estranhada
e a autonomia com que ainda existe frente aos indivíduos demonstram somente que
estes estão ainda no processo de criação das condições de sua vida social, em
lugar de terem começado a vida social a partir dessas condições. É a conexão
natural e espontânea de indivíduos em meio a relações de produção determinadas,
estreitas. Os indivíduos universalmente desenvolvidos, cujas relações sociais,
como relações próprias e comunitárias, estão igualmente submetidas ao seu
próprio controle comunitário, não são um produto da natureza, mas da história.
O grau e a universalidade do desenvolvimento das capacidades em que essa
individualidade se torna possível pressupõem justamente a produção sobre a base
dos valores de troca, que, com a universalidade do estranhamento do indivíduo
de si e dos outros, primeiro produz a universalidade e multilateralidade de
suas relações e habilidades. Em estágios anteriores de desenvolvimento, o
indivíduo singular aparece mais completo precisamente porque não elaborou ainda
a plenitude de suas relações e não as pôs diante de si como poderes e relações
sociais independentes dele. É tão ridículo ter nostalgia daquela plenitude
original: da mesma forma, é ridícula a crença de que é preciso permanecer
naquele completo esvaziamento. O ponto de vista burguês jamais foi além da
oposição a tal visão romântica e, por isso, como legítima antítese, a visão
romântica o acompanhará até seu bem-aventurado fim.)”
42 Alusão, de um lado, a John
Bellers, Essays about the poor, manufactures, trade, plantations, and
immorality (1. ed., Londres, T. Sowle, 1699), p. 13 (“O dinheiro (...) é um
penhor para o que é dado por ele.”); e, por outro, a Aristóteles, Ética
a Nicômaco (2. ed., Bauru, Edipro, 2007, v.
8), 1133b 11-12: tò nómisma oÎon Êggujtav ÊsqH dmîn (i.e., “o dinheiro
é, de certo modo, a nossa garantia”). A passagem de Beller é citada
posteriormente (1867) no primeiro livro de O capital (8. ed., São Paulo,
Difel, 1982, p. 92, nota 71). Com respeito aos Grundrisse de Marx,
Caderno de Extratos I, p. 22, a passagem de Aristóteles é referida no “Índice
aos sete Cadernos”, p. 33 (ver MEGA II/2, p. 13 e 27-8). Marx tomou a expressão
“penhor mobiliário da sociedade” do livro de Johann Georg Büsch, Abhandlung
von dem Geldumlauf in anhaltender Rücksicht auf die Staatswirtschaft und
Handlung (2. ed., Hamburgo e Kiel, C. E. Bohn, 1800, parte I), p. 298-9,
onde se lê: “[...] o dinheiro [...] como um penhor mobiliário universal, não
simplesmente entre os membros de uma sociedade burguesa, mas entre várias
sociedades burguesas”. Em seu caderno de extratos “O sistema monetário
completo” (p. 34), Marx formula a tese de Büsch com as seguintes palavras:
“Dinheiro penhor mobiliário universal da sociedade burguesa”. Büsch
remete ao livro de Theodor Schmalz, Encyclopädie der Cameralwissenschaften
(Könnigsberg, F. Nicolovius, 1797), § 50, onde o dinheiro é caracterizado como
“o penhor universalmente mais solicitado”. Já a fórmula “dinheiro como um
penhor” acha-se também no trabalho de John Locke, “Some considerations… (1691)”, em The works of John Locke (7.
ed., Londres, H. Woodfall, 1768, vol. 2), p. 15. Essa passagem está extratada no Caderno de
Extratos VI, de cerca de janeiro/fevereiro de 1851 (p. 21).
“(Em
seu desenvolvimento, o sistema monetário já supõe, evidentemente, outros
desenvolvimentos gerais.)
Caso
se considere relações sociais que geram um sistema não desenvolvido de troca,
de valores de troca e de dinheiro, ou às quais corresponde um grau pouco
desenvolvido destes últimos, é desde logo claro que os indivíduos, embora suas
relações apareçam mais pessoais, só entram em relação uns com os outros como
indivíduos em uma determinabilidade, como suserano e vassalo, senhor e servo
etc., ou como membros de uma casta etc., ou ainda como integrantes de um
estamento etc. Na relação monetária, no sistema de trocas desenvolvido (e essa
aparência seduz a democracia), são de fato rompidos, dilacerados, os laços de
dependência pessoal, as diferenças de sangue, as diferenças de cultura etc.
(todos os laços pessoais aparecem ao menos como relações pessoais); e os
indivíduos parecem independentes (essa independência que, aliás, não
passa de mera ilusão e, mais justamente, significa apatia – no sentido de
indiferença), livres para colidirem uns contra os outros e, nessa liberdade,
trocar; mas assim parecem apenas para aquele que abstrai das condições,
das condições de existência sob as quais esses indivíduos entram em
contato (e essas condições, por sua vez, são independentes dos indivíduos e
aparecem, apesar de geradas pela sociedade, como condições naturais, i.e.,
incontroláveis pelos indivíduos). A determinabilidade que, no primeiro caso,
aparece como uma limitação pessoal do indivíduo por parte de um outro, aparece
no segundo caso desenvolvida como uma limitação coisal do indivíduo por
relações dele independentes e que repousam sobre si mesmas. (Como o indivíduo
singular não pode se despojar de sua determinabilidade pessoal, mas pode muito
bem superar relações externas e subordiná-las a si, sua liberdade parece
maior no caso 2. Entretanto, uma análise mais precisa dessas relações externas,
dessas condições, mostra a impossibilidade dos indivíduos de uma classe etc. de
superá-las em massa sem as abolir. O indivíduo singular pode casualmente ser
capaz de fazê-lo; a massa de indivíduos dominados por tais relações não pode,
uma vez que sua mera existência expressa a subordinação, a necessária subordinação
dos indivíduos a elas.) Essas relações externas tampouco são uma supressão das
“relações de dependência”, dado que são apenas a sua resolução em uma forma
universal; são, ao contrário, a elaboração do fundamento universal das
relações pessoais de dependência. Também aqui os indivíduos só entram em
relação entre si como indivíduos determinados. Essas relações de dependência coisal,
por oposição às relações de dependência pessoal (a relação de
dependência coisal nada mais é do que as relações sociais autônomas
contrapostas a indivíduos aparentemente independentes, i.e., suas
relações de produção recíprocas deles próprios autonomizadas), aparecem de
maneira tal que os indivíduos são agora dominados por abstrações, ao
passo que antes dependiam uns dos outros. A abstração ou ideia, no entanto,
nada mais é do que a expressão teórica dessas relações materiais que os
dominam. As relações só podem naturalmente ser expressas em ideias, e é por
isso que os filósofos conceberam como o peculiar da era moderna o fato de ser
dominada pelas ideias e identificaram a criação da livre individualidade com a
derrubada desse domínio das ideias. Do ponto de vista ideológico, o erro era
tão mais fácil de cometer porquanto esse domínio das relações (essa dependência
coisal que, aliás, se reverte em relações determinadas de dependência pessoal,
mas despidas de toda ilusão) aparece na consciência dos próprios indivíduos
como domínio das ideias e a crença na eternidade de tais ideias, i.e.,
dessas relações coisais de dependência, é consolidada, nutrida, inculcada por
todos os meios, é claro, pelas classes dominantes.”
“No
escambo, entretanto, o valor de troca é o produto somente em si; é sua
primeira forma fenomênica; mas o produto ainda não é posto como valor de troca.
De início, essa determinação não se estende por toda a produção, mas só tem
relação com seu supérfluo e, por isso, é ela mesma mais ou menos supérflua
(como a própria troca); com um alargamento fortuito dos círculos das satisfações,
dos gozos (relação a novos objetos). Em razão disso, a troca só se dá em poucos
pontos (originalmente, ali onde terminavam as comunidades naturais em seu
contato com estrangeiros), está limitada a um pequeno círculo e constitui algo
de transitório e incidental em relação à produção; desaparece tão casualmente
quanto nasce. A troca direta, na qual o supérfluo da própria produção é trocado
fortuitamente pelo supérfluo da produção estrangeira, é apenas a primeira
ocorrência do produto como valor de troca em geral e é determinada por
necessidades, desejos etc. fortuitos. Mas caso aconteça de a troca continuar,
caso devenha um ato continuado que contém em si mesmo os meios para sua
permanente renovação, tem lugar, progressivamente, desde o exterior e de modo
igualmente fortuito, a regulação da troca recíproca por meio da regulação da
produção recíproca, e os custos de produção, que em última instância se
resolvem todos em tempo de trabalho, deviriam assim a medida da troca. Isso nos
mostra a gênese da troca e do valor de troca da mercadoria. Mas as
circunstâncias sob as quais uma relação ocorre pela primeira vez de maneira
nenhuma nos mostram tal relação nem em sua pureza nem em sua totalidade. Um
produto posto como valor de troca não é mais determinado essencialmente como
simples produto; ele é posto em uma qualidade diferente de sua qualidade
natural; ele é posto como relação, mais precisamente, como relação
universal, não como relação a uma mercadoria, mas a toda mercadoria, a todo
produto possível. Expressa, por conseguinte, uma relação universal; o produto
que se relaciona a si mesmo como a realização de um quantum determinado
do trabalho universal, do tempo de trabalho social, e por isso é o equivalente
de todo outro produto na proporção expressa em seu valor de troca. O valor de
troca subentende o trabalho social como a substância de todos os produtos,
abstraindo totalmente de sua naturalidade. Nada pode expressar uma relação sem
se relacionar a uma coisa qualquer; e nada pode expressar uma relação universal
sem se relacionar a um universal. Como o trabalho é movimento, o tempo é sua
medida natural. O escambo, em sua forma mais rudimentar, subentende o trabalho
como substância e o tempo de trabalho como medida das mercadorias; o que também
se evidencia posteriormente, tão logo a troca se regulariza, devém contínua e
deve conter em si mesma as condições recíprocas de sua renovação. – A
mercadoria só é valor de troca na medida em que é expressa em outra
coisa, portanto, como relação. Um alqueire de trigo vale tantos alqueires de
centeio; nesse caso, o trigo é valor de troca à medida que é expresso em
centeio, e o centeio, valor de troca, à medida que é expresso em trigo. Na
medida em que cada uma das duas esteja em relação somente consigo mesma, não é
valor de troca. Contudo, o próprio ouro, na relação em que aparece como medida,
não é expresso como relação, como valor de troca, mas como quantidade natural
de uma certa matéria, um peso natural de ouro ou de prata. Em geral, a
mercadoria na qual é expresso o valor de troca de uma outra jamais é expressa
como valor de troca, jamais como relação, mas como quantum determinado
em sua constituição natural. (...) Mas o específico do preço é que o próprio
valor de troca deve ser expresso em sua universalidade e, não obstante, em uma
mercadoria determinada. Mas mesmo isso é indiferente. Na medida em que o
dinheiro aparece como matéria na qual o preço de todas as mercadorias é
expresso, é medido, o próprio dinheiro é posto como um quantum
determinado de ouro, de prata etc., em síntese, de sua matéria natural; simples
quantum de uma matéria determinada e não ele mesmo como valor de troca,
como relação.”
“(Nada
é mais falso do que o modo pelo qual a sociedade é considerada tanto por
economistas como por socialistas em relação às condições econômicas. Proudhon,
por exemplo, afirma contra Bastiat (XVI, 29)12):
“Para a sociedade, a diferença entre capital e produto não existe. Essa
diferença é inteiramente subjetiva aos indivíduos”. Portanto, chama
justamente o social de subjetivo; e chama a sociedade de abstração subjetiva. A
diferença entre produto e capital é precisamente a de que, como capital, o
produto exprime uma relação particular, pertencente a uma forma histórica de
sociedade. A assim chamada consideração sob o ponto de vista da sociedade nada
mais significa do que perder de vista as diferenças, justamente as
diferenças que expressam a relação social (relação da sociedade
burguesa). A sociedade não consiste de indivíduos, mas expressa a soma de
vínculos, relações em que se encontram esses indivíduos uns com os outros. É
como se alguém quisesse dizer: do ponto de vista da sociedade, não existem
escravos e cidadãos: ambos são seres humanos. Pelo contrário, são seres humanos
fora da sociedade. Ser escravo e ser cidadão são determinações, relações
sociais dos seres humanos A e B. O ser humano A enquanto
tal não é escravo. É escravo na e pela sociedade. O que o senhor Proudhon diz
aqui do capital e do produto equivale a dizer que, para ele, do ponto de vista
da sociedade, não existe nenhuma diferença entre capitalistas e trabalhadores,
uma diferença que só existe precisamente do ponto de vista da sociedade.)”
12 A indicação entre parênteses
refere-se ao Caderno de Extratos XVI. Sobre Frédéric Bastiat, ver Bastiat e
Proudhon, Gratuité du credit, cit., p. 177, 178-80 e 248-50. Grifos de
Marx.
“A
única utilidade que um objeto pode ter em geral para o capital só poder ser a
de conservá-lo e de aumentá-lo. Já vimos, no dinheiro, como o valor
autonomizado enquanto tal – ou a forma universal da riqueza – não é capaz de
nenhum outro movimento que não seja o quantitativo; o de se multiplicar16. De acordo com seu conceito, ele é a
quintessência de todos os valores de uso; mas como sempre é somente um
determinado quantum de dinheiro (aqui, capital), seu limite quantitativo
está em contradição com sua qualidade. Por essa razão, é de sua natureza ser
constantemente impelido para além de seu próprio limite. (Por isso, como
riqueza desfrutável, como na época do Império Romano, p. ex., aparece como
dissipação ilimitada, dissipação que procura igualmente elevar a fruição à
imaginária ilimitabilidade devorando saladas de pérolas etc.) Já por essa
razão, para o valor que se mantém em si como valor, o aumentar coincide com o
autoconservar, e ele só se conserva precisamente pelo fato de que tende
continuamente para além de seu limite quantitativo, limite que contradiz sua
determinação formal, sua universalidade intrínseca. O enriquecimento é, assim,
uma finalidade em si. A atividade determinante da finalidade do capital só pode
ser o enriquecimento, i.e., a expansão, o aumento de si mesmo. Uma
determinada soma de dinheiro (...) pode satisfazer inteiramente um consumo
determinado, no qual deixa justamente de ser dinheiro. Mas não pode satisfazer
como representante da riqueza universal. Como soma quantitativamente
determinada, soma limitada, o dinheiro é tão somente representante limitado da
riqueza universal, ou representante de uma riqueza limitada, que não vai além
do seu valor de troca; é exatamente medido nele. Por isso, ele não tem de forma
alguma a capacidade, que deveria ter em conformidade com seu conceito
universal, de comprar todos os prazeres, todas as mercadorias, a totalidade das
substâncias materiais da riqueza; não é um “epítome de todas as coisas”17 etc. Fixado como riqueza, como forma universal
da riqueza, como valor que vale como valor, o dinheiro é, portanto, o impulso
permanente de continuar para além de seu limite quantitativo: processo sem fim.
A sua própria vitalidade consiste exclusivamente em que: só se conserva
como valor de troca diferindo do valor de uso e valendo por si à medida que se multiplica
continuamente.”
16 Ver p. 150 e 201.
17 Referência à expressão de Pierre Boisguillebert “précis de toutes les
denrées” em sua obra “Dissertation sur la nature des richesses, de l’argent
et des tributs”, em Eugène Daire, Économistes financiers du XVIIIe
siècle (Paris, Guillaumin, 1843), p. 399
“Uma vez que obtém o equivalente na forma do dinheiro, na forma da riqueza
universal, o trabalhador encontra-se nessa troca como igual frente ao
capitalista, como qualquer outro participante da troca; ao menos de acordo com
a aparência. Na realidade, essa igualdade já está desfigurada pelo fato
de que sua relação como trabalhador com o capitalista, como valor de uso na
forma especificamente diferente do valor de troca, em oposição ao valor posto
como valor, é pressuposta para essa troca aparentemente simples; pelo fato de
que o trabalhador, portanto, já se encontra em uma relação determinada
economicamente de outra maneira – para além da relação da troca, na qual é
indiferente a natureza do valor de uso, do valor de uso particular da
mercadoria enquanto tal. Essa aparência, contudo, existe como ilusão de sua
parte e, em certo grau, da outra parte, e, por isso, também modifica
essencialmente sua relação, à diferença da relação dos trabalhadores em outros
modos sociais de produção. Mas o que é essencial é que a finalidade da troca,
para ele, é a satisfação de suas necessidades. O objeto de sua troca é objeto
imediato da necessidade, não o valor de troca enquanto tal. Ele certamente
obtém dinheiro, mas só em sua determinação como moeda; i.e., somente
como mediação que supera a si mesma e é evanescente. O que ele troca não é, por
conseguinte, o valor de troca, não é a riqueza, mas meios de subsistência,
objetos para a preservação de sua vitalidade, para a satisfação de suas
necessidades de modo geral, físicas, sociais etc. É um determinado equivalente
em meios de subsistência, de trabalho objetivado, medido pelos custos de
produção de seu trabalho. O que o trabalhador cede é a disposição sobre o
trabalho. Por outro lado, é verdade agora que mesmo no interior da circulação
simples a moeda transita para o dinheiro, e que o trabalhador, portanto, visto
que recebe moeda na troca, pode transformá-la em dinheiro, à medida que a
acumula etc., que a retira da circulação; a retém como forma universal da
riqueza e não como meio de troca efêmero. Sob essa ótica, portanto, poderia ser
dito que, na troca do trabalhador com o capital, o seu objeto – e,
consequentemente, também o produto da troca para ele – não são os meios de
subsistência, mas a riqueza, não um valor de uso particular, mas o valor de
troca enquanto tal. Nesse caso, o trabalhador só poderia fazer do valor de
troca seu próprio produto da mesma maneira que a riqueza em geral pode aparecer
como produto exclusivo da circulação simples, onde são trocados
equivalentes, a saber, sacrificando a satisfação substancial em favor da forma
da riqueza, logo, retirando menos bens da circulação do que os que lhe
dá, por meio da abstinência, poupança, corte de seu consumo. Essa é a
única forma possível de enriquecer que é posta pela própria circulação. A
abstinência poderia aparecer ainda na forma mais ativa, que não está posta na
circulação simples, na qual o trabalhador renuncia ainda mais ao repouso,
renuncia completamente ao seu ser como algo separado de seu ser como
trabalhador e, na medida do possível, só é como trabalhador; por conseguinte,
renova com mais frequência o ato da troca, ou estende-o qualitativamente ainda
mais, ou seja, pela laboriosidade. Por essa razão, também na sociedade
atual a exigência de laboriosidade e, especialmente, também de poupança,
de abstinência, é requerida não dos capitalistas, mas dos trabalhadores,
e precisamente pelos capitalistas. A sociedade atual faz justamente a exigência
paradoxal de que deve renunciar aquele para quem o objeto da troca é o meio de
subsistência, não aquele para quem o objeto da troca é o enriquecimento. A
ilusão de que os capitalistas realmente “renunciaram” – e dessa maneira
devieram capitalistas – uma exigência e representação que só tinham sentido na
época primitiva em que o capital se desenvolve a partir das relações feudais
etc. – foi abandonada por todos os economistas modernos responsáveis. O
trabalhador deve poupar, e muito alarde foi feito em torno das caixas de
poupança etc. (Neste último caso, é admitido inclusive pelos próprios
economistas que sua verdadeira finalidade também não é a riqueza, mas só uma
distribuição mais adequada dos gastos, de maneira que, na velhice ou em caso de
doenças, crises etc., os trabalhadores não dependam de instituições de
caridade, do Estado ou da mendicância (em uma palavra, particularmente para que
não se tornem um ônus para os capitalistas e vegetem às custas deles, mas sim
para a própria classe trabalhadora), que, portanto, poupem para os
capitalistas; que reduzam os seus custos de produção para os capitalistas.) Mas
o que nenhum economista irá negar é que se os trabalhadores em geral,
logo, como trabalhadores (o que o trabalhador singular faz ou pode
fazer, à diferença de seu genus, só pode existir precisamente como exceção,
não como regra, porque não está contido na determinação da relação
mesma), cumprissem essas exigências como regra (abstraindo dos danos que
causariam ao consumo geral – a perda seria enorme – e, por conseguinte, também
à produção, também, portanto, à quantidade e ao volume das trocas que poderiam
realizar com o capital, consequentemente, a si mesmos como trabalhadores), eles
empregariam meios que aboliriam absolutamente sua própria finalidade, e
justamente os degradariam ao nível dos irlandeses, ao nível do trabalhador
assalariado, em que o mínimo mais animal de necessidades, de meios de
subsistência, se apresenta ao trabalhador como o único objeto e finalidade de
sua troca com o capital. Ao fazer da riqueza a sua finalidade, em lugar do
valor de uso, o trabalhador, portanto, não só não alcançaria nenhuma riqueza,
mas perderia além disso o valor de uso na compra. Pois, de modo geral, o máximo
de laboriosidade, de trabalho, e o mínimo de consumo – e esse é o máximo de sua
renúncia e de seu poder de fazer dinheiro – não poderiam levar a mais nada
senão a que o trabalhador recebesse um mínimo de salário por um máximo de
trabalho. Com seu esforço, o trabalhador só teria reduzido o nível geral
dos custos de produção de seu próprio trabalho e, em consequência, o seu preço
geral. Somente como exceção pode o trabalhador, com força de vontade, força
física e perseverança, avareza etc., transformar sua moeda em dinheiro, como
exceção de sua classe e das condições gerais de sua existência [Dasein].
Caso fossem todos, ou em sua maioria, superdiligentes (tanto quanto, na
indústria moderna, a diligência depende de seu arbítrio, o que não ocorre nos
ramos de produção mais importantes e mais desenvolvidos), os trabalhadores não
aumentariam o valor de sua mercadoria, mas tão somente a sua quantidade;
portanto, aumentariam as exigências que lhes seriam feitas como valor de uso.
Se todos poupassem, uma redução geral do salário iria colocá-los em seu devido
lugar; pois a poupança generalizada indicaria ao capitalista que seu salário em
geral está muito elevado, que recebem mais do que o equivalente por sua
mercadoria, a capacidade de disposição sobre seu trabalho; dado que a essência
da troca simples – e nessa relação encontram-se os trabalhadores perante o
capitalista – é precisamente que ninguém lança na circulação mais do que dela
retira; mas também só pode dela retirar o que nela lançou. Um trabalhador
singular só pode ser diligente acima do nível, mais diligente do que tem
de ser para viver como trabalhador, porque um outro está abaixo desse nível, é
mais preguiçoso; só pode poupar porque e se um outro dissipa. Em média, o
máximo que pode conseguir com sua parcimônia é poder suportar melhor o ajuste
dos preços – altos e baixos, o seu ciclo; portanto, só distribuir seus
desfrutes de maneira mais adequada, e não obter riqueza. E essa é igualmente a
verdadeira exigência dos capitalistas. Os trabalhadores devem poupar o
suficiente quando os negócios vão bem para poderem sobreviver bem ou mal nos
períodos difíceis, para suportar a redução da jornada de trabalho ou a redução
dos salários etc. (Nesse caso, o salário cairia ainda mais.) Em suma, exigência
de que os trabalhadores devem sempre restringir seus prazeres vitais a um
mínimo e aliviar as crises para os capitalistas etc. Devem se comportar como
pura máquina de trabalho e, se possível, pagar inclusive pelo seu desgaste
natural. Prescindindo da pura brutalização daí resultante – e uma tal
brutalização tornaria impossível inclusive aspirar à riqueza na forma
universal, como dinheiro, como dinheiro acumulado – (e a participação dos
trabalhadores em prazeres mais elevados, inclusive espirituais; a agitação por
seus próprios interesses, assinar jornais, assistir conferências, educar os
filhos, desenvolver o gosto etc.; sua única participação na civilização que os
distingue dos escravos só é economicamente possível pelo fato de que o
trabalhador amplia o círculo de seus prazeres nos períodos em que os negócios
vão bem, significa dizer, nos períodos em que poupar é, até certo ponto,
possível), prescindindo disso, o trabalhador, se poupasse de maneira realmente
ascética e dessa maneira acumulasse bônus para o lumpemproletariado, os
vigaristas etc. que aumentariam em proporção à demanda – caso suas economias
excedessem a soma dos cofrinhos de moedas das cadernetas de poupança das caixas
econômicas oficiais, que lhes pagam uma taxa de juros mínima para que os
capitalistas recebam altas taxas por suas poupanças ou o Estado as devore, com
o que o trabalhador só aumenta o poder de seus adversários e a sua própria
dependência –, o trabalhador pode meramente conservar ou tornar rentáveis suas
economias à medida que as deposita em bancos etc., de modo que, posteriormente,
em épocas de crise, perde seus depósitos, após ter renunciado a todos os
prazeres da vida nos períodos de prosperidade para aumentar o poder do capital;
portanto, de qualquer modo, poupou para o capital, não para si. Aliás –
na medida em que tudo isso não passa de clichê hipócrita da “filantropia”
burguesa, que consiste afinal em iludir os trabalhadores com “desejos piedosos”
–, cada capitalista certamente exige que seus trabalhadores poupem, mas somente
os seus, porque se defrontam com ele como trabalhadores; mas de maneira
alguma o resto do mundo dos trabalhadores, pois estes se defrontam com
ele como consumidores. Apesar de todas as fraseologias “piedosas”, o
capitalista procura por todos os meios incitá-los ao consumo, conferir novos
atrativos às suas mercadorias, impingir-lhes novas necessidades etc. É
precisamente esse aspecto da relação entre capital e trabalho que constitui um
momento essencial de civilização, e sobre o qual repousa a justificação
histórica do capital, mas também do seu poder atual. (...) Todas essas
considerações, entretanto, são exotéricas, mas oportunas aqui porque as
exigências da hipócrita filantropia burguesa demonstram dissolver-se em si
mesmas e, por conseguinte, confirmam precisamente o que deveriam refutar, a
saber, que na troca com o capital o trabalhador está em uma relação da
circulação simples, portanto, não obtém riqueza, mas somente meios de
subsistência, valores de uso para o consumo imediato. Que a exigência contradiz
a própria relação resulta da simples consideração (quanto à pretensão,
apresentada recentemente, às vezes com autocomplacência, de conceder aos
trabalhadores uma certa participação nos lucros, é para ser tratada na seção salário;
exceto como prêmio especial, que só pode alcançar sua finalidade como
exceção à regra e que de fato limita-se, na prática mais perceptível, a comprar
alguns capatazes etc. no interesse do empregador e contra os interesses
de sua classe; ou se limita a comprar vendedores etc., em suma, pessoas que não
são mais simples trabalhadores e, em consequência, também não se referem
mais à relação geral; ou é uma maneira particular de lograr os trabalhadores e
de reter uma parte de seus salários sob a forma precária de lucro
dependente da situação do negócio) de que, se as economias do trabalhador não
devem permanecer um simples produto da circulação – dinheiro poupado que só
pode ser realizado à medida que, mais cedo ou mais tarde, é trocado pelo
conteúdo substancial da riqueza, por fruições –, o próprio dinheiro acumulado
tem de devir capital, i.e., tem de comprar trabalho, tem de se
relacionar com o trabalho como valor de uso. Tal exigência, portanto,
subentende mais uma vez trabalho que não é capital, e subentende que o trabalho
deveio seu contrário – não trabalho. Para devir capital, a própria poupança
pressupõe o trabalho como não capital em oposição ao capital; em consequência,
a antítese que deve ser suprimida em um ponto é produzida em outro. Se,
portanto, na própria relação original, o objeto e o produto da troca do
trabalhador – como produto da simples troca, não pode ser nenhum outro produto
– não fosse o valor de uso, os meios de subsistência, a satisfação das
necessidades imediatas, a retirada da circulação do equivalente ao que nela é
lançado para destruí-lo no consumo –, o trabalho não se defrontaria com capital
como trabalho, como não capital, mas como capital. Mas o capital também não
pode se defrontar com o capital se o trabalho não se defronta com o capital,
pois o capital só é capital como não trabalho; só nessa relação antitética. Consequentemente,
o conceito e a própria relação do capital estariam destruídos.”
“A separação da propriedade do trabalho aparece como lei necessária dessa troca entre
capital e trabalho. O trabalho, posto como o não capital enquanto tal,
é: 1) trabalho não objetivado, concebido negativamente (no
entanto objetivo; o próprio não objetivo em forma objetiva). Enquanto tal, o
trabalho é não matéria-prima, não instrumento de trabalho, não produto bruto:
trabalho separado de todos os meios e objetos de trabalho, separado de toda sua
objetividade. O trabalho vivo existindo como abstração desses momentos
de sua real efetividade (igualmente não valor): esse completo desnudamento do
trabalho, existência puramente subjetiva, desprovida de toda objetividade. O
trabalho como a pobreza absoluta: a pobreza não como falta, mas como
completa exclusão da riqueza objetiva. Ou ainda, como o não valor
existente e, por conseguinte, valor de uso puramente objetivo, existindo sem
mediação, tal objetividade só pode ser uma objetividade não separada da pessoa:
apenas uma objetividade coincidente com sua imediata corporalidade. Como é
puramente imediata, a objetividade é, de maneira igualmente imediata, não
objetividade. Em outras palavras: não é uma objetividade situada fora da existência
imediata do próprio indivíduo. 2) Trabalho não objetivado, não valor,
concebido positivamente, ou negatividade referida a si mesma, ele é a
existência não objetivada, logo, não objetiva, i.e., a existência
subjetiva do próprio trabalho. O trabalho não como objeto, mas como atividade;
não como valor ele mesmo, mas como a fonte viva do valor. A
riqueza universal, perante o capital, no qual ela existe de forma objetiva como
realidade, como possibilidade universal do capital, possibilidade que se
afirma enquanto tal na ação. Portanto, de nenhuma maneira se contradiz a
proposição de que o trabalho é, por um lado, a pobreza absoluta como objeto
e, por outro, a possibilidade universal da riqueza como sujeito e como
atividade, ou, melhor dizendo, essas proposições inteiramente contraditórias
condicionam-se mutuamente e resultam da essência do trabalho, pois é pressuposto
pelo capital como antítese, como existência antitética do capital e, de outro
lado, por sua vez, pressupõe o capital.”
“Por
meio da troca com o trabalhador, o capital apropriou-se do próprio trabalho; o
trabalho deveio um de seus momentos, que atua agora como vitalidade fecundante
sobre sua objetividade meramente existente e, por isso, morta. O capital é
dinheiro (valor de troca posto para si), todavia não é mais dinheiro que existe
em uma substância particular e, consequentemente, está excluído das outras
substâncias dos valores de troca existentes junto a ele, mas dinheiro que
recebe sua determinação ideal em todas as substâncias, nos valores de troca de
toda forma e de todo modo de existência do trabalho objetivado. À medida que o
capital, como dinheiro existente em todas as formas particulares do trabalho
objetivado, entra agora em processo com o trabalho não objetivado, com o
trabalho vivo, existente como processo e ato, ele é antes de tudo essa
diferença qualitativa entre a substância, de que ele consiste, e a forma, na
qual existe agora também como trabalho. É no processo dessa
diferenciação e de sua superação que o próprio capital devém processo. O
trabalho é o fermento que é jogado no capital e produz sua fermentação.”
“Como valor de uso, o trabalho só existe para o capital e é
o valor de uso do próprio capital, i.e., a atividade mediadora
pela qual ele se valoriza. O capital, enquanto reproduz e aumenta seu
valor, é o valor de troca autônomo (o dinheiro) como processo, como processo
da valorização. Em consequência, o trabalho não existe como valor de uso
para o trabalhador; por isso, não existe para ele como força
produtiva da riqueza, como meio ou como atividade de enriquecimento. O
trabalhador o leva como valor de uso para a troca com o capital, que assim não
se lhe confronta como capital, mas como dinheiro. Só é capital como
capital com referência ao trabalhador, pelo consumo do trabalho, consumo que,
em princípio, se dá fora dessa troca e é independente dela. O trabalho, valor
de uso para o capital, é para o trabalhador simples valor de troca; valor
de troca disponível. Ele é posto enquanto tal no ato de troca com o
capital, por meio de sua venda por dinheiro. O valor de uso de uma coisa não
diz respeito ao seu vendedor enquanto tal, mas somente ao seu comprador. A
propriedade que o salitre tem de poder ser usado para fazer pólvora não
determina seu preço, ao contrário, tal preço é determinado pelos custos de
produção do próprio salitre, pelo quantum de trabalho nele objetivado.
Na circulação, em que os valores de uso ingressam como preços, seu valor não
resulta da circulação, apesar de que se realiza apenas nela; o valor lhe é pressuposto
e somente é efetivado por meio da troca por dinheiro. Desse modo, o trabalho
que é vendido pelo trabalhador ao capital como valor de uso é, para o
trabalhador, seu valor de troca, que quer realizar, mas que já é
determinado antes do ato dessa troca, é pressuposto como condição da troca,
é determinado, como o valor de qualquer outra mercadoria, pela oferta e demanda
ou, em geral, único aspecto com o qual nos preocupamos aqui, pelos custos de
produção, o quantum de trabalho objetivado por meio do qual a capacidade
do trabalhador foi produzida e que ela obtém, consequentemente, como
equivalente. O valor de troca do trabalho, cuja realização tem lugar no
processo de troca com o capitalista, é, por isso, pressuposto,
predeterminado, e experimenta somente a modificação formal que todo preço posto
só idealmente adquire por sua realização. Ele não é determinado pelo valor de
uso do trabalho. Para o próprio trabalhador, o trabalho só tem valor de uso na
medida em que é valor de troca, não porque produz valores de
troca. Para o capital, o trabalho só tem valor de troca na medida em que é
valor de uso. O trabalho é valor de uso, diferente de seu valor de troca, não
para o próprio trabalhador, mas somente para o capital. O trabalhador troca,
portanto, o trabalho como valor de troca simples, predeterminado, determinado
por um processo passado – ele troca o trabalho mesmo como trabalho
objetivado; somente na medida em que o trabalho já objetiva um determinado quantum
de trabalho, que, por conseguinte, seu equivalente já é um equivalente medido,
dado –; o capital o compra como trabalho vivo, como a força produtiva universal
da riqueza; a atividade que aumenta a riqueza. É claro, portanto, que o
trabalhador não pode enriquecer por meio dessa troca, uma vez que ele,
como Esaú ao ceder sua primogenitura por um prato de lentilhas, cede sua força
criativa pela capacidade de trabalho como uma grandeza dada. Ao contrário,
ele tem mais de empobrecer, como veremos mais adiante, porque a força criativa
de seu trabalho se estabelece perante ele como a força do capital, como poder
estranho. Ele aliena o trabalho como força produtiva da riqueza; o capital
apropria-se dele enquanto tal. A separação de trabalho e propriedade no produto
do trabalho, de trabalho e riqueza, é posta, por conseguinte, nesse próprio ato
da troca. O que parece paradoxal como resultado já está no próprio
pressuposto. Os economistas exprimiram isso de modo mais ou menos empírico.
Perante o trabalhador, portanto, a produtividade de seu trabalho, seu trabalho,
enfim, devém um poder estranho, na medida em que não é capacidade,
mas movimento, trabalho efetivo; o capital, inversamente, valoriza-se a
si mesmo pela apropriação de trabalho alheio. (Ao menos a possibilidade
da valorização está posta dessa maneira, como resultado da troca entre trabalho
e capital. A relação só é realizada no próprio ato de produção, em que o
capital efetivamente consome o trabalho alheio.) Como para o trabalhador o
trabalho, enquanto valor de troca pressuposto, é trocado por um
equivalente em dinheiro, este último é trocado, por sua vez, por um equivalente
em mercadoria, que é consumida. Nesse processo da troca, o trabalho não
é produtivo; ele devém produtivo somente para o capital; o trabalho só pode
retirar da circulação o que nela lançou, um quantum predeterminado
de mercadoria, que, assim como seu próprio valor, tampouco é seu próprio
produto. Os trabalhadores, afirma Sismondi, trocam seu trabalho por
cereal e o consomem, ao passo que “seu trabalho deveio capital para seu
dono”. (Sismondi, VI.)30 “Dando o seu trabalho em troca,
os trabalhadores o convertem em capital.” (Ibidem, VIII.)31 Ao vender seu
trabalho ao capitalista, o trabalhador adquire um direito somente sobre o preço
do trabalho, não sobre o produto desse trabalho nem sobre o valor
que o trabalho adicionou ao produto. (Cherbuliez, XXVIII.)32 “Vender o
trabalho = renúncia a todos os frutos do trabalho”. (Loc. cit.)33 Portanto, todos os
progressos da civilização ou, em outras palavras, todo aumento das forças
produtivas sociais, se se quiser, das forças produtivas do próprio
trabalho – tal como resultam da ciência, das invenções, da divisão e
combinação do trabalho, do aperfeiçoamento dos meios de comunicação, da criação
do mercado mundial, da maquinaria etc. –, não enriquecem o trabalhador, mas o capital;
em consequência, só ampliam o poder que domina o trabalho; só multiplicam a
força produtiva do capital. Como o capital é a antítese do trabalhador, tais
progressos aumentam unicamente o poder objetivo sobre o trabalho. A transformação
do trabalho (como atividade viva, intencional) em capital é em si
o resultado da troca entre capital e trabalho, porquanto a troca confere ao
capitalista o direito de propriedade sobre o produto do trabalho (e o comando
sobre o trabalho). Tal transformação só é posta no próprio
processo de produção. Portanto, indagar se o capital é produtivo ou não,
é uma questão absurda. O próprio trabalho só é produtivo quando
incorporado ao capital, ali onde o capital constitui o fundamento da produção e
o capitalista, portanto, é o comandante-em-chefe da produção. A produtividade
do trabalho devém força produtiva do capital, da mesma forma que o valor de
troca universal das mercadorias se fixa no dinheiro. O trabalho, tal como
existe por si no trabalhador em oposição ao capital, o trabalho,
portanto, em sua existência imediata, separado do capital, não
é produtivo. Como atividade do trabalhador, ele também jamais devém produtivo,
porque ele entra unicamente no processo de circulação simples, que só efetua
transformações formais. Por essa razão, os que demonstram que toda a força
produtiva atribuída ao capital é um deslocamento, uma transposição da
força produtiva do trabalho, esquecem justamente que o próprio capital é em
essência esse deslocamento, essa transposição, e que o trabalho
assalariado enquanto tal pressupõe o capital, que, portanto, considerado em sua
parte, é também essa transubstanciação; o processo necessário de pôr as
próprias forças do trabalho como estranhas ao trabalhador. Por isso,
deixar subsistir o trabalho assalariado e ao mesmo tempo abolir o capital é uma
pretensão que contradiz e cancela a si mesma. Outros, inclusive economistas, p.
ex., Ricardo, Sismondi etc., dizem que somente o trabalho é produtivo,
não o capital. Nesse caso, entretanto, não concebem o capital em sua determinabilidade
formal específica, como uma relação de produção refletida em si, mas
pensam unicamente em sua substância material, matéria-prima etc. (...)
O
capital, tal como o consideramos aqui, como relação a ser distinguida do valor
e do dinheiro, é o capital em geral, i.e., a síntese das
determinações que diferenciam o valor como capital do valor como simples valor
ou dinheiro. Valor, dinheiro, circulação etc., preços etc. são pressupostos,
assim como o trabalho etc. Mas nós ainda não estamos tratando nem de uma forma particular
do capital nem do capital singular como capital diferente de outros
capitais singulares etc. Nós assistimos ao seu processo de formação. Esse
processo de formação dialético é apenas a expressão ideal do movimento efetivo
em que o capital vem-a-ser. As relações ulteriores devem ser consideradas como
desenvolvimentos a partir desse embrião.”
30 Jean-Charles Sismondi, Nouveaux principes d’économie
politique, cit., p. 90. O algarismo romano identifica a página de um
caderno de extratos desaparecido, elaborado entre 1844 e 1847, que incluía,
além do texto citado de Sismondi, excertos de Droz e Cherbuliez.
31 Ibidem, p. 105.
32 O algarismo romano identifica a página do mesmo caderno de extratos
extraviado (ver p. 239, nota 29). A passagem citada encontra-se na obra de
Cherbuliez, Richesse ou pauvreté, cit., p. 55-6.
33 Ibidem, p. 64.
“O
mais-valor que o capital tem ao final do processo de produção – um
mais-valor que, como preço mais elevado do produto, só é realizado na
circulação, como todos os preços nela realizados, que, sendo já idealmente pressupostos
à circulação, são determinados antes de nela ingressarem –, tal mais-valor
significa, expresso de acordo com o conceito geral do valor de troca, que o
tempo de trabalho objetivado no produto – ou quantum de trabalho
(expressa estaticamente, a magnitude do trabalho aparece como quantidade
espacial, mas expressa em movimento, só é mensurável pelo tempo) – é maior do
que o tempo de trabalho presente nos componentes originais do capital. Agora,
isso somente é possível se o trabalho objetivado no preço do trabalho é menor
do que o tempo de trabalho vivo que é comprado com ele. O tempo de trabalho objetivado
no capital aparece, como já vimos, como uma soma composta de três partes: a) o
tempo de trabalho objetivado na matéria-prima; b) o tempo de trabalho
objetivado no instrumento; c) o tempo de trabalho objetivado no preço do
trabalho. Agora, as partes a) e b) permanecem inalteradas como componentes do
capital; muito embora alterem sua figura no processo, seus modos de existência
material, permanecem inalteradas como valores. É só c) que o capital troca por
alguma coisa qualitativamente diferente: um quantum dado de trabalho
objetivado por um quantum de trabalho vivo. Na medida em que o tempo de
trabalho vivo só reproduzisse o tempo de trabalho objetivado no preço do
trabalho, tal reprodução também seria puramente formal, assim como, no que diz
respeito ao valor, teria ocorrido apenas uma troca por trabalho vivo, como
outro modo de existência do mesmo valor, da mesma maneira que, no que diz
respeito ao valor do material de trabalho e do instrumento, teve lugar somente
uma alteração de seu modo de existência material. Caso o capitalista tivesse
pago ao trabalhador um preço = um dia de trabalho, e o dia de trabalho do
trabalhador só tivesse acrescentado um dia de trabalho à matéria-prima e ao
instrumento, o capitalista teria simplesmente trocado o valor de troca em uma
forma pelo valor de troca em uma outra. Não teria atuado como capital. Por
outro lado, o trabalhador não teria permanecido no processo de troca simples;
ele teria de fato recebido o produto de seu trabalho em pagamento, só que o
capitalista lhe teria feito o obséquio de pagar-lhe antecipadamente o preço do
produto antes de sua realização. O capitalista lhe teria dado crédito e, na
verdade, grátis, pour le roi de Prusse*. Isso é tudo.
A troca entre capital e trabalho, cujo resultado é o preço do trabalho, por
mais que seja troca simples do ponto de vista do trabalhador, tem de ser não
troca do ponto de vista do capitalista. O capitalista tem de obter mais valor
do que deu. Considerada do ponto de vista do capital, a troca tem de ser
somente uma troca aparente, i.e., tem de fazer parte de uma
determinação formal econômica distinta da correspondente à troca, caso
contrário seriam impossíveis o capital como capital e o trabalho como trabalho
em oposição ao capital. Eles se trocariam somente como valores de troca iguais
que existem materialmente em modos de existência diferentes. – Para justificar
o capital, para fazer sua apologia, os economistas buscam abrigo, por essa
razão, nesse processo simples, explicam o capital justamente por um processo
que torna sua existência impossível. Para demonstrar o capital, o demonstram
omitindo-o. Você me paga o meu trabalho, troca meu trabalho pelo produto dele
próprio e me desconta do valor da matéria-prima e do material que você me
forneceu. Isso significa que somos sócios, que introduzimos diferentes
elementos no processo de produção e os trocamos de acordo com o seu valor.
Dessa maneira, o produto é transformado em dinheiro e o dinheiro é dividido de
tal modo que você, capitalista, recebe o preço de sua matéria-prima e de seu
instrumento, e eu, trabalhador, recebo o preço que o trabalho acrescentou a
eles. A vantagem é, para você, que agora você possui a matéria-prima e o
instrumento em uma forma consumível (apta a circular) e, para mim, que meu
trabalho se valorizou. Você certamente logo chegaria à situação de ter comido
todo seu capital na forma do dinheiro, enquanto eu, como trabalhador, tomaria
posse de ambos.
O que
o trabalhador troca com o capital é seu próprio trabalho (na troca, a
disponibilidade sobre ele); ele o aliena. O que ele recebe como preço é
o valor dessa alienação. O trabalhador troca a atividade ponente de
valor por um valor predeterminado, independentemente do resultado de sua
atividade. (...)
Agora,
como é determinado o seu valor? Pelo trabalho objetivado que está contido em
sua mercadoria. Essa mercadoria existe em sua vitalidade. Para conservá-la de
hoje para amanhã – aqui ainda não vem ao caso a classe trabalhadora e,
portanto, a sua reposição em virtude do desgaste, de maneira que ela possa se
conservar como classe, uma vez que aqui o trabalhador se confronta com o
capital como trabalhador e, por isso, como sujeito perene pressuposto, e
não ainda como indivíduo perecível da espécie trabalhadora –, o trabalhador tem
de consumir uma massa determinada de meios de subsistência, repor o sangue
consumido etc. Ele recebe só um equivalente. Amanhã, portanto, depois de
efetuada a troca – e mesmo quando conclui formalmente a troca, o trabalhador só
a consome no processo de produção –, a sua capacidade de trabalho existe da
mesma maneira que antes: ele recebeu um equivalente exato, porque o preço que
recebeu o deixa de posse do mesmo valor de troca que tinha anteriormente. O quantum
de trabalho objetivado que está contido em sua vitalidade lhe foi pago pelo
capital. O capital consumiu esse quantum de trabalho objetivado e, uma
vez em que este último não existia como coisa, mas como capacidade de um ser
vivo, o trabalhador pode, devido à natureza específica de sua mercadoria
– da natureza específica do processo vital –, entrar de novo na troca. O fato
de que, além do tempo de trabalho objetivado em sua vitalidade – i.e., o
tempo de trabalho que foi necessário para pagar os produtos indispensáveis à
conservação de sua vida –, há também um outro trabalho objetivado em sua
existência imediata, a saber, os valores que consumiu para produzir uma capacidade
de trabalho determinada, uma destreza particular – e cujo valor se
revela pelos custos de produção necessários para que uma similar destreza de
trabalho determinada possa ser produzida –, ainda não nos interessa nesse
ponto, em que se trata não de um trabalho qualificado particular, mas do
trabalho por excelência, do trabalho simples.
Se fosse
necessária uma jornada de trabalho para manter vivo um trabalhador, o capital
não existiria, porque a jornada de trabalho seria trocada por seu próprio
produto e, portanto, o capital como capital não se valorizaria e, por isso,
também não poderia se conservar. A autoconservação do capital é sua
autovalorização. Se o capital também tivesse de trabalhar para viver, ele se
conservaria não como capital, mas como trabalho. A propriedade de
matérias-primas e instrumentos de trabalho seria apenas nominal; eles
pertenceriam economicamente ao trabalhador da mesma maneira que pertenceriam ao
capitalista, já que somente criariam valor para o capitalista na medida
em que ele próprio fosse trabalhador. O capitalista não se relacionaria com as
matérias-primas e os instrumentos de trabalho como capital, mas como simples
matéria e meio de trabalho, como o faz o próprio trabalhador no processo de
trabalho. Se, pelo contrário, é necessária, por exemplo, somente meia jornada
de trabalho para conservar vivo um trabalhador por uma jornada de trabalho
inteira, o mais-valor do produto resulta evidente, visto que, no preço, o
capitalista pagou só meia jornada de trabalho e recebe, no produto, uma jornada
de trabalho inteira em forma objetivada; por conseguinte, não deu nada
em troca da segunda metade da jornada de trabalho. Não é a troca, mas
unicamente um processo em que recebe, sem troca, tempo de trabalho
objetivado, i.e., valor, que pode fazer dele um capitalista.
A meia jornada de trabalho nada custa ao capital; em consequência, ele
recebe um valor pelo qual não deu nenhum equivalente. E o aumento dos valores
só pode se dar porque é obtido um valor acima do equivalente, portanto, porque
um valor é criado.
O
mais-valor é, no fundo, valor para além do equivalente. O equivalente, segundo
sua determinação, é somente a identidade do valor consigo mesmo. O mais-valor,
consequentemente, jamais pode brotar do equivalente; portanto, tampouco pode
brotar originariamente da circulação; tem de brotar do próprio processo de
produção do capital. A coisa também pode ser expressa da seguinte maneira: se o
trabalhador precisa de somente meia jornada de trabalho para viver uma jornada
inteira, então só precisa trabalhar meia jornada para perpetuar sua existência
como trabalhador. A segunda metade da jornada de trabalho é trabalho forçado,
trabalho excedente47. O que aparece do ponto de
vista do capital como mais-valor, aparece do ponto de vista do trabalhador
exatamente como mais-trabalho acima de sua necessidade como trabalhador, acima,
portanto, de sua necessidade imediata para a conservação de sua vitalidade. O
grande papel histórico do capital é o de criar esse trabalho
excedente, trabalho supérfluo do ponto de vista do simples valor de uso, da
mera subsistência, e seu destino histórico está consumado tão logo, por um
lado, as necessidades são desenvolvidas a tal ponto que o próprio trabalho
excedente acima do necessário é necessidade universal derivada das próprias
necessidades individuais; por outro, a laboriosidade universal mediante a estrita
disciplina do capital, pela qual passaram sucessivas gerações, é desenvolvida
como propriedade universal da nova geração; tão logo, finalmente, o
desenvolvimento das forças produtivas do trabalho, que o capital incita
continuamente em sua ilimitada mania de enriquecimento e nas condições em que
exclusivamente ele pode realizá-lo, avançou a tal ponto que a posse e a
conservação da riqueza universal, por um lado, só requer um tempo de trabalho
mínimo de toda a sociedade e, por outro lado, a sociedade que trabalha se
comporta cientificamente com o processo de sua reprodução progressiva, com sua
reprodução em uma abundância constantemente maior; que deixou de existir, por
conseguinte, o trabalho no qual o ser humano faz o que pode deixar as coisas
fazerem por ele. Consequentemente, capital e trabalho comportam-se aqui como
dinheiro e mercadoria; o primeiro é a forma universal da riqueza, a segunda é
só a substância que visa o consumo imediato. Todavia, como aspiração incansável
pela forma universal da riqueza, o capital impele o trabalho para além dos
limites de sua necessidade natural e cria assim os elementos materiais para o
desenvolvimento da rica individualidade, que é tão universal em sua produção
quanto em seu consumo, e cujo trabalho, em virtude disso, também não aparece
mais como trabalho, mas como desenvolvimento pleno da própria atividade, na
qual desapareceu a necessidade natural em sua forma imediata; porque uma
necessidade historicamente produzida tomou o lugar da necessidade natural. Por
isso o capital é produtivo; i.e., uma relação essencial
para o desenvolvimento das forças produtivas sociais. Só deixa de sê-lo
quando o desenvolvimento dessas próprias forças produtivas encontra um limite
no próprio capital.”
* Para o rei da Prússia, a saber,
de graça. (N. T.)
47 O termo “trabalho
excedente” aparece aqui pela primeira vez no manuscrito.
“O
desenvolvimento exato do conceito de capital é necessário, porque é o conceito
fundamental da Economia moderna, da mesma maneira que o próprio capital, cuja
contraimagem abstrata é seu conceito, é o fundamento da sociedade burguesa. Da
concepção rigorosa do pressuposto fundamental da relação têm de resultar todas
as contradições da produção burguesa, assim como o limite em que a relação
impulsiona para além de si mesma.
{É
importante notar que a riqueza enquanto tal, i.e., a riqueza burguesa, é
sempre expressa na potência mais elevada no valor de troca, em que ela é posta
como mediadora, como a mediação dos próprios extremos de valor de troca
e valor de uso. Esse termo médio aparece sempre como a relação econômica
consumada, porque ele contém as antíteses e finalmente aparece sempre como uma
potência unilateral superior diante dos próprios extremos; porque o movimento,
ou a relação, que originalmente aparece como mediador entre os extremos
necessariamente prossegue de forma dialética até que ele aparece como mediação
consigo mesmo, como o sujeito do qual os extremos são apenas momentos, extremos
dos quais ele supera o pressuposto autônomo para se pôr, por meio da própria
superação destes, como a única coisa autônoma. Da mesma maneira, na esfera
religiosa, Cristo, o mediador entre Deus e os seres humanos – simples
instrumento de circulação entre ambos – devém sua unidade, Deus-homem, e devém,
enquanto tal, mais importante do que Deus; os santos, mais importantes do que
Cristo; os sacerdotes, mais importantes do que os santos. A expressão econômica
total, ela própria unilateral ante os extremos, é sempre o valor de troca, ali
onde é posta como elo intermediário; p. ex., dinheiro na circulação simples; o
próprio capital como mediador entre produção e circulação. Dentro do próprio
capital, uma forma dele adota, por sua vez, a posição do valor de uso diante a
outra forma como valor de troca. Assim, por exemplo, o capital industrial
aparece como produtor perante o comerciante, que aparece como circulação.
Assim, o primeiro representa o lado material e o outro o lado formal, portanto,
a riqueza como riqueza. Ao mesmo tempo, o próprio capital mercantil, por sua
vez, é mediador entre a produção (o capital industrial) e a circulação (o público
consumidor), ou entre o valor de troca e o valor de uso, em que ambos os lados
são postos alternadamente, a produção como dinheiro, a circulação como valor de
uso (público consumidor), ou a primeira como valor de uso (produto) e a segunda
como valor de troca (dinheiro). O mesmo se dá dentro do próprio comércio: o
atacadista como mediador entre o fabricante e o varejista, ou entre o
fabricante e o agricultor, ou entre diferentes fabricantes, é o mesmo centro,
em nível mais elevado. O mesmo vale também para os corretores de mercadorias
perante os atacadistas. Em seguida, o banqueiro perante os industriais e os
comerciantes; a sociedade anônima perante a produção simples; o financista como
mediador entre o Estado e a sociedade burguesa no nível mais alto. A riqueza
enquanto tal se apresenta tão mais distinta e ampla quanto mais está
afastada da produção imediata, e ela própria medeia, por sua vez, entre
aspectos que, considerados cada qual por si mesmo, já estão postos como
relações formais econômicas. O dinheiro, de meio, devém fim, e a forma superior
da mediação, como capital, põe por toda parte a própria forma inferior outra
vez como trabalho, como simples fonte do mais-valor. P. ex., o corretor de
câmbio, o banqueiro etc. perante os fabricantes e agricultores que, diante
deles, são postos relativamente na determinação do trabalho (do valor de uso),
ao passo que eles se põem perante a eles como capital, criação de mais-valor;
sob a forma mais fantástica no financista.}
O
capital é unidade
imediata de produto e dinheiro ou, melhor dizendo, de produção e
circulação. Assim, o próprio capital é, por sua vez, algo imediato, e
seu desenvolvimento consiste em pôr e abolir a si mesmo como tal unidade – que
é posta como relação determinada e, por conseguinte, simples. De início, a
unidade aparece no capital como algo simples. (...)
Vimos:
o trabalhador só precisa trabalhar meio dia de trabalho, p. ex., para viver um
dia inteiro; e, consequentemente, para poder começar de novo o mesmo
processo no dia seguinte. Em sua capacidade de trabalho – na medida em que
existe nele como ser vivo ou instrumento de trabalho vivo – está
objetivado somente meio dia de trabalho. O dia vital completo (dia de vida) do
trabalhador é o resultado estático, a objetivação de meia jornada de trabalho.
O capitalista, à medida que se apropria da inteira jornada de trabalho por meio
da troca com o trabalho objetivado no trabalhador – i.e., por meia
jornada de trabalho –, e que em seguida a consome no processo de produção,
aplicando-a à matéria da qual consiste seu capital, cria o mais-valor de seu
capital – no caso suposto, meia jornada de trabalho objetivada56.
Suponhamos agora que as forças produtivas do trabalho dupliquem, i.e.,
que no mesmo tempo o mesmo trabalho forneça o dobro do valor de uso. (Na
relação em questão, só é provisoriamente determinado como valor de uso aquilo
que o trabalhador consome para se manter vivo como trabalhador; o quantum
de meios de subsistência pelo qual troca, com a mediação do dinheiro, o
trabalho objetivado em sua capacidade de trabalho viva.) Nesse caso, o
trabalhador teria de trabalhar somente ¼ do dia para viver um dia inteiro; o
capitalista só precisaria dar em troca ao trabalhador ¼ de dia de trabalho
objetivado para aumentar seu mais-valor mediante o processo de produção de ½
para ¾; em lugar de ½ dia de trabalho objetivado, ganharia ¾ de dia de trabalho
objetivado. O valor do capital, tal como sai do processo de produção, teria
aumentado ¾, em lugar de 2/4. O capitalista precisaria,
portanto, fazer trabalhar somente ¾ de dia para acrescentar ao capital o mesmo
mais-valor – ½ ou 2/4 de trabalho objetivado. Mas o
capital, como representante da forma universal da riqueza – do dinheiro –, é o
impulso ilimitado e desmedido de transpor seus próprios limites. Cada limite é
e tem de ser obstáculo para ele. Caso contrário, deixaria de ser capital – o
dinheiro que se produz a si mesmo. Tão logo deixasse de sentir um determinado
limite como obstáculo, mas se sentisse à vontade nele como limite, o próprio
capital teria degenerado de valor de troca a valor de uso, da forma universal
da riqueza a uma existência substancial determinada dela. O capital enquanto
tal cria um mais-valor determinado porque não pode pôr de uma vez um mais-valor
ilimitado; ele é o movimento contínuo de criar mais mais-valor. O limite
quantitativo do mais-valor aparece para o capital somente como barreira
natural, como necessidade que ele procura incessantemente dominar e transpor.”
56 Ver p. 254-5.
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