Editora: Boitempo/UFRJ
ISBN: 978-85-7559-172-7
Tradução: Mario
Duayer e Nélio Schneider (com colaboração de Alice Helga Wermer e Rudiger Hoffman
Opinião: ★★★★☆
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Páginas: 792
Sinopse: Ver Parte I
“A
vida dos seres humanos desde sempre esteve baseada na produção, de uma ou de
outra maneira, na produção social, cujas relações chamamos justamente de
relações econômicas.
As
condições originais da produção (ou, o que é a mesma coisa, da reprodução de um número crescente de
pessoas pelo processo natural dos dois sexos; pois se essa reprodução, por um
lado, aparece como apropriação dos objetos pelos sujeitos, por outro, aparece
igualmente como conformação, sujeição dos objetos a uma finalidade subjetiva; sua
transformação em resultados e receptáculos da atividade subjetiva),
originariamente, não podem ser elas próprias produzidas – não
podem ser resultados da produção. Não é a unidade do ser humano vivo e
ativo com as condições naturais, inorgânicas, do seu metabolismo com a natureza
e, em consequência, a sua apropriação da natureza que precisa de explicação ou
é resultado de um processo histórico, mas a separação entre essas
condições inorgânicas da existência humana e essa existência ativa, uma
separação que só está posta por completo na relação entre trabalho assalariado
e capital. Na relação de escravidão ou de servo não ocorre essa separação; ao
contrário, uma parte da sociedade é tratada pela outra como simples condição inorgânica
e natural de sua própria reprodução. O escravo não está em qualquer relação
com as condições objetivas do seu trabalho; mas o próprio trabalho, seja
na forma do escravo, seja na do servo, é arrolado entre os demais seres
naturais como condição inorgânica da produção, ao lado do gado ou como
apêndice da terra. Em outras palavras: as condições originais da produção
aparecem como pressupostos naturais, condições naturais de existência do
produtor, exatamente como o seu corpo vivo aparece como o pressuposto
de si mesmo, uma vez que, por mais que ele o reproduza e desenvolva, não é
posto por ele mesmo; sua própria existência (corporal) é um pressuposto natural
que ele não pôs. Essas próprias condições naturais da existência, às
quais se relaciona como a um corpo inorgânico pertencente a si mesmo, são de
dupla natureza: 1) subjetiva e 2) objetiva. Ele se acha frente a si mesmo na
condição de membro de uma família, clã, tribus etc. – que assumem, em
seguida, pela miscigenação com e oposição a outros, formas históricas
diferenciadas; e, nessa condição de membro, ele se relaciona com uma natureza
determinada (digamos, ainda nesse ponto, a terra, o território) como sendo sua
própria existência inorgânica, como condição de sua produção e reprodução. Como
membro natural da comunidade, ele tem parte na propriedade comunitária e uma
parte específica dela como posse; da mesma forma que, como cidadão romano
nativo, tem um direito ideal (no mínimo) ao ager publicus e um direito
real a tantas iugera* de terra etc. A sua propriedade, i.e.,
a relação com os pressupostos naturais de sua produção como pertencentes a ele,
como os seus, é mediada pelo fato dele próprio ser membro natural de uma
comunidade. (A abstração de uma comunidade em que os membros nada têm em comum,
a não ser talvez a linguagem etc., quando muito, é claramente o produto de
condições históricas bem posteriores.) Com referência ao indivíduo singular,
está claro, por exemplo, que ele próprio só se relaciona à linguagem como sendo
a sua própria linguagem na qualidade de membro natural de uma comunidade
humana. A linguagem como produto de um indivíduo singular é um absurdo. Mas o
mesmo vale para a propriedade.”
*
Medida romana de terra, equivalente a ¼ de hectare. (N. T.)
“Assim,
enquanto o capital, por um lado, tem de se empenhar para derrubar toda barreira
local do intercâmbio, i.e., da troca, para conquistar toda a Terra como
seu mercado, por outro, empenha-se para destruir o espaço por meio do tempo; i.e.,
para reduzir a um mínimo o tempo que custa o movimento de um local a outro.
Quanto mais desenvolvido o capital, quanto mais distendido, portanto, o mercado
em que circula, tanto mais ele se empenha simultaneamente para uma maior
expansão espacial do mercado e para uma maior destruição do espaço pelo tempo.
(Se o tempo de trabalho é considerado não como jornada de trabalho do
trabalhador singular, mas como jornada de trabalho indeterminada de um número
indeterminado de trabalhadores, nesse caso, constam todas as relações de
população; por isso, as teorias fundamentais de população estão contidas
neste primeiro capítulo do capital, da mesma forma que as de lucro, preço,
crédito etc.) Aqui, aparece a tendência universal do capital que o diferencia
de todos os estágios de produção precedentes. Embora limitado por sua própria
natureza, o capital se empenha para o desenvolvimento universal das forças
produtivas e, desse modo, devém o pressuposto de um novo modo de produção,
fundado não no desenvolvimento das forças produtivas para reproduzir e, no
máximo, ampliar um estado determinado, mas onde o próprio desenvolvimento das
forças produtivas – livre, desobstruído, progressivo e universal – constitui o
pressuposto da sociedade e, por isso, de sua reprodução; onde o único pressuposto
é a superação do ponto de partida. Tal tendência – que o capital possui, mas
que ao mesmo tempo o contradiz como modo de produção limitado e, por isso, o
impele à sua própria dissolução – diferencia o capital de todos os modos de
produção precedentes e, ao mesmo tempo, contém em si o fato de que o capital é
posto como simples ponto de transição. Todas as formas de sociedade anteriores
morreram ao desenvolvimento da riqueza – ou, o que é a mesma coisa, do
desenvolvimento das forças produtivas sociais. Por essa razão, entre os
antigos, que disso tinham consciência, a riqueza era denunciada diretamente
como desintegração da comunidade. A constituição feudal, por sua vez, pereceu
da indústria urbana, do comércio, da agricultura moderna. (Até mesmo em razão de
invenções isoladas, como a pólvora e a máquina impressora.) Com o
desenvolvimento da riqueza – e, em consequência, também de novas forças e do
intercâmbio ampliado dos indivíduos –, dissolveram-se as condições econômicas
sobre as quais se baseava a comunidade, bem como as relações políticas das
diferentes partes constitutivas da comunidade que lhes correspondiam: a
religião, em que a comunidade era vista de modo idealizado (e ambas se
baseavam, por sua vez, em uma relação dada com a natureza, na qual se resolve
toda força produtiva); o caráter, a concepção etc. dos indivíduos. Só o
desenvolvimento da ciência – i.e., a forma mais sólida da riqueza,
tanto seu produto quanto sua produtora – era suficiente para dissolver tais
comunidades. No entanto, o desenvolvimento da ciência, esta riqueza
ideal e ao mesmo tempo prática, é apenas um aspecto, uma forma, em que se
manifesta o desenvolvimento das forças produtivas humanas, i.e.,
da riqueza. Considerada idealmente, a dissolução de uma forma
determinada de consciência bastaria para matar toda uma época. Na realidade,
esse limite da consciência corresponde a um determinado grau do
desenvolvimento das forças produtivas materiais e, por conseguinte, da
riqueza. Certamente teve lugar não só desenvolvimento sobre a antiga base, mas desenvolvimento
dessa própria base. O máximo desenvolvimento dessa própria base (a
floração em que se transforma; mas é sempre essa base, essa
planta como floração; por isso, murcha depois da floração e como
consequência da floração) é o ponto em que ela própria é elaborada na forma em
que é compatível com o máximo desenvolvimento das forças produtivas e
também, portanto, com o desenvolvimento mais rico dos indivíduos. Tão logo esse
ponto é alcançado, o desenvolvimento seguinte aparece como ruína e o novo
desenvolvimento começa sobre uma nova base. Vimos há pouco que a propriedade
das condições de produção era posta como idêntica a uma forma determinada,
limitada, da comunidade; também do indivíduo com tais qualidades – qualidades
limitadas e desenvolvimento limitado de suas forças produtivas – para formar
tal comunidade91. Esse próprio pressuposto, por
sua vez, era o resultado de uma etapa histórica limitada do desenvolvimento das
forças produtivas; da riqueza, bem como do modo de produzi-la. O objetivo da
comunidade, do indivíduo – assim como condição da produção –, era a reprodução
dessas condições de produção determinadas e dos indivíduos, tanto
isoladamente quanto em suas subdivisões e relações sociais – como portadores
vivos dessas condições. O capital põe a própria produção de riqueza como
pressuposto de sua reprodução e, consequentemente, o desenvolvimento universal
das forças produtivas, a contínua revolução de seus pressupostos existentes. O
valor não exclui qualquer valor de uso; portanto, não inclui nenhum tipo de
consumo etc., de intercâmbio etc., como condição absoluta; e, da mesma forma,
cada grau de desenvolvimento das forças produtivas sociais, do intercâmbio, do
conhecimento etc., se apresenta para ele unicamente como obstáculo que ele luta
para superar. O seu próprio pressuposto – o valor – é posto como produto, e não
como pressuposto superior, pairando sobre a produção. O limite do capital
é que todo esse desenvolvimento procede de modo contraditório, e o
aprimoramento das forças produtivas, da riqueza universal etc., do conhecimento
etc., aparece de tal forma que o próprio indivíduo que trabalha se aliena
[entäussert]; se relaciona às condições elaboradas a partir dele não
como suas próprias condições, mas como condições de uma riqueza alheia e
de sua própria pobreza. Todavia, essa própria forma contraditória é evanescente
e produz as condições reais de sua própria superação [Aufhebung]. O
resultado é: tendencialmente e δυνάμει92, o desenvolvimento universal das
forças produtivas – da riqueza em geral – como base, bem como a universalidade
do intercâmbio e, portanto, do mercado mundial, como base. A base como
possibilidade do desenvolvimento universal dos indivíduos, e o efetivo
desenvolvimento dos indivíduos a partir dessa base como contínua superação de
seu limite, que é reconhecido como limite, e não passa por limite
sagrado. A universalidade do indivíduo não como universalidade pensada ou
imaginária, mas como universalidade de suas relações reais e ideais. Por esse
motivo, também a compreensão de sua própria história como um processo e
o conhecimento da natureza (existente também como poder prático sobre ela) como
seu corpo real. O próprio processo de desenvolvimento posto e reconhecido como
pressuposto de si mesmo. No entanto, para isso é necessário, sobretudo, que o
pleno desenvolvimento das forças produtivas tenha se tornado condição de
produção; e não que condições de produção determinadas sejam postas
como limite para o desenvolvimento das forças produtivas.”
91 Ver p. 397-407.
92 Potencialmente.
“A
produtividade do capital como capital não é a força produtiva que multiplica os
valores de uso, mas sua capacidade de criar valores, o grau em que ele produz
valor.”
“Na circulação do capital, temos
uma série de operações de troca, de atos de troca, cada um dos quais representa
para o outro um momento qualitativo, um momento na reprodução e crescimento do
capital. Um sistema de trocas, mudança de matéria, na medida em que seja
considerado o valor de uso, mudança de forma, na medida em que seja considerado
o valor enquanto tal. O produto se relaciona à mercadoria como valor de uso ao
valor de troca; da mesma maneira, a mercadoria ao dinheiro. Aqui, uma série
atinge seu auge. O dinheiro se relaciona à mercadoria na qual é reconvertido
como valor de troca ao valor de uso; da mesma maneira, e mais ainda, o dinheiro
ao trabalho.
Na
medida em que o próprio capital, em cada momento do processo, é a possibilidade
da passagem à sua outra, próxima fase, e, desse modo, é a possibilidade do
processo como um todo que expressa o ato vital do capital, cada um dos momentos
aparece potencialmente como capital – por conseguinte, capital-mercadorias,
capital-dinheiro – ao lado do valor que se põe como capital no processo de
produção. A mercadoria pode representar o capital desde que possa se converter
em dinheiro, ou seja, possa comprar trabalho assalariado (trabalho excedente);
isto do ponto de vista do lado formal deduzido da circulação do capital.
Do ponto de vista do lado material, a mercadoria permanece capital desde que
consista de matéria-prima (propriamente dita ou semielaborada), instrumento,
meio de subsistência para o trabalhador. Cada uma dessas formas é capital em
potência. O dinheiro é, de um lado, capital realizado, capital como valor
realizado. Sob esse aspecto (considerado como ponto final da circulação, onde
também tem de ser considerado como ponto de partida), ele é o capital por
excelência. Nesse caso, é outra vez capital em relação ao processo de produção
em particular, na medida em que se troca por trabalho vivo. De outro lado, em
sua troca por mercadoria (recompra da matéria-prima etc.) pelo capitalista, o
dinheiro não aparece como capital, mas como meio de circulação; só mediação
evanescente, pela qual o capitalista troca o produto pelos elementos originais
do próprio produto.
A
circulação não é uma operação puramente exterior para o capital. O capital, da
mesma maneira que só devém capital pelo processo de produção – posto que por
meio deste último o valor se perpetua e se multiplica –, só é reconvertido na forma
pura do valor – em que estão apagados tanto os vestígios do devir quanto sua
existência específica no valor de uso – pelo primeiro ato da circulação,
enquanto a repetição desse ato, i.e., do processo vital do capital, só é
possível pelo segundo ato da circulação, que consiste da troca de dinheiro
pelas condições de produção e constitui a introdução ao ato de produção. A
circulação faz parte, portanto, do conceito do capital. Assim como o
dinheiro ou trabalho acumulado originalmente apareceu como pressuposto antes
da troca com o trabalho livre; no entanto, a aparente autonomia do momento
objetivo do capital frente ao trabalho foi abolida, e o trabalho objetivado,
trabalho que se autonomiza no valor, apareceu sob todos os aspectos como produto
do trabalho alheio, como o produto estranhado do próprio trabalho;
da mesma forma, só agora o capital aparece primeiro pressuposto à sua
circulação (como dinheiro, o capital era pressuposto ao seu devir capital;
todavia, o capital como resultado do valor que absorveu em si e assimilou o
trabalho vivo aparece não como ponto de partida da circulação em geral, mas da circulação
do capital), como se o capital também existisse, de forma autônoma e
indiferente, sem esse processo. Mas o movimento das metamorfoses pelo
qual o capital tem de passar aparece agora como condição do próprio processo
de produção, e também como seu resultado. Por essa razão, o capital aparece
em sua realidade como uma série de rotações em um dado período. Ele não
é mais só uma rotação, uma circulação; mas o pôr de rotações; o pôr de
todo o processo. Em consequência, o seu próprio pôr-valor aparece condicionado
(e o valor só é capital como valor que se pereniza e se multiplica) 1) qualitativamente;
na medida em que, sem passar pelas fases da circulação, ele não pode renovar a
fase de produção; 2) quantitativamente; na medida em que a massa de
valores que ele põe depende do número de suas rotações em um período dado; 3)
na medida em que, desse modo, sob ambos os aspectos, o tempo de circulação
aparece como princípio limitativo, como obstáculo do tempo de produção, e
vice-versa. Por isso, o capital é essencialmente capital circulante. Se
na oficina do processo de produção o capital aparece como proprietário e
patrão, do ponto de vista da circulação ele aparece dependente e determinado
pela conexão social, conexão que, do ponto de vista em que nos situamos agora,
o faz ingressar e figurar na circulação simples alternadamente como M (mercadoria)
em troca de D (dinheiro) e D em troca de M. Mas essa circulação é uma névoa sob
a qual se oculta todo um mundo, o mundo das interconexões do capital, que fixam
na circulação do capital a propriedade originada da circulação – do intercâmbio
social –, roubando-lhe a independência da propriedade autossuficiente, bem como
seu caráter social. Duas perspectivas sobre esse mundo ainda distante já se
abriram em dois pontos: primeiro, onde a circulação do capital expele de seu
círculo o valor que pôs e faz circular sob a forma de produto e, segundo, o
ponto em que o capital traz da circulação outro produto para o seu ciclo;
transforma esse próprio produto em um de seus momentos de existência. No
segundo ponto, o capital pressupõe a produção, não sua própria produção
imediata; no primeiro ponto, ele pode pressupor a produção, se o seu próprio
produto for matéria-prima para outra produção; ou pode pressupor o consumo, se
o seu produto recebeu a última forma para consumo. Fica claro, com isso, que o
consumo não precisa entrar diretamente em seu circuito. A circulação do capital
propriamente dita é ainda, como veremos mais tarde, circulação entre
negociantes e negociantes268. A circulação entre negociantes
e consumidores, equivalente ao comércio de varejo, é um segundo circuito que
não cai na esfera de circulação imediata do capital. É uma trajetória que o
capital descreve depois que a primeira foi descrita e, ao mesmo tempo, ao lado
dela. A simultaneidade das diferentes trajetórias do capital, bem como a
de suas diferentes determinações, só fica clara quando são pressupostos muitos
capitais. Similarmente, o processo vital do ser humano consiste na passagem por
diferentes idades. Porém, todas as idades dos seres humanos existem
simultaneamente umas ao lado das outras, distribuídas em diferentes indivíduos.
O
processo de produção do capital é ao mesmo tempo um processo tecnológico –
processo de produção por excelência; a saber, produção de valores de uso
determinados, por meio de trabalho determinado, em síntese, em um modo
determinado por essa própria finalidade; de todos os processos de produção, o
que aparece como o mais fundamental é aquele pelo qual o corpo reproduz seu
metabolismo necessário, i.e., cria meios de vida no sentido fisiológico.
No cálculo do lucro, e mais ainda no do juros, nós vemos igualmente a unidade
do tempo de circulação e de produção – o capital – posta enquanto tal e medindo
a si mesma. O próprio capital como capital em processo – ou seja,
efetuando uma rotação – é considerado como capital que trabalha, e os
frutos que se supõe que produz são computados segundo seu tempo de trabalho – o
tempo total para perfazer uma rotação. A mistificação daí resultante é da
própria natureza do capital.”
268 Ver
p. 53.
“A
concorrência, porque aparece historicamente como dissolução de obrigação corporativa,
regulamentação governamental, alfândegas internas e similares no interior de um
país, e no mercado mundial como supressão de barreiras, proibição ou proteção –
em suma, porque aparece historicamente como negação dos limites e barreiras
peculiares às fases de produção que precederam o capital; porque historicamente
foi qualificada e saudada pelos fisiocratas, de modo totalmente correto, como laissez
faire, laissez passer; por essas razões, ela passou a ser
considerada por esse aspecto puramente negativo, por esse seu aspecto puramente
histórico, o que levou, por outro lado, à bobagem ainda maior de considerá-la
como o conflito dos indivíduos libertados de suas cadeias e determinados
exclusivamente por seus próprios interesses – como repulsão e atração dos
indivíduos livres em relação uns com os outros e, desse modo, como a forma
absoluta de existência da individualidade livre na esfera da produção e da
troca. Nada pode ser mais falso. 1) Se a livre concorrência dissolveu as
barreiras de relações e modos de produção anteriores, é preciso considerar, em
primeiro lugar, que aquilo que para ela é barreira, para os modos de produção
anteriores era limite imanente, dentro do qual eles se desenvolviam e
movimentavam em conformidade com sua natureza. Tais limites só se convertem em
barreiras depois que as forças produtivas e as relações comerciais evoluíram
suficientemente para que o capital enquanto tal pudesse começar a atuar como o
princípio regulador da produção. Os limites que ele derrubou eram barreiras
para o seu movimento, desenvolvimento, realização. Com isso, de modo algum ele
aboliu todos os limites nem todas as barreiras, mas só os limites que não lhe
correspondiam, que para ele eram barreiras. No interior de seus próprios
limites – por mais que, de uma perspectiva mais elevada, eles se apresentem
como barreiras da produção e, enquanto tais, são postos por seu próprio
desenvolvimento histórico –, ele se sente livre, sem barreiras, i.e.,
limitado unicamente por si mesmo, unicamente por suas próprias condições de
vida. Exatamente como a indústria corporativa, em seu apogeu, encontrou na
organização corporativa a liberdade plena de que precisava, i.e.,
encontrou nela as relações de produção que lhe correspondiam. Pois foi ela
própria que as pôs a partir de si mesma e as desenvolveu como suas
condições imanentes e, por isso, de forma alguma como barreiras exteriores e
restritivas. O aspecto histórico da negação, por parte do capital, do sistema
corporativo etc. por meio da livre concorrência, nada mais significa que o
capital, suficientemente fortalecido pelos modos de comércio adequados a ele,
derrubou as barreiras históricas que perturbavam e tolhiam o movimento adequado
a ele. No entanto, a concorrência está muito distante de ter simplesmente esse
significado histórico ou de ser simplesmente essa coisa negativa. A livre
concorrência é a relação do capital consigo mesmo como outro capital, i.e.,
o comportamento real do capital como capital. As leis internas do capital – que
só aparecem como tendências nos estágios históricos preliminares do seu
desenvolvimento – são postas pela primeira vez como leis; a produção fundada no
capital só se põe em suas formas adequadas na medida em que e à proporção que a
livre concorrência se desenvolve, pois ela constitui o livre desenvolvimento do
modo de produção fundado no capital; o livre desenvolvimento de suas condições
e de si mesmo como processo que reproduz continuamente essas condições. Na
livre concorrência, não são os indivíduos que são liberados, mas o capital.
Enquanto a produção baseada no capital constituir a forma necessária e, em
consequência, a mais apropriada para o desenvolvimento da força produtiva da
sociedade, o movimento dos indivíduos dentro das puras condições do capital
aparece como sua liberdade; liberdade que, então, também é dogmaticamente
garantida enquanto tal pela contínua reflexão sobre as barreiras derrubadas
pela livre concorrência. A livre concorrência é o desenvolvimento real do
capital. Por ela é posto para o capital singular, como necessidade exterior, o
que corresponde à natureza do capital, ao modo de produção fundado no capital,
o que corresponde ao conceito do capital. A coerção recíproca que os capitais exercem
dentro dela uns sobre os outros, sobre o trabalho etc. (a concorrência dos
trabalhadores entre si é apenas outra forma da concorrência dos capitais), é o
desenvolvimento livre e simultaneamente real da riqueza como
capital. Tanto é assim que os mais profundos pensadores econômicos, como
Ricardo, p.ex., pressupõem o domínio absoluto da livre concorrência para
poderem estudar e formular as leis adequadas do capital – que aparecem ao mesmo
tempo como as tendências vitais que o governam. Mas a livre concorrência é a
forma adequada do processo produtivo do capital. Quanto mais desenvolvida ela
for, tanto mais puras se manifestam as formas do movimento do capital. O que
Ricardo, p. ex., admitiu com isso, apesar da sua própria opinião, é a natureza
histórica do capital e o caráter estreito da livre concorrência, que não é
senão o livre movimento dos capitais, i.e., seu movimento dentro das
condições que não pertencem a nenhuma condição preliminar dissolvida, mas são
suas próprias condições. O domínio do capital é o pressuposto da livre
concorrência, exatamente como o despotismo romano dos césares era o pressuposto
do livre “direito privado” romano. Enquanto o capital é fraco, ele próprio
procura ainda apoiar-se nas muletas dos modos de produção do passado ou que
estão desaparecendo com o seu surgimento. Tão logo ele se sente forte, joga as
muletas fora e se movimenta de acordo com as suas próprias leis. Tão logo ele
começa a sentir a si próprio como obstáculo do desenvolvimento e a tomar
consciência disso, ele busca refúgio em formas que, parecendo aperfeiçoar o
domínio do capital pela contenção da livre concorrência, são ao mesmo tempo os
prenúncios da sua dissolução e da dissolução do modo de produção baseado nele.
O que reside na natureza do capital só é realmente posto para fora dele,
como necessidade exterior, pela concorrência, que nada mais significa que os
muitos capitais impõem uns aos outros e a si próprios as determinações
imanentes do capital. Por isso, nenhuma categoria da economia burguesa, nem
mesmo a primeira, como, p. ex., a determinação do valor, devém efetiva, a não
ser pela livre concorrência; i.e., pelo processo efetivo do capital, que
aparece como interação recíproca dos capitais e de todas as outras relações de
produção e comércio determinadas pelo capital. Daí, por outro lado, a sandice
que significa considerar a livre concorrência como o desenvolvimento último da
liberdade humana; e de considerar a negação da livre concorrência = a negação
da liberdade individual e da produção social fundada na liberdade individual.
Trata-se de fato somente do desenvolvimento livre sobre um fundamento estreito
– o fundamento do domínio do capital. Em consequência, esse tipo de liberdade
individual é ao mesmo tempo a mais completa supressão de toda liberdade individual
e a total subjugação da individualidade sob condições sociais que assumem a
forma de poderes coisais, na verdade, de coisas superpoderosas – de coisas
independentes dos próprios indivíduos que se relacionam entre si. O
desenvolvimento daquilo que constitui a livre concorrência é a única resposta
racional à sua divinização pelos profetas de classe média ou à sua demonização
pelos socialistas. Quando se diz que, no âmbito da livre concorrência, os
indivíduos, ao perseguirem exclusivamente o seu interesse privado, realizam o
interesse comum ou, melhor dizendo, o interesse geral, isso nada mais
significa que, sob as condições da produção capitalista, eles se pressionam
mutuamente e, em consequência, o seu próprio entrechoque é somente a reprodução
das condições sob as quais acontece tal interação. Aliás, a ilusão acerca da
concorrência como a pretensa forma absoluta da individualidade livre, assim que
desaparece, é uma prova de que as condições da concorrência, i.e., da
produção fundada sobre o capital, já são sentidas e pensadas como barreiras
e, em consequência, já são e se tornam barreiras cada vez mais. A
afirmação de que a livre concorrência = forma última do desenvolvimento das
forças produtivas e, em consequência, da liberdade humana, nada mais significa
que o domínio da classe média é o fim da história mundial – certamente uma
ideia agradável para os parvenus fora de moda.”
“No
interior da circulação como processo total, nós podemos diferenciar entre a
grande e a pequena circulação. A primeira abrange todo o período desde o
momento em que o capital deixa o processo de produção até que retorna a ele. A
segunda é contínua e transcorre permanente e simultaneamente ao próprio
processo de produção. Trata-se da parte do capital que é paga como salário, que
é trocada pela capacidade de trabalho. Esse processo de circulação do capital
que, quanto à forma, é posto como troca de equivalentes, mas que de fato se
anula e é posto como troca de equivalentes exclusivamente formal (a transição
de valor em capital, em que a troca de equivalentes vira o seu contrário, a
troca, sobre a base da troca, se torna puramente formal, e a mutualidade está
toda de um só lado), deve ser desenvolvido da seguinte maneira: os valores que
são trocados são sempre tempo de trabalho objetivado, um quantum
objetivamente presente, reciprocamente pressuposto de trabalho existente
(em um valor de uso). O valor enquanto tal é sempre efeito, jamais causa. Ele
expressa o quantum de trabalho pelo qual um objeto é produzido, ou seja
– pressuposto o mesmo estágio das forças produtivas –, pode ser reproduzido. O
capitalista não troca capital diretamente por trabalho ou tempo de trabalho; ao
contrário, troca tempo contido, trabalhado em mercadorias por tempo contido e
elaborado na capacidade de trabalho viva. O tempo de trabalho vivo que ele
recebe em troca não é o valor de troca, mas o valor de uso da capacidade de
trabalho. Da mesma forma que uma máquina não é trocada ou paga como causa de
efeitos, mas como efeito; não de acordo com o seu valor de uso no processo de
produção, mas como produto – determinado quantum de trabalho objetivado.
O tempo de trabalho contido na capacidade de trabalho, i.e., o tempo
necessário para produzir a capacidade de trabalho viva, é o mesmo que é
necessário – sob o pressuposto do mesmo estágio das forças produtivas – para
reproduzi-la, i.e., conservá-la. Por conseguinte, a troca que se dá
entre capitalista e trabalhador é inteiramente correspondente às leis da troca;
mas não é apenas correspondente, senão seu máximo desenvolvimento. Pois
enquanto a própria capacidade de trabalho não se troca, o fundamento da
produção ainda não se baseia na troca, mas esta é simplesmente um círculo
restrito que repousa sobre a base da não troca, como em todos os estágios que
precederam a produção burguesa. Mas o próprio valor de uso do valor que o
capitalista recebeu em troca é o elemento da valorização e sua medida, o
trabalho vivo e o tempo de trabalho, mais precisamente mais tempo de trabalho
do que está objetivado na capacidade de trabalho, i.e., mais tempo de
trabalho do que custa a reprodução do trabalhador vivo. Portanto, por ter
recebido em troca a capacidade de trabalho como equivalente, o capital recebeu
em troca sem equivalente o tempo de trabalho – na medida em que este excede o
tempo contido na capacidade de trabalho; por meio da forma da troca,
apropriou-se de tempo de trabalho alheio sem troca. Por isso, a troca
torna-se puramente formal e, como vimos295, no
desenvolvimento posterior do capital é abolida também a aparência de que o
capital troca pela capacidade de trabalho outra coisa que não o seu próprio
trabalho objetivado; ou seja, abole enfim a aparência de que troca alguma coisa
por ela. A reversão resulta, portanto, do fato de o último estágio da
livre-troca ser a troca da capacidade de trabalho como mercadoria, como valor,
por uma mercadoria, por valor; pelo fato de ser negociada como trabalho
objetivado, mas seu valor de uso consistir em trabalho vivo, i.e.,
consistir no pôr de valor de troca. A reversão resulta do fato de o valor de
uso da capacidade de trabalho como valor ser ele próprio o elemento criador do
valor, ser a substância do valor e substância multiplicadora do valor. Nessa
troca, portanto, o trabalhador dá pelo equivalente do tempo de trabalho nele
objetivado o seu tempo de trabalho vivo, criador e multiplicador do valor. Ele
se vende como efeito. Como causa, como atividade, ele é absorvido pelo capital
e encarnado nele. Assim, a troca se converte no seu oposto, e as leis da
propriedade privada – a liberdade, igualdade, propriedade – a propriedade sobre
o próprio trabalho e a livre disposição sobre ele – se convertem na privação de
propriedade por parte do trabalhador e alienação [Entäusserung] do seu
trabalho, no seu comportamento em relação a ele como propriedade alheia, e
vice-versa.”
295 Ver p. 372-3.
“O
materialismo tosco dos economistas, de considerar como qualidades naturais
das coisas as relações sociais de produção dos seres humanos e as determinações
que as coisas recebem, enquanto subsumidas a tais relações, é um idealismo
igualmente tosco, um fetichismo que atribui às coisas relações sociais como
determinações que lhes são imanentes e, assim, as mistifica.”
“A
troca de trabalho vivo por trabalho objetivado, i.e., o pôr do trabalho
social na forma de oposição entre capital e trabalho assalariado, é o último
desenvolvimento da relação de valor e da produção baseada no valor. O
seu pressuposto é e continua sendo a massa do tempo de trabalho imediato, o quantum
de trabalho empregado como o fator decisivo da produção da riqueza. No entanto,
à medida que a grande indústria se desenvolve, a criação da riqueza efetiva
passa a depender menos do tempo de trabalho e do quantum de trabalho
empregado que do poder dos agentes postos em movimento durante o tempo de
trabalho, poder que – sua poderosa efetividade –, por sua vez, não tem nenhuma
relação com o tempo de trabalho imediato que custa sua produção, mas que
depende, ao contrário, do nível geral da ciência e do progresso da tecnologia,
ou da aplicação dessa ciência à produção. (Por seu lado, o próprio
desenvolvimento dessa ciência, especialmente da ciência natural e, com esta, todas
as demais, está relacionado ao desenvolvimento da produção material.) A
agricultura, p. ex., torna-se simples aplicação da ciência do metabolismo
material, de forma a regulá-lo do modo mais vantajoso possível para todo o
corpo social. A riqueza efetiva se manifesta antes – e isso o revela a grande
indústria – na tremenda desproporção entre o tempo de trabalho empregado e seu
produto, bem como na desproporção qualitativa entre o trabalho reduzido à pura
abstração e o poder do processo de produção que ele supervisiona. O trabalho
não aparece mais tão envolvido no processo de produção quando o ser humano se
relaciona ao processo de produção muito mais como supervisor e regulador. (O
que vale para a maquinaria, vale igualmente para a combinação da atividade humana
e para o desenvolvimento do intercâmbio humano.) Não é mais o trabalhador que
interpõe um objeto natural modificado como elo mediador entre o objeto e si
mesmo; ao contrário, ele interpõe o processo natural, que ele converte em um
processo industrial, como meio entre ele e a natureza inorgânica, da qual se
assenhora. Ele se coloca ao lado do processo de produção, em lugar de ser o seu
agente principal. Nessa transformação, o que aparece como a grande coluna de
sustentação da produção e da riqueza não é nem o trabalho imediato que o
próprio ser humano executa nem o tempo que ele trabalha, mas a apropriação de
sua própria força produtiva geral, sua compreensão e seu domínio da natureza
por sua existência como corpo social – em suma, o desenvolvimento do indivíduo
social. O roubo de tempo de trabalho alheio, sobre o qual a riqueza atual se
baseia, aparece como fundamento miserável em comparação com esse novo
fundamento desenvolvido, criado por meio da própria grande indústria. Tão logo
o trabalho na sua forma imediata deixa de ser a grande fonte da riqueza, o
tempo de trabalho deixa, e tem de deixar, de ser a sua medida e, em
consequência, o valor de troca deixa de ser a medida do valor de uso. O trabalho
excedente da massa deixa de ser condição para o desenvolvimento da riqueza
geral, assim como o não trabalho dos poucos deixa de ser condição do
desenvolvimento das forças gerais do cérebro humano. Com isso, desmorona a
produção baseada no valor de troca, e o próprio processo de produção material
imediato é despido da forma da precariedade e contradição. Dá-se o livre
desenvolvimento das individualidades e, em consequência, a redução do tempo de
trabalho necessário não para pôr trabalho excedente, mas para a redução do
trabalho necessário da sociedade como um todo a um mínimo, que corresponde
então à formação artística, científica etc. dos indivíduos por meio do tempo
liberado e dos meios criados para todos eles. O próprio capital é a contradição
em processo, pelo fato de que procura reduzir o tempo de trabalho a um mínimo,
ao mesmo tempo que, por outro lado, põe o tempo de trabalho como única medida e
fonte da riqueza. Por essa razão, ele diminui o tempo de trabalho na forma do
trabalho necessário para aumentá-lo na forma do supérfluo; por isso, põe em
medida crescente o trabalho supérfluo como condição – questão de vida e morte –
do necessário. Por um lado, portanto, ele traz à vida todas as forças da
ciência e da natureza, bem como da combinação social e do intercâmbio social,
para tornar a criação da riqueza (relativamente) independente do tempo de
trabalho nela empregado. Por outro lado, ele quer medir essas gigantescas
forças sociais assim criadas pelo tempo de trabalho e encerrá-las nos limites
requeridos para conservar o valor já criado como valor. As forças produtivas e
as relações sociais – ambas aspectos diferentes do desenvolvimento do indivíduo
social – aparecem somente como meios para o capital, e para ele são
exclusivamente meios para poder produzir a partir de seu fundamento acanhado.
De fato, porém, elas constituem as condições materiais para fazê-lo voar pelos
ares. “Uma nação é verdadeiramente rica quando se trabalha 6 horas em lugar de
12. A riqueza não é o comando sobre tempo de trabalho excedente (riqueza
real), mas tempo disponível para cada indivíduo e toda a
sociedade para além do usado na produção imediata”336.
A natureza não constrói máquinas nem
locomotivas, ferrovias, telégrafos elétricos, máquinas de fiar automáticas etc.
Elas são produtos da indústria humana; material natural transformado em órgãos
da vontade humana sobre a natureza ou de sua atividade na natureza. Elas são órgãos
do cérebro humano criados pela mão humana; força do saber objetivada. O
desenvolvimento do capital fixo indica até que ponto o saber social geral,
conhecimento, deveio força produtiva imediata e, em consequência, até
que ponto as próprias condições do processo vital da sociedade ficaram sob o
controle do |intelecto geral e foram reorganizadas em conformidade
com ele. Até que ponto as forças produtivas da sociedade são produzidas, não só
na forma do saber, mas como órgãos imediatos da práxis social; do processo real
da vida.”
336 The source and the remedy
of the national difficulties (Londres, 1821), p. 6.
“A taxa do mais-valor é determinada simplesmente pela proporção do
trabalho excedente em relação ao trabalho necessário; a taxa de lucro é
determinada pela proporção não só do trabalho excedente em relação ao
necessário, mas pela proporção da parte do capital trocada por trabalho vivo em
relação ao capital total que entra na produção.
O
lucro, como ainda o consideramos aqui, i.e., como lucro do
capital, e não de um capital singular às custas de outro, mas, expresso
concretamente, como lucro da classe capitalista, nunca poderá ser
maior que a soma do mais-valor. Como soma, ele é a soma do mais-valor, mas
é essa própria soma de valor como proporção relativa ao valor total do capital,
e não relativa à parte do capital cujo valor efetivamente cresce; i.e.,
que é trocada por trabalho vivo. Em sua forma imediata, o lucro nada mais é
que a soma do mais-valor expressa como proporção relativa ao valor total do
capital.
A
transformação do mais-valor na forma do lucro, esse tipo de cálculo do
mais-valor pelo capital, por mais que se baseie em uma ilusão sobre a natureza
do mais-valor ou, melhor dizendo, a oculte, é necessária do ponto de vista do
capital.
{Pode-se
facilmente imaginar que a máquina enquanto tal, porque atua como força
produtiva do trabalho, põe valor. Todavia, se não necessitasse de nenhum
trabalho, a máquina poderia aumentar o valor de uso; mas o valor de troca
criado por ela nunca seria maior que seus próprios custos de produção, seu
próprio valor, o trabalho nela objetivado. Não é porque substitui trabalho que
a máquina cria valor, mas só na medida em que é um meio de aumentar o trabalho
excedente, e apenas este último é tanto a medida quanto a substância do
mais-valor posto com a ajuda da máquina; ou seja, o trabalho propriamente
dito.}”
“Considerando o mais-valor absoluto, ele aparece determinado pelo
prolongamento absoluto da jornada de trabalho para além do tempo de trabalho
necessário. O tempo de trabalho necessário trabalha para o mero valor de uso,
para a subsistência. A jornada de trabalho excedente é trabalho para o valor de
troca, para a riqueza. Ele é o primeiro momento do trabalho industrial. O
limite natural é posto – sob o pressuposto de que as condições de trabalho
existam, a matéria-prima e o instrumento de trabalho, ou um dos dois,
dependendo se o trabalho é somente extrativista ou conformador, se unicamente
isola o valor de uso da terra ou o conforma –, o limite natural é posto pelo
número das jornadas de trabalho simultâneas ou das capacidades de trabalho
vivas, i.e., pela população trabalhadora. Nesse nível, a diferença entre
a produção do capital e a produção de estágios anteriores é ainda simplesmente
formal. Rapto de seres humanos, escravidão, tráfico de escravos e trabalho
forçado dos escravos, aumento dessas máquinas trabalhadoras, máquinas que
produzem produtos excedentes, aqui tudo isto é posto diretamente pela
violência; no caso do capital, é mediado pela troca.
Os
valores de uso crescem aqui na mesma proporção simples que os valores de troca,
e por isso essa forma do trabalho excedente aparece tanto nos modos de produção
da escravidão, servidão etc., onde se trata principal e preponderantemente do
valor de uso, quanto no modo de produção do capital, orientado diretamente ao
valor de troca e só indiretamente ao valor de uso. Este valor de uso pode ser
puramente imaginário, como na construção das pirâmides egípcias, em suma, nos
trabalhos religiosos de luxo, aos quais era coagida a massa da nação no Egito,
na Índia etc., ou voltado para o imediatamente útil, como entre os etruscos.
Mas
na segunda forma do mais-valor, como mais-valor relativo, que, com
referência à jornada de trabalho como diminuição do tempo de trabalho e com
referência à população como diminuição da população trabalhadora necessária
(esta é a forma contraditória), aparece como desenvolvimento da força produtiva
dos trabalhadores, nessa forma aparece imediatamente o caráter industrial e
distintivamente histórico do modo de produção fundado sobre o capital.
A
primeira forma corresponde à transformação violenta da maior parte da população
em trabalhadores assalariados e à disciplina que transforma sua existência na
de meros trabalhadores. Durante 150 anos, p. ex., desde Henrique VII, os anais
da legislação inglesa contêm, escritas com sangue, as disposições punitivas que
foram empregadas para transformar em trabalhadores assalariados livres a massa
da população que se tornara sem propriedade e livre. A supressão dos séquitos,
o confisco dos bens das igrejas, a supressão das guildas e o confisco de suas
propriedades, a expulsão violenta da população do campo por meio da
transformação da terra agrícola em pastagens, o cercamento das áreas comuns
etc., tinham posto os trabalhadores como simples capacidade de trabalho. Mas
eles preferiram, é claro, a vagabundagem, a mendicância etc., ao trabalho
assalariado, e primeiro tiveram de ser violentamente habituados a ele. Algo
parecido se repete com a introdução da grande indústria, das fábricas
funcionando com máquinas. Cf. Owen32.
Somente
a um certo estágio do desenvolvimento do capital a troca entre capital e
trabalho de fato tornou-se formalmente livre. Pode-se dizer
que o trabalho assalariado só foi plenamente realizado, no que diz respeito à
sua forma, na Inglaterra, no fim do século XVIII, com a abolição da Lei do
Aprendizado33.
Naturalmente,
a tendência do capital é vincular o valor excedente absoluto com o relativo; ou
seja, vincular a maior extensão possível da jornada de trabalho com a maior
quantidade possível de jornadas de trabalho simultâneas, juntamente com a
redução ao mínimo, por um lado, do tempo de trabalho necessário, por
outro, do número de trabalhadores necessários. Essa exigência
contraditória, cujo desenvolvimento se manifestará de diversas formas, como
superprodução, superpopulação etc., passa a vigorar na forma de um processo em
que as determinações contraditórias se alternam no tempo. Uma consequência
necessária de tal exigência é a maior multiplicação possível do valor de uso
do trabalho – ou dos ramos de produção –, de tal modo que a produção do
capital gere contínua e necessariamente, por um lado, o desenvolvimento da
intensidade da força produtiva do trabalho, por outro, a
multiplicidade ilimitada dos ramos do trabalho, i.e., que ela gere,
portanto, a riqueza de forma e conteúdo mais diversificada possível da
produção, submetendo-lhe todos os aspectos da natureza.”
32 Ver p. 594-6.
33 O estatuto sobre o tempo de aprendizagem de 1563 (o
Estatuto 5° de Elizabeth, cap. 4) decretava que “no futuro, nenhuma pessoa
deveria exercer nenhum negócio, arte ou profissão exercida na Inglaterra
naquela época, a não ser que tivesse antes atuado nele como aprendiz durante
sete anos pelo menos.” Foi completa e definitivamente revogado em 1814, pelo
Estatuto 54 de George III, cap. 96.
“[Estranhamento]
O
fato de que, com o desenvolvimento das forças produtivas do trabalho, as
condições objetivas do trabalho, o trabalho objetivado, têm de crescer em
relação ao trabalho vivo – trata-se, na verdade, de uma proposição tautológica,
pois o que significa força produtiva do trabalho crescente senão que se requer
menos trabalho imediato para criar um produto maior e que, portanto, a riqueza
social se expressa cada vez mais nas condições do trabalho criadas pelo próprio
trabalho –, tal fato, do ponto de vista do capital, não se apresenta de tal
maneira que um dos momentos da atividade social – o trabalho objetivo – devém o
corpo cada vez mais poderoso do outro momento, do trabalho subjetivo, vivo, mas
de tal maneira que – e isto é importante para o trabalho assalariado – as
condições objetivas do trabalho assumem uma autonomia cada vez mais colossal,
que se apresenta por sua própria extensão, em relação ao trabalho vivo, e de
tal maneira que a riqueza social se defronta com o trabalho como poder estranho
e dominador em proporções cada vez mais poderosas. A tônica não recai sobre o ser-objetivado,
mas sobre o ser-estranhado, ser-alienado, ser-venalizado – o não
pertencer-ao-trabalhador, mas às condições de produção personificadas, i.e.,
ao capital, o enorme poder objetivado que o próprio trabalho social contrapôs a
si mesmo como um de seus momentos. Na medida em que, do ponto de vista do
capital e do trabalho assalariado, a geração desse corpo objetivo da atividade
se dá em oposição à capacidade de trabalho imediata – esse processo de
objetivação aparece de fato como processo de alienação, do ponto de vista do
trabalho, ou de apropriação do trabalho alheio, do ponto de vista do capital –,
tal distorção ou inversão é efetiva e não simplesmente imaginada,
existente simplesmente na representação dos trabalhadores e capitalistas. Mas,
evidentemente, esse processo de inversão é simplesmente necessidade histórica,
pura necessidade para o desenvolvimento das forças produtivas a partir de um
determinado ponto de partida histórico, ou base histórica, e de maneira nenhuma
uma necessidade absoluta da produção; ao contrário, é uma necessidade
evanescente, e o resultado e o fim (imanente) desse processo é abolir essa
própria base, assim como essa forma do processo. Os economistas burgueses estão
tão encerrados nas representações de um determinado nível de desenvolvimento
histórico da sociedade que a necessidade da objetivação das forças
sociais do trabalho aparece-lhes inseparável da necessidade do estranhamento
dessas forças frente ao trabalho vivo. Todavia, com a superação do caráter imediato
do trabalho vivo, como caráter meramente singular, ou como universal
unicamente interior ou exterior, e posta a atividade dos indivíduos como
atividade imediatamente universal ou social, tais momentos objetivos da
produção são despojados dessa forma do estranhamento; com isso, eles são postos
como propriedade, como o corpo social orgânico, em que os indivíduos se
reproduzem como singulares, mas como singulares sociais. As condições para essa
sua forma de ser na reprodução de sua vida, no seu processo vital produtivo,
foram postas somente pelo próprio processo histórico e econômico; tanto as
condições objetivas quanto as subjetivas, que são apenas as duas formas diferentes
das mesmas condições.
A
ausência de propriedade do trabalhador e a propriedade do trabalho objetivado
sobre o trabalho vivo, ou a apropriação do trabalho alheio pelo capital – as
duas coisas expressando a mesma relação, só que em dois polos opostos –, são
condições fundamentais do modo de produção burguês, e de modo nenhum
contingências que lhe são indiferentes. Esses modos de distribuição são as
próprias relações de produção, só que sub specie distributionis156. Por isso, é extremamente absurdo quando, p.
ex., J. S. Mill diz (Principles of Polit. Econ., 2. ed., Londres, 1849,
t. I, p. 246): “As leis e condições da produção da riqueza compartilham o
caráter das verdades físicas. [...] Não é assim com a distribuição da riqueza.
Esta é exclusivamente uma questão da instituição humanai” (p. 245,
246.)157. As “leis e condições” da produção da
riqueza e as leis da “distribuição da riqueza” são as mesmas leis sob formas
diferentes, e ambas mudam, passam pelo mesmo processo histórico; são tão
somente momentos de um processo histórico.
Não é
preciso ter uma perspicácia fora do comum para compreender que, partindo, p.
ex., do trabalho livre ou trabalho assalariado resultante da dissolução da
servidão, as máquinas só podem surgir em contraposição ao trabalho vivo,
como propriedade alheia e poder hostil diante dele; i.e., que elas têm
de se contrapor a ele como capital. Porém, é igualmente fácil perceber que as
máquinas não deixarão de ser agentes da produção social tão logo devêm, p. ex.,
propriedade dos trabalhadores associados. No primeiro caso, todavia, sua
distribuição, i.e., o fato de não pertencerem ao trabalhador, é
da mesma maneira condição do modo de produção fundado no trabalho assalariado.
No segundo caso, a distribuição modificada partiria de uma base da produção
nova, modificada, originada somente por meio do processo histórico.”
156 Sob o ponto de vista da
distribuição.
“Sendo o dinheiro o equivalente geral, o poder de compra geral,
tudo é comprável, tudo é transformável em dinheiro. Mas só pode ser
transformado em dinheiro na medida em que é alienado, na medida em que o
possuidor o aliena de si. Por conseguinte, tudo é alienável ou indiferente para
o indivíduo, tudo é exterior a ele. Assim, as pretensas possessões inalienáveis,
eternas, e suas respectivas relações de propriedade fixas, imutáveis,
desmoronam diante do dinheiro. Além disso, como o próprio dinheiro só existe na
circulação e, por sua vez, se troca por fruições – por valores – que, todas, no
fim das contas, podem ser reduzidas a fruições puramente individuais, tudo só
tem valor na medida em que o tem para o indivíduo. Com isso, o valor autônomo
das coisas, exceto quando ele consiste em seu simples ser para outra coisa, em
sua relatividade, em sua permutabilidade, o valor absoluto de todas as coisas e
relações é dissolvido. Tudo é sacrificado à fruição egoísta. Pois, assim como
tudo é alienável por dinheiro, tudo também é adquirível por dinheiro. Pode-se
ter tudo por “dinheiro vivo”, ele próprio, sendo algo exteriormente existente,
é para ser obtido por fraude, violência etc. pelo indivíduo. Por conseguinte,
tudo é apropriável por todos, e aquilo que o indivíduo pode ou não se apropriar
para si depende do acaso, porque isto depende do dinheiro em seu poder. O
indivíduo em si é posto, assim, como o senhor de todas as coisas. Não existem
valores absolutos, porque para o dinheiro o valor enquanto tal é relativo. Não
há nada inalienável, porque tudo é alienável por dinheiro. Nada há mais
elevado, mais sagrado etc., porque tudo é apropriável por dinheiro. As res
sacrae e religiosae, que não podem estar in nullius bonis[198], nec aestimationem recipere, nec obligari
alienarique posse, que estão livres do commercio hominum[199], não existem perante o dinheiro, da mesma
forma que todos são iguais perante Deus. Lindo como, na Idade Média, a própria
igreja romana é a principal propagandista do dinheiro.”
198 As “coisas sagradas” e
“religiosas” que não podem estar “em posse de nenhuma pessoa”. Estas expressões
latinas encontram-se em Corpus iuris civilis [Corpo de direito civil],
Institutas, II, 1, 7.
199 “E não podem estar sujeitos à
avaliação nem ser penhorados ou alienados”, pois estão livres do “comércio dos
homens”. A fonte precisa dessas expressões latinas não pôde ser apurada, embora
haja locuções semelhantes para “nec aestimationem recipere, nec obligari
alienarique posse” em ibidem, Digesto, I, 8, 9, 5 e Institutas, II, 1, 8.
“A
economia política trata das formas sociais específicas da riqueza ou, melhor
dizendo, da produção da riqueza. O seu material, seja ele subjetivo, como o
trabalho, ou objetivo, como os objetos para a satisfação de necessidades
naturais ou históricas, aparece de início comum a todas as épocas da produção.
Em consequência, este material aparece primeiramente como simples pressuposto
que se situa totalmente fora da reflexão da economia política e só entra na
esfera da reflexão quando é modificado pelas relações formais ou aparece
modificando-as. O que se costuma dizer sobre isso em termos gerais limita-se a
abstrações que tiveram seu valor histórico nas primeiras tentativas da economia
política, nas quais as formas foram extraídas penosamente do material e fixadas
com grande esforço como objeto próprio da reflexão. Mais tarde, elas se tornam
lugares-comuns maçantes, tanto mais repulsivos quanto mais se apresentam com
pretensão científica. Isso vale principalmente para a conversa fiada que os
economistas alemães costumam desfiar sob a categoria de “bens”.”
“O
importante é que ambos, juro e lucro, expressam relações do capital.
Como forma particular, o capital portador de juros não se defronta com o
trabalho, mas com o capital portador de lucro. A relação em que, por um lado, o
trabalhador ainda aparece como autônomo, ou seja, não como trabalhador
assalariado, mas, por outro, as condições objetivas do trabalho já possuem uma
existência objetiva ao lado do trabalhador, e que constituem a propriedade de
uma classe particular de usurários, desenvolve-se necessariamente – em todos os
modos de produção mais ou menos baseados na troca – com o desenvolvimento da
fortuna comercial ou da fortuna em dinheiro em contraposição às formas
particulares e limitadas da fortuna agrícola ou artesanal. O desenvolvimento
dessa própria fortuna mercantil pode ser considerado como desenvolvimento do
valor de troca e, em consequência, da circulação e das relações
monetárias naquelas esferas. Todavia, essa relação mostra-nos, por um lado, a
autonomização, a desvinculação das condições do trabalho – que vêm cada vez
mais da circulação e dela dependem – da existência econômica do trabalhador.
Por outro lado, esta última ainda não está subsumida no processo do capital.
Por isso, o modo de produção ainda não é essencialmente modificado. Essa
relação se reproduz no interior da economia burguesa somente em ramos
industriais ultrapassados ou naqueles que ainda resistem a desaparecer no modo
de produção moderno. Nestes últimos ainda tem lugar a mais abjeta exploração do
trabalho, sem que neles a relação entre capital e trabalho traga em si qualquer
base do desenvolvimento das novas forças produtivas e o germe de novas formas
históricas. No próprio modo de produção, o capital ainda aparece aqui
materialmente subsumido ao trabalhador individual ou à família do trabalhador –
seja na empresa artesanal, seja na pequena agricultura. Há exploração pelo
capital sem o modo de produção do capital. A taxa de juros aparece muito alta
porque inclui o lucro e até uma parte do salário. Essa forma da usura, em que o
capital não se apodera da produção, ou seja, só é capital formalmente,
pressupõe a predominância de formas de produção pré-burguesas; mas continua a
se reproduzir em esferas subordinadas no interior da própria economia burguesa.”
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