Editora: Boitempo/UFRJ
ISBN: 978-85-7559-172-7
Tradução: Mario
Duayer e Nélio Schneider (com colaboração de Alice Helga Wermer e Rudiger
Hoffman
Opinião: ★★★★☆
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Páginas: 792
Sinopse: Ver Parte
I
“Se
resumirmos isso, temos que:
Em
primeiro lugar: o
aumento da força produtiva do trabalho vivo aumenta o valor do capital
(ou diminui o valor do trabalhador), não porque aumenta o quantum dos
produtos ou valores de uso criados com o mesmo trabalho – a força produtiva do
trabalho é sua força natural –, mas porque diminui o trabalho necessário,
ou seja, porque, na mesma proporção em que ele diminui o trabalho necessário,
cria trabalho excedente ou, o que é a mesma coisa, valor excedente;
porque o mais-valor do capital, que este obtém mediante o processo de produção,
consiste tão somente do saldo do trabalho excedente sobre o trabalho
necessário. O aumento da força produtiva só pode aumentar o trabalho
excedente – i.e., o excedente do trabalho objetivado no capital como
produto sobre o trabalho objetivado no valor de troca da jornada de trabalho –,
à medida que ele diminui a proporção do trabalho necessário em relação
ao trabalho excedente, e somente na medida em que a diminui. O valor
excedente é exatamente igual ao trabalho excedente; o aumento do valor
excedente é medido exatamente pela diminuição do trabalho necessário.”
“Em
geral, temos até o presente: o desenvolvimento da força produtiva do trabalho –
antes de tudo, o pôr do trabalho excedente – é a condição necessária para o
crescimento do valor ou para a valorização do capital. Como impulso infinito ao
enriquecimento, o capital tende, consequentemente, ao aumento infinito das
forças produtivas do trabalho, e as engendra. Por outro lado, todo aumento da
força produtiva do trabalho – abstraindo do fato de que ela aumenta os valores
de uso para o capital – é aumento da força produtiva do capital e, desde
o presente ponto de vista, só é força produtiva do trabalho na medida em que é
força produtiva do capital.”
“O mais-valor
é de fato o fundamento do lucro, mas também é diferente daquilo que é comumente
chamado de lucro”
“Se,
de um lado, o capital cria o trabalho excedente, de outro, o trabalho excedente
é igualmente pressuposto para a existência do capital. Todo o desenvolvimento
da riqueza está baseado na criação de tempo disponível. A relação do tempo de
trabalho necessário ao tempo supérfluo (assim se apresenta
inicialmente, do ponto de vista do trabalho necessário) se altera nas várias
fases do desenvolvimento das forças produtivas. Nos estágios mais primitivos da
troca, os seres humanos trocam nada mais do que seu tempo de trabalho
supérfluo; ele é a medida da sua troca, que, por isso, também só engloba
produtos supérfluos. Na produção fundada sobre o capital, a existência do tempo
de trabalho necessário é condicionada pela criação de tempo de trabalho supérfluo.
Nos estágios mais inferiores da produção, em primeiro lugar, ainda há poucas
necessidades produzidas e, em consequência, também há poucas para ser
satisfeitas. Por isso, o tempo de trabalho necessário é limitado, não porque o
trabalho é produtivo, mas porque pouco é necessário; e, em segundo lugar,
existe em todas as etapas da produção certa comunidade do trabalho, um caráter social
dele etc. Mais tarde se desenvolve a força produtiva social etc.”
“Da
mesma maneira que a produção baseada no capital cria, por um lado, a indústria
universal – isto é, trabalho excedente, trabalho criador de valor –, cria
também, por outro lado, um sistema da exploração universal das qualidades
naturais e humanas, um sistema da utilidade universal, do qual a própria
ciência aparece como portadora tão perfeita quanto todas as qualidades físicas
e espirituais, ao passo que nada aparece elevado-em-si-mesmo,
legítimo-em-si-mesmo fora desse círculo de produção e troca sociais. Dessa
forma, é só o capital que cria a sociedade burguesa e a apropriação universal
da natureza, bem como da própria conexão social pelos membros da sociedade. Daí
a grande influência civilizadora do capital; sua produção de um nível de
sociedade em comparação com o qual todos os anteriores aparecem somente como
desenvolvimentos locais da humanidade e como idolatria da natureza. Só então a
natureza torna-se puro objeto para o homem, pura coisa da utilidade; deixa de
ser reconhecida como poder em si; e o próprio conhecimento teórico das suas
leis autônomas aparece unicamente como ardil para submetê-la às necessidades
humanas, seja como objeto do consumo, seja como meio da produção. O capital, de
acordo com essa sua tendência, move-se para além tanto das fronteiras e dos
preconceitos nacionais quanto da divinização da natureza, bem como da
satisfação tradicional das necessidades correntes, complacentemente
circunscrita a certos limites, e da reprodução do modo de vida anterior. O
capital é destrutivo disso tudo e revoluciona constantemente, derruba todas as
barreiras que impedem o desenvolvimento das forças produtivas, a ampliação das
necessidades, a diversidade da produção e a exploração e a troca das forças
naturais e espirituais.
Porém,
do fato de que o capital põe todo limite desse gênero como barreira e, em
consequência, a supere idealmente, não se segue de maneira nenhuma que a
superou realmente, e como toda barreira desse tipo contradiz sua
determinação, sua produção se move em contradições que constantemente têm de
ser superadas, mas que são também constantemente postas. Mais ainda. A
universalidade para a qual o capital tende irresistivelmente encontra barreiras
em sua própria natureza, barreiras que, em um determinado nível de seu
desenvolvimento, permitirão reconhecer o próprio capital como a maior barreira
a essa tendência e, por isso, tenderão à sua superação por ele mesmo.”
“Na concorrência,
essa tendência interna do capital aparece como uma coerção que lhe é imposta
por capital alheio e que o impele para além da proporção correta com um
contínuo “Marche, marche!”. A livre concorrência, como farejou corretamente o
sr. Wakefield11 em seu comentário a
Smith, jamais foi elaborada pelos economistas, por mais que tagarelem
sobre ela e que seja a base de toda a produção burguesa, da produção fundada no
capital. Ela só foi compreendida negativamente, i.e., como negação dos
monopólios, das corporações, das regulações legais etc. Como negação da
produção feudal. No entanto, ela também tem de ser algo por si mesma,
porque um mero 0 é uma negação vazia, a abstração de um obstáculo que
imediatamente emerge de novo sob a forma, por exemplo, de monopólio, monopólios
naturais etc. Conceitualmente, a concorrência nada mais é do que a natureza
interna do capital, sua determinação essencial, que se manifesta e se
realiza como ação recíproca dos vários capitais uns sobre os outros, a
tendência interna como necessidade externa.) (O capital existe e só pode
existir como muitos capitais e, consequentemente, a sua autodeterminação
aparece como ação recíproca desses capitais uns sobre os outros.) O capital é
tanto o contínuo pôr quanto a contínua superação da produção proporcional.
A proporção existente tem de ser constantemente abolida por meio da criação de
valores excedentes e do aumento das forças produtivas. Todavia, essa exigência
de que a produção ao mesmo tempo e simultaneamente deve ser
ampliada na mesma proporção impõe ao capital exigências externas, que de
maneira nenhuma resultam dele; ao mesmo tempo, o abandono de uma dada proporção
em um ramo de produção compele todos os outros a fazer o mesmo, e em proporções
desiguais. Até esse ponto (pois ainda não chegamos à determinação do capital
como capital circulante e ainda temos, de um lado, a circulação, de
outro, o capital, ou a produção como pressuposto ou fundamento da circulação,
de onde ela provém), já desde o ponto de vista da produção, a circulação tem
relação com o consumo e a produção – em outras palavras, trabalho excedente
como equivalente e especificação do trabalho em forma cada vez mais rica.
No
conceito mais simples do capital, têm de estar contidas em si suas
tendências civilizatórias etc.; não podem aparecer, tal qual nas teorias
econômicas até aqui, como meras consequências externas. Da mesma forma, é
preciso demonstrar que nele já estão latentes as contradições posteriormente
liberadas.
Até o
presente, temos simplesmente a indiferença recíproca dos momentos singulares no
processo de valorização, que internamente se condicionam e externamente se
buscam; mas podem se encontrar ou não, podem coincidir ou não, podem se
corresponder ou não. A necessidade interna do que é internamente relacionado, e
sua existência autônoma reciprocamente indiferente, já constitui a base das
contradições.
No
entanto, ainda não terminamos. A contradição entre a produção e a valorização –
da qual o capital, de acordo com seu conceito, é a unidade – ainda tem de ser
apreendida de maneira mais imanente, simplesmente como a manifestação
indiferente, aparentemente independente dos momentos singulares do processo,
ou, melhor dizendo, da totalidade de processos opostos entre si.
Para
abordar a questão mais de perto: inicialmente, há um limite, não à produção em
geral, mas à produção fundada no capital, e esse limite é duplo, ou, melhor
dizendo, é o mesmo limite considerado em duas direções. Aqui é suficiente
mostrar que o capital contém uma limitação particular da produção –
limitação que contradiz a sua tendência geral de transpor qualquer obstáculo à
produção – para desvelar o fundamento da superprodução, a contradição
fundamental do capital desenvolvido; para desvelar, sobretudo, que ele não é,
como acreditam os economistas, a forma absoluta para o desenvolvimento
das forças produtivas – forma absoluta que, como forma da riqueza, coincidisse
absolutamente com o desenvolvimento das forças produtivas. Vistas sob a ótica
do capital, as fases da produção que lhe precedem aparecem como outros tantos
entraves às forças produtivas. O próprio capital, contudo, corretamente
entendido, aparece como condição para o desenvolvimento das forças produtivas,
uma vez que elas necessitam de incitamento externo, incitamento que, ao mesmo
tempo, aparece como seu freio. Disciplina das forças produtivas que se torna
supérflua e incômoda a certo nível de seu desenvolvimento, da mesma forma que
as corporações etc. Esses limites imanentes têm de coincidir com a natureza do
capital, com suas próprias determinações conceituais essenciais. Esses limites
necessários são:
1) o trabalho
necessário como limite do valor de troca da capacidade de trabalho viva ou
do salário da população industrial;
2) o valor
excedente como limite do tempo de trabalho excedente; e, em relação ao
tempo de trabalho excedente, como obstáculo do desenvolvimento das forças
produtivas.
3) o
que é a mesma coisa, a transformação em dinheiro, o valor de troca em
geral, como limite da produção; ou a troca fundada sobre o valor, ou o valor
fundado sobre a troca, como limite da produção. Isso é:
4)
novamente, o mesmo que limitação da produção de valores de uso pelo
valor de troca; ou que a riqueza real tem de adotar uma forma determinada,
distinta dela própria e, portanto, forma absolutamente não idêntica a ela, para
se tornar objeto da produção.
Por
outro lado, resulta da tendência geral do capital (tal como aparecia na
circulação simples, em que o dinheiro como meio de circulação aparecia como
simplesmente evanescente, sem necessidade autônoma e, portanto, não como limite
ou obstáculo) o fato de que ele esquece e abstrai:
1) do
trabalho necessário como limite do valor de troca da capacidade de trabalho
viva; 2) do valor excedente como limite do trabalho excedente e do
desenvolvimento das forças produtivas; 3) do dinheiro como limite da produção;
4) da limitação da produção de valores de uso pelo valor de troca.
Hinc* a superprodução, i.e.,
a súbita recordação de todos esses momentos necessários da produção
fundada no capital; em consequência, desvalorização geral devido ao
esquecimento de tais momentos. Com isso, ao mesmo tempo impõe-se ao capital a
tarefa de recomeçar sua tentativa a partir de um grau mais elevado de
desenvolvimento das forças produtivas etc., com colapso cada vez maior como
capital. Por essa razão, é claro que quanto mais elevado o desenvolvimento
do capital, tanto mais ele aparece como obstáculo da produção – e, por isso,
também do consumo, independentemente das outras contradições que o fazem
aparecer como obstáculo incômodo da produção e do intercâmbio.
{O
inteiro sistema de crédito e o comércio especulativo, a superespeculação
etc. a ele associados baseiam-se na necessidade de estender e transpor os
obstáculos da circulação e da esfera da troca. Isso se manifesta de maneira
mais colossal, mais clássica, na relação entre povos do que na relação entre
indivíduos. Assim, por exemplo, os ingleses são compelidos a conceder
empréstimo a outras nações de modo a tê-las como clientes. No fundo, o
capitalista inglês troca com o capital produtivo inglês duas vezes, 1)
como ele mesmo, 2) como ianque etc., ou sob qualquer outra forma em que tenha
posto seu dinheiro.}”
11 Edward Gibbon Wakefield, “A
commentary to Smith’s Wealth of nations”, em Adam Smith, An inquiry
into the nature and causes of the wealth of nations (6 v. [corr. 1-4],
Londres, C. Knight, 1835-9, v. 1), p. 244-6.
* Daí. (N.
T.)
“Quando
se trata de seu trabalhador, todo capitalista sabe que não se confronta com ele
como produtor frente ao consumidor, e deseja limitar ao máximo seu consumo, i.e.,
sua capacidade de troca, seu salário. Naturalmente, ele deseja que os
trabalhadores dos outros capitalistas sejam os maiores consumidores
possíveis de sua mercadoria. Todavia, a relação de cada
capitalista com os seus trabalhadores é de fato a relação
de capital e trabalho, a relação essencial. No entanto, provém
precisamente daí a ilusão – verdadeira para o capitalista individual, à
diferença de todos os outros – de que, excetuando-se seus trabalhadores,
todo o resto da classe trabalhadora se defronta com ele, não como
trabalhadores, mas como consumidores e trocadores – gastadores26 de dinheiro. Esquece-se, como disse Malthus27, que “a própria existência de um lucro sobre
qualquer mercadoria pressupõe uma demanda externa à demanda do trabalhador
que a produziu” e, consequentemente, a “demanda do próprio trabalhador
jamais pode ser uma demanda adequada”. Como uma produção põe a outra em
movimento e, com isso, cria para si consumidores nos trabalhadores do capital alheio,
a demanda da classe trabalhadora, posta pela própria produção, aparece
para cada capital singular como “demanda adequada”. De um lado, essa demanda
posta pela própria produção impele a produção para além da proporção na
qual teria de produzir com referência aos trabalhadores: ela tem de impelir a
produção para além de tal limite; de outro, se desaparece ou encolhe a demanda externa
à demanda do próprio trabalhador, tem lugar o colapso. Portanto, o próprio
capital considera a demanda dos trabalhadores – i.e., o pagamento
do salário, no qual se baseia essa demanda – não como ganho, mas como perda.
Significa dizer, relação imanente entre capital e trabalho se impõe. É
aqui outra vez que a concorrência dos capitais, sua indiferença recíproca,
sua recíproca independência que faz com que o capital singular se relacione com
os trabalhadores do capital total remanescente não como trabalhadores; hinc,
é impelido para além da proporção correta. O capital diferencia-se da relação
de dominação precisamente porque o trabalhador se defronta com ele como consumidor
e ponente de valor de troca, na forma do possuidor de dinheiro, como
simples centro da circulação – devém um dos seus infinitos centros, nos quais
se extingue sua determinabilidade como trabalhador.
{Sucede
exatamente o mesmo com a demanda que a própria produção gera por matéria-prima,
semimanufaturados, maquinaria, meios de comunicação e materiais auxiliares
utilizados na produção, como corantes, carvão, graxa, sabão etc. Tal demanda,
como demanda solvente e ponente de valor de troca, é adequada e suficiente
enquanto os produtores trocam entre si. A sua inadequabilidade fica patente tão
logo o produto final encontra seu limite no consumo imediato e final. Essa aparência,
que também impele para além da correta proporção, da mesma forma está baseada
na essência do capital, que, como será desenvolvido com mais detalhe na análise
da concorrência, é a repulsão de si mesmo, os muitos capitais totalmente
indiferentes entre si. Na medida em que um capitalista compra de outro,
compra ou vende mercadoria, ambos estão na relação de troca simples; não se
relacionam entre si como capital. A proporção correta (imaginária), de
acordo com a qual têm de trocar entre si para finalmente poderem se valorizar
como capital, situa-se fora de sua relação recíproca.}
Antes
de tudo: o capital força os trabalhadores ao trabalho excedente para além do
trabalho necessário. Só assim ele se valoriza e cria valor excedente. Por outro
lado, entretanto, ele só põe o trabalho necessário desde (e à medida) que
seja trabalho excedente e este último seja realizável como valor
excedente. Por conseguinte, o capital põe o trabalho excedente como
condição para o necessário e o valor excedente como limite para o trabalho
objetivado, enfim para o valor. Tão logo ele não pode pôr o primeiro, não põe o
último, e, de acordo com seu fundamento, só ele pode pô-los. Portanto, o
capital limita – por meio de restrição artificial28,
como os ingleses o expressam – o trabalho e a criação de valor, e o faz, na
verdade, pela mesma razão porque e à medida que põe trabalho excedente e valor
excedente. Portanto, de acordo com sua natureza, o capital põe um obstáculo
para o trabalho e a criação de valor que está em contradição com sua tendência
de expandi-los contínua e ilimitadamente. E uma vez que tanto põe um obstáculo
que lhe é específico quanto, por outro lado, avança para além de todo
obstáculo, o capital é a contradição viva.
{Como
constitui a base do capital e, portanto, necessariamente só existe por meio da
troca por equivalente, o valor repele necessariamente a si mesmo. Por
essa razão, um capital universal sem outros capitais frente a si,
capitais com os quais troca – e, da perspectiva desenvolvida até aqui, não tem
frente a si senão o trabalho assalariado ou a si mesmo –, é um absurdo. A
repulsão recíproca dos capitais já está contida no capital como valor de troca
realizado.}
Assim,
se o capital, por um lado, faz do trabalho excedente e de sua troca por trabalho
excedente condição do trabalho necessário, e, consequentemente, faz da
posição da capacidade de trabalho centro de troca – sob esse aspecto,
portanto, já restringe e condiciona a esfera da troca –, por outro, é
igualmente essencial para o capital limitar o consumo do trabalhador ao
necessário para a reprodução de sua capacidade de trabalho – fazer do valor
expressando o trabalho necessário o limite da valorização da capacidade
de trabalho e, com isso, da capacidade de troca do trabalhador, e
procurar reduzir a um mínimo a relação entre esse trabalho necessário e o
excedente. Trata-se de um novo obstáculo da esfera da circulação, que,
entretanto, assim como o primeiro, é idêntico à tendência do capital de reagir
a cada limite à sua autovalorização como obstáculo. O aumento desmedido de seu
valor – o pôr ilimitado de valor –, portanto, é aqui absolutamente idêntico à
posição de limites da esfera da troca, ou seja, da possibilidade da valorização
– da realização do valor posto no processo de produção.
O
mesmo se dá com a força produtiva. Por um lado, a tendência necessária
do capital de elevá-la ao máximo para aumentar o tempo excedente
relativo. Por outro, diminui o tempo de trabalho necessário, logo, a
capacidade de troca dos trabalhadores. Ademais, como vimos29,
o valor excedente relativo cresce proporcionalmente muito menos que a
força produtiva, proporção essa que, na verdade, decresce tanto mais quanto
mais tenha aumentado a força produtiva. Todavia, cresce em proporção análoga
à massa dos produtos – se não o faz, novo capital seria liberado, assim
como trabalho – que não ingressaram na circulação. No entanto, há mesma
proporção que aumenta a massa dos produtos, aumenta também a dificuldade de
valorizar o tempo de trabalho nela contida – porque cresce a exigência sobre o
consumo. (Nesse ponto, trata-se tão somente de como o processo de
valorização do capital é simultaneamente seu processo de desvalorização.
Não vem ao caso aqui analisar em que medida o capital, apesar de ter a
tendência de elevar ilimitadamente as forças produtivas, também não
unilateraliza, limita etc. a principal força produtiva, o próprio ser
humano; se o capital, enfim, tem a tendência de limitar as forças
produtivas.)
O
capital, portanto, põe o tempo de trabalho necessário como limite para o
valor de troca da capacidade de trabalho viva; o tempo de trabalho excedente
como limite para o tempo de trabalho necessário; e o valor excedente
como limite para o tempo de trabalho excedente; ao passo que, ao mesmo tempo,
tende a ultrapassar todos esses limites, porquanto se põe diante da capacidade
de trabalho como trocador simples, como dinheiro, e ao tempo de trabalho
excedente como o único limite, porque criador do valor excedente. (Ou, segundo
o primeiro aspecto, o capital põe a troca dos valores excedentes como limite
para a troca dos necessários.)
No
mesmo momento, o capital põe os valores existentes em circulação – ou, o
que é a mesma coisa, a proporção entre os valores postos por ele e os valores pressupostos
nele mesmo e na circulação – como limite, limite necessário de sua criação de
valor; por outro lado, põe a sua produtividade como o único limite e a única
criadora do valor. Por conseguinte, o capital tende continuamente, por um lado,
à sua própria desvalorização e, por outro, à inibição das forças produtivas e
do trabalho que se objetiva em valores.
(A
tolice sobre a impossibilidade da superprodução (em outras palavras, a
afirmação da identidade imediata do processo de produção e do processo de
valorização do capital), como mencionado anteriormente, foi enunciada por James
Mill30, ao menos sofisticamente, i.e.,
engenhosamente, como se segue: a oferta = sua própria demanda, logo demanda e
oferta coincidem, o que nada mais significa, em outras palavras, que o valor é
determinado pelo tempo de trabalho e, portanto, que a troca nada acrescenta
ao valor, argumento que, no entanto, simplesmente esquece que a troca tem
de ocorrer e que isso depende (em última instância) do valor de uso. Por
isso, como afirma Mill, se demanda e oferta não coincidem, isso se deve ao fato
de que se produziu muito de um determinado produto (o ofertado) e pouco de
outro (o demandado). No caso, pouco ou muito não se refere ao valor de troca,
mas ao valor de uso. Há mais do produto ofertado do que se “necessita”; daí vem
a graça da coisa. Qual seja, que a superprodução deve-se ao valor de uso e,
portanto, à própria troca. Em Say, isso se converte em estupidez31:
como produtos só se trocam por produtos, o máximo que pode acontecer é ser
produzido muito de um e pouco de outro. Com isso, se esquece 1) que valores se
trocam por valores e que um produto só se troca por outro na medida em que é
valor; ou seja, na medida em que é ou devém dinheiro; 2) que se troca por
trabalho. O bravo homem se põe no ponto de vista da circulação simples,
na qual de fato não é possível nenhuma superprodução, uma vez que não se trata
do valor de troca, mas do valor de uso. A superprodução tem lugar em relação à
valorização, nada mais.)
Proudhon,
que ouve o galo cantar, mas jamais sabe onde, deriva a superprodução do fato
“de que o trabalhador não pode recomprar o seu produto”32.
Entende, por isso, que juro e lucro são acrescidos ao preço; ou que o preço do
produto é sobre-onerado acima de seu valor efetivo. O que prova rapidamente que
ele nada entende de determinação de valor, que, falando de modo geral, não pode
incluir absolutamente nada de sobrepreço. Na prática do comércio, o capitalista
A pode ludibriar o capitalista B. O que um mete no bolso a mais,
mete o outro a menos. Se adicionamos as duas partes, então a soma de sua troca
= a soma do tempo de trabalho nelas objetivado, da qual o capitalista A
simplesmente embolsa mais do que lhe corresponde em relação a B. De
todos os lucros que realiza o capital, i.e., a massa total dos
capitalistas, deduz-se 1) a parte constante do capital; 2) o salário, ou o
tempo de trabalho objetivado necessário para reproduzir a capacidade de
trabalho viva. Portanto, os capitalistas não podem dividir entre si nada além
do valor excedente. As proporções – justas ou injustas – em que dividem entre
si o valor excedente não alteram absolutamente nada na troca e na relação da
troca entre capital e trabalho.”
26 Do inglês spend.
27 Na verdade, o editor do livro
de Malthus, Principles of political economy considered with a view to their
practical application, cit., que comenta as concepções malthusianas em uma
nota de rodapé na página 405 do livro.
28 Artificial check.
Expressão de Thomas Hodgskin em seu livro Popular political economy,
cit., p. 246. A passagem correspondente de Hodgskin foi citada por Marx na p.
341.
29 Ver p. 263-70.
30 Ver p. 335, nota 4.
31 Jean-Baptiste Say, Traité
d’économie politique (3. ed., Paris, Deterville, 1817, tomo 2), p. 441 [ed.
bras.: Tratado de economia política, São Paulo, Abril Cultural, 1983].
32 Pierre-Joseph Proudhon, Qu’est-ce
que la propriété? (Paris, Prévot, 1841), p. 202 [ed.
bras.: O que é a propriedade?, São Paulo, Martins Fontes, 1988];
Frédéric Bastiat e Pierre-Joseph Proudhon, Gratuité du crédit. Discussion entre M. Fr. Bastiat et M. Proudhon. (Paris, Guillaumin, 1850), p. 207-8.
“O
próprio valor novo, portanto, é posto mais uma vez como capital, como trabalho
objetivado entrando no processo de troca com o trabalho vivo e, por isso,
dividindo-se em uma parte constante – as condições objetivas do trabalho,
material e instrumento – e as condições para a condição subjetiva do trabalho,
a existência da capacidade de trabalho viva, as coisas indispensáveis para a
vida, meios de subsistência para o trabalhador. Nessa segunda aparição do
capital em tal forma parecem ficar esclarecidos pontos que, em sua primeira
ocorrência – o dinheiro que passa de sua determinação como valor para a
determinação de capital –, eram completamente obscuros. Agora, eles são
elucidados pelo próprio processo de valorização e produção. Na primeira
ocorrência, os próprios pressupostos apareciam como algo externo,
proveniente da circulação; apareciam como pressupostos externos para a gênese
do capital; em consequência, não pareciam resultar de sua essência nem ser
explicados com base nela. Esses pressupostos externos aparecerão agora
como momentos do movimento do próprio capital, de modo que ele mesmo os
pressupôs como seus próprios momentos – qualquer que seja sua gênese histórica.
No
interior do próprio processo de produção, o valor excedente, requerido pela
coação do capital, apareceu como trabalho excedente; inclusive na forma
de trabalho vivo, que, todavia, como não pode criar algo do nada, já encontra
dadas suas condições objetivas. Esse trabalho excedente aparece agora
objetivado como produto excedente, que, para se valorizar como capital,
divide-se em forma dupla: como condição de trabalho objetiva – material
e instrumento; e como condição de trabalho subjetiva – meios de
subsistência para o trabalho vivo, que será agora posto a trabalhar. A forma
universal de valor – trabalho objetivado, e trabalho objetivado proveniente da
circulação – é naturalmente o pressuposto universal autoevidente. Ademais: o
produto excedente em sua totalidade – objetivando o trabalho excedente em sua
totalidade – aparece agora como capital excedente (comparado com o
capital original, antes de ter realizado esse circuito), i.e., valor de
troca autonomizado que se confronta com a capacidade de trabalho como seu valor
de uso específico. Todos os momentos que confrontavam a capacidade de trabalho
viva como poderes estranhos, exteriores e que, sob certas
condições dela própria independentes, a consumiam e utilizavam, são postos
agora como seu próprio produto e resultado.
Em
primeiro lugar: o valor
excedente ou produto excedente nada mais é do que uma determinada
soma de trabalho vivo objetivado – a soma do trabalho excedente. Esse valor
novo, que confronta o trabalho vivo como capital, como valor autônomo que se
troca com ele, é o produto do trabalho. Ele nada mais é do que o excesso
do trabalho sobre o trabalho necessário – em forma objetiva e, portanto,
como valor.
Em
segundo lugar: por essa razão, as
figuras particulares que esse valor tem de assumir para se valorizar de novo, i.e.,
para se pôr como capital – de um lado, como matéria-prima e instrumento; de
outro, como meios de subsistência para o trabalho durante o ato da produção –,
são também unicamente formas particulares do próprio trabalho excedente.
Matéria-prima e instrumento são produzidos pelo trabalho excedente em tais
proporções, ou melhor, o próprio trabalho excedente é objetivamente posto como
matéria-prima e instrumento na proporção que permite não só que uma determinada
soma de trabalho necessário – i.e., de trabalho vivo que reproduz os
meios de subsistência (seu valor) – possa nele se objetivar e, na verdade, se
objetivar continuamente, e, portanto, que a separação nas condições objetivas e
subjetivas de sua autoconservação e autorreprodução possa sempre recomeçar, mas
permite também que o trabalho vivo, ao cumprir esse processo de reprodução de
suas condições objetivas, tenha posto ao mesmo tempo matéria-prima e
instrumento em proporções tais que o trabalho vivo possa neles se efetivar como
trabalho excedente, como trabalho mais além do necessário, e
possa assim convertê-los em material para nova criação de valor. As
condições objetivas do trabalho excedente – que se limitam à proporção
de matéria-prima e instrumentos para além das exigências do trabalho
necessário, ao passo que as condições objetivas do trabalho necessário se
decompõem, no interior de sua objetividade, em objetivas e subjetivas, em
momentos factuais do trabalho e subjetivos (meios de subsistência do trabalho
vivo) – por isso aparecem agora, por isso são postas agora como produto,
resultado, forma objetiva, existência exterior do próprio trabalho excedente.
Inicialmente, ao contrário, aparecia como algo estranho para o próprio trabalho
– como ação de parte do capital – que instrumento e meios de subsistência
estivessem disponíveis em um volume que possibilitava ao trabalho vivo se
efetivar não só como trabalho necessário, mas também como trabalho
excedente.
Em
terceiro lugar: o
ser-para-si autônomo do valor perante a capacidade de trabalho – daí sua
existência como capital –, a indiferença objetiva autossuficiente, a estranheza
das condições objetivas do trabalho perante a capacidade de trabalho viva, que
chega ao ponto em que essas condições confrontam a pessoa do trabalhador na
pessoa do capitalista – como personificações com vontade e interesse próprios
–, essa dissociação, separação absoluta entre a propriedade, i.e.,
as condições materiais do trabalho, e a capacidade de trabalho viva, condições
materiais que se confrontam com ela como propriedade alheia, como a
realidade de outra pessoa jurídica, como território absoluto da vontade dessa
pessoa – e que, por outro lado, o trabalho aparece consequentemente como trabalho
alheio perante o valor personificado no capitalista ou perante as condições
objetivas de trabalho –, essa separação absoluta entre propriedade e trabalho,
entre a capacidade de trabalho viva e as condições de sua realização, entre
trabalho objetivado e vivo, entre o valor e a atividade criadora de valor – daí
também a estranheza do conteúdo do trabalho para o próprio trabalhador –, esse
divórcio agora aparece igualmente como produto do próprio trabalho, como
concretização, como objetivação de seus próprios momentos. Pois, pelo próprio
novo ato de produção – que só confirma a troca entre capital e trabalho vivo
que lhe antecede –, o trabalho excedente e, em consequência, o valor excedente,
o produto excedente, enfim, o resultado total do trabalho (tanto do trabalho
excedente como do necessário) foram postos como capital, como valor de troca
confrontando de maneira autônoma e indiferente a capacidade de trabalho viva,
ou confrontando-a como seu mero valor de uso. A capacidade de trabalho se
apropriou unicamente das condições subjetivas do trabalho necessário – os meios
de subsistência para a capacidade de trabalho produtora, i.e., sua
reprodução como mera capacidade de trabalho separada das condições de sua
efetivação – e pôs essas próprias condições como coisas, valores,
que a confrontam em uma personificação estranha e dominante. A capacidade de
trabalho não sai mais rica do processo, sai mais pobre do que nele entrou. Pois
não só fabricou as condições do trabalho necessário como condições pertencentes
ao capital, mas a valorização inerente a ela como possibilidade, possibilidade
de criação de valor, que agora existe igualmente como valor excedente, produto
excedente, em uma palavra, como capital, como domínio sobre a capacidade de
trabalho viva, como valor dotado de poder e vontade próprios, confrontando-a em
sua pobreza abstrata, inobjetiva, puramente subjetiva. A capacidade de trabalho
viva produziu não só a riqueza alheia e a própria pobreza, mas também a relação
entre essa riqueza, como riqueza que se relaciona consigo mesma, e ela própria,
como a pobreza de cujo consumo a riqueza extrai para si novas energias vitais e
se valoriza outra vez. Tudo isso resulta da troca, em que sua capacidade de
trabalho viva trocou-se por um quantum de trabalho objetivado, só que
agora esse trabalho objetivado – essas condições de sua existência existindo
fora dela e o estar-fora-dela autônomo dessas condições objetivas – aparece
como seu próprio produto, posto por ela mesma, tanto como sua própria
objetivação quanto como sua objetivação enquanto um poder dela própria
independente, poder que antes a domina, a domina por meio de sua própria ação.
No capital
excedente, todos os momentos são produto do trabalho alheio – trabalho
excedente alheio transformado em capital; meios de subsistência para o
trabalho necessário; as condições objetivas – material e instrumento – para que
o trabalho necessário possa reproduzir o valor trocado por ele em meios de
subsistência; por fim, o quantum necessário de material e instrumento
para que o trabalho excedente novo possa nele se efetivar ou para que novo
mais-valor possa ser criado.”
“Agora,
sob o ponto de vista do capital: considerando-se o capital excedente, o
capitalista representa o valor-para-si, dinheiro no terceiro momento, riqueza
mediante a simples apropriação de trabalho alheio, na medida em que cada
momento do capital excedente, material, instrumento e meios de subsistência, se
resolve em trabalho alheio que o capitalista apropriou não por meio da troca
por valores existentes, mas que apropriou sem troca. De fato, a troca de
uma parte dos valores pertencentes ao capitalista ou do trabalho
objetivado possuído por ele por capacidade de trabalho viva alheia aparece
como condição originária desse capital excedente. Para a formação
do capital excedente I, se assim denominamos o capital excedente, tal
como ele sai do processo de produção original, i.e., para a apropriação
de trabalho alheio, trabalho alheio objetivado, aparece como
condição a posse de valores por parte do capitalista, uma parte dos
quais ele troca formalmente pela capacidade de trabalho viva. Dizemos
“formalmente” porque o trabalho vivo também tem de lhe devolver, tem de lhe
repor os valores trocados. Todavia, de qualquer maneira aparece como
condição para a formação do capital excedente I, i.e., para a
apropriação de trabalho alheio ou dos valores em que ele se objetivou, a troca
de valores pertencentes ao capitalista, valores lançados por ele na circulação
e fornecidos à capacidade de trabalho viva – troca de valores que não
derivam de sua troca com o trabalho vivo ou de sua relação com o trabalho
como capital.
Imaginemos
agora, entretanto, o capital excedente relançado no processo de produção,
realizando novamente seu valor excedente na troca e reaparecendo no início de
um terceiro processo de produção. Esse capital excedente II tem
pressupostos distintos do capital excedente I. O pressuposto do capital
excedente I eram os valores pertencentes ao capitalista e lançados por ele na
circulação ou, de maneira mais exata, lançados na troca por capacidade de
trabalho viva. O pressuposto do capital excedente II é nada mais do que a
existência do capital excedente I; i.e., em outras palavras, o
pressuposto de que o capitalista já se apropriou de trabalho alheio sem troca.
O que o coloca em condição de sempre recomeçar o processo. Sem dúvida, para
criar o capital excedente II, o capitalista teve de trocar uma parte do valor
do capital excedente I na forma de meios de subsistência por capacidade de
trabalho viva, mas o que ele trocou nesse caso não foram valores que ele
originalmente pôs na circulação de um fundo próprio; mas trabalho objetivado
alheio de que ele se apropriou sem qualquer equivalente, e que ele agora troca
outra vez por trabalho vivo alheio, assim como lhe chegou às mãos, sem troca,
por meio da mera apropriação, o material etc. em que esse novo trabalho se
realiza e cria valor excedente. A apropriação passada de trabalho alheio
aparece agora como a condição simples para nova acumulação de trabalho alheio;
ou, em outros termos, o fato de que o trabalho alheio em forma objetiva, na
forma de valores existentes, é propriedade do capitalista aparece como condição
para que ele possa se apropriar de novo da capacidade de trabalho viva –
portanto, de trabalho excedente –, de trabalho sem equivalente. O fato de que
ele já se contrapunha ao trabalho vivo como capital aparece como única condição
para que ele não só se conserve como capital, mas, enquanto capital crescente, se
aproprie de forma crescente de trabalho alheio sem equivalente, ou para que
se estenda seu poder, sua existência como capital perante a capacidade de
trabalho viva e, por outro lado, para repor continuamente a capacidade de
trabalho viva em sua indigência subjetiva e insubstancial como capacidade de
trabalho viva. A propriedade de trabalho alheio passado ou objetivado aparece
como a única condição para a apropriação futura de trabalho alheio vivo ou
presente. Na medida em que um capital excedente I foi criado pela troca simples
entre trabalho objetivado e a capacidade de trabalho viva – uma troca
inteiramente fundada nas leis da troca de equivalentes avaliados de acordo com
a quantidade de trabalho ou tempo de trabalho neles contido –, e visto que
essa troca, expressa juridicamente, nada mais pressupunha que o direito de
propriedade de cada um de seus próprios produtos e a livre disposição sobre
eles – mas na medida em que a relação do capital excedente II com o capital
excedente I é uma consequência, portanto, dessa primeira relação –, vemos que,
por uma estranha consequência, o direito de propriedade de parte do capital
converte-se dialeticamente no direito sobre o produto alheio ou no direito de
propriedade sobre o trabalho alheio, o direito de se apropriar de trabalho
alheio sem equivalente, e de parte da capacidade de trabalho viva, na obrigação
de se relacionar com seu próprio trabalho ou seu próprio produto como propriedade
alheia. O direito de propriedade converte-se, de um lado, no direito de se
apropriar de trabalho alheio e, de outro, na obrigação de respeitar o produto
do próprio trabalho e inclusive o próprio trabalho como valores pertencentes a
outros. No entanto, a troca de equivalentes, que aparecia como a operação
original e era expressa juridicamente pelo direito de propriedade, mudou de tal
maneira que, de um lado, a troca é só aparente, uma vez que a parte do capital
trocada por capacidade de trabalho viva é, em primeiro lugar, ela própria trabalho
alheio apropriado sem equivalente, e, em segundo, tem de ser reposta com
um excedente pela capacidade de trabalho viva, ou seja, não é de fato
cedida, mas somente convertida de uma forma à outra. A relação da troca, por
conseguinte, é totalmente cancelada, ou é pura aparência. Além disso, o
direito de propriedade aparecia originalmente fundado no próprio trabalho.
Agora, a propriedade aparece como direito sobre trabalho alheio e como
impossibilidade do trabalhador de se apropriar do próprio produto. A separação
completa entre propriedade e trabalho, e, mais ainda, entre riqueza e trabalho,
aparece agora como consequência da lei que partiu de sua identidade.
Por
fim, o que aparece como resultado do processo de produção e de valorização é,
sobretudo, a reprodução e nova produção da própria relação entre capital e
trabalho, entre capitalista e trabalhador. Essa relação
social, relação de produção, aparece de fato como um resultado do processo mais
importante ainda do que seus resultados materiais. Em termos mais precisos, no
interior desse processo o trabalhador produz a si mesmo como capacidade de
trabalho e o capital a ele contraposto, do mesmo modo que, por outro lado, o
capitalista se produz como capital e produz a capacidade de trabalho viva a ele
contraposta. Cada um reproduz a si mesmo ao reproduzir o seu outro, a sua
negação. O capitalista produz o trabalho como trabalho alheio; o trabalho
produz o produto como produto alheio. O capitalista produz o trabalhador, e o
trabalhador, o capitalista etc.
Uma
vez pressuposta a produção baseada no capital – o dinheiro só se transformou
propriamente em capital no fim do primeiro processo de produção, que
resultou em sua reprodução e na nova produção do capital excedente I; mas o
próprio capital excedente I só é posto, só se realiza como capital
excedente, tão logo tenha produzido o capital excedente II, portanto, tão logo
tenham desaparecido os pressupostos do dinheiro transformando-se em capital,
que ainda estão situados fora do movimento do capital efetivo, e o
capital, por isso, tenha posto de fato as próprias condições, imanentes à sua
essência, das quais ele parte na produção – a condição segundo a qual o
capitalista, para se pôr como capital, tem de trazer para a circulação valores
criados pelo trabalho próprio ou de alguma outra maneira – menos os valores
criados por trabalho assalariado passado, já existente – pertence às condições
antediluvianas do capital; pertence a seus pressupostos históricos, que,
justamente nesta qualidade de pressupostos históricos, são passados e,
por isso, fazem parte da história de sua formação, mas de maneira
nenhuma da sua história contemporânea, i.e., não fazem parte do
sistema efetivo do modo de produção dominado por ele. A fuga dos servos para as
cidades, p. ex., se é uma das condições e dos pressupostos históricos do
sistema urbano, não é uma condição, não é um momento da efetividade do
sistema urbano desenvolvido, mas pertence aos seus pressupostos passados,
aos pressupostos do seu devir que são abolidos em sua existência. As condições
e os pressupostos do devir, da gênese do capital, supõem
precisamente que ele ainda não é, mas só devém; logo, desaparecem com o
capital efetivo, com o próprio capital que, partindo de sua efetividade, põe as
condições de sua efetivação. Assim, p. ex., se no devir originário do dinheiro
ou do valor por si em capital é pressuposta uma acumulação por parte do
capitalista – seja por meio da economia de produtos ou valores criados com seu
próprio trabalho etc. – que ele realizou como não capitalista – se, por
conseguinte, os pressupostos do devir do dinheiro em capital aparecem como pressupostos
externos dados para a gênese do capital –, da mesma forma o capital enquanto
tal, tão logo é posto, cria seus próprios pressupostos, a saber, a propriedade
das condições reais para a criação de valores novos sem troca – mediante
seu próprio processo de produção. Esses pressupostos, que originalmente
apareciam como condições de seu devir – e, consequentemente, ainda não podiam
nascer de sua ação como capital –, aparecem agora como resultado de sua
própria efetivação, de sua efetividade, como condições postas por ele – não
como condições de sua gênese, mas como resultados de sua existência. Para
devir, o capital não parte mais de pressupostos, mas ele próprio é pressuposto,
e, partindo de si mesmo, cria os pressupostos de sua própria conservação e
crescimento. Por isso, as condições que precediam a criação do capital
excedente I, ou que expressam o devir do capital, não pertencem à esfera do
modo de produção ao qual o capital serve de pressuposto; situam-se por detrás
dele como etapas históricas preparatórias de seu devir, da mesma maneira que os
processos pelos quais passou a Terra, de um mar líquido de fogo e vapor à sua
forma atual, situam-se além de sua vida como Terra já acabada. I.e., os
capitais singulares podem continuar surgindo, p. ex., por entesouramento. Mas o
tesouro só é transformado em capital por meio da exploração do trabalho.
Os economistas burgueses, que consideram o capital como uma forma de produção
eterna e natural (não histórica), tentam então justificá-lo novamente
expressando as condições de seu devir como as condições de sua efetivação
atual, i.e., expressando os momentos em que o capitalista ainda se
apropria como não capitalista – porque ele só está devindo capitalista – como
as verdadeiras condições em que apropria como capitalista. Essas
tentativas da apologética demonstram má consciência e a incapacidade de
harmonizar o modo de apropriação do capital como capital com as leis de
propriedade gerais proclamadas pela própria sociedade capitalista. Por
outro lado, o que é muito mais importante para nós, o nosso método indica os
pontos onde a análise histórica tem de ser introduzida, ou onde a economia
burguesa, como simples figura histórica do processo de produção, aponta para
além de si mesma, para modos de produção anteriores. Por essa razão, para
desenvolver as leis da economia burguesa não é necessário escrever a história
efetiva das relações de produção. Mas a sua correta observação e dedução,
como relações elas próprias que devieram históricas, levam sempre a primeiras
equações – como os números empíricos, p. ex., nas ciências naturais – que
apontam para um passado situado detrás desse sistema. Tais indicações,
juntamente com a correta apreensão do presente, fornecem igualmente a chave
para a compreensão do passado – um trabalho à parte, que esperamos também poder
abordar. Por outro lado, esse exame correto também leva a pontos nos quais se
delineia a superação da presente configuração das relações de produção – e,
assim, o movimento nascente, a prefiguração do futuro. Se as fases
pré-burguesas aparecem como simplesmente históricas, i.e., como
pressupostos superados, de maneira que as condições atuais da produção aparecem
abolindo a si mesmas e pondo-se, consequentemente, como pressupostos
históricos para um novo estado de sociedade.
Se
examinarmos de início a relação que deveio, o valor que deveio capital, e o
trabalho vivo como simples valor de uso contraposto ao capital, de modo que o
trabalho vivo aparece como simples meio para valorizar o trabalho objetivado,
morto, para impregná-lo de uma alma vivificante e perder no trabalho morto sua
própria alma – e como resultado de ter criado, de um lado, a riqueza como
riqueza alheia, mas como riqueza própria só a indigência da capacidade de
trabalho viva –, a coisa se apresenta simplesmente de modo que no e por meio do
próprio processo as condições objetivas do trabalho vivo (a saber, o material
em que se valoriza, o instrumento com o qual se valoriza e os meios de
subsistência com os quais se aviva a chama da capacidade de trabalho viva para
o trabalho e a protege da extinção, agregando as substâncias necessárias ao seu
processo vital) são postas como existências autônomas, estranhas – ou como modo
de existência de uma pessoa estranha, como valores em si perante a
capacidade de trabalho viva (que também se apresenta de maneira isolada,
subjetiva em relação a eles), como valores que existem e se conservam por si
mesmos e, por conseguinte, valores que constituem riqueza estranha à capacidade
de trabalho, a riqueza do capitalista. As condições objetivas do trabalho vivo
aparecem como valores separados, autonomizados em relação à
capacidade de trabalho viva como existência subjetiva, que, diante delas, aparece
consequentemente só como valor de outro tipo (diferente delas não como
valor, mas como valor de uso). Uma vez pressuposta essa separação, o processo
de produção só pode produzi-la de novo, reproduzi-la, e reproduzi-la em escala
ampliada. Como o faz, já vimos. As condições objetivas da capacidade de
trabalho viva são pressupostas como existência autônoma frente a ela, como a
objetividade de um sujeito distinto e autonomamente contraposto a ela; a
reprodução e a valorização, i.e., a ampliação dessas condições
objetivas, são ao mesmo tempo, por essa razão, a sua reprodução e nova
produção como a riqueza de um sujeito estranho, indiferente e autonomamente
contraposto à capacidade de trabalho. O que é reproduzido e produzido de novo
não é somente a existência dessas condições objetivas do trabalho vivo,
mas sua existência como valores autônomos, i.e., pertencentes a um sujeito
estranho, ante essa capacidade de trabalho viva. As condições objetivas do
trabalho ganham existência subjetiva diante da capacidade de trabalho viva – do
capital surge o capitalista; por outro lado, a existência simplesmente
subjetiva da capacidade de trabalho ante suas próprias condições confere-lhe
uma forma meramente objetiva e indiferente em relação a elas – a capacidade de
trabalho é só um valor de valor de uso particular ao lado das
próprias condições de sua valorização como valores de outro valor de
uso. Por essa razão, em lugar de tais condições serem realizadas no processo de
produção como condições de efetivação da capacidade de trabalho, esta última,
pelo contrário, sai do processo como simples condição para a valorização e
conservação das condições objetivas como valores por si ante a capacidade de
trabalho. O material que ela trabalha é material estranho; da mesma
maneira, o instrumento é instrumento estranho; seu trabalho aparece
somente como acessório das condições objetivas, que aparecem como a substância,
e, por isso, objetiva-se em algo que não lhe pertence. Na verdade, o
próprio trabalho vivo aparece como estranho perante a capacidade de
trabalho, da qual ele é trabalho, da qual ele é a manifestação vital peculiar,
porque o trabalho vivo é cedido ao capital em troca de trabalho objetivado, em
troca do produto do próprio trabalho. A capacidade de trabalho comporta-se, em
relação ao trabalho vivo, como algo estranho, e se o capital quisesse pagar a
ela sem a fazer trabalhar, aceitaria o negócio com prazer. Por
conseguinte, o seu próprio trabalho lhe é tão estranho – e o é também no que
diz respeito à sua orientação etc. – quanto o material e o instrumento. Por
essa razão, o produto também se apresenta à capacidade de trabalho como uma
combinação de material alheio, instrumento alheio e trabalho alheio – como propriedade
alheia –, e, após a produção, ela fica unicamente mais pobre da energia
vital despendida, mas, de resto, recomeça a lide como capacidade de trabalho
simplesmente subjetiva, existente separada de suas condições vitais. Reconhecer
os produtos como seus próprios produtos e julgar a separação das condições de sua
efetivação como algo impróprio e imposto à força – isto é uma consciência
formidável, produto ela própria do modo de produção fundado no capital, e o
dobre de finados desse modo de produção, da mesma maneira que, com a
consciência do escravo de que ele não pode ser a propriedade de um terceiro,
com a sua consciência como pessoa, a escravidão só pode continuar vegetando em
uma existência artificial e deixou de poder continuar como base da produção.”
“Para
expressar as relações em que entram capital e trabalho assalariado como relações
de propriedade ou leis, nada mais temos a fazer que expressar o
comportamento dos dois lados no processo de valorização como processo
de apropriação. P. ex., que o fato de o trabalho excedente ser posto como
valor excedente do capital significa que o trabalhador não se apropria do
produto de seu próprio trabalho; que o produto aparece para ele como propriedade
alheia; e, inversamente, que o trabalho alheio aparece como propriedade
do capital. Essa segunda lei da propriedade burguesa na qual se converte a
primeira – e que adquire, por meio do direito de herança etc., uma existência
independente da contingência do caráter transitório dos capitalistas singulares
– é erigida como lei da mesma forma que a primeira. A primeira é a identidade
do trabalho com a propriedade; a segunda, o trabalho como propriedade negada,
ou a propriedade como negação do caráter alheio do trabalho alheio. Na
realidade, no processo de produção do capital, como se evidenciará ainda mais
em seu desenvolvimento posterior, o trabalho é uma totalidade – uma combinação
de trabalhos – cujos componentes singulares são estranhos entre si, de modo que
o trabalho total como totalidade não é a obra do trabalhador singular,
sendo obra dos diversos trabalhadores em conjunto exclusivamente se eles são
combinados, e não porque em seu comportamento recíproco eles combinam seus
trabalhos. Em sua combinação, esse trabalho aparece servindo a uma vontade e
inteligência estranhas, e dirigido por tal inteligência – tendo sua unidade
anímica fora de si, assim como sua unidade material subordinada à unidade
objetiva da maquinaria, do capital fixo, que, monstro animado,
objetiva o pensamento científico e é, de fato, sua síntese, e de maneira
nenhuma se comporta como instrumento em relação ao trabalhador singular,
trabalhador que antes existe nele como pontualidade singular animada, como
acessório singular vivo. O trabalho combinado, desse modo, é combinação em
si em duplo sentido; não é combinação como relação mútua dos indivíduos
trabalhando em conjunto nem como seu controle, seja sobre sua função particular
ou isolada, seja sobre o instrumento de trabalho. Por essa razão, se o
trabalhador se relaciona com o produto de seu trabalho como um produto alheio,
ele também se relaciona com o trabalho combinado como um trabalho alheio, bem
como com o seu próprio trabalho, uma manifestação vital que certamente faz
parte dele, como alheio, imposto, razão pela qual é concebido por A. Smith48 etc. como fardo,
sacrifício etc. O próprio trabalho, assim como seu produto, é negado
como o trabalho do trabalhador particular, singularizado. Na verdade, o
trabalho singularizado negado é de fato o trabalho posto como trabalho coletivo
ou combinado. Todavia, colocado desta maneira, coletivo ou combinado, o
trabalho – seja como atividade, seja convertido na forma imóvel do objeto – é
posto simultânea e imediatamente como algo distinto do trabalho singular
efetivamente existente – como objetividade alheia (propriedade alheia),
bem como subjetividade alheia (a subjetividade do capital). Por
conseguinte, o capital representa tanto o trabalho quanto seu produto como
trabalho singularizado negado e, em consequência, como propriedade negada do
trabalhador singularizado. Por isso, o capital é a existência do trabalho
social – sua combinação como sujeito e como objeto –, mas essa própria
existência existindo de maneira autônoma em relação aos seus momentos efetivos
– ou seja, ele próprio como existência particular ao lado do trabalho
social. Por seu lado, o capital aparece consequentemente como o sujeito
dominante e proprietário do trabalho alheio, e sua própria relação é uma
relação de uma contradição tão completa quanto a da relação do trabalho
assalariado.”
48 Adam Smith, An inquiry into the nature and causes of
the wealth of nations (6 v. [corr. 1-4], Londres, C. Knight, 1835-9), v. 1 (1835),
p. 104-5 [ed. bras.: Uma investigação sobre a natureza e as causas da
riqueza das nações, São Paulo, Hemus, 2008].
“A
antiga visão, em que o ser humano aparece sempre como a finalidade da produção,
por estreita que seja sua determinação nacional, religiosa ou política, mostra
ser bem superior ao mundo moderno, em que a produção aparece como finalidade do
ser humano e a riqueza, como finalidade da produção. De fato, porém, se
despojada da estreita forma burguesa, o que é a riqueza senão a universalidade
das necessidades, capacidades, fruições, forças produtivas etc. dos indivíduos,
gerada pela troca universal? O que é senão o pleno desenvolvimento do domínio
humano sobre as forças naturais, sobre as forças da assim chamada natureza, bem
como sobre as forças de sua própria natureza? O que é senão a elaboração
absoluta de seus talentos criativos, sem qualquer outro pressuposto além do
desenvolvimento histórico precedente, que faz dessa totalidade do
desenvolvimento um fim em si mesmo, i.e., do desenvolvimento de todas as
forças humanas enquanto tais, sem que sejam medidas por um padrão predeterminado?
O que é senão um desenvolvimento em que o ser humano não se reproduz em uma
determinabilidade, mas produz sua totalidade? Em que não procura permanecer
como alguma coisa que deveio, mas é no movimento absoluto do devir? Na economia
burguesa – e na época de produção que lhe corresponde –, essa exteriorização
total do conteúdo humano aparece como completo esvaziamento; essa objetivação
universal, como estranhamento total, e a desintegração de todas as finalidades
unilaterais determinadas, como sacrifício do fim em si mesmo a um fim
totalmente exterior. Por essa razão, o pueril mundo antigo, por um lado,
aparece como o mais elevado. Por outro, ele o é em tudo em que se busca a
forma, a figura acabada e a limitação dada. O mundo antigo representa a
satisfação de um ponto de vista tacanho; ao passo que o moderno causa
insatisfação, ou, quando se mostra satisfeito consigo mesmo, é vulgar.”
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