Editora: Global
Tradução: Elisabete A. Pereira dos Santos
Opinião: ★★☆☆☆
Páginas: 96
Alain Badiou – O recomeço do materialismo dialético
“Ao nível das instâncias somente existe a estrutura articulada com uma dominante. Acreditar
que uma instância do todo determina a
conjuntura é confundir fatalmente a determinação (lei de deslocamento da
dominante) com a dominação (função hierarquizante das eficácias em um tipo
conjuntural dado).
Esta é em suma a origem de todos os desvios
ideológicos do marxismo e em especial do mais temível de todos, o economicismo.
O economicismo alega que a economia é sempre dominante, que tudo é “econômico”.
Na verdade está certo que uma instância econômica figura sempre no todo
articulado, mas ela pode ou não ser dominante: depende da conjuntura. A
instância econômica não tem nenhum privilégio de direito.”
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Louis Althusser – Materialismo histórico e materialismo dialético
“A teoria da história, teoria dos diferentes
modos de produção é, por seu próprio direito, a ciência da “totalidade
orgânica” (Marx) ou a estrutura que constitui toda formação social dependente de um modo de produção
determinado. Sendo assim, cada estrutura social compreende, como o explicou
Marx, o conjunto articulado de seus diferentes “níveis” ou “instâncias”: a
infraestrutura econômica, a superestrutura jurídico-política e a superestrutura
ideológica. A teoria da história ou materialismo histórico é a teoria da
natureza específica desta “totalidade orgânica” ou estrutura, e portanto do
conjunto de seus “níveis” e do tipo de articulação e de determinação que os une
uns aos outros. É a teoria que fundamenta por sua vez a dependência dessa
estrutura com relação ao nível econômico, determinante “em última instância, e
o grau de “autonomia relativa” de cada um dos “níveis”. Na medida em que estes
“níveis” possuem tal “autonomia relativa”, podem ser considerados cada um como
“um todo parcial”, uma estrutura “regional” e ser objeto de um tratamento
científico relativamente independente.
É por isto que se pode legitimamente estudar
separadamente em um modo de produção dado, – levando em conta esta “autonomia
relativa – seu “nível econômico”, seu “nível político”, ou outra de suas
formações ideológicas, filosóficas, estéticas, científicas. Esta precisão é de
grande importância, pois é sobre ela que se estabelece a possibilidade de uma
teoria da história (relativamente autônoma e com um grau de autonomia variável,
conforme o caso) dos “níveis” ou das realidades respectivas: por exemplo uma
teoria da história da política, da filosofia, da arte, das ciências, etc.
“O materialismo dialético é uma disciplina
teórica distinta do materialismo histórico. A distinção entre estas duas
disciplinas repousa na distinção que existe entre seus objetos.
O objeto do materialismo histórico está
constituído pelos modos de produção, sua organização, seu funcionamento e suas
transformações.
O objeto do materialismo dialético está
constituído pelo que Engels chama “a
história do pensamento”, ou o que Lenin denomina “a história da passagem da ignorância ao conhecimento”. Podemos ser
mais precisos e designar este objeto como a
história da produção de conhecimentos enquanto conhecimentos, definição que
abrange e resume outras possíveis definições: a diferença histórica entre
ciência e ideologia, a teoria da história da cientificidade, etc.
Todos estes problemas ocupam em geral o campo chamado na filosofia clássica,
“Teoria do conhecimento”. Essa nova teoria não pode ser mais o que era na
teoria clássica do conhecimento, ou seja uma teoria das condições formais
intemporais do conhecimento, do cógito (Descartes,
Husserl), das formas “a priori” do espírito humano (Kant),
nem uma teoria do saber absoluto (Hegel).
A nova teoria só pode ser uma teoria da história da produção dos conhecimentos,
isto é, uma teoria das condições reais
(materiais e sociais de um lado, e condições internas à prática científica, de
outro) do processo desta produção.”
“Assim, não deixa de interessar o oferecer de
algumas indicações sobre a distinção e o conteúdo da teoria e do método.
No materialismo dialético pode-se
esquematicamente considerar que é o materialismo
o que representa o aspecto da teoria,
enquanto que a dialética representa o
aspecto do método, mas isto sem
deixar de ter bem presente que cada um de ambos os termos nos remete ao outro,
ao qual inclui.
O materialismo
expressa os princípios das condições da prática que produz o conhecimento. Seus
dois princípios fundamentais são:
1. A primazia do real sobre seu conhecimento,
ou primazia do ser sobre seu pensamento.
2. A distinção entre o real (o ser) e seu
conhecimento. Esta distinção de realidade
é correlativa de uma correspondência
de conhecimento entre o conhecimento e seu objeto.”
“(...) Estas (respostas) foram expostas com
muita clareza por Engels no Anti-Duhring e sobretudo em
certas passagens dos manuscritos da Dialética
da Natureza, e também por Lenin em Materialismo
e Empirocriticismo. Consideram que a filosofia desempenhou sempre um papel
importante e às vezes decisivo na constituição e no desenvolvimento do
conhecimento, desde suas formas meramente ideológicas até suas formas
científicas. A filosofia marxista não faz mais do que assumir esse papel por
sua própria conta, mas com meios que eram, em sua própria origem, totalmente
distintos, muito mais puros e fecundos.
Sabemos que o conhecimento, que em seu
sentido mais geral é o conhecimento científico, não nasce nem se desenvolve em
um compartimento fechado, protegido por não se sabe qual milagre de todas as
influências do meio ambiente. Entre essas influências estão as sociais e
políticas que podem intervir diretamente na vida das ciências, comprometer
gravemente o curso de seu desenvolvimento e até ameaçar sua existência. Mas
existem influências menos visíveis, igualmente perniciosas e inclusive mais
perigosas, pois passam desapercebidas: são as influências ideológicas.
Marx pôde criar a ciência da história porque
rompeu, ao término de um vigoroso trabalho de crítica, com as ideologias da
história existentes. E sabemos também pela luta de Engels contra Dühring e de Lenin contra os discípulos de Mach que, depois de fundada por Marx
a ciência da história, não pode escapar ao assédio das ideologias, de suas
influências e agressões. De fato todas as ciências, tanto as sociais quanto as
naturais, estão constantemente submetidas ao assédio das ideologias existentes,
especialmente dessa ideologia aparentemente não ideológica na qual o sábio
reflete “espontaneamente” na sua própria prática: a ideologia empirista ou
positivista.
Como dizia Engels, todo sábio, queira ou não,
pratica inevitavelmente uma filosofia da ciência e, portanto, não pode
prescindir da filosofia.
Todo problema consiste então em saber que filosofia deve ter por companheira:
uma ideologia que deforme sua própria prática científica, ou uma filosofia
rigorosa que a explique e a compreenda? Uma ideologia que o escravize por seus
erros e ilusões ou, pelo contrário, uma filosofia que lhe abra os olhos,
liberte-o dos mitos e lhe permita dominar realmente sua prática teórica e seus
efeitos? A resposta não deixa lugar a dúvidas.”
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“Ninguém vai negar que a política está cheia
de mitos (mas seria a ciência imune a
eles?). Ninguém vai negar que os mitos
podem estar presentes no movimento operário e nas próprias concepções dos
marxistas. Mas o marxismo só é marxismo a partir do momento em que se esforça
para uma constante superação crítica desses momentos ideológicos que estão presentes em sua concepção e que não regem a
experiência e a práxis. O marxismo, seu método, a concepção de mundo que ele
permite construir, agora não mais como concepção especulativa – deduzida de
forma puramente conceitual – mas sim como uma construção contínua na práxis, no confronto crítico dos dados
da experiência que permite particularizar e superar suas contradições, para se
passar da aparência do fenômeno à sua
essência; o marxismo, nesta sua
construção da relação homem-sociedade-natureza, é precisamente o esforço para
fundamentar de maneira científica a política, libertando-a da ideologia
(através da análise da estrutura de classes da sociedade, da relação
Estado-sociedade, partidos e sociedade, ideologias e sociedade). A mim me
parece que o que se perde em Althusser é justamente a noção revolucionária da
práxis: da práxis que é revolucionária, transformadora, na medida em que seja
cientificamente válida e capaz de provar sua própria validade em sua própria
capacidade transformadora.” (Luciano Gruppi)
“Quando a concepção materialista e dialética
não resulta da experiência da luta de classes, da contradição a partir da qual
esta se desenvolve, da experiência da relação entre classes e cultura, ela só
poderá ser inferida de uma forma transcendental, especulativa, idealista. Uma
fundamentação não metafísica da teoria só é possível quanto a teoria se
apresenta como experiência histórica que se torna, de forma crítica, consciente
de si mesma.” (Luciano Gruppi)
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