quarta-feira, 14 de agosto de 2019

Pequeno manual do materialismo dialético (Parte II) – V. Podossetnik e O. Yakhot

Editora: Argumentos
Tradução: Daniel Campos
Opinião: ★★★☆☆
Páginas: 122 

Lei da Unidade e Luta dos Contrários
(...) Voltemos nossa atenção para a prática habitual, quotidiana. Em que sentido usamos a palavra “contrário”? O Polo Norte é o contrário do Polo Sul da Terra, o lado direito e o lado esquerdo de uma estrada são contrários, etc. Quando comparamos as coisas e vemos que as suas propriedades não são as mesmas, que podemos contrastá-las uma com a outra, dizemos que tais sujeitos ou fenômenos são contrários uns aos outros: por exemplo, pessoas boas e pessoas más. Por que colocamos semelhantes fenômenos, acontecimentos, em oposição uns aos outros? Porque um deles exclui o outro. É como se o bom fosse colocado à parte, separado, excluído do mau, o norte do sul, a esquerda da direita. Como se vê, os contrários são fenômenos ou seus aspetos que se excluem um ao outro.
Por outro lado, se o bem estivesse sempre situação tão longe do mal que nada houvesse de comum entre eles, não haveria, então, qualquer atrito, colisão hostil, inimizade, desordem, entre esses contrários. Em outras palavras: não haveria contradição entre eles. Realmente; quando surgem contradições entre pessoas de caráter ou ideias diferentes? As contradições só ocorrem quando as pessoas se encontram ou, de algum modo, se chocam uma com a outra. É precisamente dessa maneira que os contrários atuam uns sobre os outros.
Assim, quando se estuda o assunto seriamente, não é difícil compreender que os contrários existem na vida e são inseparáveis um do outro. Somente podem ser notados em suas interconexões. É este o caso com o mais e o menos na matemática, a ação e a reação na mecânica, que coexistem e atuam ambas uma sobre a outra: o barco nos empurra com a mesma força com que o empurramos. Não há ação sem a reação contrário.
Sempre surgem relações específicas entre os contrários em conexão entre si. É por isso que ocorrem entre eles o “atrito”, as “colisões”, a “discórdia”. Sempre que há contrários em colisão, sempre que alguma espécie de relação os ligue, surgirão fatalmente contradições. Assim, contradição é a relação entre contrários. Os contrários se apresentam como os dois lados da contradição.
Se as coisas e os fenômenos não se modificassem, se continuassem os mesmos para todo o sempre, então não haveria contrários, não haveria aspetos que se excluem reciprocamente. Já mostramos, porém, que as coisas e os fenômenos estão em constante movimento, mudança e desenvolvimento. É por isso que há sempre aspetos diferentes. Algo envelhece e morre, algo nasce e se desenvolve. Em outras palavras: sempre ocorrem fenômenos contrários ou forças contrárias, portanto há sempre contradições, enquanto o mundo se desenvolve.
Em que relação entre si nós os encontramos?
Pelo que acima foi dito, pode-se ver que os contrários se encontram em relação recíproca. Essa relação é tão estreita, tão inseparável, que, sem ela, os contrários não podem existir. Essa relação é que chamamos de unidade dos contrários. Os metafísicos negam essa unidade. Acham que os contrários têm existência própria. Isto não é verdade, porém. (...)
Outro exemplo. Como se sabe, a vida humana ou animal consiste de dois processos contraditórios: algumas células se formam, outras são destruídas e morrem. Imaginemos, porém, que um homem ache que, para prolongar a vida, é necessário suspender o processo da destruição das células e manter apenas o processo da renovação, da criação de novas células. As células, então, seriam apenas renovadas e jamais morreriam. Um homem que raciocinasse desse modo cometeria um erro grosseiro: o fato é que a própria vida consiste de dois processos contraditórios e separá-los um do outro é simplesmente impossível.
Eliminar um dos contrários é eliminar o outro e isso significa eliminar a própria vida. O processo da vida é uma unidade e, ao mesmo tempo, um processo contraditório.
Os metafísicos contemporâneos raciocinam mais ou menos da seguinte maneira: há “bons” e “maus” aspetos na sociedade capitalista; para que o capitalismo se livre de todos os seus “males” devem ser estimulados os “bons” aspetos e eliminados os “maus”. Assim, afirmam eles, será construída uma sociedade de “bem-estar universal”.
Este raciocínio é semelhante ao desejo de que houvesse apenas o processo de nascimento e crescimento de novas células no organismo humano e que fosse detida a morte das velhas células. Da mesma maneira que se dá no organismo, é impossível alcançar-se tal coisa na sociedade burguesa.
Os contrários não existem, aqui, lado a lado, mas formando uma unidade, entrelaçados e constituindo juntos o que se chama a sociedade burguesa. Por isso, é impossível “eliminar” um de seus aspetos, deixando o outro. E isto é compreensível: para se eliminar os “maus aspetos” do capitalismo, seria necessário eliminar o próprio capitalismo. Não há outra alternativa.
Assim, a unidade dos contrários consiste no fato de estarem eles inesperadamente ligados e constituírem os dois um único processo contraditório. Os contrários são interdependentes, isto é, um só existe porque o outro existe.
O atrito de tendências contraditórias é chamado de “luta” e, como cada coisa, cada processo, consiste de tais processos contraditórios, é fácil ver que colisão ou luta se trava entre eles. Que a provoca?
A luta entre contrários é provocada pelo fato de estarem eles ao mesmo tempo ligados um ao outro, isto é, encontram-se no estado de unidade e, ao mesmo tempo, se repelem e se excluem mutuamente. Em consequência, é inevitável o atrito, a colisão, a luta. Assim, sempre que houver contrários em um estado de unidade, há luta entre eles. Por luta dos contrários deve se entender o fato de que o “objetivo” de cada um deles é conseguir expressão preponderante, dominante, em um dado fenômeno.
Vemos que a unidade e a luta dos opostos existem realmente. O que desempenha, então, o papel decisivo no desenvolvimento?
O papel é desempenhado não pela unidade, mas pela luta dos contrários, que não cessa sequer por um momento e expressa o sentido real da inter-relação dos contrários. Uma vez que estes se excluem, encontram-se um estado de luta. É por isso que, ao passo que a unidade dos contrários é relativa, temporária, transitória, sua luta, como ensina Lenine, é absoluta como o é o desenvolvimento ou o movimento. Isto quer dizer que a luta dos contrários é a fonte do movimento, do desenvolvimento. Vejamos alguns exemplos para compreendermos tal coisa.
A nova qualidade, como vimos, surge como resultado da gradual acumulação de mudanças quantitativas. Mas o que causa esse processo? Quando, por exemplo, a água é aquecida, a velocidade do movimento das moléculas aumenta. Enfraquece-se, pouco a pouco, a força de atração das moléculas, graças à qual a água permanece no estado líquido. À temperatura da ebulição, essa força enfraquece tanto, que não pode reter as moléculas, e a água começa a se transformar, rapidamente, em vapor. Tudo isso acontece como resultado da luta de duas forças opostas: por um lado, a força de atração das moléculas, por outro lado a força de repulsão entre elas, e as moléculas começam a se separar. A luta entre essas forças dura até que seja resolvida a contradição entre elas: o salto põe fim à unidade dos contrários em questão. Surge, então, um novo estado qualitativo, com novas contradições: a água se converte em vapor. O resultado é que a resolução da contradição conduz a uma nova qualidade, a um novo desenvolvimento, movimento e mudança.
A mesma coisa ocorre na sociedade. Quando as contradições, corroendo o sistema capitalista, provocam uma revolução socialista, isto quer dizer que chegou a hora de sua resolução. Como resultado da luta dos contrários, da resolução das contradições, a sociedade se eleva a um nível superior: a velha sociedade, burguesa é substituída pela nova sociedade, socialista. Como vemos, a luta dos contrários e sua solução atuam como a fonte do desenvolvimento social.
Desse modo, em sua essência, a lei da unidade e da luta dos contrários consiste no fato de que os aspetos contraditórios internos inerentes a todas as coisas e processos se acham em um estado de unidade inseparável e, ao mesmo tempo, em uma luta incessante. É precisamente essa luta dos contrários que constitui a fonte interna, a força motriz do desenvolvimento, Lenine chamou essa lei a essência, o núcleo da dialética.”


Lei da Negação da Negação
Todos nós sabemos que, no mundo que nos cerca, estamos enfrentando constantemente fenômenos naturais, como o envelhecimento, a destruição e a morte. Todos os fenômenos naturais têm sua própria origem, isto é, aparecem, crescem, adquirem força e, em seguida, envelhecem, tornam-se obsoletos e morrem.
É evidente que a essência da negação consiste no fato de que surge no mundo um processo constante de renovação, a negação, a morte dos velhos fenômenos e o aparecimento de novos. Consequentemente, a negação implica o desenvolvimento de fenômenos, sua passagem para uma fase nova, superior.
Para compreendermos tal coisa, devemos nos lembrar que o processo de negação, a morte do fenômeno moribundo, apresenta-se sob várias formas. Por exemplo: qualquer máquina se desgasta e depois se quebra. Isto é um exemplo da negação aplicada a seu lugar comum, no sentido quotidiano, do qual falamos acima.
Se uma máquina é simplesmente destruída e eliminada, tal ato de negação não oferece quaisquer condições para novo desenvolvimento. Semelhantes negações têm de ser encontradas na vida. Em determinadas condições, contudo, a linha básica do desenvolvimento histórico é a criação.
Novos fenômenos, que ocorrem na natureza e na sociedade, também seguem seu caminho natural. No decorrer do tempo, eles envelhecem, cedem lugar a fenômenos e forças mais novos. E se antes, sendo novos, eles deslocaram os mais velhos, agora eles próprios, tendo envelhecido, são deslocados por forças mais novas, mais jovens. É isto a negação da negação. E, como há no mundo uma quantidade infindável de fenômenos, o processo de negação prossegue ininterruptamente, infindavelmente, isto é, o processo de negação do velho e criação do novo se faz continuamente.
A que conduz ele? Vejamos um exemplo. O crescimento das plantações abrange uma série de períodos sucessivos: a semeadura, o crescimento e amadurecimento das plantas, dos frutos, sua colheita. No decorrer do crescimento, as sementes que se encontram no solo cessam sua existência, deixam de ser sementes. Sofrem a negação. Novas plantas crescem delas. Essas plantas vicejam, florescem, são fecundadas e, afinal, dão frutos, sementes. Todo o processo de crescimento da planta é uma negação da negação.
É verdade que chegamos ao ponto de onde tínhamos começado, mas essa repetição tem uma base nova, mais elevada. Seria, evidentemente, inútil cultivar o solo se, ao fazer as colheitas, os homens se vissem diante do resultado quantitativo original. O ato inicial (semeadura) e o final (colheita), em nosso exemplo, constituem duas fases qualitativamente diferentes do desenvolvimento: a fase inferior e a superior. Em consequência, esse desenvolvimento não ocorre no mesmo nível, mas progride do inferior para o superior.
Assim, a essência da lei da negação da negação consiste no fato de que, no processo de desenvolvimento, cada fase superior nega ou elimina a anterior, ao mesmo tempo que a eleva a um novo nível e conserva em seu desenvolvimento tudo que é positivo.
Da mesma maneira que a negação da negação dialética pressupõe, elimina ou nega o velho, assim também ela pressupõe a preservação, mas a preservação de tudo de positivo que havia no velho fenômeno. Sem isso, não haveria desenvolvimento. A negação dialética atua como uma conexão com a fase precedente de desenvolvimento, como sua conclusão. Exprime a sequência do desenvolvimento. A significação da negação dialética reside precisamente no fato de ultrapassar a fase anterior do desenvolvimento, mas não na rejeição de tal fase. Assim, por exemplo, a filosofia marxista não surgiu do ar. É a legítima herdeira e sucessora de tudo de progressista criado no pensamento filosófico do passado.
Qual é, então, o caráter do desenvolvimento?
É bem sabido que o homem começou seu trabalho ativamente com a criação dos instrumentos de trabalho. Em uma fase definida do desenvolvimento histórico, os instrumentos de pedra cederam lugar aos instrumentos de metal. Estes últimos são, historicamente, a “negação” dos instrumentos de pedra, mas neles está preservado tudo que era valioso nos instrumentos anteriores, por exemplo: sua capacidade de cortar, sua forma (como no caso do machado de pedra e de ferro), etc.
A invenção das máquinas constitui um novo processo no desenvolvimento de instrumentos de produção. O tear mecânico é uma negação da roca manual. Mas é uma negação dialética, pois é conservado o princípio do movimento da velha roca. É o que sempre acontece com a técnica. Os novos tipos de máquinas são uma negação dos velhos, mas com a indispensável preservação do que era válido na experiência de produção anterior.
Qualquer desenvolvimento tem esse caráter, se é produzido pela negação da negação. A fase superior é superior porque eleva, enriquece o desenvolvimento em seu conjunto. Disso se segue uma importante conclusão: desenvolvimento é um resultado da negação da negação, tendo, tal desenvolvimento um caráter avançado, progressista.
Esta conclusão se aplica tanto ao desenvolvimento da natureza como na sociedade humana. Na natureza, há uma transição da fase inanimada para uma fase superior: os seres vivos. Na sociedade, há um caminho que vai do sistema do comunismo primitivo até o socialismo, primeira fase do comunismo. Encontramos a mesma coisa no desenvolvimento da ciência.
Vemos, assim, em toda a parte a mesma regularidade. O desenvolvimento se faz progressivamente, isto é, do inferior para o superior, do simples para o complexo. Nisso reside a essência da lei da negação da negação. (...)
O desenvolvimento progressista da natureza e da sociedade faz lembrar uma espiral. Tem um grande número de anéis, mas eles não se encontram, não se repetem. O leitor já observou como sobe uma escada em espiral? Tem-se a impressão de que o homem está se movendo em círculos, está rodando em torno do mesmo ponto, mas, na realidade, ele está indo cada vez para mais alto, porque se move dentro de uma espiral. A lei da negação da negação é expressada nessa comparação.
Assim, o desenvolvimento avança formando uma “espiral” e em cada novo anel, isto é, em cada nova negação, surge algo qualitativo, que eleva o desenvolvimento a uma fase mais elevada.
Na vida quotidiana, chamamos de “novo” o que é feito pela primeira vez, o que apareceu há pouco tempo. Na filosofia, esse conceito é um tanto diferente, um tanto mais profundo. Por exemplo: se, no Ocidente, surge uma escola filosófica dita “nova”, que, sob a máscara do mais recente, simplesmente faz eco às ideias velhas, moribundas, o fenômeno de modo algum pode ser chamado de novo. Ao contrário: é velho, obsoleto e não tem futuro.
Na vida, vemo-nos frequentemente diante do velho mascarado de novo. É uma coisa muito espalhada e uma forma disfarçada da luta do velho contra o novo. Vejamos um exemplo.
É bem sabido que as velhas formas de colonialismo falharam completamente. Agora, o imperialismo está tentando escravizar países recentemente libertados mediante novas formas de dependência, oferecendo “ajuda” aos estados em desenvolvimento, estabelecendo federações convenientes aos colonizadores, etc. O novo colonialismo, contudo, não é melhor que o velho. Os povos que já se libertaram compreendem isto muito bem e continuam a luta contra o neocolonialismo.
O materialismo dialético entende por novo os fenômenos que expressam desenvolvimento progressista. O novo é avançado, progressista, o que está indissoluvelmente ligado à renovação, com desenvolvimento do inferior para o superior.
Em que relação se colocam os velhos e os novos fenômenos? Antes de mais nada, é preciso salientar que o novo não surge divorciado do velho, mas em seu ventre, onde existe habitualmente quer um embrião, um rudimento do novo, quer as condições para o seu nascimento. À medida que o novo se desenvolve, o velho se desgasta, se enfraquece, perde sua força, enquanto o novo cresce e se fortalece. O novo é sempre uma negação dialética do velho. Surge no processo da luta dos contrários. A invencibilidade do novo é uma lei do desenvolvimento histórico.”


Causa e Efeito
Que representam as categorias de “causa” e “efeito”? Graças à experiência, verificamos que nenhum fenômeno ocorre sem uma causa, “por si mesmo”. É sempre engendrado ou pelo desenvolvimento anterior de determinado fenômeno ou por outros fenômenos. Coisa alguma sai do nada. Qualquer fenômeno tem sua própria fonte, que o engendra. É isto que se chama “causa”. Causa é algo que dá nascimento a outros fenômenos. O que nasce através da causa ou é produzido pela causa é chamado ação ou efeito.
Por exemplo: quando os camponeses de uma cooperativa fertilizam a terra plantada de arroz ou algodão, aumentam a produtividade desses produtos. O fertilizante é a causa e o aumento da colheita o efeito.
Assim, as categorias filosóficas “causa” e “efeito” refletem a relação entre fenômenos, na qual um fenômeno, chamado causa, inevitavelmente faz surgir outro fenômeno, o efeito, e a própria relação é chamada relação de causa e efeito.
A relação entre a colocação de fertilizante no solo e a colheita aumentada existe independentemente de nossa consciência, dentro da própria realidade, na natureza. Deste exemplo se deduz que qualquer relação causal é governada por coisas realmente existentes. É por isso que o mais importante aspeto da relação causa-efeito é seu caráter objetivo.”


“Se refletirmos sobre uma relação encadeada de causa e efeito, verificaremos que ela consiste de fenômenos ligados uns aos outros. Cada causa ou efeito deve ser examinado não isoladamente, mas em conexão com o fenômeno que o engendrou ou que é por ele engendrado. Um só e mesmo objeto é, a um tempo, uma causa e um efeito. Encarando-se as coisas desse modo, a causa e o efeito deixam de ser dois polos distintos e contrários, e tornam-se elos de uma complicada cadeia de ação recíproca de objetos e fenômenos. Assim, nas palavras de Engels, existe no mundo uma ação recíproca universal, constituindo no fato de que a causa e o efeito mudam de lugar constantemente; o que, em determinadas condições de lugar e de tempo, é causa, em outras ocasiões torna-se efeito, e vice-versa.”


Necessidade e Acaso
(...) A categoria filosófica da necessidade serve para designar tais inter-relações constantes de fenômenos. Necessidade não é o que pode ou não pode acontecer, mas o que deve acontecer com certeza, porque é produzido por causas profundas e resulta da natureza íntima do fenômeno.
E o acaso existe? Poderemos começar com um exemplo. Um homem sofre um acidente automobilístico: perde a vida de um modo absurdo. Por que chamamos de acidentais fenômenos semelhantes?
Os acontecimentos fortuitos podem ou não acontecer. A vida de um homem estaria predeterminada a ponto que ele seria inevitavelmente morto em um desastre de automóvel? Naturalmente não. Tais acontecimentos não podem ser chamados necessários. São ocasionais. Todo o curso interno do desenvolvimento desses fenômenos não se processa na direção do que ocorreu, do que aconteceu.
Em 1957, quando a União Soviética, pela primeira vez na história, abriu o caminho do cosmos e lançou um sputnik, alguns propagandistas burgueses, no Ocidente, afirmaram que tal fato não passava de um acontecimento fortuito e sem continuação. Era esta realmente a verdade? É claro que não. O êxito daquele empreendimento baseou-se no próprio sistema socialista, à atenção que se presta, nos países socialistas, ao desenvolvimento global da ciência e da tecnologia.
O voo do sputnik prova o adiantamento da tecnologia soviética, as grandes realizações da ciência soviética em ramos de importância tão decisiva quanto são a matemática, a física, a química e a metalurgia e do sistema progressista de educação da União Soviética. Como poderia tudo isto ser obra do acaso? O acaso se dá quando um fato não é consequência da natureza inerente de determinado processo. Quanto ao sputnik, trata-se do resultado de toda a história do desenvolvimento da União Soviética.
Consequentemente, para se responder à pergunta no sentido de se saber se um fenômeno é obra do acaso ou da necessidade, torna-se indispensável elucidar se ele é engendrado, ou não, por causas internas ou externas.
A destruição, por exemplo, de um pomar, por um furacão, é obra do acaso ou da necessidade? O furacão, evidentemente, tem suas próprias causas. Mas poder-se-á afirmar que os furacões destroem, inevitavelmente, os pomares? Não, e eis porque. Um furacão não ocorre sem causas, mas, relativamente ao pomar em questão, tais causas são externas, transitórias, não dependendo das condições essenciais do cultivo do pomar. Assim sendo, o próprio acontecimento é acidental. A destruição do pomar não era, de modo algum, necessária. Em relação a determinado pomar, a ação da ventania foi acidental, embora acontecimentos semelhantes ocorrem com frequência.
Segue-se, do que se acabou de dizer, que o acaso e a necessidade opõem-se um ao outro. Pode contudo, tirar-se disso a conclusão de que não existe, de todo, algo de comum entre eles?
Os metafísicos raciocinam mais ou menos assim: O que é necessário não pode ser acidental e o que é acidental não pode ser necessário. Mas será correta tal afirmação? Na vida, na realidade, existem muitas coisas em comum entre o acaso e a necessidade. Os dois se acham intimamente ligados. É impossível separar um do outro. Ao estudar o acaso, precisamos estar sempre em condições de discernir a necessidade, a lei em que se baseia a necessidade.
Disso se segue que, na natureza e na sociedade, não existem fenômenos “apenas” necessários ou fenômenos “apenas” acidentais. Na verdade, existem um e outro juntamente, atuando reciprocamente um sobre o outro. A necessidade muitas vezes se apresenta sob a forma do acaso. Não é um acontecimento fortuito o fato das mangueiras crescerem nos climas quentes. Mas, que aquelas árvores tenham tal número de folhas e, além disso, que cada uma delas tenha seu próprio tamanho e sua própria forma, dependem de muitos fenômenos acidentais, como a queda pluviométrica, a direção dos ventos, etc. O resultado é que existe um entrelaçamento do acaso e da necessidade.
Os metafísicos acreditam que o fenômeno da necessidade tem a sua causa, ao passo que o acaso não tem causa. A verdade, porém, é que nenhum fenômeno pode surgir sem uma causa. Os fenômenos fortuitos também têm sua causa. Onde está, então, a diferença?
Ei-la. A causa dos fenômenos necessários é algo de interno, mas, na eventualidade do acaso, a sua causa é algo de externo ao fenômeno.
Assim, por exemplo, a escassez de produtos para a população dos países em desenvolvimento é condicionada pelo débil desenvolvimento econômico, herança dos regimes coloniais anteriores. Esta é a causa interna da escassez de produtos naqueles países. Por outro lado, a escassez de produtos pode ser provocada pela influência de causas externas, tais como inundações, erupções de vulcões, furacões, etc.
A interpretação dialética do acaso reconhece, assim, que tudo no mundo tem uma causa. Por outro lado, essa constatação exige que distingamos as causas do acaso, isto é, as que podem ou não podem ocorrer, e as causas da necessidade, isto é, as que derivam de processos internos do desenvolvimento de determinados fenômenos. Por esse motivo, nem todos os fenômenos causalmente determinados provêm da necessidade, como querem os metafísicos. Admitindo que tudo no mundo está condicionado causalmente, o materialismo dialético reconhece também a presença e a ação do acaso. A ciência leva em consideração primordialmente a necessidade, isto é, as leis dos fenômenos em desenvolvimento, precisamente porque a necessidade é invocada para revelar a direção do desenvolvimento.”

Nenhum comentário: