Editora: Zahar
ISBN: 978-65-5979-031-9
Tradução: José Roberto O’Shea
Opinião: ★★★☆☆
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Páginas: 352
Sinopse: Misto
de livro de aventura, autobiografia espiritual e tributo ao individualismo
burguês, Robinson Crusoé continua
insuperável, tão original e vívido como há trezentos anos. Edição com tradução,
apresentação e notas de José Roberto O’Shea.
“30 de setembro
de 1659. Eu, pobre e desgraçado Robinson Crusoé, depois de naufragar em
alto-mar durante uma tempestade terrível, cheguei à costa desta ilha desoladora
e infeliz, que denominei ‘Ilha do Desespero’, sendo que o restante da tripulação
do navio afogou-se, e quase morri.”
Com uma prosa aparentemente despretensiosa, mas repleta
de nuances, Daniel Defoe narra a vida atribulada de Crusoé a partir da decisão
de abandonar o destino trivial no interior da Inglaterra para se tornar
marinheiro. Após várias desventuras e uma crucial estada no Brasil, seu barco
naufraga em meio a uma tempestade violenta, a tripulação morre e ele vai parar
numa ilha deserta tendo apenas uma faca, um cachimbo e um pouco de tabaco, além
de um formidável instinto de sobrevivência. Com disciplina, Crusoé aprende não
apenas a construir uma canoa, fazer uma panela e assar pão, mas também a
enfrentar seus medos, suas dúvidas e a solidão absoluta. Até que, depois de 24
anos excruciantes, ele descobre uma pegada humana na areia.
“Meu pai, homem sábio e circunspecto, deu-me conselhos sérios e
excelentes contra o que previu ser meu desígnio. Chamou-me certa manhã em seu
quarto, onde padecia de gota,8 e protestou
veementemente comigo. Perguntou quais motivos, além de uma simples inclinação
errante, teria eu para deixar a casa paterna e meu país natal, onde seria
bem-recebido, e onde havia perspectiva de aumentar minha fortuna por meio de
dedicação e trabalho, e ter uma vida de conforto e satisfação. Disse-me que
somente homens de fortunas arruinadas, por um lado, ou aspirantes a fazer
fortuna, por outro, aventuravam-se em viagens ao exterior, para progredirem na
vida por meio de empreendimentos e tornarem-se famosos à custa de negócios
excêntricos; que essas coisas ou estavam muito acima de mim, ou muito abaixo de
mim; que meu nível social era intermediário, ou poderia ser chamado de camada
superior do nível mais baixo; condição que ele constatara, por longa
experiência, ser a melhor do mundo, a mais adequada à felicidade humana, imune
a infortúnios e privações, à labuta e à agrura do segmento laboral da
humanidade, sem ser compelida pelo orgulho, pelo luxo, pela cobiça e pela
inveja que afetam o segmento mais elevado da humanidade. Disse-me que eu
poderia avaliar a felicidade dessa condição de vida com base num fator, a
saber, que essa era a situação que todas as demais pessoas invejavam; que reis
frequentemente lamentam as consequências desditosas de nascer destinados a
realizar grandes feitos, e desejariam ter ocupado o meio dos dois extremos, ou
seja, entre os pequenos e os grandes; que o sábio deu seu testemunho disso,
como padrão justo de felicidade, quando orou para não ter nem riqueza nem
pobreza.9
Ele
me pediu que observasse, pois sempre haveria de constatar que as calamidades da
vida eram compartilhadas entre os segmentos superiores e inferiores da
humanidade, mas que o segmento intermediário sofria menos desastres e não era
exposto a tantas vicissitudes; na verdade os que viviam em condição mediana não
estavam sujeitos a tantas mazelas e angústias, fosse de corpo ou mente, quanto
aqueles que, por uma vida de dissipação, luxo e extravagância, num extremo, ou
de trabalho árduo, carências básicas e uma dieta insalubre ou insuficiente, no
outro, atraíam mazelas para si mesmos, como consequência natural de seu modo de
vida; que a condição intermediária de vida foi calculada para ensejar todo tipo
de virtude e todo tipo de satisfação; que a paz e a fartura eram servas da
fortuna média; que a temperança, a moderação, o sossego, o bem-estar, a
fraternidade, todas as diversões agradáveis e todas as alegrias desejáveis eram
bênçãos atinentes à condição mediana de vida; que nesse meio os homens seguiam
silenciosa e serenamente pelo mundo, e dele saíam com conforto, sem se
importunarem com trabalho braçal nem cerebral, sem serem submetidos a uma vida
de escravidão para ganhar o pão de cada dia, nem atormentados por
circunstâncias perturbadoras, que privam a alma de paz e o corpo de repouso,
nem se enfurecem com o arroubo da inveja, nem anseiam secreta e ardentemente
por grandes coisas; mas seguem sob circunstâncias amenas, deslizando suavemente
pelo mundo e saboreando sensatamente as doçuras da vida, sem amargor,
sentindo-se felizes e aprendendo com a experiência de cada dia a constatar tal
fato com crescente sensatez.”
8. Doença geralmente hereditária provocada pelo
excesso de ácido úrico no organismo e caracterizada por dolorosos ataques
inflamatórios, que ocorrem sobretudo nas articulações.
9. Alusão a Provérbios 30,8: “Afasta de mim a falsidade
e a mentira. Não me dês riqueza nem pobreza. Concede-me apenas o meu pedaço de
pão”. Todas as traduções de trechos bíblicos foram retiradas da Bíblia
Sagrada, edição pastoral (Edições Paulinas).
“Qualquer um pode avaliar a minha situação em meio a tudo aquilo, sendo
eu apenas um jovem marujo, que antes tanto se assustara por tão pouco. Mas se
puder expressar hoje em dia os pensamentos que tive àquela época, posso dizer
que estava dez vezes mais apavorado por causa de minhas antigas convicções, e
por haver delas me afastado e chegado às maldosas resoluções tomadas
inicialmente, do que por temor à morte em si; e isso, somado ao pavor da
tempestade, deixou-me em tal estado que não posso aqui descrever. No entanto, o
pior estava por acontecer; a tormenta prosseguiu com tamanha fúria que os
próprios marinheiros admitiram jamais terem visto coisa pior. Contávamos com um
bom navio, mas estava tão carregado e tão tomado pela água que os marinheiros
gritavam constantemente que haveria de soçobrar. Foi minha vantagem, em certa
medida, não saber o que significava “soçobrar”, até que perguntei.”
“Desde
aquela época, tenho observado, com frequência, quão incongruente e irracional é
o temperamento da humanidade como um todo, especialmente dos jovens, diante de
uma constatação que deveria servir para guiá-los, a saber: não têm vergonha de
pecar, mas têm vergonha de mostrar arrependimento; não têm vergonha de insistir
na ação pela qual, com toda justiça, deveriam ser considerados tolos, mas têm
vergonha de retroceder, o que apenas faria com que fossem considerados
sensatos.”
“Abusar da prosperidade é, muitas vezes,
causa da maior adversidade.”
“Com o aumento dos negócios e o enriquecimento, minha cabeça começou a
encher-se de projetos e empreendimentos que estavam fora do meu alcance, o que,
de fato, costuma ser a causa da ruína dos melhores empreendedores.”
“Aprendi a olhar mais o lado positivo da minha situação, e menos o lado
negativo, e a levar em conta o que podia desfrutar, e não o que me faltava, e
isso me propiciou tamanho conforto interior que mal posso expressar. E ressalto
isso aqui pelo bem dos descontentes, incapazes de aproveitar o que Deus lhes
oferece porque veem e desejam algo que Ele não lhes concedeu. Todo o nosso
descontentamento diante do que não temos parecia-me resultar da falta de
gratidão diante daquilo que temos.”
“Ah, que decisões ridículas os homens tomam quando dominados pelo medo! O
temor priva-os das faculdades que a razão oferece para aliviá-los. (...) O receio
do perigo é dez mil vezes mais aterrorizante do que o perigo que está diante
dos olhos, e o fardo da ansiedade é muito maior do que o mal que nos deixa
ansiosos.”
“Que ninguém despreze sinais e avisos misteriosos de perigo que às vezes
nos chegam, mesmo quando duvidamos da possibilidade de terem fundamento. Que
tais sinais e avisos nos sejam dados, creio que poucos observadores sensíveis
possam negar; que sejam revelações de um mundo invisível e uma interação entre
espíritos, não podemos duvidar; e se tendem a advertir-nos do perigo, por que
não devemos supor que provenham de algum ente querido (se supremo ou inferior e
subordinado não vem ao caso) e que sejam advertências oferecidas pelo nosso
bem?”
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