sexta-feira, 14 de abril de 2023

Robinson Crusoé, de Daniel Defoe

Editora: Zahar

ISBN: 978-65-5979-031-9

Tradução: José Roberto O’Shea

Opinião: ★★★☆☆

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Páginas: 352

Sinopse: Misto de livro de aventura, autobiografia espiritual e tributo ao individualismo burguês, Robinson Crusoé continua insuperável, tão original e vívido como há trezentos anos. Edição com tradução, apresentação e notas de José Roberto O’Shea.

“30 de setembro de 1659. Eu, pobre e desgraçado Robinson Crusoé, depois de naufragar em alto-mar durante uma tempestade terrível, cheguei à costa desta ilha desoladora e infeliz, que denominei ‘Ilha do Desespero’, sendo que o restante da tripulação do navio afogou-se, e quase morri.”

Com uma prosa aparentemente despretensiosa, mas repleta de nuances, Daniel Defoe narra a vida atribulada de Crusoé a partir da decisão de abandonar o destino trivial no interior da Inglaterra para se tornar marinheiro. Após várias desventuras e uma crucial estada no Brasil, seu barco naufraga em meio a uma tempestade violenta, a tripulação morre e ele vai parar numa ilha deserta tendo apenas uma faca, um cachimbo e um pouco de tabaco, além de um formidável instinto de sobrevivência. Com disciplina, Crusoé aprende não apenas a construir uma canoa, fazer uma panela e assar pão, mas também a enfrentar seus medos, suas dúvidas e a solidão absoluta. Até que, depois de 24 anos excruciantes, ele descobre uma pegada humana na areia.



Meu pai, homem sábio e circunspecto, deu-me conselhos sérios e excelentes contra o que previu ser meu desígnio. Chamou-me certa manhã em seu quarto, onde padecia de gota,8 e protestou veementemente comigo. Perguntou quais motivos, além de uma simples inclinação errante, teria eu para deixar a casa paterna e meu país natal, onde seria bem-recebido, e onde havia perspectiva de aumentar minha fortuna por meio de dedicação e trabalho, e ter uma vida de conforto e satisfação. Disse-me que somente homens de fortunas arruinadas, por um lado, ou aspirantes a fazer fortuna, por outro, aventuravam-se em viagens ao exterior, para progredirem na vida por meio de empreendimentos e tornarem-se famosos à custa de negócios excêntricos; que essas coisas ou estavam muito acima de mim, ou muito abaixo de mim; que meu nível social era intermediário, ou poderia ser chamado de camada superior do nível mais baixo; condição que ele constatara, por longa experiência, ser a melhor do mundo, a mais adequada à felicidade humana, imune a infortúnios e privações, à labuta e à agrura do segmento laboral da humanidade, sem ser compelida pelo orgulho, pelo luxo, pela cobiça e pela inveja que afetam o segmento mais elevado da humanidade. Disse-me que eu poderia avaliar a felicidade dessa condição de vida com base num fator, a saber, que essa era a situação que todas as demais pessoas invejavam; que reis frequentemente lamentam as consequências desditosas de nascer destinados a realizar grandes feitos, e desejariam ter ocupado o meio dos dois extremos, ou seja, entre os pequenos e os grandes; que o sábio deu seu testemunho disso, como padrão justo de felicidade, quando orou para não ter nem riqueza nem pobreza.9

Ele me pediu que observasse, pois sempre haveria de constatar que as calamidades da vida eram compartilhadas entre os segmentos superiores e inferiores da humanidade, mas que o segmento intermediário sofria menos desastres e não era exposto a tantas vicissitudes; na verdade os que viviam em condição mediana não estavam sujeitos a tantas mazelas e angústias, fosse de corpo ou mente, quanto aqueles que, por uma vida de dissipação, luxo e extravagância, num extremo, ou de trabalho árduo, carências básicas e uma dieta insalubre ou insuficiente, no outro, atraíam mazelas para si mesmos, como consequência natural de seu modo de vida; que a condição intermediária de vida foi calculada para ensejar todo tipo de virtude e todo tipo de satisfação; que a paz e a fartura eram servas da fortuna média; que a temperança, a moderação, o sossego, o bem-estar, a fraternidade, todas as diversões agradáveis e todas as alegrias desejáveis eram bênçãos atinentes à condição mediana de vida; que nesse meio os homens seguiam silenciosa e serenamente pelo mundo, e dele saíam com conforto, sem se importunarem com trabalho braçal nem cerebral, sem serem submetidos a uma vida de escravidão para ganhar o pão de cada dia, nem atormentados por circunstâncias perturbadoras, que privam a alma de paz e o corpo de repouso, nem se enfurecem com o arroubo da inveja, nem anseiam secreta e ardentemente por grandes coisas; mas seguem sob circunstâncias amenas, deslizando suavemente pelo mundo e saboreando sensatamente as doçuras da vida, sem amargor, sentindo-se felizes e aprendendo com a experiência de cada dia a constatar tal fato com crescente sensatez.”

8. Doença geralmente hereditária provocada pelo excesso de ácido úrico no organismo e caracterizada por dolorosos ataques inflamatórios, que ocorrem sobretudo nas articulações.

9. Alusão a Provérbios 30,8: “Afasta de mim a falsidade e a mentira. Não me dês riqueza nem pobreza. Concede-me apenas o meu pedaço de pão”. Todas as traduções de trechos bíblicos foram retiradas da Bíblia Sagrada, edição pastoral (Edições Paulinas).

 

 

Qualquer um pode avaliar a minha situação em meio a tudo aquilo, sendo eu apenas um jovem marujo, que antes tanto se assustara por tão pouco. Mas se puder expressar hoje em dia os pensamentos que tive àquela época, posso dizer que estava dez vezes mais apavorado por causa de minhas antigas convicções, e por haver delas me afastado e chegado às maldosas resoluções tomadas inicialmente, do que por temor à morte em si; e isso, somado ao pavor da tempestade, deixou-me em tal estado que não posso aqui descrever. No entanto, o pior estava por acontecer; a tormenta prosseguiu com tamanha fúria que os próprios marinheiros admitiram jamais terem visto coisa pior. Contávamos com um bom navio, mas estava tão carregado e tão tomado pela água que os marinheiros gritavam constantemente que haveria de soçobrar. Foi minha vantagem, em certa medida, não saber o que significava “soçobrar”, até que perguntei.”

 

 

“Desde aquela época, tenho observado, com frequência, quão incongruente e irracional é o temperamento da humanidade como um todo, especialmente dos jovens, diante de uma constatação que deveria servir para guiá-los, a saber: não têm vergonha de pecar, mas têm vergonha de mostrar arrependimento; não têm vergonha de insistir na ação pela qual, com toda justiça, deveriam ser considerados tolos, mas têm vergonha de retroceder, o que apenas faria com que fossem considerados sensatos.”

 

 

“Abusar da prosperidade é, muitas vezes, causa da maior adversidade.”

 

 

“Com o aumento dos negócios e o enriquecimento, minha cabeça começou a encher-se de projetos e empreendimentos que estavam fora do meu alcance, o que, de fato, costuma ser a causa da ruína dos melhores empreendedores.”

 

 

Aprendi a olhar mais o lado positivo da minha situação, e menos o lado negativo, e a levar em conta o que podia desfrutar, e não o que me faltava, e isso me propiciou tamanho conforto interior que mal posso expressar. E ressalto isso aqui pelo bem dos descontentes, incapazes de aproveitar o que Deus lhes oferece porque veem e desejam algo que Ele não lhes concedeu. Todo o nosso descontentamento diante do que não temos parecia-me resultar da falta de gratidão diante daquilo que temos.”

 

 

Ah, que decisões ridículas os homens tomam quando dominados pelo medo! O temor priva-os das faculdades que a razão oferece para aliviá-los. (...) O receio do perigo é dez mil vezes mais aterrorizante do que o perigo que está diante dos olhos, e o fardo da ansiedade é muito maior do que o mal que nos deixa ansiosos.”

 

 

Que ninguém despreze sinais e avisos misteriosos de perigo que às vezes nos chegam, mesmo quando duvidamos da possibilidade de terem fundamento. Que tais sinais e avisos nos sejam dados, creio que poucos observadores sensíveis possam negar; que sejam revelações de um mundo invisível e uma interação entre espíritos, não podemos duvidar; e se tendem a advertir-nos do perigo, por que não devemos supor que provenham de algum ente querido (se supremo ou inferior e subordinado não vem ao caso) e que sejam advertências oferecidas pelo nosso bem?”

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