Editora: Loyola
ISBN: 978-85-15-00679-3
Tradução: Adail
Ubirajara Sobral e Maria Stela Gonçalves
Opinião: ★★★☆☆
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Páginas: 352
Sinopse: Já
definido pelo Financial Times como um dos melhores livros já escritos sobre a
relação entre transformações econômicas e culturais de nosso tempo, a obra de
Harvey define os contornos culturais da “condição” pós-moderna, em seus
aspectos estéticos, sociais, literários e filosóficos. Fazendo das mudanças que
ocorreram na experiência do espaço e do tempo o centro de sua tese, o autor vê
a “condição” pós-moderna como uma consequência da atual crise do capitalismo e
não como um sintoma do surgimento de uma sociedade pós-capitalista ou
pós-industrial. Um estudo sumamente oportuno por sua abrangência e clareza.
“O
destino de uma época que comeu da árvore do conhecimento é ter de... reconhecer
que as concepções gerais da vida e do universo nunca podem ser os produtos do
conhecimento empírico crescente, e que os mais elevados ideais, que nos movem
com mais vigor, sempre são formados apenas na luta com outros ideais que são
tão sagrados para os outros quanto os nossos para nós.” (Max Weber)
“Quanto ao sentido do termo, talvez só haja concordância em afirmar que o
“pós-modernismo” representa alguma espécie de reação ao “modernismo” ou de
afastamento dele. Como o sentido de modernismo também é muito confuso, a reação
ou afastamento conhecido como “pós-modernismo” o é duplamente. O crítico
literário Terry Eagleton (“Awakenig from
modernity”,1987) tenta definir o termo da seguinte maneira:
Talvez haja consenso quanto a dizer que o artefato pós-moderno típico é
travesso, auto-ironizador e até esquizóide; e que ele reage à austera autonomia
do alto modernismo ao abraçar impudentemente a linguagem do comércio e da
mercadoria. Sua relação com a tradição cultural é de pastiche irreverente, e
sua falta de profundidade intencional solapa todas as solenidades metafísicas,
por vezes através de uma brutal estética da sordidez e do choque.
Mais positivamente, os editores da revista de
arquitetura PRECIS 6 (The culture of fragments, 1987, 7-24) veem o
pós-modernismo como legítima reação à “monotonia” da visão de mundo do
modernismo universal. “Geralmente percebido como positivista, tecnocêntrico e
racionalista, o modernismo universal tem sido identificado com a crença no progresso
linear, nas verdades absolutas, no planejamento racional de ordens sociais
ideais, e com a padronização do conhecimento e da produção.” O pós-moderno, em
contraste, privilegia “a heterogeneidade e a diferença como forças libertadoras
na redefinição do. discurso cultural”. A fragmentação, a indetem1inação e a
intensa desconfiança de todos os discursos universais ou (para usar um termo
favorito) “totalizantes” são o marco do pensamento pós-moderno. A redescoberta
do pragmatismo na filosofia (p. ex., Rorty, Philosophy and the mirror of
nature, 1979), a
mudança de ideias sobre a filosofia da ciência promovida por Kuhn (The
structure of scientific revolutions, 1962) e Feyerabend (Against method,
1975), a ênfase foucaultiana na descontinuidade e na diferença na história e a
primazia dada por ele a “correlações polimorfas em vez da casualidade simples
ou complexa”, novos desenvolvimentos na matemática — acentuando a
indeterminação (a teoria da catástrofe e do caos, a geometria dos fractais) —,
o ressurgimento da preocupação, na ética, na política e na antropologia, com a
validade e a dignidade do “outro” — tudo isso indica uma ampla e profunda
mudança na “estrutura do sentimento”. O que há em comum nesses exemplos é a
rejeição das “metanarrativas” (interpretações teóricas de larga escala
pretensamente de aplicação universal), o que leva Eagleton a completar a sua
descrição do pós-modernismo da seguinte maneira:
O pós-modernismo assinala a morte dessas “metanarrativas”, cuja função
terrorista secreta era fundamentar e legitimar a ilusão de uma história humana “universal”.
Estamos agora no processo de despertar do pesadelo da modernidade, com sua
razão manipuladora e seu fetiche da totalidade, para o pluralismo retornado do
pós-moderno, essa gama heterogênea de estilos de vida e jogos de linguagem que
renunciou ao impulso nostálgico de totalizar e legitimar a si mesmo... A
ciência e a filosofia devem abandonar suas grandiosas reivindicações metafísicas e ver a si
mesmas, mais modestamente, como apenas outro conjunto de narrativas.”
“A modernidade”, escreveu Baudelaire em seu
artigo seminal “The painter of modern life” (publicado em 1863), “é o
transitório, o fugidio, o contingente; é uma metade da arte, sendo a outra o
eterno e o imutável.” (...)
Embora possa ser verdade que tanto Berman
como Frisby estão identificando no passado uma sensibilidade contemporânea
muito forte à efemeridade e à fragmentação, e, portanto, talvez superenfatizem
esse lado da formulação dual de Baudelaire, há abundantes evidências a sugerir
que a maioria dos escritores “modernos” reconheceu que a única coisa segura na
modernidade é a sua insegurança, e até a sua inclinação para “o caos
totalizante”. O historiador Carl Schorske (Fin-de-siecle Vienna, 1981,
XIX) nota, por exemplo, que, na Viena fin de siecle:
A alta cultura entrou num turbilhão de inovação infinita, cada campo
proclamando-se independente do todo, cada parte dividindo-se, por sua vez, em
partes. Para a implacável centrifugadora da mudança foram atraídos os próprios
conceitos mediante os quais os fenômenos culturais poderiam ser fixados no
pensamento. Não somente os produtores da cultura, como também os seus analistas
e críticos, foram atingidos pela fragmentação.
O poeta W. B. Yeats captou essa mesma
disposição nos versos:
Things
fall apart; the centre cannot hold;
Mere
anarchy is loosed upon the world.*
Se a vida moderna está de fato tão permeada
pelo sentido do fugidio, do efêmero, do fragmentário e do contingente, há
algumas profundas consequências. Para começar, a modernidade não pode respeitar
sequer o seu próprio passado, para não falar do de qualquer ordem social
pré-moderna. A transitoriedade das coisas dificulta a preservação de todo
sentido de continuidade histórica. Se há algum sentido na história, há que
descobri-lo e defini-lo a partir de dentro do turbilhão da mudança, um
turbilhão que afeta tanto os termos da discussão como o que está sendo
discutido. A modernidade, por conseguinte, não apenas envolve uma implacável ruptura
com todas e quaisquer condições históricas precedentes, como é caracterizada
por um interminável processo de rupturas e fragmentações internas inerentes.”
* [As coisas se desfazem; o centro não se
sustém; / A pura anarquia está solta no mundo.]
“Uma vanguarda sempre desempenhou, como
registram Poggioli (The theory of the
avant-garde, 1968) e Bürger (Theory
of the avant-garde, 1984), um papel vital na história do modernismo,
interrompendo todo sentido de continuidade através de alterações, recuperações
e repressões radicais. Como interpretar isso, como descobrir os elementos “eternos
e imutáveis” em meio a essas disrupções radicais, é o problema. Mesmo que o
modernismo sempre tenha estado comprometido com a descoberta, como disse o
pintor Paul Klee, do “caráter essencial do acidental”, ele agora precisava
fazê-lo num campo de sentidos continuamente mutantes que com frequência
pareciam “contradizer a experiência racional de ontem”. As práticas e juízos
estéticos fragmentaram-se naquele tipo de “livro de rabiscos de um maníaco,
cheio de itens coloridos que não têm nenhuma relação entre si, nenhum esquema
determinante, racional ou econômico”, que Raban descreve como aspecto essencial
da vida urbana.
Onde, em tudo isso, poderíamos procurar algum
sentido de coerência, para não falar da necessidade de dizer alguma coisa
consistente sobre o “eterno e imutável” que se supunha espreitar nesse
turbilhão de mudança social no espaço e no tempo? Os pensadores iluministas
geraram uma resposta filosófica e até prática para essa pergunta. Como essa
resposta dominou boa parte do debate subsequente acerca do sentido da
modernidade, cabe examiná-la mais de perto. Embora o termo “moderno” tenha uma
história bem mais antiga, o que Habermas (Modernity:
an incomplete project, 1983, 9) chama de projeto da modernidade entrou em
foco durante o século XVIII. Esse projeto equivalia a um extraordinário esforço
intelectual dos pensadores iluministas “para desenvolver a ciência objetiva, a
moralidade e a lei universais e a arte autônoma nos termos da própria lógica
interna destas”. A ideia era usar o acúmulo de conhecimento gerado por muitas
pessoas trabalhando livre e criativamente em busca da emancipação humana e do
enriquecimento da vida diária. O domínio científico da natureza prometia
liberdade da escassez, da necessidade e da arbitrariedade das calamidades
naturais. O desenvolvimento de formas racionais de organização social e de
modos racionais de pensamento prometia a libertação das irracionalidades do
mito, da religião, da superstição, liberação do uso arbitrário do poder, bem
como do lado sombrio da nossa própria natureza humana. Somente por meio de tal
projeto poderiam as qualidades universais, eternas e imutáveis de toda a
humanidade ser reveladas. O pensamento iluminista (e, aqui, sigo Cassirer, The philosophy of Enlightenment, 1951)
abraçou a ideia do progresso e buscou ativamente a ruptura com a história e a
tradição esposada pela modernidade. Foi, sobretudo, um movimento secular que
procurou desmistificar e dessacralizar o conhecimento e a organização social
para libertar os seres humanos de seus grilhões. Ele levou a injunção de
Alexander Pope de que “o estudo próprio da humanidade é o homem” muito a sério.
Na medida em que ele também saudava a criatividade humana, a descoberta
científica e a busca da excelência individual em nome do progresso humano, os
pensadores iluministas acolheram o turbilhão da mudança e viram a
transitoriedade, o fugidio e o fragmentário como condição necessária por meio
da qual o projeto modernizador poderia ser realizado. Abundavam doutrinas de
igualdade, liberdade, fé na inteligência humana (uma vez permitidos os
benefícios da educação) e razão universal. “Uma boa lei deve ser boa para todos”,
pronunciou Condorcet às vésperas da Revolução Francesa, “exatamente da mesma
maneira como uma proposição verdadeira é verdadeira para todos”. Essa visão era
incrivelmente otimista. Escritores como Condorcet, observa Habermas (1983, 9),
estavam possuídos “da extravagante expectativa de que as artes e as ciências
iriam promover não somente o controle das forças naturais como também a
compreensão do mundo e do eu, o progresso moral, a justiça das instituições e
até a felicidade dos seres humanos”. O século XX — com seus campos de
concentração e esquadrões da morte, seu militarismo e duas guerras mundiais,
sua ameaça de aniquilação nuclear e sua experiência de Hiroshima e Nagasaki — certamente
deitou por terra esse otimismo. Pior ainda, há a suspeita de que o projeto do
Iluminismo estava fadado a voltar-se contra si mesmo e transformar a busca da
emancipação humana num sistema de opressão universal em nome da libertação
humana. Foi essa a atrevida tese apresentada por Horkheimer e Adorno em The dialectic
of Enlightenment (Dialética do Esclarecimento, 1972).
Escrevendo sob as sombras da Alemanha de Hitler e da Rússia de Stálin, eles
alegavam que a lógica que se oculta por trás da racionalidade iluminista é uma
lógica da dominação e da opressão. A ânsia por dominar a natureza envolvia o
domínio dos seres humanos, o que no final só poderia levar a “uma tenebrosa
condição de autodominação” (Bernstein, Habermas
and modernity, 1985, 9). A revolta da natureza, que eles apresentavam como
a única saída para o impasse, tinha portanto de ser concebida como uma revolta
da natureza humana contra o poder opressor da razão puramente instrumental
sobre a cultura e a personalidade.”
“O artista, alegou Frank Lloyd Wright — um
dos maiores arquitetos modernistas —, deve não somente compreender o espírito
de sua época como iniciar o processo de sua mudança.”
“É odioso, mas mesmo assim útil, impor a essa
complexa história algumas periodizações relativamente simples, ao menos para
ajudar a compreender a que tipo de modernismo reagem os pós-modernistas. O
projeto do Iluminismo, por exemplo, considerava axiomática a existência de uma
única resposta possível a qualquer pergunta. Seguia-se disso que o mundo
poderia ser controlado e organizado de modo racional se ao menos se pudesse
apreendê-lo e representá-lo de maneira correta. Mas isso presumia a existência
de um único modo correto de representação que, caso pudesse ser descoberto (e
era para isso que todos os empreendimentos matemáticos e científicos estavam
voltados), forneceria os meios para os fins iluministas. Assim pensavam
escritores tão diversos quanto Voltaire,
D’ Alembert, Diderot,
Condorcet, Hume,
Adam Smith, Saint-Simon, Auguste
Comte, Matthew Arnold, Jeremy Bentham e John
Stuart Mill.”
“O retrato do pós-modernismo que esbocei até
agora parece depender, para ter validade, de um modo particular de
experimentar, interpretar e ser no mundo — o que nos leva ao que é, talvez, a
mais problemática faceta do pós-modernismo: seus pressupostos psicológicos
quanto à personalidade, à motivação e ao comportamento. A preocupação com a
fragmentação e instabilidade da linguagem e dos discursos leva diretamente, por
exemplo, a certa concepção da personalidade. Encapsulada, essa concepção se
concentra na esquizofrenia (não, deve-se enfatizar, em seu sentido clínico
estrito), em vez de na alienação e na paranoia. Jameson (Postmodernism, or the cultural logic of late capitalism, 1984b)
explora esse tema com um efeito bem revelador. Ele usa a descrição de Lacan da
esquizofrenia como desordem linguística, como uma ruptura na cadeia
significativa de sentido que cria uma frase simples. Quando essa cadeia se
rompe, “temos esquizofrenia na forma de um agregado de significantes distintos
e não relacionados entre si”. Se a identidade pessoal é forjada por meio de “certa
unificação temporal do passado e do futuro com o presente que tenho diante de
mim”, e se as frases seguem a mesma trajetória, a incapacidade de unificar
passado, presente e futuro na frase assinala uma incapacidade semelhante de “unificar
o passado, o presente e o futuro da nossa própria experiência biográfica ou
vida psíquica”. Isso de fato se enquadra na preocupação pós-moderna com o
significante, e não com o significado, com a participação, a performance e o happening, em vez de com
um objeto de arte acabado e autoritário, antes com as aparências superficiais
do que com as raízes. O efeito desse colapso da cadeia significativa é reduzir
a experiência a uma série de presentes puros e não relacionados no tempo”.
(...)
O predomínio desse motivo no pensamento
pós-moderno tem várias consequências. Já não podemos conceber o indivíduo
alienado no sentido marxista clássico, porque ser alienado pressupõe um sentido
de eu coerente, e não-fragmentado, o qual se alienar. Somente em termos de tal
sentido centrado de identidade pessoal podem os indivíduos se dedicar a
projetos que se estendem no tempo ou pensar de modo coeso sobre a produção de
um futuro significativamente melhor do que o tempo presente e passado. O
modernismo dedicava-se muito à busca de futuros melhores, mesmo que a
frustração perpétua desse alvo levasse à paranoia. Mas o pós-modernismo
tipicamente descarta essa possibilidade ao concentrar-se nas circunstâncias
esquizofrênicas induzidas pela fragmentação e por todas as instabilidades
(inclusive as linguísticas) que nos impedem até mesmo de representar
coerentemente, para não falar de conceber estratégias para produzir, algum
futuro radicalmente diferente. O modernismo, com efeito, não deixava de ter
seus momentos esquizóides — em particular ao tentar combinar o mito com a
modernidade heroica —, havendo uma significativa história de “deformação da
razão” e de modernismos reacionários” para sugerir que a circunstância
esquizofrênica, embora dominada na maioria das vezes, sempre estava latente no
movimento modernista. Não obstante, há boas razões para acreditar que a “alienação
do sujeito é deslocada pela fragmentação do sujeito” na estética pós-moderna
(Jameson, The politics of theory, 1984a,
63). Se, como insistia Marx, o indivíduo alienado é necessário para se buscar o
projeto iluminista com uma tenacidade e coerência suficientes para nos trazer algum
futuro melhor, a perda do sujeito alienado pareceria impedir a construção consciente
de futuros sociais alternativos. A redução da experiência a “uma série de
presentes puros e não relacionados no tempo” implica também que a “experiência
do presente se torna poderosa e arrasadoramente vívida e ‘material’: o mundo
surge diante do esquizofrênico com uma intensidade aumentada, trazendo a carga
misteriosa e opressiva do afeto, borbulhando de energia alucinatória” (Jameson,
1984, 120). A imagem, a aparência, espetáculo podem ser experimentados com uma
intensidade (júbilo ou terror) possibilitada apenas pela sua apreciação como
presentes puros e não relacionadas o tempo. Por isso, o que importa “se o mundo
perde assim, momentaneamente, sua profundidade e ameaça tornar-se uma pele
lisa, uma ilusão estereoscópica, uma sucessão de imagens fílmicas sem densidade”?
(Jameson, 1984b) O caráter imediato dos eventos, o sensacionalismo do
espetáculo (político, científico, militar, bem como de diversão) se tornam a
matéria de que a consciência é forjada.”
“No campo da arquitetura e do projeto urbano,
considero o pós-modernismo no sentido amplo como uma ruptura com a ideia
modernista de que o planejamento e o desenvolvimento devem concentrar-se em planos
urbanos de larga escala, de alcance metropolitano, tecnologicamente
racionais e eficientes, sustentados por uma arquitetura absolutamente despojada
(as superfícies “funcionalistas” austeras do modernismo de “estilo
internacional”). O pós-modernismo cultiva, em vez disso, um conceito do tecido
urbano como algo necessariamente fragmentado, um “palimpsesto” de formas passadas
superpostas umas às outras e uma” colagem” de usos correntes, muitos dos quais
podem ser efêmeros. Como é impossível comandar a metrópole exceto aos pedaços,
o projeto urbano (e observe-se que os pós-modernistas antes projetam do
que planejam) deseja somente ser sensível às traições vernáculas, às histórias
locais, aos desejos, necessidades e fantasias particulares, gerando formas
arquitetônicas especializadas, e até altamente sob medida, que podem variar dos
espaços íntimos e personalizados ao esplendor do espetáculo, passando pela
monumentalidade tradicional. Tudo isso pode florescer pelo recurso a um notável
ecletismo de estilos arquitetônicos.
Verifica-se, sobretudo, que os
pós-modernistas se afastam de modo radical das concepções modernistas sobre como
considerar o espaço. Enquanto os modernistas veem o espaço como algo a ser
moldado para propósitos sociais e, portanto, sempre subserviente à construção
de um projeto social, os pós-modernistas o veem como coisa independente e
autônoma a ser moldada segundo objetivos e princípios estéticos que não têm
necessariamente nenhuma relação com algum objetivo social abrangente, salvo,
talvez, a consecução da intemporalidade e da beleza “desinteressada” como fins
em si mesmas.”
“Os problemas políticos, econômicos e sociais
enfrentados pelos países capitalistas avançados na esteira da Segunda Guerra
Mundial eram tão amplos quanto graves. A paz e a prosperidade internacionais
tinham de ser construídas de alguma maneira a partir de algum programa que
atendesse às aspirações de povos que tinham dado maciçamente suas vidas e
energias numa luta geralmente descrita (e justificada) como luta por um mundo
mais seguro, por um mundo melhor, por um futuro melhor. Isso por certo não
significava o retorno às condições pré-guerra de recessão e desemprego, de
marchas contra a fome e locais de distribuição de sopa, de habitações
deterioradas e de penúria, nem ao descontetamento social e à instabilidade política
que essas condições tão facilmente propiciavam. Para se manter democráticas e
capitalistas, as políticas do pós-guerra tinham de tratar de questões do pleno
emprego, da habitação decente, da previdência social, do bem-estar e das amplas
oportunidades de construção de um futuro melhor.
Embora as táticas e condições variassem de
lugar para lugar (em termos de, por exemplo, grau de destruição durante a
guerra, nível aceitável de centralização do controle político ou de compromisso
com o Estado de bem-estar social), havia em toda parte a tendência a considerar
a experiência de produção e planejamento de massa da época da guerra um meio de
lançar um vasto programa de reconstrução e de reorganização. Foi quase como se
uma versão nova e rejuvenescida do projeto do Iluminismo tivesse surgido, como
fênix, da morte e destruição do conflito global. A reconstrução, reformulação e
renovação do tecido urbano se tornaram um ingrediente essencial desse projeto.
Foi esse o contexto em que as ideias do CIAM, de Le Corbusier, de Mies van der
Rohe, de Frank Lloyd Wright e outros puderam ter a aceitação que tiveram, menos
como a força controladora das ideias sobre a produção do que como quadro
teórico e justificativa para aquilo que engenheiros, políticos, construtores e
empreendedores tinham passado a fazer por pura necessidade social, econômica e
política.”
“O mesmo julgamento pode ser aplicado ao modo
como a arquitetura e o projeto pós-modernos citam a vasta gama de informações e
de imagens de formas urbanas e arquitetônicas presentes em diferentes partes do
mundo. Todos trazemos, diz Jencks, um musée imaginaire na mente,
extraído da experiência (muitas vezes turística) de outros lugares e do
conhecimento adquirido em filmes, na televisão, em exposições, em brochuras de
viagem, revistas populares etc. É inevitável, diz ele, que tudo isso se
agregue, sendo tanto excitante quanto saudável que seja assim. “Por que nos
restringirmos ao presente, ao local, se podemos viver em épocas e culturas
distintas? O ecletismo é a evolução natural de uma cultura que tem escolha.” Lyotard apresenta um eco exato desse sentimento: “O ecletismo é o grau zero da
cultura geral contemporânea. Ouvimos reggae, assistimos faroestes, almoçamos no
McDonalds e jantamos comida local, usamos perfume de Paris em Tóquio e roupas ‘retrô’
em Hong Kong”.
A geografia de gostos e culturas
diferenciados se torna um pot-pourri de internacionalismo que em muitos
aspectos é mais espantoso, talvez porque mais saturado, do que o alto
internacionalismo já o foi. Quando acompanhado por fortes ondas de migração
(não somente do trabalho como do capital), isso produz uma pletora de “pequenas”
Itálias, Havanas, Tóquios, Coréias, Kingstons e Karachis, bem como Chinatowns, barrios
latinos, quarteirões árabes, zonas turcas etc. Mas o efeito, mesmo numa
cidade como São Francisco, onde as minorias, juntas, são a maioria, é estender um
véu sobre a geografia real através da construção de imagens e reconstruções, dramas
de costumes, festivais étnicos e assim por diante.”
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