domingo, 22 de janeiro de 2023

Condição pós-moderna: Uma Pesquisa sobre as Origens da Mudança Cultural (Parte I), de David Harvey

Editora: Loyola

ISBN: 978-85-15-00679-3

Tradução: Adail Ubirajara Sobral e Maria Stela Gonçalves

Opinião: ★★★☆☆

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Páginas: 352

Sinopse: Já definido pelo Financial Times como um dos melhores livros já escritos sobre a relação entre transformações econômicas e culturais de nosso tempo, a obra de Harvey define os contornos culturais da “condição” pós-moderna, em seus aspectos estéticos, sociais, literários e filosóficos. Fazendo das mudanças que ocorreram na experiência do espaço e do tempo o centro de sua tese, o autor vê a “condição” pós-moderna como uma consequência da atual crise do capitalismo e não como um sintoma do surgimento de uma sociedade pós-capitalista ou pós-industrial. Um estudo sumamente oportuno por sua abrangência e clareza.



“O destino de uma época que comeu da árvore do conhecimento é ter de... reconhecer que as concepções gerais da vida e do universo nunca podem ser os produtos do conhecimento empírico crescente, e que os mais elevados ideais, que nos movem com mais vigor, sempre são formados apenas na luta com outros ideais que são tão sagrados para os outros quanto os nossos para nós.” (Max Weber)

 

 

Quanto ao sentido do termo, talvez só haja concordância em afirmar que o “pós-modernismo” representa alguma espécie de reação ao “modernismo” ou de afastamento dele. Como o sentido de modernismo também é muito confuso, a reação ou afastamento conhecido como “pós-modernismo” o é duplamente. O crítico literário Terry Eagleton (“Awakenig from modernity”,1987) tenta definir o termo da seguinte maneira:

Talvez haja consenso quanto a dizer que o artefato pós-moderno típico é travesso, auto-ironizador e até esquizóide; e que ele reage à austera autonomia do alto modernismo ao abraçar impudentemente a linguagem do comércio e da mercadoria. Sua relação com a tradição cultural é de pastiche irreverente, e sua falta de profundidade intencional solapa todas as solenidades metafísicas, por vezes através de uma brutal estética da sordidez e do choque.

Mais positivamente, os editores da revista de arquitetura PRECIS 6 (The culture of fragments, 1987, 7-24) veem o pós-modernismo como legítima reação à “monotonia” da visão de mundo do modernismo universal. “Geralmente percebido como positivista, tecnocêntrico e racionalista, o modernismo universal tem sido identificado com a crença no progresso linear, nas verdades absolutas, no planejamento racional de ordens sociais ideais, e com a padronização do conhecimento e da produção.” O pós-moderno, em contraste, privilegia “a heterogeneidade e a diferença como forças libertadoras na redefinição do discurso cultural”. A fragmentação, a indeterminação e a intensa desconfiança de todos os discursos universais ou (para usar um termo favorito) “totalizantes” são o marco do pensamento pós-moderno. A redescoberta do pragmatismo na filosofia (p. ex., Rorty, Philosophy and the mirror of nature, 1979), a mudança de ideias sobre a filosofia da ciência promovida por Kuhn (The structure of scientific revolutions, 1962) e Feyerabend (Against method, 1975), a ênfase foucaultiana na descontinuidade e na diferença na história e a primazia dada por ele a “correlações polimorfas em vez da casualidade simples ou complexa”, novos desenvolvimentos na matemática — acentuando a indeterminação (a teoria da catástrofe e do caos, a geometria dos fractais) —, o ressurgimento da preocupação, na ética, na política e na antropologia, com a validade e a dignidade do “outro” — tudo isso indica uma ampla e profunda mudança na “estrutura do sentimento”. O que há em comum nesses exemplos é a rejeição das “metanarrativas” (interpretações teóricas de larga escala pretensamente de aplicação universal), o que leva Eagleton a completar a sua descrição do pós-modernismo da seguinte maneira:

O pós-modernismo assinala a morte dessas “metanarrativas”, cuja função terrorista secreta era fundamentar e legitimar a ilusão de uma história humana “universal”. Estamos agora no processo de despertar do pesadelo da modernidade, com sua razão manipuladora e seu fetiche da totalidade, para o pluralismo retornado do pós-moderno, essa gama heterogênea de estilos de vida e jogos de linguagem que renunciou ao impulso nostálgico de totalizar e legitimar a si mesmo... A ciência e a filosofia devem abandonar suas grandiosas reivindicações metafísicas e ver a si mesmas, mais modestamente, como apenas outro conjunto de narrativas.”

 

 

“A modernidade”, escreveu Baudelaire em seu artigo seminal “The painter of modern life” (publicado em 1863), “é o transitório, o fugidio, o contingente; é uma metade da arte, sendo a outra o eterno e o imutável.” (...)

Embora possa ser verdade que tanto Berman como Frisby estão identificando no passado uma sensibilidade contemporânea muito forte à efemeridade e à fragmentação, e, portanto, talvez superenfatizem esse lado da formulação dual de Baudelaire, há abundantes evidências a sugerir que a maioria dos escritores “modernos” reconheceu que a única coisa segura na modernidade é a sua insegurança, e até a sua inclinação para “o caos totalizante”. O historiador Carl Schorske (Fin-de-siecle Vienna, 1981, XIX) nota, por exemplo, que, na Viena fin de siecle:

A alta cultura entrou num turbilhão de inovação infinita, cada campo proclamando-se independente do todo, cada parte dividindo-se, por sua vez, em partes. Para a implacável centrifugadora da mudança foram atraídos os próprios conceitos mediante os quais os fenômenos culturais poderiam ser fixados no pensamento. Não somente os produtores da cultura, como também os seus analistas e críticos, foram atingidos pela fragmentação.

O poeta W. B. Yeats captou essa mesma disposição nos versos:

Things fall apart; the centre cannot hold;

Mere anarchy is loosed upon the world.*

Se a vida moderna está de fato tão permeada pelo sentido do fugidio, do efêmero, do fragmentário e do contingente, há algumas profundas consequências. Para começar, a modernidade não pode respeitar sequer o seu próprio passado, para não falar do de qualquer ordem social pré-moderna. A transitoriedade das coisas dificulta a preservação de todo sentido de continuidade histórica. Se há algum sentido na história, há que descobri-lo e defini-lo a partir de dentro do turbilhão da mudança, um turbilhão que afeta tanto os termos da discussão como o que está sendo discutido. A modernidade, por conseguinte, não apenas envolve uma implacável ruptura com todas e quaisquer condições históricas precedentes, como é caracterizada por um interminável processo de rupturas e fragmentações internas inerentes.”

* [As coisas se desfazem; o centro não se sustém; / A pura anarquia está solta no mundo.]

 

 

“Uma vanguarda sempre desempenhou, como registram Poggioli (The theory of the avant-garde, 1968) e Bürger (Theory of the avant-garde, 1984), um papel vital na história do modernismo, interrompendo todo sentido de continuidade através de alterações, recuperações e repressões radicais. Como interpretar isso, como descobrir os elementos “eternos e imutáveis” em meio a essas disrupções radicais, é o problema. Mesmo que o modernismo sempre tenha estado comprometido com a descoberta, como disse o pintor Paul Klee, do “caráter essencial do acidental”, ele agora precisava fazê-lo num campo de sentidos continuamente mutantes que com frequência pareciam “contradizer a experiência racional de ontem”. As práticas e juízos estéticos fragmentaram-se naquele tipo de “livro de rabiscos de um maníaco, cheio de itens coloridos que não têm nenhuma relação entre si, nenhum esquema determinante, racional ou econômico”, que Raban descreve como aspecto essencial da vida urbana.

Onde, em tudo isso, poderíamos procurar algum sentido de coerência, para não falar da necessidade de dizer alguma coisa consistente sobre o “eterno e imutável” que se supunha espreitar nesse turbilhão de mudança social no espaço e no tempo? Os pensadores iluministas geraram uma resposta filosófica e até prática para essa pergunta. Como essa resposta dominou boa parte do debate subsequente acerca do sentido da modernidade, cabe examiná-la mais de perto. Embora o termo “moderno” tenha uma história bem mais antiga, o que Habermas (Modernity: an incomplete project, 1983, 9) chama de projeto da modernidade entrou em foco durante o século XVIII. Esse projeto equivalia a um extraordinário esforço intelectual dos pensadores iluministas “para desenvolver a ciência objetiva, a moralidade e a lei universais e a arte autônoma nos termos da própria lógica interna destas”. A ideia era usar o acúmulo de conhecimento gerado por muitas pessoas trabalhando livre e criativamente em busca da emancipação humana e do enriquecimento da vida diária. O domínio científico da natureza prometia liberdade da escassez, da necessidade e da arbitrariedade das calamidades naturais. O desenvolvimento de formas racionais de organização social e de modos racionais de pensamento prometia a libertação das irracionalidades do mito, da religião, da superstição, liberação do uso arbitrário do poder, bem como do lado sombrio da nossa própria natureza humana. Somente por meio de tal projeto poderiam as qualidades universais, eternas e imutáveis de toda a humanidade ser reveladas. O pensamento iluminista (e, aqui, sigo Cassirer, The philosophy of Enlightenment, 1951) abraçou a ideia do progresso e buscou ativamente a ruptura com a história e a tradição esposada pela modernidade. Foi, sobretudo, um movimento secular que procurou desmistificar e dessacralizar o conhecimento e a organização social para libertar os seres humanos de seus grilhões. Ele levou a injunção de Alexander Pope de que “o estudo próprio da humanidade é o homem” muito a sério. Na medida em que ele também saudava a criatividade humana, a descoberta científica e a busca da excelência individual em nome do progresso humano, os pensadores iluministas acolheram o turbilhão da mudança e viram a transitoriedade, o fugidio e o fragmentário como condição necessária por meio da qual o projeto modernizador poderia ser realizado. Abundavam doutrinas de igualdade, liberdade, fé na inteligência humana (uma vez permitidos os benefícios da educação) e razão universal. “Uma boa lei deve ser boa para todos”, pronunciou Condorcet às vésperas da Revolução Francesa, “exatamente da mesma maneira como uma proposição verdadeira é verdadeira para todos”. Essa visão era incrivelmente otimista. Escritores como Condorcet, observa Habermas (1983, 9), estavam possuídos “da extravagante expectativa de que as artes e as ciências iriam promover não somente o controle das forças naturais como também a compreensão do mundo e do eu, o progresso moral, a justiça das instituições e até a felicidade dos seres humanos”. O século XX — com seus campos de concentração e esquadrões da morte, seu militarismo e duas guerras mundiais, sua ameaça de aniquilação nuclear e sua experiência de Hiroshima e Nagasaki — certamente deitou por terra esse otimismo. Pior ainda, há a suspeita de que o projeto do Iluminismo estava fadado a voltar-se contra si mesmo e transformar a busca da emancipação humana num sistema de opressão universal em nome da libertação humana. Foi essa a atrevida tese apresentada por Horkheimer e Adorno em The dialectic of Enlightenment (Dialética do Esclarecimento, 1972). Escrevendo sob as sombras da Alemanha de Hitler e da Rússia de Stálin, eles alegavam que a lógica que se oculta por trás da racionalidade iluminista é uma lógica da dominação e da opressão. A ânsia por dominar a natureza envolvia o domínio dos seres humanos, o que no final só poderia levar a “uma tenebrosa condição de autodominação” (Bernstein, Habermas and modernity, 1985, 9). A revolta da natureza, que eles apresentavam como a única saída para o impasse, tinha portanto de ser concebida como uma revolta da natureza humana contra o poder opressor da razão puramente instrumental sobre a cultura e a personalidade.”

 

 

“O artista, alegou Frank Lloyd Wright — um dos maiores arquitetos modernistas —, deve não somente compreender o espírito de sua época como iniciar o processo de sua mudança.”

 

 

“É odioso, mas mesmo assim útil, impor a essa complexa história algumas periodizações relativamente simples, ao menos para ajudar a compreender a que tipo de modernismo reagem os pós-modernistas. O projeto do Iluminismo, por exemplo, considerava axiomática a existência de uma única resposta possível a qualquer pergunta. Seguia-se disso que o mundo poderia ser controlado e organizado de modo racional se ao menos se pudesse apreendê-lo e representá-lo de maneira correta. Mas isso presumia a existência de um único modo correto de representação que, caso pudesse ser descoberto (e era para isso que todos os empreendimentos matemáticos e científicos estavam voltados), forneceria os meios para os fins iluministas. Assim pensavam escritores tão diversos quanto Voltaire, D’ Alembert, Diderot, Condorcet, Hume, Adam Smith, Saint-Simon, Auguste Comte, Matthew Arnold, Jeremy Bentham e John Stuart Mill.”

 

 

“O retrato do pós-modernismo que esbocei até agora parece depender, para ter validade, de um modo particular de experimentar, interpretar e ser no mundo — o que nos leva ao que é, talvez, a mais problemática faceta do pós-modernismo: seus pressupostos psicológicos quanto à personalidade, à motivação e ao comportamento. A preocupação com a fragmentação e instabilidade da linguagem e dos discursos leva diretamente, por exemplo, a certa concepção da personalidade. Encapsulada, essa concepção se concentra na esquizofrenia (não, deve-se enfatizar, em seu sentido clínico estrito), em vez de na alienação e na paranoia. Jameson (Postmodernism, or the cultural logic of late capitalism, 1984b) explora esse tema com um efeito bem revelador. Ele usa a descrição de Lacan da esquizofrenia como desordem linguística, como uma ruptura na cadeia significativa de sentido que cria uma frase simples. Quando essa cadeia se rompe, “temos esquizofrenia na forma de um agregado de significantes distintos e não relacionados entre si”. Se a identidade pessoal é forjada por meio de “certa unificação temporal do passado e do futuro com o presente que tenho diante de mim”, e se as frases seguem a mesma trajetória, a incapacidade de unificar passado, presente e futuro na frase assinala uma incapacidade semelhante de “unificar o passado, o presente e o futuro da nossa própria experiência biográfica ou vida psíquica”. Isso de fato se enquadra na preocupação pós-moderna com o significante, e não com o significado, com a participação, a performance e o happening, em vez de com um objeto de arte acabado e autoritário, antes com as aparências superficiais do que com as raízes. O efeito desse colapso da cadeia significativa é reduzir a experiência a uma série de presentes puros e não relacionados no tempo”. (...)

O predomínio desse motivo no pensamento pós-moderno tem várias consequências. Já não podemos conceber o indivíduo alienado no sentido marxista clássico, porque ser alienado pressupõe um sentido de eu coerente, e não-fragmentado, o qual se alienar. Somente em termos de tal sentido centrado de identidade pessoal podem os indivíduos se dedicar a projetos que se estendem no tempo ou pensar de modo coeso sobre a produção de um futuro significativamente melhor do que o tempo presente e passado. O modernismo dedicava-se muito à busca de futuros melhores, mesmo que a frustração perpétua desse alvo levasse à paranoia. Mas o pós-modernismo tipicamente descarta essa possibilidade ao concentrar-se nas circunstâncias esquizofrênicas induzidas pela fragmentação e por todas as instabilidades (inclusive as linguísticas) que nos impedem até mesmo de representar coerentemente, para não falar de conceber estratégias para produzir, algum futuro radicalmente diferente. O modernismo, com efeito, não deixava de ter seus momentos esquizóides — em particular ao tentar combinar o mito com a modernidade heroica —, havendo uma significativa história de “deformação da razão” e de modernismos reacionários” para sugerir que a circunstância esquizofrênica, embora dominada na maioria das vezes, sempre estava latente no movimento modernista. Não obstante, há boas razões para acreditar que a “alienação do sujeito é deslocada pela fragmentação do sujeito” na estética pós-moderna (Jameson, The politics of theory, 1984a, 63). Se, como insistia Marx, o indivíduo alienado é necessário para se buscar o projeto iluminista com uma tenacidade e coerência suficientes para nos trazer algum futuro melhor, a perda do sujeito alienado pareceria impedir a construção consciente de futuros sociais alternativos. A redução da experiência a “uma série de presentes puros e não relacionados no tempo” implica também que a “experiência do presente se torna poderosa e arrasadoramente vívida e ‘material’: o mundo surge diante do esquizofrênico com uma intensidade aumentada, trazendo a carga misteriosa e opressiva do afeto, borbulhando de energia alucinatória” (Jameson, 1984, 120). A imagem, a aparência, espetáculo podem ser experimentados com uma intensidade (júbilo ou terror) possibilitada apenas pela sua apreciação como presentes puros e não relacionadas o tempo. Por isso, o que importa “se o mundo perde assim, momentaneamente, sua profundidade e ameaça tornar-se uma pele lisa, uma ilusão estereoscópica, uma sucessão de imagens fílmicas sem densidade”? (Jameson, 1984b) O caráter imediato dos eventos, o sensacionalismo do espetáculo (político, científico, militar, bem como de diversão) se tornam a matéria de que a consciência é forjada.”

 

 

“No campo da arquitetura e do projeto urbano, considero o pós-modernismo no sentido amplo como uma ruptura com a ideia modernista de que o planejamento e o desenvolvimento devem concentrar-se em planos urbanos de larga escala, de alcance metropolitano, tecnologicamente racionais e eficientes, sustentados por uma arquitetura absolutamente despojada (as superfícies “funcionalistas” austeras do modernismo de “estilo internacional”). O pós-modernismo cultiva, em vez disso, um conceito do tecido urbano como algo necessariamente fragmentado, um “palimpsesto” de formas passadas superpostas umas às outras e uma “colagem” de usos correntes, muitos dos quais podem ser efêmeros. Como é impossível comandar a metrópole exceto aos pedaços, o projeto urbano (e observe-se que os pós-modernistas antes projetam do que planejam) deseja somente ser sensível às traições vernáculas, às histórias locais, aos desejos, necessidades e fantasias particulares, gerando formas arquitetônicas especializadas, e até altamente sob medida, que podem variar dos espaços íntimos e personalizados ao esplendor do espetáculo, passando pela monumentalidade tradicional. Tudo isso pode florescer pelo recurso a um notável ecletismo de estilos arquitetônicos.

Verifica-se, sobretudo, que os pós-modernistas se afastam de modo radical das concepções modernistas sobre como considerar o espaço. Enquanto os modernistas veem o espaço como algo a ser moldado para propósitos sociais e, portanto, sempre subserviente à construção de um projeto social, os pós-modernistas o veem como coisa independente e autônoma a ser moldada segundo objetivos e princípios estéticos que não têm necessariamente nenhuma relação com algum objetivo social abrangente, salvo, talvez, a consecução da intemporalidade e da beleza “desinteressada” como fins em si mesmas.”

 

 

“Os problemas políticos, econômicos e sociais enfrentados pelos países capitalistas avançados na esteira da Segunda Guerra Mundial eram tão amplos quanto graves. A paz e a prosperidade internacionais tinham de ser construídas de alguma maneira a partir de algum programa que atendesse às aspirações de povos que tinham dado maciçamente suas vidas e energias numa luta geralmente descrita (e justificada) como luta por um mundo mais seguro, por um mundo melhor, por um futuro melhor. Isso por certo não significava o retorno às condições pré-guerra de recessão e desemprego, de marchas contra a fome e locais de distribuição de sopa, de habitações deterioradas e de penúria, nem ao descontetamento social e à instabilidade política que essas condições tão facilmente propiciavam. Para se manter democráticas e capitalistas, as políticas do pós-guerra tinham de tratar de questões do pleno emprego, da habitação decente, da previdência social, do bem-estar e das amplas oportunidades de construção de um futuro melhor.

Embora as táticas e condições variassem de lugar para lugar (em termos de, por exemplo, grau de destruição durante a guerra, nível aceitável de centralização do controle político ou de compromisso com o Estado de bem-estar social), havia em toda parte a tendência a considerar a experiência de produção e planejamento de massa da época da guerra um meio de lançar um vasto programa de reconstrução e de reorganização. Foi quase como se uma versão nova e rejuvenescida do projeto do Iluminismo tivesse surgido, como fênix, da morte e destruição do conflito global. A reconstrução, reformulação e renovação do tecido urbano se tornaram um ingrediente essencial desse projeto. Foi esse o contexto em que as ideias do CIAM, de Le Corbusier, de Mies van der Rohe, de Frank Lloyd Wright e outros puderam ter a aceitação que tiveram, menos como a força controladora das ideias sobre a produção do que como quadro teórico e justificativa para aquilo que engenheiros, políticos, construtores e empreendedores tinham passado a fazer por pura necessidade social, econômica e política.”

 

 

“O mesmo julgamento pode ser aplicado ao modo como a arquitetura e o projeto pós-modernos citam a vasta gama de informações e de imagens de formas urbanas e arquitetônicas presentes em diferentes partes do mundo. Todos trazemos, diz Jencks, um musée imaginaire na mente, extraído da experiência (muitas vezes turística) de outros lugares e do conhecimento adquirido em filmes, na televisão, em exposições, em brochuras de viagem, revistas populares etc. É inevitável, diz ele, que tudo isso se agregue, sendo tanto excitante quanto saudável que seja assim. “Por que nos restringirmos ao presente, ao local, se podemos viver em épocas e culturas distintas? O ecletismo é a evolução natural de uma cultura que tem escolha.” Lyotard apresenta um eco exato desse sentimento: “O ecletismo é o grau zero da cultura geral contemporânea. Ouvimos reggae, assistimos faroestes, almoçamos no McDonalds e jantamos comida local, usamos perfume de Paris em Tóquio e roupas ‘retrô’ em Hong Kong”.

A geografia de gostos e culturas diferenciados se torna um pot-pourri de internacionalismo que em muitos aspectos é mais espantoso, talvez porque mais saturado, do que o alto internacionalismo já o foi. Quando acompanhado por fortes ondas de migração (não somente do trabalho como do capital), isso produz uma pletora de “pequenas” Itálias, Havanas, Tóquios, Coréias, Kingstons e Karachis, bem como Chinatowns, barrios latinos, quarteirões árabes, zonas turcas etc. Mas o efeito, mesmo numa cidade como São Francisco, onde as minorias, juntas, são a maioria, é estender um véu sobre a geografia real através da construção de imagens e reconstruções, dramas de costumes, festivais étnicos e assim por diante.”

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