Editora: Geração Editorial
ISBN: 978-85-8130-257-7
Opinião: ★★★☆☆
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Páginas: 256
Sinopse: Quem
não leu este livro não tem ― e nem terá ― a menor ideia do que se passou nos
anos 1990. Foi quando o Brasil, ao torrar suas estatais, emprestar dinheiro
para os compradores as adquirirem e aceitar moedas podres no pagamento, fechou
alguns dos piores negócios de que se tem notícia. Mais: antes de privatizar as
empresas de energia e telefonia, o governo do PSDB turbinou as tarifas em até
500 por cento, o que premiou o comprador e puniu o consumidor. Seu autor,
Aloysio Biondi, um dos mais importantes jornalistas de economia que o país já
teve, não recorre ao discurso político-ideológico para nos convencer. Usa uma
ciência mais neutra, a matemática. Aqui, os números falam pelas palavras. É um
trabalho profundo, meticuloso e ― importante ― didático. Biondi procurou e descobriu
as muitas caixas-pretas das privatizações. E, para nosso espanto e horror,
abriu uma a uma, escancarando o tamanho do esbulho que a nação sofreu.
“Antes
de vender as empresas telefônicas, o governo investiu 21 bilhões de reais no
setor, em dois anos e meio. Vendeu tudo por uma “entrada” de 8,8 bilhões de
reais, ou menos — porque financiou metade da “entrada” para grupos brasileiros.
Na
venda do Banco do Estado do Rio de Janeiro (Banerj), o “comprador” pagou apenas
330 milhões de reais e o governo do Rio tomou, antes, um empréstimo dez vezes
maior, de 3,3 bilhões de reais, para pagar direitos dos trabalhadores.
Na
privatização da rodovia dos Bandeirantes, em São Paulo, a empreiteira que
ganhou o leilão está recebendo 220 milhões de reais de pedágio por ano desde
que assinou o contrato — e até abril de 1999 não havia começado a construção da
nova pista.
A
Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) foi comprada por 1,05 bilhão de reais, dos
quais 1,01 bilhão em “moedas podres” — vendida aos “compradores” pelo próprio
BNDES (Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social), financiada em 12
anos.
Assim
é a privatização brasileira: o governo financia a compra no leilão, vende
“moedas podres” a longo prazo e ainda financia os investimentos que os
“compradores” precisam fazer — até a Light recebeu um empréstimo de 730 milhões
de reais. E, para aumentar os lucros dos futuros “compradores”, o governo
“engole” dívidas bilionárias, demite funcionários, investe maciçamente e até
aumenta tarifas e preços antes da privatização. (...)
Todos
esses desastres já criaram a convicção de que o famoso processo de privatização
no Brasil está cheio de aberrações. Não foi feito para “beneficiar o
consumidor”, a população, e sim levando em conta os interesses — e a busca de
grandes lucros — dos grupos que “compraram” as estatais, sejam brasileiros ou
multinacionais. Mas há mentiras ainda maiores a serem descobertas pelos
brasileiros, destruindo os argumentos que o governo e os meios de comunicação
utilizaram para privatizar as estatais a toque de caixa, a preços incrivelmente
baixos.
A
venda de estatais, segundo o governo, serviria para atrair dólares, reduzindo a
dívida do Brasil com o resto do mundo — e “salvando” o real. O dinheiro
arrecadado com a venda serviria ainda, segundo o governo, para reduzir também a
dívida interna, isto é, aqui dentro do país, do governo federal e dos estados.
Aconteceu o contrário: as vendas foram um “negócio da China” e o governo
“engoliu” dívidas de todos os tipos das estatais vendidas; isto é, a privatização
acabou por aumentar a dívida interna. Ao mesmo tempo, as empresas
multinacionais ou brasileiras que “compraram” as estatais não usaram capital
próprio, dinheiro delas mesmas, mas tomaram empréstimos lá fora para fechar
negócios. Assim, aumentaram a dívida externa do Brasil. É o que se pode
demonstrar na ponta do lápis, neste “balanço” das privatizações brasileiras,
aceleradas a partir do governo Fernando Henrique Cardoso.”
“Na surdina, governo garantiu
tarifas altas
Houve
uma intensa campanha contra as estatais por meio de comunicação, verdadeira
“lavagem cerebral” da população para facilitar as privatizações. Entre os
principais argumentos, apareceu sempre a promessa de que eles trariam preços
mais baixos para o consumidor, “graças à maior eficiência das empresas
privadas”. A promessa era pura enganação. No caso dos serviços telefônicos e de
energia elétrica, o projeto do governo sempre foi fazer exatamente o contrário,
por baixo do pano ou na surdina.
Como
assim? Primeiro é preciso relembrar um detalhe importante: antes das
privatizações, o governo já havia começado a aumentar as tarifas
alucinadamente, para assim garantir imensos lucros no futuro aos “compradores”
— sem que eles tivessem de enfrentar os riscos de protestos e indignação do consumidor.
Para as telefônicas, reajustes de até 500% a partir de novembro de 1995 e, para
as fornecedoras de energia elétrica, aumentos de 150% — ou ainda maiores para
as famílias de trabalhadores que ganham menos, vítimas de mudanças na política
de cobrança de tarifas menores (por quilowatt gasto) nas contas de consumo
baixo. Tudo isso aconteceu como “preparativo” para as privatizações, antes dos
leilões.
Mas
o importante, que sempre foi escondido da população, é que, em vez de assinar
contratos que obrigassem a Light e outros “compradores” a reduzir gradualmente
as tarifas — como foi obrigatório em outros países —, o governo garantiu que
eles teriam direito, no mínimo, a aumentar as tarifas todos os anos, de
acordo com a inflação. Isto é, o governo fez exatamente o contrário do que
jornais, revistas e TVs diziam ao povo brasileiro, que acreditou em suas
mentiras o tempo todo. Além dessa garantia de reajustes anuais de acordo com a
inflação, os “compradores” das empresas de energia podiam também aumentar preços
se houvesse algum “imprevisto” — como é
o caso da maxidesvalorização do real no começo de 1999...”
“Há quem acredite na boa-fé do governo e julgue que essas estranhas
“bondades” aconteceram apenas por incompetência... Há quem prefira, porém, a
hipótese de que foi tudo um jogo de cartas marcadas, para permitir que os
“compradores” adiassem gastos e investimentos para a melhoria dos serviços.
E
para a Light e outras empresas fornecedoras de energia elétrica? Aqui, a “bondade”
do governo bateu recordes. No caso da Light, o contrato previu — isto mesmo,
previu — e autorizou a piora dos serviços, pois permitiu um número maior de
blecautes ou “apagões”, e também de interrupções mais prolongadas no
fornecimento de energia. Incrível? Pois essa “piora autorizada” foi denunciada
antes mesmo da assinatura do contrato com a Light, por uma organização
não-governamental do Rio, o Grupo de Acompanhamento Institucional do Sistema de
Energia, do qual o físico Luís Pinguelli Rosa é um dos integrantes.
Como
se não bastasse, a multa fixada para as empresas de energia que desrespeitassem
até os limites “simpáticos” combinados com o governo é absolutamente ridícula.
Quanto? Apenas 0,1% do faturamento anual. Ou seja, se a Light, a Eletropaulo ou
a Companhia Paulista de Força e Luz (CPFL) faturarem 1,2 bilhão de reais em um
ano, a multa será de apenas 1,2 milhão de reais... Deu para entender a jogada?
Se as empresas privatizadas deixarem de investir 100 milhões, 200 milhões ou
400 milhões de reais para atender os moradores, as indústrias, as empresas de
determinada região ou cidade, pagarão apenas 1,2 milhão de reais de multa...
Isso não é multa. É prêmio do governo aos “compradores”.”
“Por que é tão fácil as privatizadas lucrarem
—
Ah, mas as estatais sempre dão prejuízos, tiram dinheiro da saúde e da
educação... É incrível como essas empresas estão dando lucro, logo no primeiro
ano depois da privatização...
Esse
argumento também foi largamente repetido para a população. Ele também é falso.
Ponto por ponto, pode-se explicar as razões dos “lucros” rápidos das empresas
privatizadas:
•
Tarifas e preços — os reajustes de 100%, 300%, 500% antes da privatização garantem
lucros aos novos donos. E há aumentos até de última hora, como o reajuste de
58% para as contas de energia no Rio, poucos dias antes do leilão da Light.
•
Demissões — antes de privatizar, o governo tem feito demissões maciças de
trabalhadores das estatais, isto é, gastou bilhões com o pagamento de
indenizações e direitos trabalhistas, que na verdade seriam de responsabilidade
de “compradores”. Exemplos: o governo de São Paulo demitiu 10.026 funcionários
de sua empresa ferroviária, a Fepasa, de 1995 a 1998. E ficou ainda responsável
pelo pagamento de 50 mil aposentados da ferrovia. No Rio, o governo do estado,
antes da privatização, incumbiu-se de demitir nada menos que a metade — mais
exatamente 6.200 — dos 12 mil funcionários do seu banco, o Banerj. Com essas
demissões, além de se livrar do pagamento das indenizações e aposentadorias, os
“compradores” receberam também folhas de pagamento mais baixas, mês a mês — e
isso vale para quase todas as estatais privatizadas.
•
Dívidas “engolidas” — esse é um ponto que nunca ficou claro para o povo
brasileiro: ao longo de 30 anos, desde o final dos anos 1960, o governo
frequentemente usou as estatais para “segurar” a inflação ou beneficiar certos
setores da economia, geralmente por serem considerados “estratégicos” para o
país. Como assim? Houve períodos em que o governo evitou reajustes de preços e
tarifas de produtos (como o aço) e serviços fornecidos pelas estatais, na
tentativa de reduzir as pressões e controlar as taxas de inflação. Esses
“achatamentos” e “congelamentos” de preços foram os principais responsáveis por
prejuízos ou baixos lucros apresentados por algumas estatais, que passavam a
acumular dívidas ao longo dos anos — sofrendo então nova “sangria” de recursos,
representada pelos juros que tinham de pagar sobre essas dívidas. Certo ou
errado, as estatais foram usadas como arma contra a inflação por governos que
achavam que o combate à carestia era a principal prioridade do país. O mal é
que nunca foi suficientemente explicado à população que essa decisão arruinava
as empresas estatais, dando motivo a falsas acusações de “incompetência” e
“sacos sem fundo” contra elas. Quando veio a onda das privatizações, o governo
fez exatamente o contrário. Primeiro, como visto acima, aumentou os preços (até
300%, no caso do aço) e tarifas (até 500%, repita-se) cobrados por empresas que
seriam privatizadas. Mas — o que é espantoso — o governo fez muito mais:
“engoliu”, passou para o Tesouro, dívidas que eram das estatais, bilhões e
bilhões de reais que deveriam ser pagos pelos “compradores” — mesmo que esse
pagamento fosse feito a longo prazo, mediante acordo com os credores. Exemplos?
Na venda da Cosipa (Companhia Siderúrgica Paulista), o governo ficou
responsável por dívidas de 1,5 bilhão de reais (além de o governo paulista ter
adiado o recebimento de 400 milhões de reais em ICMS atrasado). Quanto o
governo recebeu pela venda? Só 300 milhões de reais. Isto é, o governo “ganhou”
uma dívida de 1,5 bilhão de reais, e os “compradores” pagaram somente 300
milhões. A venda da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) de Volta Redonda não
foi diferente: o governo “engoliu” dívidas de no mínimo 1 bilhão de reais.
Então, pode-se entender que, com essa política, ficou mais fácil para os
“compradores” terem grandes lucros rapidamente: já no primeiro ano, além das
tarifas e preços majorados, além da folha salarial reduzida, eles se livraram
de pagar prestações dessas dívidas, bem como os juros sobre elas. Receberam as
empresas “limpinhas”, prontas para os lucros. É essa política que o governo
chama de “saneamento das estatais”, preparatório para a privatização. Quem não
quer? (...)
•
Fundos de pensão — exatamente como as grandes empresas privadas, as empresas
estatais mantêm planos especiais de aposentadoria ou planos de pensão para seus
funcionários. Em vários casos, os “compradores” ficaram livres também desses
compromissos. Como assim? O governo — estados ou União — “transferiu” os
aposentados para sua folha de pagamentos ou se responsabilizou, no caso dos
fundos de pensão, pelo pagamento dos benefícios aos funcionários existentes. No
caso da Fepasa, o número de aposentados que “ficou” com o governo chega a nada
menos que 50 mil. No entanto, o mais escandaloso foi o caso do Banco do Estado
do Rio de Janeiro. Para privatizá-lo, o governo “engoliu” todos os compromissos
futuros do plano de pensão dos funcionários. Para isso, o então governador
Marcello Alencar tomou um empréstimo de nada menos que 3,3 bilhões de reais,
mesmo sabendo que o banco seria vendido por apenas 330 milhões de reais, isto
é, um preço dez vezes menor. Pior ainda: esse valor foi pago em “moedas
podres”, negociadas no mercado com desconto de 50%, ou seja, os 330 milhões de
reais representavam mesmo, no final das contas, apenas 165 milhões de reais, ou
praticamente 20 vezes menos do que o valor do empréstimo de 3,3 bilhões... Tudo
para livrar os “compradores” de futuros gastos. Essa operação escandalosa
agravou os problemas financeiros do Rio, como o governador, Anthony Garotinho,
não se cansa de apontar. (...)
•
Prejuízos bondosos — existe uma vantagem, sobre a qual nunca se fala, de que
desfrutam os “compradores” de bancos estatais — à custa da Receita Federal, do
pagamento de impostos. Eles podem utilizar os prejuízos que os bancos estatais
“comprados” por eles tenham sofrido nos últimos anos e acumulado nos balanços.
Utilizar como? Eles podem “pegar” esse prejuízo e subtraí-lo do seu próprio
lucro, reduzindo-o e, portanto, diminuindo também o Imposto de Renda que
deveriam pagar. Com esse mecanismo, chamado de “crédito tributário”, o banco
“comprador” do gaúcho Meridional pode utilizar um prejuízo de 230 milhões de
reais (do banco “comprado”) em seu benefício. Quanto ele havia pago pelo
Meridional? Apenas 267 milhões de reais. Como utilizou os 230 milhões de reais,
o seu “gasto” para comprar o banco seria, na verdade, de meros 37 milhões de
reais. Quem se interessar por mais detalhes sobre essas operações deve
consultar a magnífica reportagem da jornalista Maria Christina Carvalho,
publicada pela Gazeta Mercantil em 17 de novembro de 1998.
•
Dinheiro em caixa — por incrível que possa parecer, há estatais que foram
vendidas com “dinheiro em caixa”, isto é, dinheiro que os compradores receberam
de mão beijada. A Vale do Rio Doce foi entregue a Benjamin Steinbruch com 700
milhões de reais em caixa, segundo noticiário da época. Ou, mais inacreditável
ainda, simplesmente espantoso: a Telesp tinha nada menos que 1 bilhão (com
letra b, mesmo) em caixa ao ser entregue à espanhola Telefônica, segundo
entrevista do diretor da empresa “compradora” à Gazeta Mercantil, em
janeiro de 1999, logo após a queda do real. Lembrete: a Telefônica pagou uma
entrada de 2,2 bilhões de reais pela Telesp. Descontando-se o dinheiro em
caixa, seu desembolso na verdade foi de apenas 1,2 bilhão.”
“Vendas à prestação
Outro
motivo para o aumento dos lucros dos “compradores” (e novos “rombos”, se as
contas forem benfeitas, para o governo): na maioria das privatizações, o valor
está sendo pago em prestações e com juros vergonhosamente baixos se comparados
com as taxas normais no Brasil ou, mais ainda, com as taxas que o governo tem
pago sobre sua dívida cada vez mais alta. Na venda das redes ferroviárias, por
exemplo, houve uma entrada de 10% a 20% do valor, com prazo, no total, de nada
menos de 30 anos. Isto é, nesses três primeiros anos o “comprador” recebe
dinheiro, fatura, utilizando o patrimônio formado pelo Estado ao longo de
décadas, e nada paga (e atenção: ainda recebe empréstimos do BNDES para
“investir”). Mesmo no caso das teles houve parcelamento, cuidadosamente
escondido por todo o noticiário: a entrada era apenas de 40%, seguida de duas
parcelas de 30% cada, a vencerem daí a um e dois anos, respectivamente. Os
comentaristas dos jornais e TVs, ou as reportagens sobre a venda, repisavam o
tempo todo que o governo iria receber 13,5 bilhões de reais (preço mínimo
pedido no leilão), ou “quatro vezes o valor recebido pela Vale do Rio Doce”
(sic). Era mentira. A entrada seria de apenas 5,4 bilhões de reais, ou 40%
daquele valor. E, quando as teles afinal foram vendidas por 22,2 bilhões de
reais, os meios de comunicação trombetearam o tempo todo que o governo usaria
aquela “dinheirama” para reduzir a dívida... Continuavam a esconder que, na
verdade, o governo só receberia 40% desse valor — 8,8 bilhões de reais. (De
fato, receberia menos ainda, considerando-se que o governo financiaria, por
meio do BNDES, 50% da entrada, quando o comprador fosse uma empresa nacional,
mesmo que ela fosse apenas participante do consórcio.)”
““Moedas podres” e truques...
Nas
primeiras privatizações, o governo chegou a aceitar que o pagamento fosse
totalmente feito em “moedas podres”, isto é, títulos antigos emitidos pelo
governo e que podiam ser comprados por até 50% do seu valor. A própria
Companhia Siderúrgica Nacional foi “vendida” no leilão por 1,05 bilhão de
reais, mas esse valor foi pago em sua quase totalidade, ou 1,01 bilhão de
reais, com “moedas podres”, com apenas 38 milhões de reais pagos em dinheiro.
Em outras palavras, foi nula a entrada de dinheiro nos cofres do governo, que
na prática apenas recebeu de volta uma parcela de sua dívida em títulos
(exemplo: Títulos da Dívida Agrária, espécie de “promissória”, a ser paga ao
longo dos anos, entregue a proprietários rurais que tiveram suas fazendas
desapropriadas). E os grupos “compradores”? Usaram títulos, que compraram pela
metade do preço, para “pagar” ao governo, isto é, na verdade compraram as
estatais pela metade do preço anunciado. Há mais surpresas, porém: por incrível
que pareça e o que é geralmente desconhecido pela opinião pública, mesmo
“moedas podres” usadas nos leilões também foram vendidas à prestação,
financiadas pelo BNDES. Como assim? Era o próprio banco do governo que tinha
“moedas podres” guardadas e as colocava em leilão, para os interessados em “comprar”
estatais, em condições incríveis: até 12 anos para pagar e com juros
privilegiados.”
“... e mais financiamentos
Em
resumo, o governo está vendendo empresas à prestação, fornecendo “metade” da
“entrada” nos leilões, financiando até a “compra” de “moedas podres”... Mas não
se contenta com isso. Os felizes “compradores” das estatais brasileiras têm
ainda novos presentes à sua espera: o BNDES lhes oferece empréstimos
bilionários, depois que tomam posse das empresas, para executarem — com
dinheiro do banco estatal, logo nosso dinheiro — os “investimentos” que se
comprometeram a fazer. Ninguém se espante: depois do caos nos serviços de
energia elétrica no Rio, no começo de 1998, a Light ganhou um empréstimo de
nada menos que 730 milhões de reais do BNDES. A Companhia Siderúrgica Nacional,
comprada com “moedas podres” financiadas, também foi imediatamente presenteada
com um empréstimo de 1,1 bilhão de reais do BNDES para execução de um plano de
expansão de cinco anos. Tudo, sempre, com juros privilegiados, abaixo dos
níveis de mercado. Explicam-se, assim, os rápidos e crescentes lucros dos
“compradores” de estatais... Com dinheiro nosso, a baixo custo.
Como aumentar a dívida e abalar o
real
Para
coroar tudo isso, não se deve esquecer que o governo fez investimentos maciços,
bilionários, nos meses que antecederam os leilões de “venda” das estatais. Isto
é, com esses investimentos, o governo está criando novas e formidáveis fontes
de renda, de faturamento, para os “compradores” — que, assim, já têm garantido
um salto fantástico nos lucros, falsamente atribuídos pelos meios de
comunicação à sua “eficiência”. Exemplos? O governo investiu 4,7 bilhões de
reais na Açominas antes de privatizá-la. Gastou, também, 1,9 bilhão na CSN.”
“O governo não tinha outro caminho?
A
febre da privatização e o impulso ao chamado neoliberalismo tiveram seu ponto
de partida na Inglaterra, com a primeira-ministra Margaret Thatcher. Mas mesmo
a “dama de ferro” fez tudo diferente do governo Fernando Henrique Cardoso: a
privatização inglesa não representou a doação de empresas estatais, a preços
baixos, a poucos grupos empresariais. Ao contrário: seu objetivo foi exatamente
a “pulverização” das ações, isto é, transformar o maior número possível de
cidadãos ingleses em “donos” de ações, acionistas das empresas privatizadas.
Não foi só o blá-blá-blá, não. O governo inglês criou “prêmios”, incentivos
para qualquer cidadão comprar ações: quem não as revendesse antes de certo
prazo tinha o direito de “ganhar” determinadas quantias, em datas já marcadas
no momento da compra (o sistema se baseava na distribuição de customer
vouchers, espécie de cupons que eram trocados por dinheiro nos prazos
previstos). Ou ainda: após três anos, os acionistas que tivessem guardado as
ações podiam ganhar também sobre “lotes extras” dos títulos, geralmente na
promoção de 10% sobre o número de ações compradas. Isso na Inglaterra de
Thatcher, nos anos 1980.
Mais
recentemente, a Itália também partiu para a privatização. Como na Inglaterra,
houve a preocupação de “democratizar”, garantir a distribuição do patrimônio
nacional, evitar a concentração da renda. Como os italianos não eram tão
adeptos de aplicações em bolsas quanto os norte-americanos ou os ingleses, o
governo procurou vencer suas resistências com uma fórmula atraente: se houvesse
queda nas bolsas ou por outro motivo qualquer, o comprador de ações poderia
receber seu dinheiro de volta, com juros de 3% a 4% acima das taxas do mercado
internacional, que ele ganharia se tivesse aplicado em títulos de renda fixa
(isto é, que só rendem juros).
Na
França, a mesma coisa. Na privatização parcial das empresas de
telecomunicações, em 1998, nada menos que 4 milhões de franceses compraram
ações, graças aos atrativos oferecidos pelo governo.”
“Povo duplamente lesado
O
ex-presidente Fernando Henrique Cardoso implantou as privatizações a preços
baixos, financiou os “compradores”, sempre alegando não haver outros caminhos
possíveis. A experiência de outros países, que a equipe de governo conhecia
muito bem, mostra que essa argumentação é falsa. Como foi possível ao governo
agir com tal autoritarismo, transferindo o patrimônio público, acumulado ao
longo de décadas, a poucos grupos empresariais que nem sequer tinham dinheiro
para pagar ao Tesouro? Como explicar a falta de reação da sociedade?
Sem
sombra de dúvida, os meios de comunicação, com seu apoio incondicional às
privatizações, foram um aliado poderoso. Houve a campanha de desmoralização das
estatais e a ladainha do “esgotamento dos recursos do Estado”. Mais ainda: a
sociedade brasileira perdeu completamente a noção — se é que a tinha — de que
as estatais não são empresas da propriedade do “governo”, que pode dispor delas
a seu bel-prazer. Esqueceu-se de que o Estado é mero “gerente” dos bens, do
patrimônio da sociedade, isto é, que as estatais sempre pertenceram a cada
cidadão, portanto a todos os cidadãos, e não ao governo federal ou estadual.
Essa falta de consciência coletiva, reforçada pelos meios de comunicação,
repita-se, explica a indiferença com que a opinião pública viu o governo doar
por 10 o que valia 100. Um “negócio da China” que, em sua vida particular,
nenhum trabalhador, empresário, nenhuma família de classe média ou o povão
aceitariam. Qual seria a reação de qualquer brasileiro, por exemplo, se um
vizinho rico quisesse comprar sua casa, que vale 50 mil ou 100 mil, por 5 mil
ou 10 mil? Reagiria violentamente. No entanto, centenas e centenas de bilhões
de reais de patrimônio público, isto é, de propriedade dos milhões de
brasileiros, foram “vendidos” dessa forma, sem grandes protestos a não ser nas
áreas sindicais ou oposicionistas — que, por isso mesmo, tiveram seu espaço nos
meios de comunicação devidamente cortado, tornado quase inexistente, nos
últimos anos.
A
“doação” do patrimônio público empreendida pelo governo Fernando Henrique
Cardoso tem um agravante. O governo poderia ter imitado o modelo de outros
países, como dito. Mas havia ainda outro aspecto, no caso brasileiro, que não
apenas aconselhava, mas exigia, o caminho da “pulverização” de ações das
empresas privatizadas. Qual? O governo já tem dívidas com os trabalhadores,
cerca de 50 bilhões a 60 bilhões de reais, representadas pelo dinheiro do Fundo
de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) e do PIS/Pasep (Plano de Integração
Social/ Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público), que o governo
usou para financiar projetos diversos. Se todos os trabalhadores brasileiros
fossem sacar seu PIS ou FGTS, descobririam que não poderiam receber porque está
“faltando” aquele dinheiro, utilizado pelo governo. Isto é: quando se diz que o
governo deve a cada João, a cada Maria, a cada Antônio, a cada Joana
brasileiros, não é mera força de expressão. É a pura verdade. O governo poderia
ter finalmente pago essa dívida aos brasileiros, entregando-lhes ações das
empresas estatais. Essa hipótese existia no governo Itamar Franco, quando o
BNDES planejava privatizar as estatais usando “moedas podres” (ou seja, FGTS,
PIS/Pasep). Com a posse de Fernando Henrique Cardoso e sua equipe, a proposta
foi abandonada, para alegria de grupos empresariais.
O
trabalhador brasileiro foi duplamente lesado. Continuou vítima do “calote” do
governo, no FGTS e no PIS/Pasep. E ficou sem as estatais, das quais já era
dono.”
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