Editora: Loyola
ISBN: 978-85-15-00679-3
Tradução: Adail
Ubirajara Sobral e Maria Stela Gonçalves
Opinião: ★★★☆☆
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Páginas: 352
Sinopse: Ver Parte I
“Os papéis das outras partes no contrato
social geral, embora com frequência tácito, que reinava no período de expansão
do pós-guerra eram bem definidos. Utilizava-se o grande poder corporativo para
assegurar o crescimento sustentado de investimentos que aumentassem a
produtividade, garantissem o crescimento e elevassem o padrão de vida enquanto
mantinham uma base estável para a realização de lucros. Isso implicava um
compromisso corporativo com processos estáveis, mas vigorosos de mudança
tecnológica, com um grande investimento de capital fixo, melhoria da capacidade
administrativa na produção e no marketing e mobilização de economias de escala
mediante a padronização do produto. A forte centralização do capital, que vinha
sendo uma característica tão significativa do capitalismo norte-americano desde
1900, permitiu refrear a competição intercapitalista numa economia americana
todo-poderosa e fazer surgir práticas de planejamento e de preços monopolistas
e oligopolistas. A administração científica de todas as facetas da atividade
corporativa (não somente produção como também relações pessoais, treinamento no
local de trabalho, marketing, criação de produtos, estratégias de preços,
obsolescência planejada de equipamentos e produtos) tornou-se o marco da
racionalidade corporativa burocrática. As decisões das corporações se tornaram
hegemônicas na definição dos caminhos do crescimento do consumo de massa,
presumindo-se, com efeito, que os outros dois parceiros da grande coalizão
fizessem tudo o que fosse necessário para manter a demanda efetiva em níveis
capazes de absorver o crescimento sustentado do produto capitalista. O acúmulo
de trabalhadores em fábricas de larga escala sempre trazia, no entanto, a
ameaça de uma organização trabalhista mais forte e do aumento do poder da
classe trabalhadora — daí a importância do ataque político a elementos radicais
do movimento operário depois de 1945. Mesmo assim, as corporações aceitaram a
contragosto o poder sindical, particularmente quando os sindicatos procuravam
controlar seus membros e colaborar com a administração em planos de aumento da
produtividade em troca de ganhos de salário que estimulassem a demanda efetiva
da maneira originalmente concebida por Ford.
O Estado, por sua vez, assumia uma variedade
de obrigações. Na medida em que a produção de massa, que envolvia pesados
investimentos em capital fixo, requeria condições de demanda relativamente
estáveis para ser lucrativa, o Estado se esforçava por controlar ciclos
econômicos com uma combinação apropriada de políticas fiscais e monetárias no
período pós-guerra. Essas políticas eram dirigidas para as áreas de
investimento público — em setores como o transporte, os equipamentos públicos
etc. — vitais para o crescimento da produção e do consumo de massa e que também
garantiam um emprego relativamente pleno. Os governos também buscavam fornecer
um forte complemento ao salário social com gastos de seguridade social,
assistência médica, educação, habitação etc. Além disso, o poder estatal era
exercido direta ou indiretamente sobre os acordos salariais e os direitos dos
trabalhadores na produção. (...)
Nem todos eram atingidos pelos benefícios do
fordismo, havendo na verdade sinais abundantes de insatisfação mesmo no apogeu
do sistema. Para começar, a negociação fordista de salários estava confinada a
certos setores da economia e a certas nações-Estado em que o crescimento
estável da demanda podia ser acompanhado por investimentos de larga escala na
tecnologia de produção em massa. Outros setores de produção de alto risco ainda
dependiam de baixos salários e de fraca garantia de emprego. E mesmo os setores
fordistas podiam recorrer a uma base não-fordista de subcontratação. Os
mercados de trabalho tendiam a se dividir entre o que O’Connor (The fiscal crisis of the state, 1973)
denominou um setor “monopolista” e um setor “competitivo” muito mais
diversificado em que o trabalho estava longe de ter privilégios. As
desigualdades resultantes produziram sérias tensões sociais e fortes movimentos
sociais por parte dos excluídos — movimentos que giravam em torno da maneira
pela qual a raça, o gênero e a origem étnica costumavam determinar quem tinha
ou não acesso ao emprego privilegiado. Essas desigualdades eram particularmente
difíceis de manter diante do aumento das expectativas, alimentadas em parte por
todos os artifícios aplicados à criação de necessidades e à produção de um novo
tipo de sociedade de consumo. Sem acesso ao trabalho privilegiado da produção
de massa, amplos segmentos da força de trabalho também não tinham acesso às tão
louvadas alegrias do consumo de massa. Tratava-se de uma fórmula segura para
produzir insatisfação. O movimento dos direitos civis nos Estados Unidos se
tornou uma raiva revolucionária que abalou as grandes cidades. O surgimento de
mulheres como assalariadas mal-remuneradas foi acompanhado por um movimento
feminista igualmente vigoroso. E o choque da descoberta de uma terrível pobreza
em meio à crescente afluência (exposta, por exemplo, em The other America de
Michael Harrington) gerou fortes contramovimentos de descontentamento com os
supostos benefícios do fordismo.
Embora fosse útil sob certos aspectos, do
ponto de vista do controle do trabalho, a divisão entre uma força de trabalho
predominantemente branca, masculina e fortemente sindicalizada e “o resto”
também tinha seus problemas. Ela significava uma rigidez nos mercados de
trabalho que dificultava a realocação do trabalho ·de uma linha de produção
para outra. O poder exclusivista dos sindicatos fortalecia sua capacidade de
resistir à perda de habilidades, ao autoritarismo, à hierarquia e à perda de
controle no local de trabalho. A inclinação de uso desses poderes dependia de
tradições políticas, formas de organização (o movimento dos comerciários da
Inglaterra era particularmente forte) e disposição dos trabalhadores em trocar
seus direitos na produção por um maior poder no mercado. As lutas trabalhistas não
desapareceram, pois os sindicatos muitas vezes eram forçados a responder a
insatisfações das bases. Mas os sindicatos também se viram cada vez mais atacados
a partir de fora, pelas minorias excluídas, pelas mulheres e pelos desprivilegiados.
Na medida em que serviam aos interesses estreitos de seus membros e abandonavam
preocupações socialistas mais radicais, os sindicatos corriam o risco de ser
reduzidos, diante da opinião pública, a grupos de interesse fragmentados que
buscavam servir a si mesmos, e não a objetivos gerais.
O Estado aguentava a carga de um crescente
descontentamento, que às vezes culminava em desordens civis por parte dos
excluídos. No mínimo, o Estado tinha de
tentar garantir alguma espécie de salário social adequado para todos ou
engajar-se em políticas redistributivas ou ações legais que remediassem
ativamente as desigualdades, combatessem o relativo empobrecimento e a exclusão
das minorias. A legitimação do poder do Estado dependia cada vez mais da
capacidade de levar os benefícios do fordismo a todos e de encontrar meios de
oferecer assistência médica, habitação e serviços educacionais adequados em
larga escala, mas de modo humano e atencioso. Os fracassos qualitativos nesse
campo eram motivo de inúmeras críticas, mas, no final, é provável que os
dilemas mais sérios fossem provocados pelo fracasso quantitativo. A condição do
fornecimento de bens coletivos dependia da contínua aceleração da produtividade
do trabalho no setor corporativo. Só assim o Estado keynesiano do bem-estar
social poderia ser fiscalmente viável.
Na ponta do consumo, havia mais do que uma
pequena crítica à pouca qualidade de vida num regime de consumo de massa
padronizado. A qualidade do oferecimento de serviços através de um sistema não
discriminador de administração pública (baseado na racionalidade burocrática
técnico-científica) também recebia pesadas críticas. O gerencialismo estatal
fordista e keynesiano passou a ser associado a uma austera estética
funcionalista (alto modernismo) no campo dos projetos racionalizados. Os
críticos da aridez suburbana e da monumentalidade monolítica dos centros das
cidades (como Jane Jacobs) se tornaram, como vimos, uma minoria vociferante que
articulava todo um conjunto de insatisfações culturais. As críticas e práticas
contraculturais dos anos 60 eram, portanto, paralelas aos movimentos das
minorias excluídas e à crítica da racionalidade burocrática despersonalizada.
Todas essas correntes de oposição começaram a se fundir, formando um forte
movimento político-cultural, no próprio momento em que o fordismo como sistema
econômico parecia estar no apogeu.
Devem-se acrescentar a isso todos os
insatisfeitos do Terceiro Mundo com um processo de modernização que prometia
desenvolvimento, emancipação das necessidades e plena integração ao fordismo,
mas que, na prática, promovia a destruição de culturas locais, muita opressão e
numerosas formas de domínio capitalista em troca de ganhos bastante pífios em
termos de padrão de vida e de serviços públicos (por exemplo, no campo da
saúde), a não ser para uma elite nacional muito afluente que decidira colaborar
ativamente com o capital internacional. Movimentos em prol da libertação
nacional — algumas vezes socialistas, mas com mais frequência burgueses-nacionalistas
— mobilizaram muitos desses insatisfeitos sob formas que por vezes pareciam bem
ameaçadoras para o fordismo global. A hegemonia geopolítica dos Estados Unidos
estava ameaçada, e o país, que começara a era do pós-guerra empregando o
anticomunismo e o militarismo como veículos de promoção da estabilização
geopolítica e econômica, logo se viu às voltas com o problema da opção “armas
ou manteiga” em sua própria política econômica fiscal.
Contudo, a despeito de todos os
descontentamentos e de todas as tensões manifestas, o núcleo essencial do
regime fordista manteve-se firme ao menos até 1973, e, no processo, até
conseguiu manter a expansão do período pós-guerra — que favorecia o trabalho
sindicalizado e, em alguma medida, estendia os “benefícios” da produção e do
consumo de massa de modo significativo — intacta. Os padrões materiais de vida
para a massa da população nos países capitalistas avançados se elevaram e um
ambiente relativamente estável para os lucros corporativos prevalecia. Só
quando a aguda recessão de 1973 abalou esse quadro, um processo de transição
rápido, mas ainda não bem entendido, do regime de acumulação teve início.”
“1 O capitalismo é orientado para o
crescimento. Uma taxa equilibrada de crescimento é essencial para a saúde de um
sistema econômico capitalista, visto que só através do crescimento os lucros
podem ser garantidos e a acumulação do capital, sustentada. Isso implica que o
capitalismo tem de preparar o terreno para uma expansão do produto e um
crescimento em valores reais (e, eventualmente, atingi-los), pouco importam as
consequências sociais, políticas, geopolíticas ou ecológicas. Na medida em que
a virtude vem da necessidade, um dos pilares básicos da ideologia capitalista é
que o crescimento é tanto inevitável como bom. A crise é definida, em
consequência, como falta de crescimento.
2 O crescimento em valores reais se apoia na
exploração do trabalho vivo na produção. Isso não significa que o trabalho se
aproprie de pouco, mas que o crescimento sempre se baseia na diferença entre o
que o trabalho obtém e aquilo que cria. Por isso, o controle do trabalho, na
produção e no mercado, é vital para a perpetuação do capitalismo. O capitalismo
está fundado, em suma, numa relação de classe entre capital e trabalho. Como o
controle do trabalho é essencial para o lucro capitalista, a dinâmica da luta
de classes pelo controle do trabalho e pelo salário de mercado é fundamental
para a trajetória do desenvolvimento capitalista.
3 O capitalismo é, por necessidade,
tecnológica e organizacionalmente dinâmico. Isso decorre em parte das leis
coercitivas, que impelem os capitalistas individuais a inovações em sua busca
do lucro. Mas a mudança organizacional e tecnológica também tem papel-chave na modificação
da dinâmica da luta de classes, movida por ambos os lados, no domínio dos
mercados de trabalho e do controle do trabalho. Além disso, se o controle do
trabalho é essencial para a produção de lucros e se torna uma questão mais
ampla do ponto de vista do modo de regulamentação, a inovação organizacional e
tecnológica no sistema regulatório (como o aparelho do Estado, os sistemas
políticos de incorporação e representação etc.) se torna crucial para a
perpetuação do capitalismo. Deriva em parte dessa necessidade a ideologia de
que o “progresso” é tanto inevitável como bom.
Marx foi capaz de mostrar que essas três
condições necessárias do modo capitalista de produção eram inconsistentes e
contraditórias, e que, por isso, a dinâmica do capitalismo era necessariamente
propensa a crises.”
“Muito embora as atuais condições sejam muito
diferentes em inúmeros aspectos, não há dificuldade em perceber que os
elementos e relações invariantes que Marx definiu como peças fundamentais de todo
modo capitalista de produção ainda estão bem vivos e, em muitos casos, com uma
vivacidade ainda maior do que a de antes, por entre a agitação e evanescência
superficiais tão características da acumulação flexível. Seria esta última,
então, algo mais do que uma versão mais retumbante da mesma velha história do
capitalismo de sempre? Isso seria um julgamento demasiado simples. Essa
avaliação dá ao capitalismo um tratamento a-histórico, considerando-o um modo
de produção desprovido de dinâmica, quando todas as evidências (incluindo-se aí
as explicitamente arroladas por Marx) apontam para o fato de ser o capitalismo
uma força constantemente revolucionária da história mundial, uma força que
reformula de maneira perpétua o mundo, criando configurações novas e, com
frequência, sobremodo inesperadas.”
““A ideia do futuro nos atormenta, e o passado
não nos deixa avançar”, escreveu Flaubert (Letters,
1979, 134) mais tarde, acrescentando: “Eis por que o presente foge das nossas
mãos”.”
“No domínio da produção de mercadorias, o
efeito primário foi a ênfase nos valores e virtudes da instantaneidade
(alimentos e refeições instantâneos e rápidos e outras comodidades) e da
descartabilidade (xícaras, pratos, talheres, embalagens, guardanapos, roupas
etc.). A dinâmica de uma sociedade “do descarte”, como a apelidaram escritores
como Alvin Toffler (Future shock, 1970),
começou a ficar evidente durante os anos 60. Ela significa mais do que jogar
fora bens produzidos (criando um monumental problema sobre o que fazer com o
lixo); significa também ser capaz de atirar fora valores, estilos de vida,
relacionamentos estáveis, apego a coisas, edifícios, lugares, pessoas e modos
adquiridos de agir e ser.
Foram essas as formas imediatas e tangíveis
pelas quais o “impulso acelerador da sociedade mais ampla” golpeou “a
experiência cotidiana comum do indivíduo” (Toffler, p. 40). Por intermédio
desses mecanismos (altamente eficazes da perspectiva da aceleração do giro de
bens no consumo), as pessoas foram forçadas a lidar com a descartabilidade, a
novidade e as perspectivas de obsolescência instantânea. “Em comparação com a
vida numa sociedade que se transforma com menos rapidez, hoje fluem mais
situações em qualquer intervalo de tempo dado — e isso implica profundas
mudanças na psicologia humana”. Essa efemeridade, sugere Toffler, cria “uma
temporariedade na estrutura dos sistemas de valores públicos e pessoais” que
fornece um contexto para a “quebra do consenso” e para a diversificação de
valores numa sociedade em vias de fragmentação.
O bombardeio de estímulos, apenas no campo da
mercadoria, gera problemas de sobrecarga sensorial que tornam a dissecção dos
problemas da vida urbana modernista na virada do século, feita por Simmel,
insignificante em termos comparativos. Contudo, precisamente por causa das
qualidades relativas da mudança, as respostas psicológicas se enquadram mais ou
menos no intervalo identificado por Simmel — o bloqueio dos estímulos sensoriais,
a negação e o cultivo da atitude blasée, a especialização míope, a
reversão a imagens de um passado perdido (daí decorrendo a importância de
memoriais, museus, ruínas) e a excessiva simplificação (na apresentação de si
mesmo ou na interpretação dos eventos). (...)
Com efeito, a volatilidade torna extremamente
difícil qualquer planejamento de longo prazo. Para falar a verdade, hoje é tão
importante aprender a trabalhar com a volatilidade quanto acelerar o tempo de
giro. Isso significa ou uma alta adaptação e capacidade de se movimentar com
rapidez em resposta a mudanças de mercado, ou o planejamento da volatilidade. A
primeira estratégia aponta em especial para o planejamento de curto prazo, bem
como para o cultivo da arte de obter ganhos imediatos sempre que possível. Essa
tem sido uma característica notória da administração norte-americana nos
últimos anos. O mandato médio dos dirigentes das empresas caiu para cinco anos,
e empresas nominalmente envolvidas na produção com frequência buscam ganhos de
curto prazo por meio de fusões, aquisições ou operações em mercados financeiros
e de moedas. É considerável a tensão do desempenho gerencial num tal ambiente,
gerando todo tipo de efeito colateral, tal como o chamado “resfriado yuppie”
(uma condição de estafa psicológica que paralisa a ação de pessoas talentosas e
produz duradouros sintomas semelhantes aos do resfriado) ou o frenético estilo
de vida dos operadores financeiros, cujo vício de trabalhar, longas horas de
trabalho e corrida pelo poder fazem deles excelentes candidatos para a espécie
de mentalidade esquizofrênica que Jameson descreve.
Dominar ou intervir ativamente na produção da
volatilidade envolvem, por outro lado, a manipulação do gosto e da opinião,
seja tornando-se um líder da moda ou saturando o mercado com imagens que
adaptem a volatilidade a fins particulares. Isso significa, em ambos os casos,
construir novos sistemas de signos e imagens, o que constitui em si mesmo um
aspecto importante da condição pós-moderna, aspecto que precisa ser considerado
de vários ângulos distintos. Para começar, a publicidade e as imagens da mídia
passaram a ter um papel muito mais integrador nas práticas culturais, tendo
assumido agora uma importância muito maior na dinâmica de crescimento do
capitalismo. Além disso, a publicidade já não parte da ideia de informar ou
promover no sentido comum, voltando-se cada vez mais para a manipulação dos
desejos e gostos mediante imagens que podem ou não ter relação com o produto a
ser vendido. Se privássemos a propaganda moderna da referência direta ao dinheiro,
ao sexo e ao poder, pouco restaria.”
“A competição no mercado da construção de
imagens passa a ser um aspecto vital da concorrência entre as empresas. O
sucesso é tão claramente lucrativo que o investimento na construção da imagem
(patrocínio das artes, exposições, produções televisivas e novos prédios, bem
como marketing direto) se torna tão importante quanto o investimento em novas
fábricas e maquinário. A imagem serve para estabelecer uma identidade no
mercado, o que se aplica também aos mercados de trabalho. A aquisição de uma
imagem (por meio da compra de um sistema de signos como roupas de grife e o
carro da moda) se torna um elemento singularmente importante na
auto-apresentação nos mercados de trabalho e, por extensão, passa a ser parte
integrante da busca de identidade individual, auto-realização e significado na
vida. Sinais divertidos, mas tristes desse tipo de busca são abundantes. Uma
empresa da Califórnia fabrica telefones de carro de imitação, indistinguíveis dos
reais, que vende como pão quente a tanta gente desesperada para adquirir tal símbolo
de importância. Consultorias de imagem pessoal viraram um grande negócio na
cidade de Nova Iorque, segundo matéria do International Herald Tribune, visto que mais de um milhão de
pessoas por ano frequentam, na região, cursos de empresas chamadas Image
Assemblers [Montadores de Imagem], Image Builders [Contrutores de Imagem],
Image Crafters [Artesãos da Imagem] e Image Creators [Criadores de Imagem]. “As
pessoas formam uma ideia de você, hoje em dia, em um décimo de segundo”, diz um
consultor de imagem. “Você deve fingir até conseguir” — é o lema de outro.
É claro que símbolos de riqueza, de posição,
de fama e de poder, assim como de classe, sempre tiveram importância na
sociedade burguesa, mas é provável que nunca tanta quanto hoje. A crescente
afluência material gerada no período de expansão fordista do pós-guerra
levantou o problema de converter rendas em ascensão numa demanda efetiva que
satisfizesse as aspirações em crescimento dos jovens, das mulheres e da classe
trabalhadora. Dada a capacidade de produzir imagens como mercadorias mais ou
menos à vontade, é factível que a acumulação se processe, ao menos em parte,
com base na pura produção e venda da imagem. A efemeridade dessas imagens pode
ser interpretada parcialmente como uma luta dos grupos oprimidos de qualquer
espécie para estabelecer sua própria identidade (em termos de cultura da rua,
estilos musicais, manias e modas criadas para eles mesmos) e como o esforço
para fazer essas inovações criarem vantagens comerciais. (...)
Os materiais de produção e reprodução dessas
imagens, quando estas não estão disponíveis, tornaram-se eles mesmos o foco da
inovação — quanto melhor a réplica da imagem, tanto maior o mercado de massas
da construção da imagem pode tornar-se. Isso constitui por si só uma questão
importante, levando-nos de modo mais explícito a considerar o papel do “simulacro”
no pós-modernismo. Por “simulacro” designa-se um estado de réplica tão próxima
da perfeição que a diferença entre o original e a cópia é quase impossível de
ser percebida. Com as técnicas modernas, a produção de imagens como simulacros
é relativamente fácil. Na medida em que a identidade depende cada vez mais de
imagens, as réplicas seriais e repetitivas de identidade (individuais,
corporativas, institucionais e políticas) passam a ser uma possibilidade e um
problema bem reais. Por certo podemos vê-las agindo no campo da política, em
que os fabricantes de imagens e a mídia assumem um papel mais poderoso na
moldagem de identidades políticas.”
“Desse ponto de vista, creio que devemos
aceitar o argumento de McHale de que a ficção pós-moderna mimetiza alguma
coisa, mais ou menos como aleguei que a ênfase na efemeridade, na colagem, na
fragmentação e na dispersão no pensamento filosófico e social mimetiza as
condições da acumulação flexível. E não seria surpresa ver que tudo isso é
compatível com a emergência, a partir de 1970, de uma política fragmentada de
grupos de interesse regionais e especiais divergentes.
Mas é exatamente nesse ponto que encontramos
a reação oposta, que pode ser melhor resumida como a busca de uma identidade
coletiva ou pessoal, a procura de comportamentos seguros num mundo cambiante. A
identidade de lugar se torna uma questão importante nessa colagem de imagens
espaciais superpostas que implodem em nós, porque cada um ocupa um espaço de
individuação (um corpo, um quarto, uma casa, uma comunidade plasmadora, uma
nação) e porque o modo como nos individuamos molda a identidade. Além disso, se
ninguém “conhece o seu lugar” nesse mutante mundo-colagem, como é possível
elaborar e sustentar uma ordem social segura?”
“As respostas estéticas a condições de
compressão do tempo-espaço são importantes, e assim têm sido desde que a
separação, ocorrida no século XVIII, entre conhecimento científico e julgamento
moral criou para elas um papel distintivo. A confiança de uma época pode ser
avaliada pela largura do fosso entre o raciocínio científico e a razão moral.
Em períodos de confusão e incerteza, a virada para a estética (de qualquer
espécie) fica mais pronunciada. Como fases de compressão do tempo-espaço são
disruptivas, podemos esperar que a virada para a estética e para forças da
cultura, tanto como explicações quanto como loci de luta ativa, seja particularmente
aguda nesses momentos. Sendo típico das crises de superacumulação catalisar a
busca de soluções temporais e espaciais que criam, por sua vez, um sentido
avassalador de compressão do tempo-espaço, também podemos esperar que as crises
de superacumulação sejam seguidas por fortes movimentos estéticos.
A crise de superacumulação iniciada no final
dos anos 60, e que chegou ao auge em 1973, gerou exatamente esse resultado. A
experiência do tempo e do espaço se transformou, a confiança na associação
entre juízos científicos e morais ruiu, a estética triunfou sobre a ética como
foco primário de preocupação intelectual e social, as imagens dominaram as
narrativas, a efemeridade e a fragmentação assumiram precedência sobre verdades
eternas e sobre a política unificada e as explicações deixaram o âmbito dos
fundamentos materiais e político-econômicos e passaram para a consideração de
práticas políticas e culturais autônomas.”
“Com efeito, nunca é fácil elaborar uma
avaliação crítica de uma situação avassaladoramente presente.”
“O capital é um processo, e não uma coisa. É
um processo de reprodução da vida social por meio da produção de mercadorias em
que todas as pessoas do mundo capitalista avançado estão profundamente
implicadas. Suas regras internalizadas de operação são concebidas de maneira a
garantir que ele seja um modo dinâmico e revolucionário de organização social
que transforma incansável e incessantemente a sociedade em que está inserido. O
processo mascara e fetichiza, alcança crescimento mediante a destruição criativa,
cria novos desejos e necessidades, explora a capacidade do trabalho e do desejo
humanos, transforma espaços e acelera o ritmo da vida. Ele gera problemas de
superacumulação para os quais há apenas um número limitado de soluções
possíveis.
Por intermédio desses mecanismos, o
capitalismo cria sua própria geografia histórica distintiva. Sua trajetória de
desenvolvimento não é previsível em nenhum sentido comum exatamente porque
sempre se baseou na especulação — em novos produtos, novas tecnologias, novos
espaços e localizações, novos processos de trabalho (trabalho familiar,
sistemas fabris, círculos de qualidade, participação do trabalhador) etc. Há
muitas maneiras de obter lucros. As racionalizações post hoc da
atividade especulativa dependem de uma resposta positiva à pergunta: “Foi lucrativo?”
Diferentes empreendedores, espaços inteiros da economia mundial, geram
diferentes soluções para essa questão, e as novas respostas derrubam as antigas
à medida que uma onda especulativa vai engolfando a outra.”
“Se houvesse um mercado de armas nucleares
portáteis produzidas em massa, nós também as venderíamos.” (Alan Sugar,
presidente da Amstrad Corporation).
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