quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Cândido ou O Otimismo, de Voltaire

Editora: Martins Fontes

ISBN: 978-85-3361-727-8

Tradução: Maria Ermantina Galvão

Opinião: ★★★★☆

Páginas: 208

Sinopse: Cândido foi publicado no início de 1759 sem indicação do nome do autor, obtendo imediatamente um sucesso prodigioso. Ninguém duvidou de que o autor fosse Voltaire. Naquele mesmo ano, mais de vinte edições saíram na França e várias traduções apareceram na Inglaterra e na Itália. Os governos tentaram em vão bloquear, ou pelo menos frear, a difusão do livro. Desde o título, as aventuras de Cândido são um testemunho contra o otimismo, particularmente o leibniziano do “melhor dos mundos possíveis”, que tentava conciliar a crença na existência do mal e a crença na justiça divina.



“Nada era tão belo, tão lento, tão brilhante, tão bem ordenado como os dois exércitos. As trombetas, os pífaros, os oboés, os tambores, os canhões formavam uma harmonia tal como nunca houve no inferno.”

 

 

“– O que é o otimismo?, indagou Cacambo.

– Bem, disse Cândido, é a ânsia de sustentar que tudo vai bem quando se está mal.”

 

 

“– Nunca esteve na França, senhor Martinho? – perguntou Cândido.

– Já, respondeu Martinho, percorri várias províncias. Algumas há em que a metade dos habitantes é louca, algumas onde são matreiros demais, outras onde são comumente bastante afáveis e tolos, outras onde se fazem de cultos; e, em todas, a principal ocupação é o amor; a segunda, a maledicência; e a terceira, dizer tolices.

– Mas, senhor Martinho, esteve em Paris?

– Sim, estive em Paris, onde existem todas essas espécies; é um caos, é uma azáfama em que todos buscam o prazer e em que quase ninguém o encontra.”

 

 

“– Mas com que finalidade este mundo foi então formado? – perguntou Cândido.

– Para nos enfurecer, respondeu Martinho.”

 

 

“– Acredita, perguntou Cândido, que os homens sempre se tenham massacrado mutuamente, como o fazem hoje? Que sempre tenham sido mentirosos, velhacos, pérfidos, ingratos, malfeitores, fracos, volúveis, covardes, invejosos, gulosos, bêbados, avarentos, ambiciosos, sanguinários, caluniadores, devassos, fanáticos, hipócritas e tolos?

– O senhor acredita, indagou Martinho, que os gaviões sempre comeram os pombos quando os encontravam?

– Claro, sem dúvida, anuiu Cândido.

– Pois bem! concluiu Martinho, se os gaviões tiveram sempre o mesmo caráter, como quer que os homens tenham mudado o deles?”

 

 

“Recém-chegado ao seu albergue, Cândido foi acometido por uma leve doença causada pela fadiga. Como trazia no dedo um enorme diamante, e como haviam percebido em sua bagagem um pequeno cofre prodigiosamente pesado, teve no mesmo instante a seu lado dois médicos que não mandara chamar, alguns amigos íntimos que não o deixaram, e duas devotas que lhe esquentavam os caldos. Martinho dizia: ‘Lembro-me de também ter adoecido em Paris na minha primeira viagem; eu era muito pobre, por isso não tive amigos, nem devotas, nem médicos, e sarei.’

Entretanto, à força de medicamentos e sangrias, a doença de Cândido se agravou. Um padre assistente do bairro veio com toda a brandura pedir-lhe uma letra pagável ao portador no outro mundo; Cândido não quis saber. As devotas garantiram-lhe que era uma moeda nova. Cândido respondeu que não era um homem na moda. Martinho quis atirar o padre pela janela. O clérigo julgou que não enterrariam Cândido (em solo sagrado). Martinho jurou que enterraria o clérigo se ele continuasse a importuná-los. A discussão acalorou-se; Martinho agarrou-o pelos ombros e escorraçou-o rudemente; isso causou grande escândalo, do qual foi lavrado um auto.

Cândido sarou-se, e durante a convalescença teve ótima companhia na ceia. Jogavam alto. Cândido ficava muito espantado de que nunca lhe viessem ases; e Martinho não se espantava.”

 

 

“– É verdade que em Paris estão sempre rindo? indagou Cândido.

– É, respondeu o abade, mas é de raiva; pois queixam-se de tudo às gargalhadas, praticam-se rindo as mais detestáveis ações.

– Quem é, perguntou Cândido, aquela besta que falava tão mal da peça em que tanto chorei, e dos atores que tanto me agradaram?

– É um trapaceiro, respondeu o abade, que ganha a vida falando mal de todas as peças e de todos os livros; odeia qualquer pessoa que faça sucesso, como os eunucos odeiam os capacitados; é uma das serpentes da literatura que se alimentam de lama e veneno; é um folicular*.

*: Palavra criada por Voltaire, e que desde então designa um jornalista necessitado e malévolo. Folículo não é uma folhinha, mas uma pequena bolsa. Voltaire preferiu a vulgaridade expressiva à exatidão.

 

 

“A ceia foi como a maior parte das ceias em Paris: primeiro o silêncio, em seguida um rumor de palavras indistintas, depois gracejos em sua maioria insípidos, boatos, maus argumentos, um pouco de política e muita maledicência; falaram até de livros novos.”

 

 

“– Desejo, disse Martinho, que ela faça a sua felicidade um dia, mas é essa a minha maior dúvida.

– O senhor é muito duro, disse Cândido.

– É que vivi, disse Martinho.”

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