Editora: Expressão Popular
ISBN: 978-85-7743-118-2
Opinião: ★★★☆☆
Páginas: 184
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Sinopse: Ver Parte I
“Wilhelm Reich foi, nos anos de 1920, um
pioneiro dos estudos voltados para uma síntese do marxismo e da psicanálise.
Como militante político, participou das lutas que precederam a ascensão de
Hitler ao poder e viu na derrota dos comunistas a confirmação de algumas das
suas mais dolorosas apreensões: os marxistas tinham uma visão simplista do
processo de estruturação da consciência e subestimavam a significação das
influências dos fatores irracionais na conduta dos homens. Reich buscou em
Freud os elementos de que precisava para corrigir as “insuficiências” de Marx.
Marx, disse Reich, era sociólogo, e não psicólogo.103 Isso é
compreensível, pois no tempo de Marx a psicologia ainda não havia alcançado um status
de ciência, coisa que só viria a ocorrer com Freud, graças ao qual ela se
transformou numa ciência natural.104 A psicologia de Freud,
como ciência natural, com sua teoria do inconsciente, com sua concepção
da libido, com sua interpretação do complexo de Édipo e com suas
teses sobre as inibições, serviu a Reich para elaborar sua economia
sexual, cujos fundamentos “sociológicos” viriam de Marx e cujos fundamentos
“psicológicos” viriam de Freud.105
Insurgindo-se contra versões “economicistas”,
empobrecedoras do marxismo, Reich teve o mérito de chamar a atenção para aspectos
socioculturais importantes que os marxistas deixavam muitas vezes de lado
quando se dispunham a analisar a difusão do fascismo. Reich fez observações
interessantes, por exemplo, sobre as tradições educacionais fortemente
repressivas da sociedade burguesa e sobre o papel que essa educação
desempenhava na formação de indivíduos dóceis, recalcados, sem espírito
crítico, fáceis de recrutar para as fileiras das organizações fascistas, onde
lhes era proporcionada a chance compensadora de se “identificarem” com a
personalidade enérgica do “chefe”. O sentido “antiautoritário” do pensamento de
Reich assegurou-lhe grande interesse aos olhos dos estudantes rebelados de maio
de 1968, na França.
Reich foi vítima de um equívoco de tipo
neopositivista: ele buscou em Freud uma psicologia que, para poder ser
“científica”, estava concebida como uma “ciência natural”. A visão do ser
humano proporcionada por uma “ciência natural” limita-se necessariamente aos
aspectos naturais e orgânicos da vida dos indivíduos, estorvando a compreensão
daquilo que neles é essencialmente social. Ao contrário do que supunha
Reich, Marx não era um mero sociólogo: era um filósofo que, por força de
sua concepção peculiar da essência do ser humano, teorizava sobre a economia,
sobre a história, sobre a sociedade, sobre a política. A concepção marxista do
homem não pode ignorar o alcance dos fenômenos irracionais, provenientes da
esfera biológica, nas elaborações da consciência, nos movimentos da ideologia; mas
ela exige, também, que não percamos de vista a lógica que o social apresenta em
sua manifestação política. Reich tinha uma compreensão deficiente do político.
Fixando sua atenção na “patologia” das massas pequeno-burguesas alemãs e
exagerando os efeitos que sobre elas produzia o símbolo da cruz gamada, Reich foi
levado a desconhecer a extensão do papel desempenhado pelo capital financeiro.
Sentindo-se isolado no interior do movimento socialista, Reich foi para os
Estados Unidos e praticamente renunciou a toda e qualquer atividade política
(especificamente política) significativa.106”
103 Massenpsychologie des Faschismus, ed.
Junius, Frankfurt, 1972, reprodução da edição Verlag für Sexual-politik,
Copenhague, 1933, p. 43.
104 Idem, p. 44.
105 Idem, p. 47.
106 Freud, ao contrário de Reich, nunca teve
experiência alguma no campo da atividade política. Sua ingenuidade política
chegou ao ponto de ele ter dedicado um exemplar de um livro seu a Mussolini, no
começo dos anos de 1930, homenageando os “serviços prestados à cultura” pelo
ditador italiano (patrocinando escavações arqueológicas). A falta de
experiência política explica que Freud tenha se interessado tão pouco pelo
marxismo e tenha escrito tolices a respeito do pensamento de Marx e Engels. No
final de sua vida, porém, o extraordinário cientista que era Freud parece ter
se dado conta do seu equívoco. Ernst Jones, em sua documentada biografia do
criador da psicanálise, transcreve uma carta de Freud (de 1937) na qual este
diz: “Sei que os meus comentários sobre o marxismo não mostram nem um conhecimento
profundo nem uma compreensão exata dos escritos de Marx e de Engels. Soube,
mais tarde, com certa satisfação que nenhum dos dois negou a influência dos
fatores do Ego e do Superego. Isso desfaz o principal contraste que eu julgava
existir entre o marxismo e a psicanálise” (Vita e Opere di Freud, ed. Il
Saggiatore, Milano, 1966, vol. 3, p. 408).
“Mais decisivamente ainda do que por Wilhelm
Reich, os aspectos socioculturais importantes que os marxistas haviam
subestimado na análise do fascismo em ascensão foram abordados pelos pensadores
da chamada “Escola de Frankfurt”, especialmente por Max Horkheimer e por
Theodor W. Adorno. Reich havia investido contra a educação burguesa, autoritária,
repressiva; Adorno e Horkheimer dispuseram-se a examinar criticamente a
estrutura familiar burguesa, patriarcal, elucidando a função que ela tinha tido
na preparação de uma aceitação do fascismo por parte de muita gente.107
Mas os filósofos da “Escola de Frankfurt” não
se limitaram à análise crítica do papel desempenhado pela estrutura familiar
burguesa na formação dos quadros fascistas: promoveram, também, uma ampla discussão
sobre os mecanismos de deformação ideológica acionados pela sociedade
capitalista. Para desenvolverem suas interpretações dos fenômenos ligados a
tais mecanismos, Adorno e Horkheimer (e, em certa medida, também Herbert
Marcuse, Erich Fromm e outros) aproveitaram algumas ideias de Marx e alguns
conceitos de um livro publicado por Lukács em 1923: História e consciência
de classe.
Na economia política de Marx, esses filósofos
se interessaram menos pela análise do processo de produção do que pelas
observações relativas à esfera da circulação das mercadorias. Do primeiro volume de O capital, quase que só conservaram e aproveitaram o capítulo do “fetichismo da
mercadoria”; História e consciência
de classe, de Lukács, por outro lado, levou-os a um
esforço apaixonado no sentido de elaborarem um pensamento radicalmente
historicista, capaz de superar a aparência de coisa que a ideologia
burguesa atribui às relações essencialmente dinâmicas dos seres humanos entre
si (a reificação).108
Na época em que escreveu História e consciência
de classe, Lukács vinha de
algumas experiências políticas intensamente vividas, mas insuficientemente
amplas, e além disso mal sedimentadas. Seus horizontes de comunista neófito
estavam marcados por certo voluntarismo, que o levava a subestimar a
força material dos obstáculos sociais com que a ação revolucionária precisava
se defrontar. Seu pensamento carecia de um nervo materialista mais robusto e
tendia a exagerar o papel do sujeito humano, atribuindo-lhe poderes quase
miraculosos na transformação da sociedade e minimizando os recursos de que
dispunham as classes empenhadas na resistência contra o socialismo. Uma
assimilação precipitada da reabilitação da subjetividade e da iniciativa
revolucionária, realizada por Lenin, na prática (desmoralizando os esquemas
social-democratas, que levavam a uma atitude de espera passiva do
amadurecimento das contradições sociais), levou Lukács a acolher ilusões idealistas
(que Lenin soubera evitar).
Posteriormente, Lukács evoluiu. Ao longo dos
anos de 1920, em estreita colaboração com Josef Landler, inteirou-se mais concretamente
das condições reais da luta política revolucionária. No final dos anos de 1920,
após uma visita clandestina à Hungria (sob o regime fascistizante do almirante
Horthy), Lukács soube avaliar a situação do país com tal realismo que
foi levado a propor uma linha de ação política que antecipava a linha do front
populaire, mas sua proposta (consubstanciada nas chamadas “Teses de Blum”) foi
derrotada. Até o final de sua vida, Lukács se manteve empenhado na luta
política, embora muitas vezes se tenha visto marginalizado no interior do
processo revolucionário.
No pós-guerra, quando já se iniciara a
“guerra fria”, Lukács publicou um livro – A destruição da razão (1954) – no
qual fazia um balanço implacável, por vezes excessivamente rude, mas
a nosso ver substancialmente justo, do uso da filosofia irracionalista na
preparação do terreno para o fascismo. Nessa época, Adorno e Horkheimer desenvolviam
as teses que haviam exposto em A dialética do esclarecimento*, obra conjunta que haviam lançado em 1947. Para
os dois pensadores da “Escola de Frankfurt”, as matrizes ideológicas do
fascismo na consciência burguesa se encontravam não no irracionalismo e sim no
neopositivismo, com sua capitulação diante do real, com seu pseudorracionalismo
manipulatório. Na vida cultural de nossa época, Adorno e Horkheimer enxergavam quase
que apenas os efeitos devastadores da manipulação dos indivíduos por parte da indústria
cultural. As raízes dessa manipulação se acham tão profundamente cravadas
no nosso tempo que afeta a própria classe operária e se estende inclusive à
política das forças socialistas “tradicionais”, cujo “otimismo oficial” Adorno
condena em Lukács.109
A retomada da lógica dialética hegeliana, em
lugar de ajudar os marxistas “oficiais” a superarem as ilusões da consciência
reificada, fortalece-as. Adorno inverte a tese hegeliana de que a verdade é
o todo e sustenta que o todo é o falso.110
Lukács acusa-o, em 1963, de defender um “conformismo disfarçado de não
conformismo”.111 Mas Adorno tinha, na época, bons argumentos para
não se sentir atingido pela crítica: suas ideias, ao longo dos anos de 1960,
vinham encontrando notável receptividade entre os estudantes rebeldes. Quando,
em 1968, a contestação estudantil alcançou seu clímax em diversos países da
Europa, o “marxismo ocidental” da “Escola de Frankfurt” parecia demonstrar a
eficácia de seu não conformismo. Em breve, contudo, os acontecimentos
desautorizavam semelhante interpretação: o teórico das potencialidades
revolucionárias das explosões irracionais escandaliza-se com o comportamento politicamente
irracional de alguns estudantes revoltados. Como reitor da Universidade de
Frankfurt, o filósofo chega a pedir que a polícia intervenha, para pôr fim à
“irracionalidade”, que se tornara insuportável. Lukács tripudiou: numa
entrevista à revista Spiegel, observou que muitos estudantes tinham
aprendido com Adorno a avaliar a extensão dos males da sociedade atual e,
quando tais estudantes saíram às ruas para tentar derrubar a estrutura da
sociedade, Adorno deixou de ter alguma coisa para lhes dizer.112
De fato, independentemente de muitas
observações notavelmente argutas sobre as mazelas da “sociedade contemporânea” e
sobre as tendências fascistas que ela necessariamente encerra, Adorno e
Horkheimer – estorvados por um ceticismo elitista, de consequências
políticas negativas – chegavam em suas análises a um determinado ponto a partir
do qual não conseguiam mais ir adiante: o ponto onde a compreensão dos
problemas passava a depender do reconhecimento da direção de sua possível
solução.”
107 Além dos artigos publicados sob a
responsabilidade de Horkheimer em Autorität und Familie (ed. Alcan,
Paris, 1936), há uma grande quantidade de material sobre o tema nas edições da Zeitschrift
für Sozialforschung, ao longo dos anos de 1930.
108 No artigo que publicou em 1930 na revista
Die Gesellschaft (Zum Problem der Dialektik), Herbert Marcuse defende História
e consciência de classe contra as críticas que o filósofo social-democrata
Siegfried Marck fizera ao livro (considerando-o “metafísico”); mas –
sintomaticamente – admite que num ponto Marck tinha razão: ao afirmar a
existência de uma “consciência de classe correta”, por oposição a uma “falsa”,
Lukács teria deixado de ser um historicista radical coerente.
* Muito antenado ao que se produzia em outros
países, Leandro Konder eventualmente traduz expressões e termos em suas obras
que os tradutores viriam a popularizar academicamente no Brasil de outra forma.
Em seu livro Hegel: a razão quase
enlouquecida, Konder utiliza a expressão “ardil da razão”
– que posteriormente veio a ser conhecida como “astúcia da razão”. No livro
desta postagem, Konder traduz “Dialética do iluminismo” – o que de fato seria a
tradução comum, mas o tradutor brasileiro preferiu “Dialética do
esclarecimento”. A categoria “indústria cultural” é traduzida por Konder como
“indústria da cultura”. Deixamos aqui as expressões na forma como normalmente
são referidas academicamente, e não como Konder as escreveu na já longínqua
década de 1970.
109 “Erpresste Versöhnung”, Der Monat, nov.
1958.
110 “Das Ganze ist das Unwahre”,
escreve Adorno em Minima moralia, Frankfurt, 1962, p. 57.
111 No prefácio à nova edição de Die
Theorie des Romans, Neuwied, 1963, p. 17.
112 Der Spiegel nº 17, de 1970.
“A ideia de procurar definir os traços de uma
hipotética personalidade fascista pode servir de estímulo a úteis
discussões sobre problemas educacionais do sistema capitalista, mas
dificilmente nos levará a uma melhor compreensão da natureza do fascismo como movimento
político.
O que caracterizaria, afinal, essa
personalidade fascista? A íntima insegurança? O espírito aventureiro? O
fascínio pela violência? O ódio?113
Na realidade, como expressão política de
determinadas tendências sociais, o fascismo tem se expressado através da ação
de personalidades individuais muito variadas. (...)
Se levarmos demasiadamente a sério o que
esses personagens pensavam de si mesmos e procurarmos, a partir do que diziam, concluir
algo sobre o sentido específico dos movimentos que cada um deles liderava,
estaremos nos servindo de um método inadequado. O fascismo tem se
servido de tipos humanos bastante diversos, desde tarados sexuais como Julius
Streicher até zelosos funcionários que se limitavam a cumprir disciplinadamente
os seus deveres (mesmo quando esses “deveres” consistiam na liquidação de três
milhões de pessoas, como se viu no caso de Rudolf Hoess, comandante do campo de
concentração de Auschwitz, executado em abril de 1947, que fez questão de
deixar bem claro em seu testamento que nunca tinha sido “um homem de mau
coração”).
As contradições e a complexidade psicológica
dos indivíduos apresentam interesse secundário, quando se trata de
avaliar a exata significação da política que punham em prática. Precisamente
por ter chegado a se tornar um movimento de massas, o fascismo não pode deixar
de ter mobilizado (e não pode deixar de continuar a mobilizar) gente de toda
espécie. Fixar unilateralmente a atenção nos indivíduos é um modo de perder de
vista o social. Um daqueles casos em que, como dizia Hegel, as árvores
impedem de enxergar a floresta.”
113 O psicanalista Bruno Bettelheim,
recordando o período em que esteve internado como judeu num campo de
concentração nazista e tentando explicar o fundamento da conduta dos SS,
rejeita a interpretação que se baseia essencialmente no sadismo deles,
com o argumento de que nunca vira um funcionário nazista “perder” seu tempo livre
maltratando prisioneiros quando não estava de serviço (Cf. The
informed heart).
“Na origem das apreensões com que são
registradas as pressões políticas empenhadas em uma radicalização dos
deslocamentos para a direita, acha-se a consciência de que a amplitude com
que tais pressões se manifestam não é casual: corresponde à profundidade das
exigências dos setores mais reacionários do capital financeiro, aqueles mesmos
setores que em última análise promoveram o fascismo “clássico” e que, nas
condições atuais do sistema imperialista, continuam a necessitar de uma
política tendencialmente fascista para defender o capitalismo monopolista de
Estado.
Quando John Maynard Keynes se insurgiu contra
a ideologia do “capitalismo liberal”, em 1926, e preconizou uma “nova
mentalidade” que levasse os capitalistas a encarar os problemas de uma “ação
social” em lugar de se encastelarem no otimismo ingênuo do “laissez-faire”,
ele ainda encontrou pouco eco, embora a guerra de 1914-1918 já tivesse mostrado
na prática que – para usar palavras do próprio Keynes – havia uma mudança no
ar.122 E quando numerosos defensores do sistema capitalista se
sentiram perplexos e angustiados ante a crise de 1929, o conservadorismo
inteligente de Keynes levou-o a sustentar que se tratava apenas de uma crise
de transição, da passagem de um período a outro na evolução natural do capitalismo.
Ele escreveu: “Não estamos sofrendo de reumatismo decorrente da velhice e sim
das dores-de-crescimento de mudanças demasiado rápidas, do reajustamento doloroso
entre um período econômico e o outro”.123
Keynes se abstinha explicitamente de atribuir
qualidade moral ao sistema capitalista. O comunismo, que ele encarava
como uma religião nova e que causava acentuada repugnância à sua
sensibilidade de lorde,124 parecia-lhe ter sobre o capitalismo
certas vantagens morais inegáveis, levando os cidadãos a encararem mais
seriamente os problemas da comunidade. Para compensar as desvantagens
morais, o capitalismo precisava mostrar uma esmagadora superioridade no terreno
da eficiência econômica: “O capitalismo moderno é absolutamente
irreligioso, sem união interna, sem muito espírito público (...) Tal sistema
precisa ser imensamente – e não apenas moderadamente – bem sucedido para
sobreviver.”125 Keynes dedicou-se a fundo ao esforço de esclarecer
as direções que o capitalismo precisaria seguir, em sua autorrenovação, para
alcançar a indispensável eficiência econômica. Os problemas colocados por semelhante
autorrenovação eram reconhecidamente delicados; sua solução dependeria de uma
direção política forte e razoável, cujo discernimento e cabeça fria precisavam
ser protegidos contra as pressões democráticas dos eleitores “ignorantes”:
“Acredito que a solução correta envolverá elementos intelectuais e científicos
que precisam achar-se acima das cabeças da vasta massa de eleitores mais ou
menos analfabetos” (“I believe that the right solution will involve intellectual
and scientific elements which must be above the heads of the vast mass of more
or less illiterate voters”).126
Keynes enxergou claramente a ligação profunda
entre a necessária intervenção crescente do Estado capitalista na economia e a
política necessariamente antidemocrática que deveria preservar a ação estatal contra
“interferências” populares. E essa ligação ainda aparece mais nitidamente
descrita no estudo que Hobson publicou em 1938 sobre o imperialismo: “Uma
democracia política na qual os interesses e a vontade de todo o povo
controlassem os poderes do conjunto do Estado se oporia ativamente ao processo
global do imperialismo. Semelhante democracia aprendeu agora a lição de que a
igualdade econômica substancial na renda e na propriedade é essencial para ela
funcionar. Por isso, a defesa do capitalismo está ligada, em cada país, à
destruição ou ao enfraquecimento das liberdades públicas e do governo
representativo” (“A political democracy in which the interests and will of
the whole people wield the powers of the whole state will actively oppose the
whole process of imperialism. Such a democracy has now learned the lesson that
substantial economic equality in income and ownership of property is essential
to its operation. The defense of capitalism is, therefore, bound up in every
country with the destruction or enfeeblement of the public franchise and
representative government”).127”
122 The end of Laissez-Faire, ed. Hogarth,
London, 1926: “Sugerir ação social para o bem público à City de Londres
é como discutir a Origem das espécies com um bispo há 60 anos atrás. A
primeira reação não é intelectual e sim moral. Uma ortodoxia está em questão: e
quanto mais convincentes são os argumentos tanto maior é a ofensa” (p. 38). Cf. também p. 5: “a change is
in the air”.
123 “Economic possibilities for our grandchildren”, 1930. In: Collected
Writings of John Maynard Keynes, vol. IX (Essays
in Persuasion), ed. Macmillan, London, 1972, p. 321.
124 Depois de ter visitado a União Soviética,
Keynes escreveu, em 1925: “Como posso adotar um credo que prefere a lama ao
peixe, que exalta o proletariado grosseiro, colocando-o acima do burguês e da intelligentsia,
os quais, quaisquer que sejam seus erros, são a qualidade na vida e representam
seguramente as sementes de todo e qualquer avanço humano?” (Collected Writings... vol.
IX, op. cit., p. 258).
125 Collected Writings... vol. IX, op.
cit., p. 267, Keynes ainda continua, na página seguinte, a discorrer sobre
o capitalismo, dizendo: “Como um meio, ele é tolerável; como fim, não é tão
satisfatório assim. Começa-se a se perguntar se as vantagens materiais de
manter a atividade dos negócios e a religião em compartimentos diferentes são
vantagens suficientes para compensar as desvantagens morais”.
126 “Am I a liberal?” (1925), em Collected Writings... vol. IX, op.
cit., p. 295.
127 Imperialism, J. A. Hobson, London,
1938, p. 21 (introdução).
“Togliatti, em 1935, já advertia: “É preciso
não considerar o fascismo como qualquer coisa de definitivamente caracterizado,
é preciso considerá-lo no seu desenvolvimento, nunca como algo fixo, nunca como
um esquema ou como um modelo” (“Non bisogna considerare il fascismo come
qualche cosa di definitivamente caratterizzado, [...] bisogna
considerarlo nel suo sviluppo, mai fisso, mai come uno schema, come modello”).130”
130 Lezioni sul fascismo, ed. Riuniti,
Roma, 1974, p. 37.
“Privado de
grandes respiradouros bélicos, o fascismo evolui contrafeito, caminha com
dificuldade. Mas o sistema se recusa a deixá-lo morrer, porque precisa dele:
dá-lhe injeções, reanima-o, sugere-lhe sucedâneos para os alimentos que lhe
faltam, guerras “localizadas”, guerras “intestinas”, “agressões internas” etc.
Se não é possível vendê-lo por atacado, tenta-se vendê-lo no varejo, a
prestações.
Os mitos racistas e o antissemitismo estão desgastados, mas a “demonização”
do socialismo continua a funcionar com excepcional eficácia. Políticos que
nunca leram Hitler nem Mussolini falam do socialismo como uma força essencialmente
antinacional, que deve ser implacavelmente combatida e aniquilada em
nome da grandeza da nação, servindo-se quase que textualmente de expressões
caras aos dois ditadores.
As condições atuais da luta não animam o capital financeiro a correr o
risco de apoiar partidos de massa, capazes de empunhar bandeiras com cruzes
suásticas nas ruas: é preferível tentar manipular a “maioria silenciosa”, que
fica discretamente em casa, entregue ao consumo da Coca-Cola e da televisão.
Novos padrões de conduta política passam a ser inculcados sob a capa de
atitudes “não políticas”.
As circunstâncias exigem dos fascistas que eles sejam mais prudentes e
mais discretos do que desejariam. Pragmaticamente, adaptam-se às exigências dos
novos tempos. Mas continuam a trabalhar, infatigavelmente, preparando-se para
tempos “melhores”, que lhes permitam maior desenvoltura.
Tal como no conto A colônia penal, de Franz Kafka. O comandante da
colônia, que tinha instalado nela um regime de tipo fascista, morrera e fora
enterrado nos fundos de uma taverna, embaixo de uma mesa. Com sua morte, o
fascismo tinha sofrido uma grave derrota, na penitenciária. Mas sobre o seu
túmulo foi colocada uma lápide com a seguinte inscrição:
Aqui jaz o antigo
comandante. Seus adeptos, cujos nomes por ora devem permanecer secretos,
dedicaram-lhe esta pedra tumular. Dentro de alguns anos, quando seus adeptos
forem mais numerosos, ele voltará a se erguer e reconquistará a colônia. Tende
fé e esperai.”
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