Editora: Vozes
Tradução: Jorge
Soares
Opinião: ★★★★☆
Páginas: 276
Análise em vídeo: Clique aqui
Link para compra: Clique aqui
Sinopse: Ver Parte
I
“II. DECLARAÇÕES E TENTATIVAS DE REFLEXÃO
Os compromissos que rapidamente recordamos
suscitaram textos que os explicitam e esboçam uma reflexão teológico-pastoral
sobre eles.23
Assistimos nos três últimos anos a inúmeras
declarações públicas, provindas de movimentos laicos, de grupos de sacerdotes e
bispos, ou de todo Episcopado. O mais importante — no aspecto da autoridade
doutrinal e do impacto — dos textos que vamos citar é, naturalmente, o da
Conferência: Episcopal de Medellín (1968). De certo modo, os outros se afinam
por ele. Mas sem eles não se compreenderia bem, nem o processo que levou a Medellín,
nem suas posteriores repercussões. Não obstante, esses textos vão mais longe
que Medellín. Suas opções são mais nítidas, menos reabsorvíveis pelo sistema;
são também mais chegadas a compromissos concretos. Mais. São a voz de amplos
setores do povo de Deus, voz ainda contida e que, apesar de tudo, não vem do
povo oprimido — sujeito a longo silêncio — mas através de muita crivagem. É,
pelo menos, uma primeira tentativa de expressão.
Sempre na linha da questão que nos interessa,
podemos dizer que esses textos transitam por duas rotas forçosamente
divergentes: a transformação da realidade latino-americana e a busca de novas formas
de presença da Igreja.
1.
Para uma transformação da
realidade
latino-americana
A primeira e persistente ideia nesses
documentos, e que reflete uma atitude geral da Igreja, é o reconhecimento da solidariedade
da Igreja com a realidade latino-americana. A Igreja evita situar-se acima dela
e procura antes assumir a responsabilidade que lhe cabe na atual situação de
injustiça, para cuja manutenção contribuiu
por sua vinculação com a ordem estabelecida, como por seu silêncio ante os
males que esta acarreta.
Reconhecemos antes de tudo — dizem os bispos peruanos — que os cristãos,
por falta de fidelidade ao evangelho, temos contribuído com nossas palavras e
atitudes, com nosso silêncio e omissões para a atual situação de injustiça.26
Nossa Igreja — dizem mais de duzentos leigos, padres e bispos salvadorenhos — não
atuou eficientemente na libertação e promoção do homem salvadorenho. Deve-se
isso em parte ao já mencionado conceito incompleto da salvação do homem e da
missão da Igreja, e em parte ao medo de perder privilégios ou sofrer perseguição.27
Quanto à visão da realidade, a miséria e
exploração do homem pelo homem vivida na América Latina é descrita como uma
situação “de injustiça que se pode chamar de violência institucionalizada,28
causadora da morte de milhares de inocentes.29 Isso permite
colocar os complicados problemas da contraviolência sem cair numa moral de dois
pesos e duas medidas, que pretende ser a violência aceitável quando utilizada
pelo opressor para manter a “ordem”, e má quando para ela apelam os oprimidos
para mudar a ordem. A violência institucionalizada viola tão fortemente direitos
fundamentais que os bispos latino-americanos advertiram que “não se pode abusar
da paciência de um povo que suporta durante anos uma condição que dificilmente
aceitariam os que têm maior consciência dos direitos humanos”.30
Ainda mais. Um setor importante do clero latino-americano pede “que na
consideração do problema da violência se evite por todos os meios equiparar ou
confundir a violência injusta dos opressores que sustentam este “nefasto
sistema” com a justa violência dos oprimidos que se veem obrigados a
recorrer a ela para alcançar a própria libertação”.31
Teologicamente, essa situação de injustiça e opressão é qualificada como uma “situação
de pecado, pois “lá onde se encontram injustas desigualdades sociais,
políticas, econômicas e culturais, repele-se o dom da paz do Senhor; e ainda
mais, o próprio Senhor”.32 Tomando consciência disso, declara
importante grupo de sacerdotes:
Consideramos um direito e um dever denunciar como sinais do mal e do
pecado a injustiça salarial, as privações do pão cotidiano, a exploração do
pobre e da nação, a opressão da liberdade...33
A realidade assim descrita é percebida cada
vez mais nitidamente como o resultado de uma situação de dependência, em
que os centros de decisão se acham fora do subcontinente; daí poder afirmar-se que
os países latino-americanos são mantidos em estado neocolonial.34
Falando do subdesenvolvimento afirma-se que “este só se compreende em sua
relação de dependência do mundo desenvolvido. O subdesenvolvimento da América
Latina é, em grande parte, um subproduto do desenvolvimento capitalista do
mundo ocidental”.35 A interpretação da realidade latino-americana em
termos de dependência é adotada e considerada válida “porquanto nos permite
procurar uma explicação causal, denunciar a dominação e lutar por superá-la com
um compromisso em prol da libertação que nos leve a uma nova sociedade”.36
Esta perspectiva é claramente adotada também por um seminário sobre os
problemas da juventude convocado pelo Departamento de educação do CELAM, que
sublinha ainda que “a dependência latino-americana não é apenas econômica e
política, mas também cultural”.37
Com efeito, nos textos, de origem e
autoridade diferentes, da Igreja latino-americana, opera-se nos últimos anos um
significativo — conquanto não de todo coerente — deslocamento do tema do desenvolvimento38
para o da libertação.39 O termo e o conceito exprimem a
aspiração por sacudir a dependência; a mensagem dos bispos do terceiro mundo
constata que “um impulso irresistível leva estes povos pobres à sua promoção a
fim de se libertarem de todas as forças de opressão”:40
Notamos — dizem os sacerdotes bolivianos — em nosso povo anseios de
libertação e um movimento de luta pela justiça, não somente para obter melhor
nível de vida, mas também para poder participar nos bens socioeconômicos e nas
decisões; do país.41
Mas o sentido mais profundo destas expressões
está em insistirem na necessidade de os povos oprimidos da América Latina tomarem
as rédeas de seu próprio destino; Medellín propugna pois uma “educação
libertadora, que, citando a Populorum Progressio, é vista como o
meio-chave para libertar os povos de toda servidão e fazê-los subir “de
condições de vida menos humanas”, tendo em vista que o homem é o responsável e
o “artífice principal de seu êxito ou de seu malogro”.42 A
libertação das atuais servidões é considerada, além disso, em importante texto
de Medellín, como uma manifestação da libertação
do pecado, trazida por Cristo:
O mesmo Deus que, na plenitude dos tempos, envia o seu Filho para que,
feito carne, venha libertar todos os homens, de todas as escravidões a que os
sujeita o pecado, a ignorância, a fome, a miséria e a opressão, numa palavra, a
injustiça e o ódio que têm sua origem no egoísmo humano.43
A Igreja quer compartilhar esta aspiração dos
povos latino-americanos; os bispos definem-se a si mesmos em Medellín como “homens
de um povo que começa a descobrir, na encruzilhada das nações, sua própria consciência,
sua própria tarefa”.44 “Estamos vitalmente conscientes da revolução
social que está em andamento. Com ela nos identificamos”.45
Sacerdotes e leigos argentinos também exprimem seu total compromisso com o
processo de libertação:
Desejamos manifestar nosso compromisso total com a libertação dos oprimidos
e com a classe operária, e com a busca de uma ordem social radicalmente
diferente da atual, que procure realizar mais adequadamente a justiça e a
solidariedade evangélicas.46
Ante a urgência da situação latino-americana,
a Igreja denuncia como insuficientes as medidas que, por serem parciais e
limitadas, não passam de paliativo que tende a consolidar um sistema de exploração.
Assim se criticam as obras assistenciais na medida em que, por sua
superficialidade, criam miragens e dilações.47 Mais profundamente,
considerando que os problemas têm raízes nas estruturas da sociedade
capitalista que originam uma situação de dependência, declara-se “imprescindível
ir até a transformação das próprias bases do sistema”48, pois “não
se encontrará verdadeira solução para os problemas... senão dentro do contexto
de uma transformação global que substitua as atuais estruturas”.49 Daí
a crítica ao “desenvolvimentismo” que propõe como solução um modelo capitalista50
e os chamamentos à radicalização das reformas, que de outra sorte “só serviriam
afinal para a consolidação de novas formas de articulação ao sistema
capitalista mediante novos tipos de dependência, menos aparentes mas não menos reais”;51
daí também aparecer cada vez com mais frequência e menos resistências o termo “revolução
social”.52
Para alguns, ter parte nesse processo de
libertação significa não se deixar intimidar pela acusação de “comunista”53
e, inclusive, mais afirmativamente, tomar o rumo do socialismo.
A enérgica reprovação que proferimos — afirma um grupo de sacerdotes colombianos
— do capitalismo neocolonial, incapaz de resolver os agudos problemas que
afligem nosso povo, leva-nos a orientar nossas ações e esforços com vistas a conseguir
a instauração de uma organização da sociedade de tipo socialista que permita a eliminação
de todas as formas de exploração do homem pelo homem e responda às tendências
históricas de nosso tempo e à idiossincrasia do homem colombiano.54
Este socialismo será — afirmam os sacerdotes
argentinos do terceiro mundo — “um socialismo latino-americano que promova o
advento do homem novo”.55 Uma das figuras mais influentes da Igreja
mexicana, Dom Sérgio Méndez, declarava em conferência asperamente discutida e
atacada:
Só o socialismo poderá dar à América Latina o verdadeiro
desenvolvimento... Acho que um sistema socialista é mais conforme com os
princípios cristãos de verdadeira fraternidade, justiça e paz... Não sei que
forma de socialismo, porém é esta a linha que deve seguir a América Latina. Por
minha parte, creio que deve ser um socialismo democrático.56
Velhos preconceitos, inevitáveis elementos
ideológicos e também as ambivalências do termo socialismo, fazem com que se
empregue linguagem cautelosa, que se proponham distinções, e igualmente que as
afirmações a esse respeito sejam entendidas de formas diversas.57
Por isso é importante ligar a este tema outro que contribui — pelo menos em um
aspecto — para precisá-lo inequivocamente. Trata-se da progressiva
radicalização do debate sobre a propriedade privada. Repetidas vezes se
assinalou sua subordinação ao bem social.58 Mas as dificuldades para
conseguir uma conciliação entre a justiça e a propriedade privada levaram muitos
à convicção de que “a propriedade privada do capital conduz de fato à
diferenciação entre capital e trabalho, ao predomínio do capitalista sobre o
trabalhador, à exploração do homem pelo homem... A história da propriedade
privada dos meios de produção põe em evidência a necessidade de sua diminuição
ou supressão em favor do bem social. Dever-se-á, pois, optar pela propriedade
social dos meios de produção”.59
O caso do Chile apresenta hoje, a este
respeito, um interesse muito especial. A chegada ao poder, por via eleitoral,
de um governo socialista cria para os cristãos chilenos um repto decisivo e
carregado de fecundas possibilidades. As primeiras reações começam a surgir,
mas têm suas raízes fincadas — cumpre não esquecê-lo — em longos anos de
participação de certos grupos na luta pela libertação dos setores oprimidos.
O sistema capitalista — escreve um grupo de sacerdotes ligado à paróquia
universitária de Santiago — mostra uma série de elementos contra o homem... O
socialismo, muito embora não se livre das injustiças precedentes de atitudes
pessoais, da ambiguidade inerente a todo sistema, oferece mediante uma mudança
nas relações de produção uma igualdade fundamental de oportunidades, a
dignificação do trabalho, porque o trabalhador, além de humanizar a natureza, faz-se
ele próprio mais homem; o desenvolvimento conjunto do país em benefício de
todos, especialmente dos mais desfavorecidos, a valorização das motivações morais
e solidárias acima do interesse individual, etc.
A transformação do homem aparece como uma
tarefa simultânea:
Tudo isso é possível se, juntamente com transformar a estrutura
econômica, se trabalhar com o mesmo ardor em transformar o homem. Não cremos
que o homem se torne automaticamente menos egoísta, porém dizemos que,
estabelecido um fundamento econômico-social de igualdade, é possível trabalhar
mais seriamente pela solidariedade humana do que numa sociedade desgarrada
pelas desigualdades.
A atitude dos cristãos estará baseada em que,
para eles, a aceitação do reino passa pela construção de uma sociedade justa:
Se nosso país dá um grande combate à miséria, os cristãos, que devem
estar nisso de cheio, sentirão que o que se vier a conseguir já é uma primeira
realização do reino proclamado por Jesus. Por outras palavras, que hoje o
evangelho de Cristo passa pelo esforço de muitos homens e nele se encarna para
fazer justiça.60
Por seu lado, o MOAC (Movimento Operário de Ação
Católica) declara a propósito do novo regime chileno:
Este fato constitui uma grande esperança e uma grande responsabilidade para
todos os trabalhadores e suas organizações: colaboração ativa e
vigilante para que tornemos realidade uma sociedade mais justa que permita a
libertação integral dos oprimidos por um sistema desumano e anticristão, como é
o capitalismo.61
Mais recentemente, numeroso grupo de
sacerdotes fez clara opção pelo processo socialista que se vive no Chile:
O socialismo, caracterizado pela apropriação social dos meios de
produção, abre caminho a uma nova economia que possibilita um desenvolvimento
autônomo e mais acelerado, superando assim a divisão da sociedade em classes
antagônicas. Entretanto, o socialismo não é só uma nova economia: deve também
gerar novos valores que possibilitem o surgimento de uma sociedade mais
solidária e fraterna, na qual o trabalhador assuma com dignidade o papel que
lhe compete. Sentimo-nos comprometidos neste processo em andamento e queremos
contribuir para seu êxito. A razão profunda deste compromisso é nossa fé em Jesus
Cristo, que se aprofunda, renova e toma corpo segundo as circunstâncias históricas.
Ser cristão é ser solidário. Ser solidário neste momento no Chile é participar
no projeto histórico traçado por seu próprio povo.62
De forma muito significativa, os bispos
peruanos, “ante o surgimento de governos que pretendem implantar em seus países
sociedades mais justas e humanas”, propunham em documento dirigido ao Sínodo
dos bispos, “que a Igreja se comprometa em lhes dar apoio, contribuindo para
derribar preconceitos, reconhecendo suas aspirações e alimentando-os na busca
de um caminho próprio para uma sociedade socialista”.63
Finalmente, o processo de libertação requer a
participação ativa dos oprimidos. Este é, por certo, um dos mais
importantes temas nos textos da Igreja latino-americana. A partir da
verificação da aspiração, geralmente frustrada, das classes populares a
participarem das decisões que afetam a sociedade global64, chega-se a
compreender que aos pobres é que toca o papel de protagonista em sua própria
libertação: “primeiro aos povos pobres e aos pobres do povo é que compete realizar
sua própria promoção”65. Repelindo todo tipo de paternalismo,
afirma-se que “a transformação social não é mera revolução para o povo, mas o
próprio povo — mormente os setores camponeses e operários, explorados e
injustamente marginalizados — é que deve ser agente de sua própria libertação”.66
Essa participação exige tomada de consciência, por
parte dos oprimidos, da situação de injustiça.
A justiça e, consequentemente, a paz — declaram os bispos latino-americanos
— são conquistadas por uma ação dinâmica de conscientização e de organização
dos setores populares, capaz de urgir todos os poderes públicos muitas vezes
impotentes em seus projetos sociais por falta de apoio popular.67
Entretanto, as estruturas atuais impedem a
participação popular e geram a marginalização das grandes maiorias, que não
encontram tampouco meios de expressão para suas reivindicações.68 Em
consequência, sente-se instada a Igreja a dirigir-se diretamente aos oprimidos
— em vez de apelar para os opressores —, convocando-os a tomarem as rédeas de
seu próprio destino, comprometendo-se a apoiá-los em suas reivindicações,
dando-lhes oportunidade de expressá-las e expressando-as ela própria.69
Em Medellín foi aprovado precisamente , como linha pastoral, “alentar e
favorecer todos os esforços do povo por criar e desenvolver suas próprias
organizações de base, pela reivindicação e consolidação de seus direitos e pela
busca de uma verdadeira justiça”.70
23 É notório o caso de excomunhão de três
altos funcionários do governo paraguaio (um ministro e dois chefes de polícia)
pelo episcopado desse país. Ato insólito em
nossos dias. O que, porém, ainda é mais insólito é que haja sido feito em
detrimento dos que estão no poder e pretendem defender a civilização “ocidental
e cristã”: Los sucesos de octubre en Assunción: Spes (Montevidéu) 3 (1969)
6-9; e Paraguay: conflicto iglesia-estado. Informe especial. Centro de
documentación MIEC-JECI, Montevidéu 1969 (mimeo).
24 Norman Gali relata alguns destes casos em La
reforma católica: Mundo nuevo (Junho 1970) 2o-43.
25 Bom número desses textos foram recolhidos
em Signo de renovación. Lima 1969. Consultar também os Documentos
publicados em Medellín: la iglesia nueva: Cuadernos de marcha,
Montevidéu (setembro 1968), e numa publicação mais recente Iglesia
latino-americana, protesta o profecia? Buenos Aires 1969; e também Los
católicos postconciliares en la Argentina. Buenos Aires 1970. Utilizaremos
apenas os textos dos três últimos anos.
26 XXXVI Asamblea episcopal del Peru, 1969,
em Signos de renovación (daqui por diante citaremos Signos), 258. A
mesma ideia em Mensaje a los pueblos de América latina, em II
Conferencia geral del episcopado latino-americano: La iglesia en in actual
transformación de América latina a la luz del concilio Vaticano II, Bogotá,
1968, 33 (daqui diante citaremos Medellín) e no discurso de D. Helder
Câmara na X Reunião do CELAM (1966) em Signos, 48ª. Ver também Los cristianos y el
poder: documento de laicos y sacerdotes de Santa Fe. Argentina, 1968, em Iglesia
latinoamericana, protesta o profecia?, 121-122 (citaremos apenas Iglesia
latinoamericana); Carta de sacerdotes tucumanos al arzobispo de
Buenos Aires, 1969, em op. cit., 137; La iglesia en el proceso de
transformación: documento de laicos, sacerdotes, religiosos y obispos reunidos
en Cochabamba, 1968, em op. cit., 154; Carta pastoral del episcopado
mexicano sobre el desarrollo e integración del país, México, 1968, 9 e 12.
27 Conclusões da primeira semana de pastoral
de conjunto em El Salvador (junho 1970), NADOC 174, 2. “A primeira coisa que a
Igreja tem a fazer é confessar publicamente o seu pecado.” Declaração geral do Encuentro
sobre el hombre nuevo do “Movimento estudantil cristão de Cuba”, Spes 4
(1969), 3.
28 Paz, em Medellín, 72; e é preciso
sublinhar que não se trata de frase dita de passagem; todo o documento é
construído sobre esse enfoque. Cf. também Mensaje de los obispos del tercer mundo, Signos,
28ª. Na Declaración del II Seminario de
sacerdotes latino-americanos organizado por ILADES, 1970, denuncia-se que a
injustiça “pôs a seu serviço a legalidade e a ordem”, NADOC 122, 3. “Pensemos
na grande dose de violência que tal situação comporta para os que a sofrem,
sobretudo se consideramos que, enquanto teoricamente se lhe reconhecem os
direitos, na prática lhes são eles negados na atual ordenação econômica
social”: Carta pastoral de adviento de monseñor Parteli y su presbterio,
Montevidéu 1967, 11. Para um comentário ao texto de Medellín sobre a violência
institucionalizada, consultar G. ARROYO, Violencia institucionalizada en
América latina, Mensaje 175 (1968), 534-544. Cf. também P. BIGO, Enseñanza de la iglesia
sobre la violencia, Mensaje 174 (1968), 574-578.
29 Em Carta ao presidente do Brasil,
1965, o bispo de Santo André e seu clero denunciam, entre outras coisas, que o
desemprego “ameaça de morte, mesmo de morticínio, a milhares de trabalhadores”,
em Iglesia latinoamericana, 174. Ver especialmente América Latina,
continente de violencia, carta afirmada por mais de mil sacerdotes
latino-americanos em Signos, 103s. Di-lo também um episcopado
considerado moderado: Carta pastoral del episcopado mexicano... 1968,
10-21.
30 Paz, em Medellín, 72.
31 “América latina, continente de violencia”,
Signos, 106a.
32 Paz em Medellín, 71; ver também
ibid, 65. Cf. igualmente “Justicia”, em Medellín, 52, e H. CÂMARA, op.
cit., Signos, 50a; Opresión social y silencio de los
cristianos, declaração de sacerdotes de San Juan, Argentina 1969, em Iglesia
latinoamericana, 141.
33 Declaración de 300 sacerdotes
brasileños, 1967, em Signos, 156b, Cf. também Carta de 120
sacerdotes de Bolivia a su conferencia episcopal, 1970, em NADOC, 148, 2.
Sobre a negação de Deus implicada na injustiça, ver Nordeste.
Desenvolvimento sem justiça, Ação Católica operária, Secretariado regional
do Nordeste, Recife, 1967, especialmente p. 78.
34 Paz,
em Medellín, 65-69.
35 Presencia
de la iglesia en el proceso de cambio en América latina. Departamento de
Acción Social del CELAM, Itapoán 1968, em Signos, 37-40. Cf. Comunicado
de 38 sacerdotes de América latina sobre la encíclica Populorum Progressio,
Santiago do Chile 1967, em ibid., 91; Comentario sobre el documento
de trabajo de la Camferencia episcopal latinoamericana de Medellín
(Movimentos de apostolado leigo da América latina), 1968, em ibid., 218a;
II Encuentro del grupo sacerdotal de Golconda (Colômbia), em ibid.,
107; Los cristianos y el imperialismo, declaração de católicos e
protestantes bolivianos, 1969, em Iglesia latinoamericana 167; II
seminario de ILADES, 1970, em 122, 2 e 3; Conclusiones de la Comisión
ecuatoriana de justicia y paz, dezembro 1970, em NADOC, 191 (1971).
36 Orientaciones del encuentro regional
andino de justicia y paz (Peru), 1970, em NADOC, 147, 2 (ver todo o
documento). A situação política de Cuba é muito diferente da dos outros países
latino-americanos; é por isso interessante reproduzir o que nessa ordem de
ideias dizem os bispos cubanos, depois de vários anos de silêncio, a propósito
das dificuldades para o desenvolvimento. Afirmam: “Dificuldades internas,
originadas na novidade da problemática e em sua complexidade técnica, enquanto
produtos também das deficiências e pecados dos homens; porém, em não menor
proporção, dificuldades externas, vinculadas à complexidade, que condicionam as
estruturas contemporâneas das relações entre os povos, injustamente
desvantajosas para os países fracos, pequenos, subdesenvolvidos — eis o caso do
bloqueio econômico a que se viu submetido nosso povo, cujo prolongamento
automático acumula graves inconvenientes a nossa pátria”: Comunicado da
Conferência episcopal de Cuba, 10 de abril de 1969, em SEDOC (setembro
1969), 350.
37 Juventud
y cristianismo en América latina, Bogotá, 1969, 23.
38 Presencia
activa de la iglesia en el desarrollo y la integración de América latina
(assembleia extraordinária do CELAM, Mar del Plata 1966), Bogotá, 1967.
39 Deslocamento muito bem observado por H.
BORRAT, El gran impulso, Víspera 7 (1968), 9.
40 Mensaje
de obispos del tercer mundo, 1967, em Signos, 19b.
41 Carta de 120 sacerdotes de Bolivia a su
conferencia episcopal, 1970, em NADOC, 148, 2. “Desde há algum tempo,
porém, está sendo gerado novo elemento neste panorama de miséria e injustiça. É
o fato de uma rápida tomada de consciência de um povo explorado que intui e
verifica as possibilidades reais de sua libertação. Para muitos, essa
libertação é impossível sem uma mudança fundamental nas estruturas
socioeconômicas de nosso continente. Não poucos consideram já esgotadas todas
as possibilidades de alcançá-lo por meios puramente pacíficos”: América
latina, continente de violencia, em Signos, 105b.
42 Educación, em Medellín, 94.
43 Justicia, em Medellín, 52. A noção
de libertação acha-se com frequência também em outros documentos de Medellín
(Mensaje, Introducción, pastoral de élites, pobreza etc.). Ver
também XXXVI Asamblea episcopal del Perú, em Signos, 255-261;
Comunicado de 38..., em ibid., 91 a; II Encuentro... Golconda, em
ibid., 108a; Conclusiones del II Encuentro nacional de ONIS, em Movimiento
sacerdotal ONIS: Declaraciones; Centro de estudos e publicações, Lima 1970,
29 (a partir daqui citaremos ONIS, Declaraciones). Esta é uma ideia
constante nos documentos de ONIS.
44 Cardeal J. Landázuri, Discurso de
clausura de la II Conferencia episcopal latinoamericana, em Signos,
249b.
45
Cardeal J. Landázuri, Discurso en la universidad de Notre Dame, 1966, em
Signos, 81b.
46 Los
cristianos y el poder, em Iglesia latinoamericana, 120; cf. Declaraciones
de sacerdotes peruanos, 1968, em Signos, 101 b.
47 Encuentro
regional andino de Justicia y paz, 1970, em NADOC, 42.
48El
presente de la transformación nacional, em ONIS Declaraciones 42;
ver todo o documento e também Declaración ante problemas laborales, em
op. cit., 36. Sobre a rejeição do capitalismo ver também Carta
pastoral adviento..., Montevidéu, 1967, 7-8.
49 Declaración
ante problemas laborales, em ONIS Declaraciones, 37. Cf. Evangelio
y exploración, Declaración de sacerdotes y laicos del Chaco, 1968,
em Iglesia latinoamericana, 126; Hacia una sociedad más justa, Declaración
de laicos y sacerdotes de Corrientes, 1968, em ibid., 116; ISAL
en Bolivia; pronunciamiento ante las guerrillas de Teoponte,
1970, em NADOC, 157, 6-7.
50 “Se as políticas econômicas e sociais
seguidas nos últimos quinze anos não permitiram resolver o problema da pobreza
na América Latina, isto se deve à própria concepção do desenvolvimento em que
se inspirou. Seu objetivo consistiu em fazer passar cada um dos países deste
continente de um tipo de sociedade pré-industrial a um tipo capitalista,
moderno. Assim, porém, limita-se o problema a mero aspecto técnico, deixa-se de
lado sua dimensão humana, deixam-se intactas as fontes profundas da injustiça”:
P. MUÑOZ VEGA, arcebispo de Quito, Hora del cambio de estructuras y justicia
social (13 de setembro de 1970), em NADOC, 171, 5. Cf. II seminario de
ILADES, em NADOC, 122, 5.
51 No reconstruyamos la injusticia,
ONIS, declaração no jornal Expreso, Lima, 27 de julho de 1970, 8. Mais
acima o documento refere-se à tenacidade da dominação e a seu recurso à
modernização para manter-se.
52 Cf. Cardeal J. Landázuri, Discurso en
la universidad de Notre Dame, 1966, em Signos, 81; Mensaje de los
obispos..., em ibid., 20 a, Declaración de sacerdotes peruanos,
1968, em ibid. 99; Carta de 80 sacerdotes bolivianos, 1968, em ibid.
160. “É indubitavelmente impossível superar esta situação sem uma verdadeira
revolução que produza o deslocamento das classes dirigentes de nosso país, por
cujo intermédio se exerce a dependência exterior”: II Encuentro Golconda”,
em op. cit., 108; Conclusiones del II Encuentro nacional de ONIS,
outubro 1969, em ONIS Declaraciones, 29s.
53 “É facílimo agitar o comunismo contra os
que, mesmo sem laço algum com o partido ou a ideologia marxista, ousam
descobrir as raízes materialistas do capitalismo; que ousam observar que, a
rigor, já não existe socialismo no singular, porém socialismos e capitalismos
no plural”: H. Câmara, art. cit., em Signos, 53. “Surge também, em
certos ambientes, o temor, a suspeita ou a acusação de ‘comunismo’. Parece-nos
não ser o momento para nos dar ao luxo do comunismo no Peru. Efetivamente,
quando a consciência social, ou a autêntica consciência nacional, é só
patrimônio de alguns poucos, e quando a desigualdade econômica, a desintegração
cultural e a exploração afetam a imensa maioria, é ingênuo ou imoral tachar de
‘comunismo’ certos esforços, certos êxitos ou certas tendências”: El
presente de la transformacion nacional, em ONIS Declaraciones, 42
(ver todo o documento).
54 II Encuentro... Golconda, em Signos,
12 a.
55 Coincidencias básicas, em Sacerdotes
para el tercer mundo, Buenos Aires 1970, 69. É também a opção de ISAL
— Bolívia. Ver NADOC 147 (1970) 6, e Presentación de ISAL al ampliado COB,
maio 1970 (mimeo), 1. “Um novo homem, uma nova sociedade não podem ser
procurados por vias capitalistas, porque os móveis inerentes a todo tipo de
capitalismo são o lucro privado e a propriedade privada para o lucro. Não se
liberta o oprimido tornando-se capitalista. Um novo homem e uma nova sociedade
somente serão possíveis quando o trabalho for efetivamente considerado a única
fonte humana de utilidade, quando o incentivo fundamental da atividade
econômica do homem for o interesse social, quando o capital for subordinado ao
trabalho e, portanto, quando os meios de produção forem de propriedade social”:
Propriedad privada y nueva sociedad, declaração de ONIS, Peru, no jornal
Expreso, Lima, 17 de agosto de 1970. Ver também Mensaje de los
obispos..., em Signos, 24a. “O homem verdadeiramente novo é aquele
que se sente chamado à ação diária de criar um presente e um futuro melhores,
que luta por eliminar a pobreza e a marca da injustiça, a discriminação, a
exploração e todo ato de opressão, elementos característicos da sociedade
capitalista”: Declaración del MEC de Cuba, Spes 4 (1969), 3.
56 Protección
y transformación de la iglesia en Latinoamérica (conferência pronunciada a
17 de maio de 1970), em Confrontación de los obispos mexicanos:
CIP-Documenta (Cuernavaca), 7 (1970) 4. No mesmo número
apresentam-se as reações do arcebispo de Puebla e a polêmica produzida pela
conferência do bispo de Cuernavaca. Cf. também as declarações de Mons. Gerardo
Valencia à CENCOS (México) em 10 de fevereiro de 1970: “Definitivamente me
proclamo, com meus companheiros de Golconda, revolucionário e socialista,
porque não podemos permanecer indiferentes ante a estrutura capitalista que
está levando a população da Colômbia e da América Latina à mais tremenda das
frustrações e à injustiça”.
57 Cf. a esse respeito a posição matizada —
abrindo porém a possibilidade de um interessante diálogo — de D. Jorge
Manrique, arcebispo de La Paz, em El socialismo y la iglesia de Bolivia,
exortação pastoral de 9 de outubro de 1970, NADOC, n. 175. Nas conclusões de
seu terceiro encontro nacional ISAL-Bolívia, esclarece o que entende por
socialismo e conclui: “Não há portanto terceiros caminhos para o socialismo que
não sejam os do próprio governo socialista do povo” (23 de fevereiro 1971).
Como se sabe, Paulo VI iniciou uma atitude de
abertura orientada a melhor compreender o socialismo, ao distinguir nele
“diversos níveis de expressão: uma aspiração generosa e a busca de uma
sociedade mais justa, os movimentos históricos que têm uma organização e um fim
político, uma ideologia que pretende dar uma visão total e autônoma do homem”: Octogesima
adveniens, n, 31.
58 Cf. por exemplo Mensaje de los obispos
del tercer mundo, em Signos, 23. 24. O arcebispo de La Paz propugna
uma nova ética cristã que deve “reconhecer que o trabalho é mais importante que
a propriedade, no uso dos bens materiais... Assim, todo sistema de propriedade
deve ser avaliado segundo sua capacidade de humanizar a vida e os labores do
homem trabalhador”: Enfoque de la nueva ética cristiana (carta pastoral),
CIDOC 224 (1970), 4.
59 Propriedad privada y nueva sociedad,
declaração de ONIS, no jornal Expreso, 17 de agosto de 1970. Cf. também Declaración
de ONIS sobre reforma agraria, em Iglesia latinoamericana, 335-336;
em Sacerdotes para el tercer mundo, 70. Tudo isto redefine a chamada
doutrina social da Igreja. Cf. Carta pastoral del episcopado mexicano,
1968, 21. Sobre o sentido que pode ter hoje a doutrina social, consultar as
reflexões de A Manaranche, Y a-t-il une étique Paris, 1969; e L.
Velaochaga, La doctrina social de la iglesia, Expreso, Lima, 16
de agosto de 1970.
60 El
presente de Chile y el evangelio, Santiago do Chile 1970 (mimeo).
61 Em CIDOC 254 (1970). Cf. também o
pronunciamento do bispo de Puerto Montt, D. Jorge Hourton, sobre o resultado da
eleição presidencial, em CIDOC 251 (1970), e o comunicado da ação católica
rural, em CIDOC 225 (1970).
62 Comunicado
a la prensa de los sacerdotes participantes en las jornadas Participación de
los cristianos en la construcción del socialismo en Chile no jomal El
Mercurio, Santiago do Chile, 17 de abril de 1971.
63 Documento
sobre la justicia en el mundo, de agosto de 1971, n. 11. Cf. sobre isto os artigos de Ricardo Antoneich no jornal Expreso,
set.-out. 1971.
64 Cf.
Presencia de la iglesia... Itapoán, 1968, em Signos, 45b.
65 Mensaje de los obispos..., em Signos,
26a; “Devem contar consigo mesmos e com as próprias forças antes que com a
ajuda dos ricos”: op. cit., 26a: devem unir-se op. cit., 28a; e defender seu
direito à vida: op. cit., 28b. Cf. também Conclusiones de la XXXVI Asamblea
episcopal del Perú, 1969, em Signos, 257b; Declaración de ISAL,
NADOC, 147, 7; Chile, voluntad de ser, Comitê permanente dos bispos do
Chile 1968, 11 c.
66 Conclusiones del II Encuentro nacional
de ONIS, em ONIS Declaraciones, 29; ver também op. cit., 24 (sobre a
participação do camponês na reforma agrária), e No reconstruyamos la
injusticia, declaração de ONIS no jornal Expreso, Lima, 27 de julho
de 1970. Cf. Carta pastoral del episcopado mexicano... 1968, 22, 37,
49-50.
67 Paz, em Medellín, 73: ver
também 66-67 e ONIS Declaraciones, 29-37.
68 Conclusiones de la XXXVI Asamblea
episcopal del Perú, em Signos, 256b e também 257a. Cf. por exemplo Comunicado
de 38 sacerdotes... em op. cit., 91b; e as Denuncias de laicos y
sacerdotes de Santa Fe, em Iglesia latinoamericana, 121. “O fato de
se haver recorrido a gestos como a tomada de igrejas como meio de expressão da
classe trabalhadora evidencia ainda mais a orientação da imprensa e de outros
órgãos de expressão, de propriedade dos grupos de poder econômico, e portanto
porta-vozes de seus interesses; faz ver também como marginalizam as classes
populares, calando-lhes as reivindicações, ocultando e silenciando seus
reclamos, conflitos trabalhistas e outros acontecimentos”; Declaración de
sacerdotes peruanos ante problemas laborales, em ONIS Declaraciones,
35. Ver também Carta pastoral del episcopado mexicano..., 1968, 12-14 e
35. O paternalismo e a marginalização dos pobres existem também na Igreja: cf. Declaraciones
de laicos argentinos, 1968, em Iglesia latinoamericana, 109.
69 “Esperamos que a Igreja também se dirija
aos que são vítimas das estruturas injustas e aos órgãos que os representam” (Declaración
de laicos del Perú, 1968, em Signos, 178). “Aos nossos irmãos
camponeses e trabalhadores dizemos que faremos tudo o que estiver a nosso alcance
para alentar, promover e favorecer todos os seus esforços”. (XXXVI Asamblea
episcopal del Perú, 1969, em Signos, 258).
70 Paz, em Medellín, 75.
“Uma segunda linha de força nos textos que
examinamos é a exigência de uma evangelização conscientizadora.
A nós pastores da Igreja — declaram os bispos de Medellín — compete
educar as consciências, inspirar, estimular e ajudar a orientar todas as
iniciativas que contribuam para a formação do homem.82
Essa tomada de consciência de estar oprimido
e ser dono do próprio destino, outra coisa não é mais que a consequência de uma
evangelização bem entendida:
Reconhecendo que talvez a deficiente apresentação da mensagem cristã tenha
criado a imagem de ser a religião o ópio do povo — declaram sacerdotes peruanos
— sentir-nos-íamos agora culpados de grande traição ao desenvolvimento do Peru
se calássemos a riqueza doutrinal do evangelho como uma mística revolucionária.83
Com efeito,
o Deus que conhecemos na Bíblia é um Deus libertador que destrói os mitos
e as alienações. Um Deus que intervém na história para quebrar as estruturas de
injustiça e suscita profetas para assinalar o caminho da justiça e da misericórdia.
É o Deus que liberta os escravos (Êxodo), faz cair os impérios e levanta os
oprimidos.84 Todo o clima do evangelho é uma reivindicação contínua
pelo direito que têm os pobres de fazer ouvir sua voz, ser considerados com
preferência na sociedade, e subordinar as razões econômicas às dos mais necessitados.
Porventura a primeira pregação de Cristo não é para “proclamar a libertação dos
oprimidos”?85
Ao mesmo tempo que o próprio conteúdo da
mensagem, a urgência do processo de libertação na América Latina, e a exigência
de participação do povo determina “a prioridade de uma evangelização conscientizadora
que liberte, humanize e promova o homem... e (que) deverá apoiar-se na
revalorização de uma fé viva e de compromisso com a sociedade humana”.86
A mesma ideia em outro texto importante:
Na atual situação da América Latina, a evangelização, no contexto dos movimentos
de juventude, está intimamente ligada à conscientização, enquanto é entendida
como análise da realidade, com Cristo no centro, em busca da libertação da pessoa.87
Os bispos tomaram em Medellín a resolução de “fazer
que nossa pregação, catequese e liturgia, tenham em conta a dimensão social e
comunitária do cristianismo, formando homens comprometidos na construção de um
mundo de paz”88. Assinala-se que essa evangelização conscientizadora
é uma forma de “serviço e compromisso para com os mais desprovidos; para esses
precisamente deverá dirigir-se preferentemente a ação evangelizadora, não só
pela necessidade de conhecê-los em sua vida, senão ainda para ajudá-los a
tomarem consciência de sua própria missão, cooperando em sua libertação e
desenvolvimento”;89 aos oprimidos, portanto, é que deve a
Igreja dirigir-se, não tanto aos opressores; isto, aliás, dará um verdadeiro sentido
ao testemunho de pobreza da Igreja; “a pobreza real da Igreja não será
verdadeira se não atender à evangelização dos oprimidos como à primeira de suas
obrigações”.90”
82 Paz, em Medellín, 75.
83 Declaración
de los sacerdotes peruanos”, 1968, em Signos, 95b. “A falta de uma autêntica evangelização faz que as atitudes religiosas
do nosso povo constituam frequentemente um freio do dinamismo pessoal e do
desenvolvimento integral. Urge por isso apresentar a fé como fator de mudança
para uma sociedade mais justa e humana”: II Encuentro... Golconda, 1968,
em Signos, 113b. Carta pastoral del episcopado mexicano.... 1968,
16-17.
84 Manifesto de la iglesia metodista de
Bolivia, 1970, em NADOC, 140, 3. Esse mesmo documento assinala a
necessidade de um trabalho de conscientização: “A formação de uma consciência
crítica no povo boliviano... é parte da missão que Deus nos confiou”: ibid.,
6. Na linha de libertação veem-se as possibilidades de um autêntico ecumenismo:
“Cremos que as Igrejas cristãs podem dar uma mensagem comum nestes momentos
decisivos, fazendo perceber o amor que vem de Deus sobre todos os homens a
dignidade do ser humano, e convocando à luta por um Peru mais justo”: Llamado
a las iglesias, do Comité Ecuménico de Igrejas de Lima, 1969, em NADOC, 59.
85 Evangelio
y subversión, manifesto de 21 padres de Buenos Aires, 1967, em Iglesia
latinoamericana, 106.
86 Documento de la Asamblea pastoral de la
diócesis de Salto, Uruguai 1968, em Iglesia latinoamericana, 373. “A
Comissão deve contribuir para despertar em todo o povo de Deus a consciência da
gravidade e urgência do processo de libertação, de modo que a ação da Igreja
seja orientada para essa mudança e sua participação ativa nela”: Orientaciones
del encuentro regional andino de Justicia y Paz, Peru, 1970, 147, 4.
87 Juventud
y cristianismo... (DEC), Bogotá 1969, 35. Cf.
também Pastoral indigenista en México (Documento final primeiro encontro
pastoral sobre a missão da Igreja nas culturas aborígenes, departamento de
missões do (EAM, janeiro 1970), Bogotá, 1970, 40-42.
88 Paz, em Medellín, 75.
89 Asamblea pastoral... Salto,
Uruguai 1968, em Iglesia latinoamericana, 374.
90 Op. cit., 377. Cf. Pobreza, em Medellín,
210.
“É impossível doravante não encarar os
problemas que surgem de uma divisão entre cristãos que adquire estas dramáticas
características. Os líricos apelos à união de todos os cristãos, sem levar em
conta as causas profundas da atual situação e as condições reais de construção
de uma sociedade justa, não passam de evasão. Encaminhamo-nos desta forma para
nova concepção da unidade e comunhão na Igreja. Trata-se não de um fato adquirido
de uma vez, mas de algo sempre em processo, algo que se conquista com valentia
e liberdade de espírito, ao preço, muitas vezes, de dolorosos dilaceramentos.
Para esses dilaceramentos devem todos estar preparados na América Latina.
Na América Latina, deve a Igreja situar-se
num continente em processo revolucionário, onde está presente a violência de diferentes
maneiras. Em face dele é que sua missão se define prática e
teoricamente, pastoral e teologicamente. Vale dizer, mais pelo fato político
contextual do que por problemas intraeclesiásticos, pois sua maior “omissão”
consistiria exatamente em retrair-se em si mesma. As opções que — com as
limitações assinaladas — vai fazendo a comunidade cristã colocam-na cada vez mais
nitidamente ante a disjuntiva que se vive atualmente no continente: pró ou
contra o sistema, ou, mais sutilmente, reforma ou revolução. São muitos os
cristãos que resolutamente optaram pelo difícil caminho da revolução. Ante esta
polarização, poderá a Igreja ir mais à frente sem sair do que é
tradicionalmente considerado como sua missão específica?
Para a Igreja latino-americana, estar no
mundo sem ser do mundo significa concretamente e cada vez mais claramente estar
no sistema sem ser do sistema. É, com efeito, evidente que só um rompimento com
a ordem injusta atual e um franco compromisso em prol de uma nova sociedade
tornará crível aos homens da América Latina a mensagem de amor de que é
portadora a comunidade cristã. Esta exigência deve levá-la a profunda revisão
do modo de pregar a palavra, de viver e celebrar a fé.
Estreitamente unido ao problema anterior, há
outro muito discutido: deve a Igreja arriscar sua influência social em
favor da transformação social da América Latina? Muitos se preocupam com os que
propugnam uma Igreja empenhada na obtenção das necessárias e urgentes mudanças.8
Teme-se que, após haver estado ligada à ordem reinante, se comprometa a Igreja com
a seguinte, reputada mais justa. Teme-se também que este empenho termine em
ruidoso malogro: o episcopado latino-americano não tem posição unânime nem
dispõe dos meios necessários para orientar o conjunto dos cristãos em avançada
linha social.9
Não se pode negar a pertinência de tal
observação. Há de fato um grande risco. Mas a influência social da Igreja é um fato
maciço. Não arriscá-la em favor dos oprimidos da América Latina é fazê-lo
contra eles, e é difícil fixar de antemão os limites dessa ação. Não falar é
constituir-se em outro tipo de Igreja do silêncio, silêncio em face da
espoliação e exploração dos débeis pelos poderosos. Por outro lado, a melhor
maneira para a Igreja romper seus laços com a ordem presente — e perder assim
esse ambíguo prestígio social — não seria, exatamente, denunciar a injustiça
fundamental em que está baseada? Só ela está em condições de erguer publicamente
sua voz e seu protesto. Quando algumas igrejas começaram a fazê-lo foram
hostilizadas pelos grupos dominantes e reprimidas pelo poder político.10
Para refletir sobre o que incumbe à Igreja latino-americana fazer, e atuar em
consequência, é necessário ter em conta suas coordenadas históricas e sociais,
seu aqui e agora. Omiti-lo é ficar no nível de uma teologia e um compromisso
abstratos e a-históricos; ou talvez de uma teologia mais cuidadosa de não repetir
erros passados que de ver a originalidade da presente situação e comprometer-se
com o amanhã.”
8 Cf. as penetrantes análises de J. L. Segundo,
Hacia uma iglesia de izquierda? e R. Cetrulo, Utilización política de la
iglesia: PD (abril 1969) 35-39 e 40-44, respectivamente.
9 H. Borrat observa como as esperanças despertadas
no papel da Igreja-instituição por Medellín começam a mudar-se em frustração desassossego,
em La iglesia, para qué?; CS (1970, primeiro fascículo) 14.
10 C. Aguiar fala da possibilidade, na
América Latina, de um estilo diferente de “Igreja subterrânea”, subterrânea
diante do poder político, não do eclesiástico (como nas Igrejas de países
opulentos), e prevê a necessidade de uma teologia da perseguição que pode fazer
“reencontrar o sentido da cruz, perdido há tempos”: — Tendances et courants
actuels du catholicisme latino-américain: IDOC-Internacional 30 (1970), 18.
Isso, porém, não virá só da radicalidade do compromisso., H. Borrat afirma, com
perspicácia e humor, que “a Igreja vai pagar um preço muito oneroso pelo noviciado
revolucionário de alguns de seus membros... É fácil prever que durante os anos
70 nenhum grupo social aparecerá tão exposto quanto a Igreja ante os organismos
repressivos. Poucos são ingenuamente obstinados, como certos grupos de
vanguarda dentro dela, em publicar sua condição subversiva, em professar a
violência antes de exercê-la, em entregar-se gratuitamente aos adversários
políticos”: art. cit., 12.
Nenhum comentário:
Postar um comentário