Editora: Vozes
Tradução: Jorge
Soares
Opinião: ★★★★☆
Páginas: 276
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Sinopse: Ver Parte
I
“A salvação não
é algo “ultramundano”, ante o qual a vida presente seria apenas uma prova. A
salvação — comunhão dos homens com Deus e comunhão dos homens entre si — é algo
que se dá também, real e concretamente, desde agora, que assume toda a
realidade humana, a transforma e a leva à sua plenitude em Cristo:
O centro, pois, do desígnio
salvador é Jesus Cristo, que por sua morte e ressurreição transforma o universo
e possibilita o acesso dos homens a sua verdadeira plenitude humana. Esta
plenitude envolve o homem em sua totalidade: corpo e espírito, indivíduo e
sociedade, pessoa e cosmos, tempo e eternidade. Cristo, imagem do Pai,
Deus-homem perfeito, assume a existência humana em todas as dimensões.9
Em consequência, o pecado não é só impedimento para essa salvação no
além. O pecado, enquanto ruptura com Deus, é realidade histórica, é quebra de
comunhão dos homens entre si, é fechamento do homem sobre si mesmo. Fechamento
que se manifesta em multiforme atitude de ruptura com os demais. E por ser o
pecado uma realidade intra-histórica — pessoal e social — formando parte da
trama diária da vida humana, é também, antes de tudo, um estorvo para que esta
chegue à plenitude que denominamos salvação.
A ideia da salvação universal, penosamente conquistada e que partia do
desejo de estender a possibilidade de alcançá-la, vem a dar assim numa questão
de intensidade da presença do Senhor e, portanto, de valorização religiosa da
ação do homem na história. O olhar orienta-se para este mundo a ver no além,
não a “verdadeira vida”, e sim a transformação e realização plena da
vida presente. O valor absoluto da salvação, longe de desvalorizar este mundo,
dá-lhe seu autêntico sentido e sua consistência própria porque, inicialmente,
já se dá nele. Para dizê-lo em termos da teologia bíblica: a perspectiva
profética (o reino assume, transformando-a, a vida presente) reclama seus
direitos em face de uma perspectiva sapiencial (primazia da vida ultraterrena).10
(...)
As peripécias da evolução que esboçamos permitiram-nos, pois, recuperar
definitivamente um elemento essencial da noção de salvação obstruída por muito
tempo em um assunto de maiores ou menores possibilidades de alcançá-la: a
salvação é, também, uma realidade intra-histórica. Mais. A salvação — comunhão
dos homens com Deus e entre si — orienta, transforma e leva a história à sua
plenitude.”
9 Documento de trabajo..., em Signos, 210 b.
10 Sobre a interpretação das bem-aventuranças, cf. adiante o capítulo
13. J. L Segundo, no interessante ensaio sobre a noção de salvação,
anteriormente citado, ressalta uma diferença de enfoque entre o pensamento de
Paulo e o de outros autores do Novo Testamento, paralela à que acabamos de
evocar, e conclui: “Podemos, pois, dizer que o cristianismo, embora concorde
com as religiões de salvação extramundana em referir-se a uma salvação
absoluta, delas difere por haver introduzido esse valor absoluto em meio da
realidade histórica e aparentemente profana da existência do homem”: Intelecto
Y salvación, 87.
“O homem é o
resumo e o centro da obra criadora, e é chamado a prolongá-la por meio do
trabalho (cf. Gên 1,28). Não só pelo trabalho. A libertação do Egito,
vinculada, até a coincidência, à criação, acrescenta um elemento de capital
importância: a necessidade e o lugar de uma participação ativa do homem na
construção da sociedade. Se a fé na criação a “dessacraliza”, transformando-a
no campo próprio do trabalho do homem, a saída do Egito, país da monarquia
sagrada, reforça esta ideia: é a “dessacralização” da práxis social. Será ela
doravante a obra do homem.33 Trabalhando, transformando o mundo,
rompendo com uma situação de servidão, construindo uma sociedade justa,
assumindo seu destino na história, o homem forja-se a si próprio. No Egito,
torna-se o trabalho alienado, e longe de edificar uma sociedade justa,
contribui antes para aumentar a injustiça, tornar maior a distância entre
exploradores e explorados.
Dominar a terra, como o prescreve o Gênesis, prolongar a criação, só tem
valor se for feito em favor do homem, se estiver a serviço de sua libertação,
solidariamente com todos os homens, na história. A isso corresponde a
iniciativa libertadora de Javé ao suscitar a vocação de Moisés. Só a mediação
desta autocriação — revelada inicialmente pela libertação do Egito — permite
sair de expressões líricas e de categorias aproximativas, e compreender — em
profundidade e sinteticamente — a relação entre criação e salvação tão
energicamente afirmada pela Bíblia.
A experiência paradigmática do êxodo — que mantém sua vigência e
atualidade graças a similares experiências históricas por que passou o povo de
Deus — marcada como dizia A. Néher “pelo duplo selo da imperiosa vontade de Deus e da participação
consentida e consciente dos homens”, estrutura nossa fé no dom do amor do Pai.
Em Cristo e pelo Espírito, os homens, superando pela luta e a altivez tudo o
que os divide e opõe entre si, vão-se constituindo um no próprio seio da
história. Mas os verdadeiros agentes de tal superação em busca de unidade são
os que hoje sofrem opressão (econômica, política, cultural) e lutam por
livrar-se dela.34 A salvação — iniciativa total e gratuita de Deus,
comunhão dos homens com Deus e dos homens entre si — é a mola íntima e a
plenitude desse movimento de autogeração do homem, lançado inicialmente pela
obra criadora.
Em consequência, quando se afirma que o homem se realiza prolongando a
obra da criação por meio do trabalho, estamos dizendo que se situa, por esse
mesmo fato, no interior de um processo salvífico englobante. Trabalhar,
transformar este mundo é fazer-se homem, e criar a comunidade humana já é
também salvar. De igual modo, lutar contra uma situação de miséria e espoliação,
e construir uma sociedade justa é inserir-se no movimento salvador, a caminho
de sua plena realização. Concretamente, tudo isso quer dizer que construir a
cidade temporal não é simples etapa de “humanização”, de “pré-evangelização”
como se dizia em teologia há já algum tempo. É situar-se em pleno processo
salvífico que abrange todo o homem e toda a história humana. Uma reflexão teológica
sobre o trabalho humano e a práxis social deveria partir dessa afirmação
fundamental.”
33 Foi isto muito bem assinalado por H. Cox, em The secular city.
Seria preciso, porém, precisar que esta “dessacralização” significa, na realidade,
uma noção diferente do “sagrado”: não o intocável e separado da vida profana,
e sim algo presente e ativo no âmago da história humana.
34 Dizia-o vigorosamente F. Fanon: “Politizar as massas... é empenhar-se
com energia em fazer as massas compreender que tudo depende delas, que pararmos
é culpa sua, e avançarmos é também culpa sua; que não há demiurgo, não há homem
ilustre e responsável por tudo, antes 0 demiurgo é 0 povo e as mãos mágicas
são, em definitivo, as mãos do povo”: Les damnés de la terre (Os
condenados da terra), 146.
“É necessário
partir do princípio de que o verdadeiro objeto das promessas é velado pela
linguagem figurativa usada pelos profetas. A questão que, por conseguinte, se
afigura é de saber como discernir o que deve ser tomado ao pé da letra e “o que
deve ser entendido figurativamente”63 A resposta é clara: o objeto
de tais promessas é o “drama espiritual permanente da humanidade que
toca discretamente o mistério de pecado, de sofrimento e de salvação que constitui
a trama de seu destino”; os textos que nos
transmitem essas promessas têm apenas “uma relação acidental com a história política”.
O verdadeiro sentido é, pois, o “espiritual”. O Novo Testamento fá-lo-á
aparecer com toda a desejada clareza.70
Mas haverá de fato o dilema: ou redenção espiritual ou redenção temporal?
Não haveria nisto “excessiva espiritualização” de que Y.-M. Congar nos aconselha a desconfiarmos?71 Tudo
nos leva a temê-lo. Há, porém, talvez, algo mais profundo e difícil de superar.
Tem-se a impressão de que nesta formulação há um pressuposto que importa
trazer à tona: certa concepção do espiritual marcada por um tipo de pensamento
ocidental dualista (matéria-espírito), alheia à mentalidade bíblica,72
e cada vez mais estranha também à mentalidade contemporânea.73 Um “espiritual”
desencarnado, depreciativamente superior a toda realidade terrena. Parece-nos
que a questão não se propõe em termos de “promessa temporal ou promessa
espiritual”, e sim, como o vimos, de realizações parciais em acontecimentos históricos
libertadores que são, por sua vez, novas promessas que assinalam o caminho até
o cumprimento pleno. Cristo não “espiritualiza” as promessas escatológicas, dá-lhes
sentido e cumprimento histórico hoje (cf. Lc 4,21),74 porém abre
igualmente novas perspectivas, impulsionando a história para diante, para a
reconciliação total.75 O
sentido escondido não é o “espiritual” que desvaloriza e quase elimina o
temporal e terrestre como um estorvo, porém o de uma plenitude que assume e
transforma o histórico.76 Mais. Só no acontecimento histórico,
temporal e terrestre é que nos podemos abrir ao futuro da plena realização.
Não basta por isso reconhecer que a escatologia se dá no futuro e no
presente. Isto, com efeito, pode afirmar-se ficando no nível de realidades “espirituais”,
futuras e atuais. Dir-se-á então, com uma expressão que nos pode levar a engano,
que a escatologia não desvaloriza a vida presente; mas se por “vida presente”
se entende só “vida espiritual presente”, não estamos diante da correta
compreensão da escatologia. Sua atualidade é uma realidade intra-histórica. O
conflito graça-pecado, a vinda do reino, a espera da parusia são também,
necessária e inevitavelmente, realidades históricas, temporais, terrenas,
sociais, materiais.
Os profetas anunciam um reino de paz. A paz porém supõe o
estabelecimento da justiça: “O produto da justiça será a paz, o fruto da equidade,
perpétua segurança” (Is 32,17; cf. também Sl 85),77 a defesa dos
direitos dos pobres, o castigo dos opressores, uma vida sem temor de sermos
escravizados por outros, a libertação dos oprimidos. Paz, justiça, amor,
liberdade são realidades intimistas, não são só atitudes interiores; são
realidades sociais, portadoras de uma libertação histórica. Uma
espiritualização mal entendida fez-nos, amiúde, esquecer a carga humana e o
poder transformador sobre as estruturas sociais injustas de que estão cheias as
promessas escatológicas. A supressão da miséria e da exploração é um sinal da
vinda do reino. Este far-se-á presente, segundo o livro de Isaías, quando
houver gozo e regozijo no povo porque “edificarão casas e habitá-las-ão,
plantarão vinhas e comerão seus frutos. Não edificarão para que outro habite,
não plantarão para que outro coma... meus eleitos desfrutarão do trabalho de
suas mãos” (65,21-22), porque não se lhes arrebatará o fruto de seu trabalho.
Lutar por um mundo justo, em que não haja opressão nem servidão, nem trabalho
alienado, será o significado da vinda do reino. Reino e injustiça social são
incompatíveis (cf. Is 29,18-19 e Mt 11,5; Lev 25,10s e Lc 4,16-21). “A luta
pela justiça — escreve com razão D. Antônio Fragoso — é também a luta pelo reino
de Deus”.78”
68 Le sens chrélien..., 395.
69 Ibid., 396. Nos textos citados o grifo é do autor.
70 Ibid., 397-398. “As promessas de bens temporais são
substituídas por outras nitidamente espirituais”: M. García Cordero, Promesas,
em Enciclopedia de la Biblia V, Barcelona, 1963, 1291. Ver, em
perspectiva semelhante, L. ROY, Libertação, liberdade, em X. de
Léon-Dufour, Vocabulário de teologia bíblica. Vozes, Petrópolis, 1972,
col. 525-530.
71 Y. M. Congar, Christianisme et libération... MD 12 (1969), 7.
72 Na Bíblia, como foi muitas vezes lembrado, 0 espiritual não se opõe
ao corpóreo nem ao material, mas ao carnal, entendido como fechamento egoístico
do homem em si mesmo. Por isso Paulo não dúvida em falar de “corpo espiritual”
(1Cor 15,44) e de “mente carnal” (Cl 2,18). Cf. a esse respeito Beltrán Villegas, El evangelio: una noticia siempre
increible, Mensaje 196 (1971), 27, n. 7. Cf. o estudo clássico de
John A. T. Robinson, El cuerpo. Estudo de teologia paulina, Barcelona, 1968.
73 Cf. sobre isto as breves observações de N. Lohfink, Exégesis
bíblica y teologia, 184.
74 Y. M. Congar, Mystère de Jésus et église des pauvres, em L’église
aujourd’hui, Paris, 1967, 55.
75 “Cristo quer a libertação do homem e sua libertação total... e não se
limita à sua libertação espiritual”: A. Fragoso, Évangile et révolution
sociale, Paris, 1969, 15.
76 Para apoiar sua interpretação do sentido escondido e velado das
profecias, afirma P. Grelot que se pode falar de “um sentido espiritual
escondido sob a letra das profecias”. O autor reconhece de imediato que
a distinção paulina de letra e espírito se aplicava inicialmente à lei, mas
acrescenta: “Sua transposição para o problema das profecias não é por isso
menos legítima” (op. cit., 394, n. 1). Na realidade trata-se somente de uma
transposição da lei à profecia? a transposição não leva consigo uma
transformação do próprio sentido da distinção? A letra não se opõe ao
espírito como o terrestre ao espiritual. A distinção de Paulo situa-se
em outra ordem de ideias. Como diz muito bem Tomás de Aquino: “Sob o termo letra cumpre entender toda lei
exterior ao homem, inclusive os preceitos da moral evangélica”: ST 1-2, q. 106,
arts. 1 e 2.
77 Este texto de Isaías (acrescentado posteriormente à promulgação da
Constituição) é legitimamente interpretado na Gaudium et spes (n. 78)
como se referindo à justiça social.
78 Évanple et révolution
sociale, Paris, 1969, 15. Continua o texto: “É impossível que o Evangelho não fira a consciência
dos cristãos e não provoque seu entendimento com todos os homens de vontade
pela libertação de todos, a começar dos mais pobres e abandonados”. “Lutar por
a justiça entre homens”, escrevem os bispos peruanos, “é começar a ser justo
diante do Senhor”: Justicia en el mundo, agosto de 1971, n. 7.
“Estamos longe
aqui, portanto, do otimismo ingênuo que não dá ao pecado o lugar que lhe
compete na trama histórica da humanidade. Esta era a crítica que se fazia ao
esquema de Ariccia e que se repete com frequência a respeito de Teilhard de
Chardin, e de toda entusiástica teologia do progresso humano. Não se trata,
porém, em perspectiva libertadora, do pecado como realidade individual, privada
e intimista, afirmada exatamente o bastante para necessitar uma redenção “espiritual”,
que não questiona a ordem em que vivemos. Trata-se do pecado como fato social,
histórico, ausência de fraternidade, de amor nas relações entre os homens,
ruptura da amizade com Deus e com os homens e, em consequência, cisão interior,
pessoal. Assim consideradas as coisas, redescobrem-se as dimensões coletivas do
pecado, a noção bíblica do que J. M. González Ruiz denomina a “hamartiosfera”,
a esfera do pecado: “uma espécie de âmbito ou estrutura que condiciona
objetivamente o próprio caminhar da história humana”.95 Mais. O
pecado não aparece como acréscimo, algo de que não se pode deixar de falar para
não se afastar da tradição ou não apresentar o flanco a fáceis ataques;
tampouco não se trata de evasão a um espiritualismo desencarnado. O pecado
existe em estruturas opressoras, na exploração do homem pelo homem, na
dominação e escravidão de povos, raças e classes sociais. Surge então o pecado
como a alienação fundamental, como a raiz de uma situação de injustiça e
exploração.96 Alienação fundamental que, por isso mesmo, não pode
ser alcançada em si mesma, só se dá em situações concretas, em alienações particulares.97
Impossível compreender um sem o outro. O pecado exige uma libertação radical,
mas esta inclui necessariamente uma libertação política.98 Só
participando no processo histórico da libertação, será possível mostrar a alienação
fundamental presente em toda alienação parcial.
Essa libertação radical é o dom trazido por Cristo. Por sua morte e
ressurreição redime o homem do pecado e de todas as suas consequências, como
muito bem diz um texto que convém citar de novo: “é o mesmo Deus que, na
plenitude dos tempos, envia seu Filho para que, feito carne, venha a libertar
todos os homens de todas as escravidões a que os sujeita o pecado, a
ignorância, a fome, a miséria e a opressão, numa palavra, a injustiça e o ódio
que têm sua origem no egoísmo humano”.99 Por isso, a vida cristã é
uma páscoa, uma passagem do pecado à graça, da morte à vida, da injustiça à justiça, do
infra-humano ao humano. Cristo nos faz, com efeito, entrar, pelo dom de seu Espírito,
em comunhão com Deus e com todos os homens. Mais exatamente, porque nos faz
entrar nessa comunhão, em itinerante busca de sua plenitude, é que vence o
pecado, negação do amor, e todas as suas sequelas.
No capítulo 2 deste trabalho, no esforço de formular com precisão a
noção de libertação, distinguíamos três níveis de significado: libertação
política, libertação do homem ao longo da história, libertação do pecado e
entrada em comunhão com Deus. Podemos agora, à luz do que está dito no presente
capítulo, retomar a questão nestes termos. Os três níveis mencionados condicionam-se
mutuamente, mas não se confundem; não se dá um sem o outro, mas são distintos:
fazem parte de um processo salvífico único e global, porém situam-se em
profundidades diferentes.100 Não só não há redução do crescimento do
reino ao progresso temporal, mas graças à palavra acolhida na fé, é-nos revelado
o pecado, obstáculo fundamental ao reino, como a raiz de toda miséria e
injustiça; e o sentido mesmo do crescimento do reino nos é manifestado como a
condição última de uma sociedade justa e de um homem novo. A essa raiz e
condição última só se chega pela aceitação do dom libertador de Cristo, que
supera toda expectativa. Inversamente, toda luta contra a exploração e a
alienação, numa história que é fundamentalmente una, é uma tentativa para
afastar o egoísmo, a negação do amor. Por isso é que todo esforço por construir
uma sociedade justa é libertador — de uma libertação que afeta por
aproximações, mas efetivamente, a alienação fundamental —, já é obra salvadora,
conquanto não seja toda a salvação. Como obra humana, não estará isenta de
ambiguidades — como tampouco o estará a obra considerada estritamente “religiosa”
— porém isto não obsta sua orientação de base nem seus resultados objetivos.
Progresso temporal — ou, para evitar esta expressão asséptica, melhor
digamos, agora, libertação do homem e crescimento do reino — encaminham-se para
a plena comunhão dos homens com Deus e dos homens entre si. Têm o mesmo
objetivo, mas não se dirigem a ele por caminhos paralelos, nem sequer
convergentes. O crescimento do reino é um processo que se dá historicamente na
libertação, enquanto esta significa maior realização do homem, a condição de
uma sociedade nova, porém não se esgota nela; realizando-se em feitos
históricos libertadores, denuncia seus limites e ambiguidades, anuncia-lhe a
plena realização e impele-o efetivamente para a comunhão total. Não estamos
ante uma identificação. Sem acontecimentos históricos libertadores não há
crescimento do reino, mas o processo de libertação não terá vencido as próprias
raízes da opressão, da exploração do homem pelo homem, a não ser com o advento
do reino, que é antes de tudo um dom. Mais. Pode dizer-se que o fato histórico,
político, libertador, é crescimento do reino, é acontecer salvífico, mas não é
a chegada do reino, nem toda a salvação. É realização histórica do reino e,
porque o é, é também anúncio de plenitude. Isso é o que estabelece a diferença.
Distinção feita em perspectiva dinâmica que nada tem a ver com o que sustenta a
existência de duas “ordens” justapostas, intimamente ligadas ou convergentes, porém
no fundo exteriores uma à outra.
Tudo isso é requerido, em definitivo, pela própria radicalidade e
totalidade do processo salvífico. Nada lhe escapa, nada está fora da ação de
Cristo e do dom do Espírito. Isto dá à história humana sua unidade profunda. Os
que operam uma redução da obra salvadora são antes aqueles que a limitam ao
puramente “religioso” e não veem a globalidade do processo. São aqueles que
pensam que a obra de Cristo só alcança por contragolpe ou tangencialmente, e
não pela raiz e questionando, a ordem social em que vivemos. São aqueles que,
para proteger a salvação (ou os seus interesses...) afastam-na de onde lateja o
pulso da história, de onde homens e classes sociais pugnam por libertar-se da
escravidão e opressão a que os submetem outros homens, outras classes sociais.
São aqueles que se negam a ver que a salvação de Cristo é uma libertação
radical de toda miséria, de todo esbulho. São aqueles que, querendo “salvar” a
obra de Cristo, “perdê-la-ão”.”
95 Pobreza evangélica y promoción
humana, Barcelona, 1966, 29.
96 São conhecidas as ressonâncias religiosas do termo “alienação” (Entfremdung)
de Hegel: cf. G. Cottier, L’athéisme du jeune Marx, Paris, 1959, 34-41;
A Chapelle, Hegel et la religion. Annexes: les textes
théologiques de Hegel, Paris, 1967, 99-125.
97 Cf. Ch. Duquoc, Qu’est-ce que
le salut?, 101-102.
98 Sem lhe superestimar o alcance, é interessante recordar aqui a
comparação feita por Marx entre pecado e propriedade privada dos meios de
produção: devido a esta é que 0 trabalhador é separado, alienado, do fruto de
seu trabalho: “Este acúmulo primitivo”, escreve Marx, “desempenha na economia
política mais ou menos o mesmo papel que o pecado original na teologia. Adão mordeu
a maçã e eis que o pecado fez sua entrada no mundo”: Das Kapital, I (O Capital, I). Berlim, 1969, 741.
99 Justicia, em Medellín, 52. O grifo é nosso. Cf. as
interessantes reflexões de E. Pironio, Iglesia, pueblo de Dios. Bogotá
1970.
100 É o que há se insinua, parcialmente e em outra linguagem, no texto
da Populorum Progressio que citávamos páginas atrás.
“O homem é
destinado à total comunhão com Deus e à mais completa fraternidade com os
outros homens.
Queridos, amemo-nos uns aos
outros, já que o amor é de Deus, e todo o que ama nasceu de Deus e conhece a
Deus. Quem não ama não conheceu a Deus, porque Deus é amor (1Jo 4,7-8).
Isso é o que Cristo nos veio revelar. Salvar-se é alcançar a plenitude
do amor, é entrar no circuito de caridade que une as pessoas trinitárias; é
amar como Deus ama. O caminho que leva a essa plenitude não pode ser outro que
o do próprio amor, o da participação nessa caridade, o de aceitar, explícita ou
implicitamente, dizer com o Espírito: “Abbá, Pai” (Gál 4.6). Aceitação que
é o fundamento último de toda fraternidade entre os homens. O pecado é a recusa
ao amor, à comunhão e à fraternidade, isto é, a recusa, desde agora, ao próprio
sentido da existência humana. O texto de Mateus é exigente: “Quanto deixastes de fazer a um desses mais pequeninos,
também a mim deixastes de fazê-lo” (25,45). Abster-se de servir já é negar-se a
amar, omitir uma ação em favor de outro é tão culpável como repeli-lo
expressamente. Encontramos mais tarde essa mesma ideia em S. João. “Quem não
ama permanece na morte” (1Jo 3,14). A parábola do bom samaritano termina com a
famosa inversão feita por Cristo à pergunta inicial. Perguntaram-lhe: “quem é meu
próximo?” e quando tudo fazia pensar que o próximo é o ferido encontrado à
beira do caminho, Cristo perguntou: “qual dos três te parece que foi o próximo
daquele que caiu nas mãos dos salteadores?” (Lc 10,29 e 36). Próximo foi o
samaritano que se aproximou do ferido e fê-lo seu próximo. Próximo,
como se disse, não é aquele que encontro em meu caminho, mas aquele em cujo
caminho me coloco. Aquele de quem me acerco e a quem busco ativamente. Os outros
aspectos da vida cristã têm significação se estiverem animados pela caridade;
de outro modo são simplesmente, como diz Paulo, atos vazios (cf. 1Cor 13). Por isso
nos diz o texto de Mateus que, em definitivo, seremos julgados por nosso amor
aos homens, por nossa capacidade de criar condições fraternais de vida. Em
perspectiva profética, far-se-á o juízo (“crisis”), segundo Mateus, com base na
nova ética que surge desse princípio universal do amor.26
Esta caridade, porém, só existe em gestos concretos (dar de comer, de
beber, etc.),27 dá-se naturalmente no tecido das relações entre os
homens. “A fé sem obras é estéril” (Tg 2,20). Conhecer a Deus é fazer a
justiça: — “Se sabeis que ele é justo, sabei também que todo o que faz a
justiça nasceu dele” (1Jo 2,29). Porém a caridade não existe ao lado ou acima
dos amores humanos, não é “o mais sublime” de que seja capaz um homem, enquanto
graça superposta ao amor humano. A caridade é o amor de Deus em nós, e não
existe fora de nossas possibilidades humanas de amar, de criar um mundo justo e
fraterno, de “criar laços” como diz Saint-Exupéry.
Se alguém que possui bens
da terra vê seu irmão a padecer necessidade e lhe fecha o coração, como nele
pode permanecer o amor de Deus? Filhos meus, não amemos de palavra, nem de
boca, mas com gestos e segundo a verdade (1Jo 3,17-18).
Amando-nos como homem, Cristo revela-nos o amor do Pai. A caridade, amor
de Deus aos homens, existe encarnada no amor humano: de pais, esposas, filhos,
amigos, e leva-o à plenitude. O samaritano acerca-se do ferido que está
à beira do caminho, não por um frio cumprimento de obrigação religiosa, mas
porque “se lhe revolvem as entranhas” (é o sentido literal do verbo splankhnízein
usado em Lc 10,33 (cf. Lc 1,78; 7,13; 15,20), porque seu amor por esse
homem se faz carne nele.28”
26 Falou-se, por isso, em “profecia ética”: P. Bonnard. op. cit., 366.
Desse “primado da exigência ética”, G. Strecker tira algumas conclusões para a
eclesiologia: “São reunidos os eleitos de todas as nações e, sem se atender à
sua pertença à comunidade, são julgados unicamente segundo o critério das boas
obras”. Assim, pois, “Igreja e mundo se equiparam”, ambos “se apresentam neste
ponto do tempo como dimensões complexas, abrangendo bons e maus e pressupondo a
responsabilidade do homem sobre seu agir”. Isto não impede, entretanto, que “a
comunidade do Senhor seja no mundo a representante legítima e autêntica da
exigência escatológica”: Der Weg der Gerechtigkeit 218 e 219.
27 Cf. Is 58,7; Jó 31,17.19.21; Ez
18,7-16.
28 Cf. UNEC, Caridad y amor
humano. Lima 1966.
“Uma
espiritualidade é uma forma concreta, movida pelo Espírito, de viver o
evangelho. Maneira precisa de viver “diante do Senhor” em solidariedade com
todos os homens, “com o Senhor” e diante dos homens. Ela surge de uma experiência
espiritual intensa, depois tematizada e testemunhada. Essa experiência, em função
de um compromisso com o processo de libertação, começa a ser feita por alguns
cristãos. As experiências de gerações anteriores lá estão para assegurá-la, mas
também, sobretudo hoje, para fazer-lhe ver a necessidade de percorrer caminho
inédito. Ao hoje da história e do evangelho corresponde um presente da experiência
espiritual que não pode ser escamoteado. Espiritualidade significa reordenação
dos grandes eixos da vida cristã em função desse presente. A novidade está na
síntese que opera, em provocar o aprofundamento de certos temas, em fazer vir à
tona aspectos desconhecidos ou olvidados e, sobretudo, na forma como tudo isso
se converteu em vida, oração, compromisso, gesto.
A verdade é que um cristianismo, vivido no compromisso com o processo
libertador, apresenta problemas próprios que não se podem descurar e encontra escolhos
que importa superar. Para muitos, o encontro com o Senhor, nessas condições,
pode desaparecer em benefício do que ele próprio suscita e alimenta: o amor do
homem. Amor que desconhecerá, então, toda a plenitude que encerra. É real a
dificuldade, porém as pistas de solução devem nascer no âmago mesmo do
problema. De outro modo, será um remendo a mais, um novo impasse. Esse é o
desafio que enfrenta uma espiritualidade da libertação. Lá onde a opressão e a
libertação do homem parecem esquecer a Deus — um Deus peneirado por nossa
própria e grande indiferença ante essas questões — deve brotar a fé e a
esperança naquele que vem arrancar pela raiz a injustiça e trazer, de forma
irreversível, a libertação total. Trata-se de uma espiritualidade que ouse
fincar suas raízes no solo constituído pela situação de opressão-libertação.
Uma espiritualidade da libertação estará centrada na conversão ao
próximo, ao homem oprimido, à classe social espoliada, à raça desprezada, ao país
dominado. Nossa conversão ao Senhor passa por esse processo. A conversão
evangélica é, com efeito, a pedra de toque de toda espiritualidade. Conversão
significa radical transformação de nós mesmos, significa pensar, sentir e viver
como Cristo presente no homem despojado e alienado. Converter-se é
comprometer-se com o processo de libertação dos pobres e explorados,
comprometer-se lúcida, realística e concretamente. Não só com generosidade, mas
também com análise de situação e com estratégia de ação. Converter-se é saber e
experimentar que, contrariamente às leis do mundo da física, só estamos de pé
segundo o evangelho quando nosso centro de gravidade passa fora de nós.
A conversão é um processo permanente em que muitas vezes os impasses a
que chegamos nos levam a voltar sobre o caminho percorrido e começar novamente.
De nossa disponibilidade para fazê-lo, de nossa infância espiritual depende a
fecundidade de nossa conversão. Toda conversão implica ruptura; querê-la sem conflitos
é enganar-se e enganar os outros: “Aquele que quer a seu pai ou a sua mãe mais
que a mim não é digno de mim”. Não se trata, porém, de atitude intimista e
retraída; nosso processo de conversão é condicionado pelo meio socioeconômico,
político, cultural, humano, em que se desenvolve. Sem mudança nessas estruturas
não há autêntica conversão. Trata-se de ruptura com nossas categorias mentais,
com a forma de nos relacionarmos com os outros, com nosso modo de nos
identificarmos com o Senhor, com nosso meio cultural, nossa classe social, isto
é, com tudo aquilo que conote solidariedade real e profunda com os que sofrem
uma situação de injustiça e miséria. Só assim, e não em pretensas atitudes
puramente interiores e espirituais, surgirá o “homem novo” dentre os escombros
do “velho homem”.
O cristão não se converteu suficientemente ao próximo, à justiça social,
à história, como também não percebeu, com a desejada clareza, que conhecer a
Deus é viver a justiça. Ainda não vive em um só gesto com Deus e
com os homens. Não se situa em Cristo sem pretender evadir-se da história
humana concreta. Falta-lhe percorrer o caminho que o leve a buscar efetivamente
a paz do Senhor no âmago da luta social.
Uma espiritualidade da libertação deve estar impregnada de vivência de gratuidade.
A comunhão com o Senhor e com todos os homens é, antes de tudo, um dom. Daí
a universalidade e a radicalidade da libertação trazida por ele. Um dom que,
longe de ser um chamado à passividade, exige uma atitude vigilante. É um dos
temas bíblicos mais constantes: o encontro com o Senhor supõe atenção,
disposição ativa, trabalho, fidelidade à sua vontade, frutificação dos talentos
recebidos. Saber, porém, que na raiz de nossa existência pessoal e comunitária
se acha o dom da autocomunicação de Deus, a graça de sua amizade, enche de
gratuidade a nossa vida. Faz-nos ver como um dom nossos encontros com outros
homens, nossos afetos, tudo o que nos acontece. Só se ama autenticamente quando
há entrega gratuita, não condicionada, não coagida. Só o amor gratuito vai até
a raiz de nós mesmos e faz aí brotar o verdadeiro amor.
A oração é uma experiência de gratuidade. Esse ato “ocioso”, esse tempo “desperdiçado”
lembra-nos que o Senhor sobrepassa as categorias do útil e do inútil.49
Deus não é deste mundo. A gratuidade de seu dom, criadora de necessidades
profundas, liberta-nos de toda alienação religiosa e mesmo de toda alienação. O
cristão comprometido no processo revolucionário latino-americano precisa encontrar
os caminhos de uma oração autêntica e não evasiva. Não se pode negar que a este
respeito há uma crise e facilmente nos metemos em becos sem saída.50
Muitos são os que com nostalgia e no “exílio”, evocando anos passados de suas
vidas, podem dizer com o salmista: “Lembro-me e minha alma derrama-se dentro de
mim, quando ia à tenda admirável, à casa de Deus, entre gritos de júbilo e de
louvor e a multidão festiva” (Sl 42,5). Não se trata porém de voltar atrás;
novas experiências, novas exigências tornaram intransitáveis alguns caminhos
familiares e tranquilizadores e forçaram itinerários em que esperamos seja
possível dizer um dia ao Senhor com Jó: “Eu te conhecia apenas de oitiva, mas
agora te viram os meus olhos” (42,5). O único Deus crível, diria com razão
Bonhoeffer, é o Deus dos místicos. Mas não é um Deus sem relação com a história
humana. Pelo contrário. Se é verdade, como lembrávamos com insistência no
parágrafo anterior, que é necessário passar pelo homem para chegar a Deus, é
igualmente certo que a “passagem” para esse Deus gratuito me despoja, me
desnuda, universaliza e torna gratuito meu amor aos demais. Ambos os movimentos
exigem-se dialeticamente e convergem numa síntese. Esta se dá em Cristo, no
Deus-homem encontramos Deus e o homem. Em Cristo dá o homem uma face humana a
Deus e Deus dá uma face divina ao homem.51 Só assim poderemos
compreender que a “união com o Senhor”, proclamada por toda espiritualidade,
não é uma separação do homem: para chegar a essa união urge passar por este;
por sua vez, ela me faz encontrar mais plenamente o homem. Não se procura, com
isso, “equilibrar” o que foi dito anteriormente, mas aprofundá-lo e vê-lo em
toda a sua significação.”
49 Cf. J. M. González Ruiz, Dios
es gratuito, pero no superfluo. Madri 1970.
50. Isso foi lucidamente assinalado no documento de “Pastoral de
elites”, em Medellín, 126.
51. Se Vallejo tinha razão ao dizer: “Deus meu, se tivesses sido homem,
hoje saberias ser Deus”, poder-se-ia igualmente afirmar: “Se tivesses sido
Deus, hoje saberias ser homem”.
“Bom número de autores empenham-se em
demonstrar que Jesus era inocente das acusações que lhe imputavam (cf. Blinzler,
Benoit). Não é muito claro o que intentam com isso. Inocente perante que
justiça? Ante a justiça dos grandes do povo judeu e do poder romano opressor,
Jesus era culpado exatamente porque questionava sua legitimidade, não em nome
dessa ou daquela opção partidária, mas de uma mensagem de amor, de paz, de
liberdade e de justiça. Essa mensagem solapava as próprias bases do formalismo
religioso, dos privilégios indevidos e da injustiça social sobre a qual se
apoiava a ordem dos poderosos do povo judeu e da autoridade romana.”
“Entre a denúncia e o anúncio está, no dizer
de Paulo Freire, o tempo da construção, da práxis histórica. Ainda mais,
denúncia e anúncio só se podem realizar na práxis. É o que queremos
dizer ao falarmos da utopia como mobilizadora da história e subversiva da ordem
existente. Se a utopia não leva a uma ação no presente, é evasão da realidade.
A tese utópica, escreve P. Ricoeur, só tem eficácia “na medida em que
transforma, passo a passo, a experiência histórica”, e precisa: “É enganosa a
utopia, quando não se articula concretamente com as possibilidades oferecidas
em cada época”.113 Só será autêntica e profunda uma recusa que se der
na própria obra de criação de condições de vida mais humanas, com os riscos que
hoje implica tal compromisso, particularmente nos povos dominados. Deve a
utopia necessariamente conduzir a um compromisso em prol do surgimento de uma
nova consciência social, de novas relações entre os homens. Do contrário não
superará um nível puramente verbal, e o anúncio não passará de ilusão. Um
pensamento autenticamente utópico pede, enriquece e renova metas à ação
política, mas ao mesmo tempo é por esta verificado. Nesta implicação está sua
fecundidade. (...)
A utopia, como aqui a entendemos, é de ordem
racional. Foi isto vigorosamente reivindicado por P. Blanquart, o qual anota
com perspicácia que a utopia “só é irracional com relação a um estado superado
da razão (a dos conservadores) já que na realidade assume o relevo da
verdadeira razão”.114 As utopias surgem com renovada energia em
momentos de transição e de crise, quando a etapa em que se encontra a ciência
chega ao auge em sua explicação da realidade social e quando se abrem novas
pistas à práxis histórica.115 Assim compreendida, não é a utopia
oposta nem exterior à ciência. Pelo contrário, constitui o próprio nervo de sua
criatividade e dinamismo. É o prelúdio da ciência, seu anúncio. A construção
teórica que permite conhecer a realidade social e torna eficaz a ação política
exige a mediação da imaginação criadora: “a passagem do empírico ao teórico
supõe um salto, uma ruptura: a intervenção da imaginação.” 116 E a
imaginação em política, precisa Blanquart, chama-se utopia.117”
113 Tâches de l’éducateur politique:
Espirit (Julho-agosto 1935) 91.
114 À propos des rapports
science-idéologie et foi-marxisme, La lettre 144-145 (1970), 36.
115 “Presente, mas de modo escondido, na
própria produção científica cujo dinamismo constitui, ela (a utopia) não
aparece em pleno dia a não ser em períodos de crise, entre dois momentos da
ciência: um caduco, insuficiente, e o outro por fazer, mais satisfatório. Ela é
assim, e no próprio movimento, a expressão da inadequação dos instrumentos
teóricos existentes e o crisol da nova razão”: l. c.
116. Ibid, 35.
117. Ibid.
“Deste modo, proclamar que “a vitória que
venceu a morte é nossa fé” será vivido, sem escapatória, no próprio coração da história,
no seio de um único processo de libertação que leva essa história à sua
plenitude: ao encontro definitivo com Deus. Esperar em Cristo é, ao mesmo
tempo, crer na aventura histórica, o que abre um campo infinito de
possibilidades ao amor e à ação do cristão.”
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