Editora: Expressão Popular
ISBN: 978-85-7743-118-2
Opinião: ★★★☆☆
Páginas: 184
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Sinopse: Leandro
Konder nos alerta, logo no início de seu livro sobre o tema, que a compreensão
do fascismo é um dos “temas quentes” da ciência social e aquele que se aventura
na “selva de papel” – composta pelas inúmeras produções que tentaram
compreender suas origens e determinações, para defendê-lo, combatê-lo ou
utilizá-lo para seus fins próprios, – corre o risco de sofrer graves
queimaduras, ou, ainda, de perder-se na selva de palavras que desorientam a
percepção e impedem que se veja o horizonte.
Nosso guia na floresta de papel: o artífice
da palavra clara (Mauro
Luis Iasi)
“Contrariando as previsões mais otimistas da
breve ordem pós-moderna, que, apregoando o reino da diversidade, imaginava ter superado
os nacionalismos chauvinistas, o mundo contemporâneo se afoga em um
revigoramento de nacionalismos conservadores e reacionários alimentado pelos
renovados interesses interimperialistas em disputa, como se demonstrou na
Guerra dos Bálcãs e em outros trágicos exemplos. A xenofobia alimenta a direita
europeia e é indisfarçável a paternidade fascista do Patriotic Act quando
determina a possibilidade de prisão sem acusação formal ou qualquer julgamento
de qualquer um que “pareça árabe”.
Presos à incapacidade de compreensão da
distinção entre forma e conteúdo, os mais preocupados espíritos atormentados de
liberais democratas, ou seus jovens aliados recém-liberais e tardiamente
democratas, ficam a espera de uniformes marrons, camisas negras, suásticas e facios,
e deixam escapar manifestações muito mais substanciais. O culto pós-moderno do
irracionalismo combinado com a ostensiva retomada de um cientificismo
neopositivista, o elogio dos sentimentos e instintos contra a razão, o
pragmatismo renovado da realpolitik, a negação da teoria pela revigorada
ofensiva daqueles que Zizek batizou de “agnósticos da new age”, e,
principalmente, o brutal anticomunismo, o cínico preconceito de classe contra
os trabalhadores e sua mais sofisticada e sutil, mas nem por isso menos brutal,
expressão acadêmica na tese do “fim do mundo do trabalho” e a suposta
impropriedade do conceito de classe social como instrumento explicativo da
sociedade contemporânea, nos alertam que os cadáveres enterrados na Itália e
Alemanha tiveram tempo de liberar sua alma.”
“Quem viu o presidente Bush, esse produto
exemplar de uma época de decadência, no Senado estadunidense quando da
declaração da guerra contra o terror que preparou a ofensiva no Iraque, pode
não ter notado ali ao fundo, incrustado na parede daquela respeitável casa de
leis que Arendt considerava o paradigma da democracia moderna, um indisfarçável
fascio, símbolo inconteste de impérios e do fascismo. Pode ser não mais
que uma coincidência, nem tudo que tem um feixe de varas amarrado em torno de
um machado é fascista, assim como nem tudo que ostenta uma foice e martelo é
comunista, mas as coincidências nunca são totalmente casuais.
O que substancialmente Konder nos alerta é
que o fundamento do fascismo como expressão política da direita mais
conservadora deve ser encontrado em suas determinações de classe. No entanto, aqui
também, as coisas não são tão simples. Parece ser evidente, e para mim esta é
uma constatação de grande importância, que o fascismo inicialmente se apoia na
pequena burguesia que, como sempre, ambiciona estar acima das classes
fundamentais em luta e é a legítima proprietária do mito da nação. Mas a
pequena burguesia não poderia explicar a dimensão do fenômeno fascista na sua
expressão clássica e em sua sobrevida. O empreendimento da guerra, a combinação
eficiente de métodos de propaganda e agitação política e a rápida ascensão do
nazifascismo só podem ser compreendidos se associarmos o método e fundamento
político da pequena burguesia à adesão do grande capital monopolista, financeiro
e imperialista.3
Boa parte das análises conservadoras sobre o
fascismo posteriores à Segunda Guerra, procura distanciar-se da constatação,
por si mesma evidente, a respeito do comprometimento dos grandes empresários e
do capital monopolistas com o projeto fascista,4 seja identificando
o nazifascismo com a alternativa socialista e comunista sob a categoria de “totalitarismo”
como dissemos, seja isolando o fenômeno como expressão de desvios de
personalidade de líderes de massa, seja condenando o fenômeno aos arquivos de
história.
Para nós, o essencial, seguindo as pistas da
introdução de Konder, é o caráter de classe do projeto fascista, sua intrínseca
relação com a fase monopolista e imperialista e sua inseparável vinculação com
o irracionalismo pragmático. Por isso, não nos espanta as novas formas que
escondem velhos espíritos que se acreditavam exorcizados. Adorno afirmou que os
Estados Unidos entraram na guerra não para derrotar o nazismo, mas para
aprender com ele. Weber, deprimido pela derrota Alemã naquela que ele havia
considerado “apesar de tudo, uma grande e maravilhosa guerra” (referia-se à
Primeira Guerra Mundial), vai aos Estados Unidos, mas quando olha para a jovem democracia
americana sentencia de forma pessimista, como era de seu feitio, que o que via
era a escolha entre uma democracia fundada em partidos burocráticos sem
liderança ou líderes carismáticos acima de partidos. De uma forma ou de outra,
Weber arremata concluindo que estaríamos diante de uma “manipulação emocional
das massas para fins absolutamente racionais”, antecipando, sem o saber, o que viria
a ocorrer em sua própria terra.
O que Weber não podia saber, e que Konder nos
revela, é o que há de comum na base material e nas expressões ideológicas dessas
situações aparentemente tão distintas. A forma capitalista desenvolvida em
monopólios que dão o salto ao imperialismo e que necessitam do Estado como
síntese abstrata possível da sociabilidade incontrolável do capital.
Hábil operador da bússola dialética, Konder
não se descuida das mediações. A mesma base econômica não implica na
inevitabilidade da forma política. O capital monopolista/imperialista pode
servir-se de outras formas para atingir os mesmos fins. Não nos surpreende que
a atual “guerra contra o terror” seja feita em nome da defesa da “democracia”,
que ditadores como Franco, Salazar, Pinochet, assim como os ditadores
tupiniquins, tenham sido acolhidos com um caloroso abraço no campo do “mundo
livre” e democrático contra o perigo do comunismo, enquanto Fidel é sempre
incluído na lista dos “ditadores”.
Capital monopolista em crise, imperialismo,
ofensiva anticomunista, criminalização de movimentos sociais, decadência cultural,
hegemonia da política pequeno-burguesa em detrimento da política revolucionária
do proletariado, irracionalismo, neopositivismo, misticismo, chauvinismos
nacionalistas acompanhados ou não de racismo... Não se enganem. Só posso
alertar, como certa feita o fez Marx, que “esta fábula trata de ti”!”
3 Identificando corretamente a característica
pequeno-burguesa na concepção fundante do fascismo e a importância do apoio
efetivo do grande capital, existe na análise de Konder, ao meu ver, uma certa
relativização exagerada do papel que desempenha o apoio, passivo ou não, de
setores consideráveis das massas operárias e da classe trabalhadora em geral.
Konder diz literalmente que “A classe operária foi, evidentemente, menos
envolvida pela demagogia ‘nacionalisteira’ dos fascistas do que a pequena
burguesia e as chamadas camadas médias da população. Mas mesmo alguns
trabalhadores chegaram a se entusiasmar com a ideia de pertencerem à
‘comunidade popular’ (Volksgemeinschaft) dos alemães, à superior ‘raça
ariana’; ou então – na Itália de Mussolini – chegaram a se entusiasmar com a
ideia de serem os herdeiros do antigo império romano, de César e de Augusto, e
de ajudarem a relançar as bases da grandeza italiana no mundo, partindo do
conceito religioso da ‘italianidade’.” Creio que o fascismo e o nazismo
lograram conquistar um apoio na classe trabalhadora, o que exige por nossa
parte uma reflexão bastante séria, até porque o apoio do grande capital aos
representantes da pequena burguesia fascista se explica, em parte, por sua
capacidade de orientar os trabalhadores e dirigi-los para um projeto que não o
socialismo revolucionário. Acredito que algumas pistas contidas nas reflexões
de Reich em seu Psicologia de massas do fascismo, que Konder trabalha
ligeiramente, poderiam aqui ser muito úteis.
4 Hoje sabemos com grande certeza da íntima
relação entre monopólios – não só alemães, como a Volkswagen, mas também
estadunidenses como a IBM – e o nazismo.
Fim do prefácio de Mauro Iasi
_____________________
“Em sua essência, a ideologia da direita
representa sempre a existência (e as exigências) de forças sociais empenhadas
em conservar determinados privilégios, isto é, em conservar um determinado
sistema socioeconômico que garante o estatuto de propriedade de que tais forças
são beneficiárias. Daí o conservadorismo intrínseco da direita.
O conteúdo conservador de uma concepção não
implica que ela se exteriorize necessariamente numa política de resistência
passiva à mudança. Os conservadores sabem que, para uma política ser
eficaz, ela precisa ser levada à prática através de iniciativas concretas,
manobras, concessões, acordos, golpes de audácia, formas de arregimentação das
forças disponíveis que transcendem da mera atitude doutrinária. A
efetiva conservação dos privilégios depende menos de esforços lógicos do que de
energia material repressiva: para o responsável pela prisão é mais importante
que os guardas sejam de confiança e as portas das celas sejam sólidas do que
persuadir os presos da excelência do sistema penal vigente. (...)
O próprio sistema em cuja defesa as classes
dominantes se acumpliciam – um sistema que gravita em torno da competição obsessiva
pelo lucro privado – impede que as forças sociais em que consiste a direita
sejam profundamente solidárias: elas só se unem para os objetivos limitados da
luta contra o inimigo comum.”
“Mas o empenho político pragmático e radical
do fascismo na luta contra a revolução exclui um relativismo absoluto. O
relativismo é incapaz de armar os homens para o combate, ele impede a formação de
bases suficientemente sólidas para as convicções apaixonadas que devem mover ao
engajamento. Mussolini compreendia que o fascismo se beneficiaria da
mais extrema flexibilidade ideológica e definia o fascismo como “um movimento
super-relativista” (Opera Omnia, vol. XVII, p. 268), porém não lhe
escapava também a necessidade de indicar aos seus liderados uma direção
clara e permanente para a canalização das energias deles. “Negar o
bolchevismo é necessário”, dizia o Duce, e completava: “mas
alguma coisa deve ser afirmada” (Opera Omnia, vol. XIII, p. 29). Era
imprescindível um princípio sagrado, posto acima de qualquer discussão, imune a
qualquer dúvida, capaz de funcionar como bússola quando o barco tivesse de
manobrar em meio à tempestade, um valor supremo que nunca se degradasse e pudesse
alimentar incessantemente a chama da fé no coração dos combatentes.
Mussolini percebeu logo no começo da guerra
de 1914-1918 qual poderia ser esse valor supremo, esse mito: a pátria.
Ele próprio o diz, com sua franqueza habitual: “Criamos o nosso mito. O mito é
uma fé, é uma paixão. Não é preciso que seja uma realidade. [...] O nosso mito
é a nação, o nosso mito é a grandeza da nação! [Opera Omnia, vol. XVIII,
p. 457].”
“O recurso fascista ao mito da nação
só pôde ser eficaz porque, em sua evolução, o capitalismo havia ingressado em
sua fase imperialista: nos países capitalistas mais adiantados, o
capital bancário havia se fundido com o capital industrial, constituindo o capital
financeiro; as condições criadas nesses países exigiram deles a exportação
sistemática de capitais; acentuou-se a competição em torno da exploração
colonialista; e, no bojo da guerra interimperialista de 1914-1918,
difundiram-se em alguns países acentuados ressentimentos nacionais,
análogos, à primeira vista, às mágoas dos povos explorados.
Havia, porém, uma diferença essencial entre
os ressentimentos nacionais cuja difusão as classes dominantes patrocinaram na Itália
e na Alemanha (e, em outros termos, também no Japão) e a autêntica revolta
nacionalista dos povos submetidos à exploração colonial. O nacionalismo
dos povos efetivamente oprimidos e explorados é tendencialmente democrático e
se fortalece através da mobilização popular feita “de baixo para cima”. Ele
nasce de um movimento cujas raízes se acham nas condições reais da nação e por
isso a assume em toda a sua complexidade, em sua contraditoriedade interna, não
precisa renegá-la e substituí-la por um mito. O pretenso “nacionalismo” fascista,
ao contrário, por seu conteúdo de classe e pelas condições em que é posto em
prática, exige a manipulação das massas populares, limita brutalmente a
sua participação ativa na luta política em que são utilizadas, impondo-lhes
diretivas substancialmente imutáveis “de cima para baixo”.
Na prática, a demagogia fascista assume
frequentemente formas “populistas”, lisonjeando o “povo”, prestando-lhe todas
as homenagens e contrapondo-o à “massa” (que representa apenas o peso morto da
“quantidade”). Mas esse “populismo” pressupõe um “povo” tão mítico como
a “nação”, nos quadros da ideologia fascista. E todas as vezes em que alguma
tendência no interior do fascismo se mostrou mais sensível a pressões
“plebeias” e procurou aprofundar certos aspectos “populistas”, foi sumariamente
cortada pelas forças que mantinham a hegemonia no movimento fascista.
Basta lembrar aqui a queda de Gregor Strasser, na Alemanha, o afastamento de Farinacci,
na Itália, ou a derrota de Kita Ikki, no Japão.6
O nacionalismo que exprime os sentimentos de
um povo explorado pelo capital estrangeiro ou que exprime a revolta de um povo contra
imposições de outra nação é um nacionalismo essencialmente defensivo:
seus valores podem levá-lo a hostilizar circunstancialmente os estrangeiros
exploradores, mas ele não se afirma em contraposição à humanidade em geral e
não nega os valores das outras nações. A valorização fascista da nação, ao
contrário, exatamente porque é inevitavelmente
retórica, precisa ser agressiva, precisa recorrer a uma ênfase
feroz para disfarçar o seu vazio e tende a menoscabar os valores das outras
nações e da humanidade em geral. Isso se verifica, por exemplo, numa frase do Discurso
a las juventudes de España (1935), em que o fascista espanhol Ramiro
Ledesma proclama: “Nos importan más los españoles que los hombres” (p.
52). No caso dos fascistas alemães, o fenômeno ainda se mostra com maior
clareza, por causa da ideologia racista, que veio a fortalecer
imensamente o chauvinismo.7”
6 Gregor Strasser, farmacêutico bávaro,
tornou-se líder nazista no Norte da Alemanha e exerceu forte influência sobre
Goebbels até 1926. No livro Kampf um Deutschland, publicado em 1932,
insistia em que os nazistas eram socialistas, “inimigos mortais do sistema
econômico capitalista”. Hitler mandou matá-lo em 30 de junho de 1934. Roberto
Farinacci, líder do fascismo em Cremona, expoente da “linha dura”, assumiu a
secretaria-geral do Partido Nacional Fascista para liquidar a oposição
antifascista, mas não aceitou as manobras de composição de Mussolini com a
Igreja e foi derrubado do cargo em 30 de março de 1927. (Ressurgiu, mais tarde,
a serviço da política de Hitler). Kita Ikki, profundamente impressionado pelo
movimento revolucionário chinês de Sun Yat Sen, lançou as bases de um movimento
de libertação da raça amarela em luta contra a raça branca, num livro publicado
em 1919 (Esboço de programa para a reforma do Japão), onde o fascismo
assumia tons anti-imperialistas. Em 1937, tentou um putsch que fracassou
e foi fuzilado.
7 As proporções assumidas pelo racismo e pelo
antissemitismo no caso do fascismo alemão contribuem para que alguns autores –
como Leon Poliakov e Josef Wulf, por exemplo – percam de vista o fato de que na
ideologia fascista é o chauvinismo que é essencial, e não o racismo. Pode
existir um fascismo que não seja racista, mas não pode existir fascismo que não
seja chauvinista.
“As razões para essa eficácia derivam de um
conjunto de circunstâncias. No plano cultural, a direita havia preparado
terreno para o avanço do fascismo através de um bombardeio constante e
prolongado, que destruía não só os princípios do liberalismo como,
sobretudo, as convicções democráticas e a confiança nas massas populares,
que poderiam constituir a única base suficientemente sólida para a oposição
consequente à expansão das tendências fascistas. Em certos círculos
intelectuais, ostentava-se acentuado desprezo pela “plebe”, pelas “moscas da
praça pública”, como dizia Nietzsche. E essa difusão de preconceitos aristocráticos
influiu sobre algumas forças potencialmente progressistas, levando-as a subestimar
na prática a necessidade do trabalho político com as massas (Deficientemente
preparadas no plano ideológico, deficientemente organizadas, inseguras e
confusas, e submetidas a uma pressão que as desagregava internamente, as massas
passaram a encontrar crescentes dificuldades para seguir os caminhos das
soluções coletivas; suas energias começaram a se dispersar pelos
múltiplos caminhos – socialmente ilusórios – das “soluções” individuais).
Nos planos econômico, social e político, por
outro lado, haviam amadurecido tendências destinadas a desempenhar um papel
ainda mais importante que o da preparação cultural para a expansão do fascismo.
O capitalismo, como sistema, jogara os homens uns contra os outros, numa
competição desenfreada onde só uma coisa podia contar: o lucro privado.
Desenvolveram-se enormes metrópoles capitalistas, povoadas por multidões de
indivíduos solitários, amedrontados, cheios de desconfiança. As condições
técnicas da produção industrial aproximavam os seres humanos, socializavam
a vida deles, mas as condições privadas, exacerbadamente competitivas,
criadas pelo capitalismo para a apropriação da riqueza produzida afastavam-nos
uns dos outros. Vítimas da tendência desagregadora que se fortalecia no
interior da vida social, reduzidos a uma solidão angustiante, os indivíduos –
reconhecendo sua fragilidade – ansiavam por se integrar em comunidades capazes
de prolongá-los, de completá-los. O socialismo, apoiado sobre a
massa do proletariado industrial, que o próprio capitalismo precisara
concentrar em suas fábricas, representava uma perspectiva de atendimento a
essa exigência, propondo uma reorganização prática da vida social, uma
superação revolucionária das relações capitalistas de produção: por isso, o seu
apelo e a sua mensagem encontraram eco nas massas populares em geral,
além das fronteiras da classe operária em sentido estrito.
Mas o socialismo, desenvolvendo-se num meio
hostil e sob a poderosa pressão de seus inimigos, não podia permanecer imune à
influência da ideologia dominante, isto é, à ideologia das classes dominantes:
o amadurecimento das contradições da nova fase em que o capitalismo ingressara
– a fase imperialista – acabou por se manifestar numa guerra interimperialista
(a guerra de 1914-1918) e o movimento socialista, que já estava em crise,
acabou por se cindir. E foi precisamente no auge da crise do movimento
socialista, quando a cisão tumultuava no espírito de muitos a compreensão do
seu sentido, que o fascismo passou a se empenhar a fundo na apresentação do seu
mito da nação como algo capaz de satisfazer às exigências de vida
comunitária, que os indivíduos, no quadro da sociedade capitalista, são
levados a experimentar de maneira intensa porém frequentemente confusa.
A classe operária foi, evidentemente, menos
envolvida pela demagogia “nacionalisteira” dos fascistas do que a pequena burguesia
e as chamadas camadas médias da população. Mas mesmo alguns
trabalhadores chegaram a se entusiasmar com a ideia de pertencerem à
“comunidade popular” (Volksgemeinschaft) dos alemães, à superior “raça
ariana”; ou então – na Itália de Mussolini – chegaram a se entusiasmar com a
ideia de serem os herdeiros do antigo império romano, de César e de Augusto, e
de ajudarem a relançar as bases da grandeza italiana no mundo, partindo do conceito
religioso da “italianidade” (Mussolini: “lançar as bases da grandeza
italiana no mundo, a partir do conceito religioso de italianidade”, Opera
Omnia, vol. XVI, p. 45).
Na Itália e na Alemanha, países que só
realizaram a unificação nacional na segunda metade do século 19, o chauvinismo
fascista assumiu tons particularmente histéricos e monstruosos; mas a verdade é
que o uso do mito da nação como sucedâneo da autêntica comunidade humana pela
qual as pessoas anseiam é uma característica essencial do fascismo e se
manifesta em todos os movimentos desse tipo, independentemente dos países em
que se realizam e independentemente das formas particulares que assumem. (...)
Aliás, já que mencionamos os aspectos mais
“monstruosos” que a demagogia fascista assumiu, ao servir-se do mito da nação,
na Itália e na Alemanha, convém alertar os leitores para o erro em que incorrem
alguns estudiosos do fascismo hitleriano e do fascismo mussoliniano: eles ficam
tão (compreensivelmente) impressionados com a “monstruosidade” do fenômeno que
acabam por renunciar à tarefa de esclarecer por que ele chegou a
ocorrer. Para esclarecer a eficácia do chauvinismo fascista, convém lembrar que
ele conseguiu, às vezes, tirar proveito de críticas bastante bem fundamentadas
aos imperialismos rivais. Durante a guerra com os ingleses, em 1940, Hitler
lembrou, por exemplo, que a Inglaterra, com 46 milhões de habitantes, havia
subjugado 480 milhões de habitantes de outros países e conquistado territórios
que, somados, chegavam a ter 40 milhões de km2. E acusou: “A história da
Inglaterra é uma sequência de violações, de chantagens, de atos de prepotência,
de opressão e de exploração de outros povos” (Discurso de 30/1/1940, em Der Grossdeutsche
Freiheitskampf).”
“Outra
circunstância que não pode ser esquecida no exame das causas que permitiram os
êxitos do fascismo nos anos de 1920 e 1930: o fascismo foi o primeiro movimento
conservador que, com seu pragmatismo radical, serviu-se de métodos modernos de propaganda,
sistematicamente, explorando as possibilidades que começavam a ser criadas por
aquilo que viria a ser chamado de sociedade de massas de consumo dirigido.
No bojo das transformações que lhe eram impostas pelas condições do
imperialismo, o sistema capitalista, impelido a expandir-se, deixou de
controlar apenas a produção e começou a estender seu controle também ao
consumo, promovendo investimentos cada vez mais substanciais na propaganda dos
produtos, para influenciar a conduta do consumidor. O fascismo percebeu,
agilmente, que esse crescente investimento na propaganda, servindo-se de novas técnicas
e de novos meios de comunicação, abria também novas possibilidades para a ação
política, e tratou de aproveitá-las. No lugar da imagem dos políticos
conservadores tradicionais, com seus fraques e cartolas, muitas vezes apoiando
em bengalas seus vultos pálidos e senis, difundiu-se pela Itália inteira a
imagem de um Duce cheio de vitalidade, viajando frequentemente de avião
e ditando por telefone os artigos diários destinados aos leitores do seu
jornal. No lugar da polida oratória parlamentar, impôs-se o discurso enérgico, de
agitação,8 pronunciado ao vivo em múltiplos comícios ou então
ressoando por todo o país, graças ao uso sistemático (pioneiro) do rádio.
A principal vantagem dessa “imagem”, difundida com eficiência em escala
massiva, é que ela disfarçava o conteúdo social conservador do fascismo
e fixava a atenção da massa no “estilo novo”, “dinâmico”, nas potencialidades
“modernizadoras” do movimento fascista. O movimento foi caracterizado por
Goebbels como “tão moderno que o mundo inicialmente não pôde entendê-lo” (Der
Faschismus und seine praktischen Ergebnisse, Berlim, 1934. No original: so modern, dass die Welt es nicht begreifen konnte).”
8 Por ter pragmaticamente renunciado a empenhar-se nas formas
necessariamente complexas da elaboração teórica, doutrinária, o fascismo,
concentrando-se nas formas simples da agitação, levou vantagem sobre as demais forças
representativas da direita e explorou com maior proveito que elas as
possibilidades oferecidas pelo rádio.
“Os imponentes investimentos dos fascistas no
setor da propaganda nos impõem a pergunta: de onde provinham os fundos que eram
investidos? Uma primeira resposta, óbvia, que nos ocorre imediatamente, é a de
que o dinheiro só podia ser fornecido por aqueles que o tinham. Mas é preciso
tentar esclarecer quais os setores que financiaram o fascismo.
Normalmente, esse esclarecimento apresenta
grandes dificuldades. Por sua própria natureza, esse tipo de fornecimento de
dinheiro evita deixar-se documentar. Mas os historiadores conseguiram apurar
numerosos casos de grande significação. Sabe-se hoje, por exemplo, que, no
momento em que Mussolini estava bastante deprimido com a derrota eleitoral que
os fascistas italianos sofreram em novembro de 1919, ele recebeu substancial apoio
financeiro de alguns grandes industriais, entre os quais Max Bondi, do grupo
Ilva, que era o principal grupo siderúrgico da Itália.9 Sabe-se,
também, que, durante a crise que se seguiu ao assassinato do deputado
socialista Giacomo Matteotti em 10 de junho de 1924, o grande capital poderia
ter retirado seu apoio ao Duce e este teria caído, realizando-se a
passagem do poder, sem grandes riscos, para uma coalizão de políticos
liberais-conservadores recrutados entre os oposicionistas que abandonaram o
Parlamento e foram reunir-se sobre uma das colinas de Roma, no Aventino. Mas o
grande capital continuou a preferir a ditadura de Mussolini a um governo
centrista comandado, digamos, por Giovanni Amendola.
No caso da Alemanha, sabe-se, ainda, de
coisas mais sérias. Sabe-se que, em 26 de janeiro de 1932, Hitler fez no Clube
da Indústria de Dusseldorf um discurso no qual antecipava seu programa econômico
de governo e seu discurso foi calorosamente aplaudido por várias dezenas de
grandes industriais e grandes banqueiros. Num artigo publicado no Preussische
Zeitung, em 3/1/1937, Emil Kirdorf, proprietário principal da empresa que
explorava as minas de Gelsenkirchen, conta como, desde 1927, ele se empenhava
em ampliar e aprofundar os contatos entre o Fuehrer e os representantes do
capital financeiro. Entre estes, ao lado de Fritz Thyssen (que se orgulhava de
financiar Hitler desde 1923), havia muitos que em 1931 já contribuíam com
regularidade para o Partido Nacional-Socialista, como Fritz Springorum, da
Hoesch (indústria química), Albert Vögler, Ernst Poensgen e Ernst Brandi (das
Empresas Unidas do Aço, Vereinigte Stahlwerke), Wilhelm Keppler, Rudolf Bingel
(Siemens & Halske), Emil Meyer (Dresdner Bank), Friedrich Heinhardt
(Commerz und Privatbank), Kurt von Schroeder (Bankhaus Stein) e diversos
outros. Os autos do “Processo contra os principais criminosos de guerra perante
o Tribunal Militar Internacional de Nuremberg (de 14 de novembro de 1945 a 1º
de outubro de 1946)” estão cheios de depoimentos e documentos de vários tipos,
que comprovam abundantemente a íntima vinculação do nazismo com o capital
financeiro. No volume 35, à página 70, catalogado com o título de
“Documento D-317”, encontra-se um texto em que o magnata Krupp explica que,
quando Hitler desencadeou a guerra, “os empresários alemães empreenderam de
todo coração a caminhada pelo novo curso; que eles, com a melhor disposição e
conscientemente agradecidos, compreenderam e adotaram como suas as grandes intenções
do Fuehrer, reafirmando-se como fiéis seguidores dele”. Outros textos,
não menos eloquentes, mostram que, sem o apaixonado empenho da direção da
IG-Farben no fabrico de borracha sintética e de produtos de magnésio, teria
sido impossível a Hitler lançar-se à guerra.10”
9 Cf. Renzo De Felice, Mussolini il
Rivoluzionario, ed. Einaudi, Torino, 1965. E também Valerio Castronovo, “Il
Potere economico e il fascismo”, em Fascismo e Società Italiana, Quazza
e outros, ed. Einaudi, Torino,
1973.
10 Cf. Dieter Halfmann, Der Anteil der lndustrie und Banken an der
faschistischen Innenpolitik, Pahl-Rugenstein, Colônia, 1974. Cf. também
Eberard Czichon, Wer verhalf Hitler zur Macht?, Pahl-Rugenstein,
Colônia, 1967.
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