Editora: Boitempo
ISBN: 978-85-7559-438-4
Tradução: Silvia
de Bernardinis
Opinião: ★★★☆☆
Páginas: 400
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Sinopse: Nesse
livro, Domenico Losurdo analisa o presente e o passado da luta de classes e se
fixa numa expressão intrigante usada no Manifesto Comunista, de Marx e Engels,
ou seja, ‘lutas de classes’. Para o filósofo, esse plural é pleno de
significado e consequências, que nem sempre foram percebidos, no
desenvolvimento da luta política ao longo da história.
Losurdo entende que o tema de sua obra não se restringe
apenas ao conflito entre as classes proprietárias e os trabalhadores. É também ‘a
exploração de uma nação por outra’, como denunciou Karl Marx, e a opressão ‘do
sexo feminino pelo masculino’, como Friedrich Engels escreveu.
A proclamação do ocaso da teoria marxista por
intelectuais e políticos na década de 1950 no Velho Continente, aliás, é
criticada pelo autor. Ele afirma que se tratou de um erro duplo, tanto por disfarçar
a realidade do capitalismo, sugerindo um nivelamento das diferenças sociais que
nunca existiu, como por ignorar as ásperas lutas de classes que se
desenvolviam, como a revolução anticolonial no Vietnã, em Cuba e no ‘Terceiro
Mundo’ – e também a luta dos negros nos
Estados Unidos para pôr fim ao sistema de segregação, discriminação e opressão.
Losurdo defende que, diante das diferentes formas de luta
de classes, urge a mudança da divisão do trabalho e das relações de exploração
e opressão que existem tanto no espectro global, entre Estados, como no
interior de um país e até mesmo na instituição familiar.
As colossais mudanças que marcaram a transição entre os
séculos XX e XXI fazem da luta de classes fundamental para nosso tempo. ‘É
claro para muitos que hoje a sociedade brasileira está imersa em uma
intensificação ‘das lutas de classes’ que nem sempre é de fácil leitura. Para
os ativistas sociais, o conhecimento do método de análise e das informações
fornecidas por Domenico Losurdo pode ser de grande utilidade para a construção
de programas de lutas eficazes’, conclui José Luiz Del Roio no texto de orelha.
“Além
da “exploração do trabalho”, que no âmbito de um único país condena o
trabalhador à “escravidão moderna”, Miséria
da filosofia, o Manifesto
Comunista e outros textos coevos denunciam a “exploração de uma nação
sobre a outra”, isto é, a “exploração entre os povos”[29].
No que concerne à Irlanda, é preciso considerar que “a exploração do país”
constitui “uma das principais fontes da riqueza material” da Inglaterra[30]. Mas é apenas a exploração que ocorre no
contexto de um único país o que provoca a luta de classes? No mesmo ano em que
escreve o Manifesto
Comunista, Marx adverte peremptoriamente: os que “não conseguem
entender como um país pode enriquecer à custa dos outros” menos ainda
conseguirão entender “de que modo, no interior de um país singular, uma classe
pode enriquecer à custa de outra”[31]. Longe de
ter pouca relevância do ponto de vista da luta de classes, a exploração e a
opressão que se desenvolvem em âmbito internacional são uma precondição, pelo
menos no plano metodológico, para a compreensão do conflito social e da luta de
classes em âmbito nacional.”
[29] Karl Marx e Friedrich
Engels, Marx-Engels Werke (MEW), v. 4, p. 164, 84, 479 e 416 [ed. bras.:
Karl Marx e Friedrich Engels, Manifesto Comunista, cit, p. 56].
[30] Ibidem, v. 32, p.
667.
[31] Ibidem, v. 4, p.
457.
“O gênero das lutas de classes emancipadoras conta com uma terceira espécie, além das duas já observadas. Sim, existe outro grupo social bastante numeroso, aliás, tão numeroso que constitui (ou supera) metade da população total, um grupo social que sofre a “autocracia” e que aguarda a “libertação” – trata-se das mulheres, sobre as quais pesa a opressão exercida pelo homem entre as quatro paredes[47]. Estou citando um texto (A origem da família, da propriedade privada e do Estado) que Engels publicou em 1884. É verdade, Marx havia morrido fazia um ano, mas já entre 1845 e 1846 A ideologia alemã, texto ao qual Engels explicitamente faz referência, observa que na família patriarcal “a mulher e os filhos são os escravos do homem”[48]. Por sua vez, o Manifesto, que não se cansa de acusar a burguesia por reduzir o proletariado a máquina e a instrumento de trabalho, chama atenção para o fato de que “para o burguês, a mulher nada mais é do que um instrumento de produção”; ora, “se trata precisamente de arrancar a mulher de seu papel de simples instrumento de produção”[49]. A categoria usada para definir a condição do operário na fábrica capitalista vale também para definir a condição da mulher no âmbito da família patriarcal.
Em geral, o sistema capitalista
se apresenta como um conjunto de relações mais ou menos servis impostas por um
povo sobre outro no âmbito internacional, por uma classe sobre outra no âmbito
de um país singular e pelo homem sobre a mulher no âmbito de uma mesma classe.
Compreende-se, então, a tese que Engels formula ligando-se a
François-Marie-Charles Fourier, apreciada também por Marx, tese pela qual a
emancipação feminina constitui “a medida da emancipação universal”[50].
No bem e no mal, a relação homem/mulher é uma espécie de microcosmo que reflete
a ordem social global: na Rússia amplamente pré-moderna, submetida a uma
impiedosa opressão por parte de seus senhores, os camponeses – observa Marx –
aplicam, por sua vez, “horríveis espancamentos até a morte de suas mulheres”[51]. Ou tomemos como exemplo a fábrica capitalista:
se é verdade que o poder despótico do patrão pesa sobre todos os trabalhadores,
é sobre as mulheres – ressalta Engels – que se percebe de forma particularmente
humilhante. “A sua fábrica é ao mesmo tempo o seu harém”[52].”
[47] MEW, v. 21, p. 158.
[48] Ibidem, v. 3, p. 32.
[49] Ibidem, v. 4, p.
478-9 [ed. bras.: Karl Marx e Friedrich Engels, Manifesto Comunista,
cit., p. 55-6].
[50] Ibidem, v. 20, p.
242, 32 e 583.
[51] Ibidem, v. 32, p.
437.
[52] Ibidem, v. 2, p.
373.
“A
“jacobina inglesa”, que constitui uma genial exceção, parece de alguma maneira
antecipar Marx e Engels, os quais instituem um nexo entre divisão do trabalho
no âmbito da família e divisão do trabalho no âmbito da sociedade. O segundo, em particular, formula a tese pela qual “a
moderna família nuclear é fundada na escravidão doméstica, aberta ou
dissimulada, da mulher”; de qualquer maneira, “o homem é o burguês, ao passo
que a mulher representa o proletariado”[63].
Entre
os contemporâneos de Marx e Engels, Nietzsche, mais do que John Stuart Mill,
desenvolve uma análise que poderia se aproximar à deles, embora com um juízo de
valor oposto. O crítico implacável da revolução enquanto tal, inclusive da
revolução feminista, compara a condição da mulher à dos “miseráveis das classes
inferiores”, dos “escravos do trabalho ou dos presos”[64]
e indiretamente aproxima movimento feminista, movimento operário e movimento
abolicionista: os três estão desalentadamente em busca das diferentes “formas
de escravidão e servidão” – para denunciá-las indignados – como se sua
constatação não fosse a confirmação de que a escravidão é “o fundamento de toda
civilização superior”[65].
Obviamente,
a razão do nexo entre subjugação da mulher e opressão social como um todo é
desenvolvida de maneira mais ampla e orgânica por Engels, sempre retomando A
ideologia alemã, que escreveu junto com Marx e que ficou inédita por muito
tempo: “A primeira opressão de classe coincide com a opressão do sexo feminino
pelo masculino”. É um assunto que carrega uma longa história e que ainda não
chegou à conclusão.
A derrubada do matriarcado marcou a derrota
histórica do sexo feminino em todo o mundo. O homem assumiu também o comando da
casa; a mulher foi degradada e reduzida à servidão; tornou-se escrava da
lascívia e mero instrumento para a produção dos filhos. Esse estado de degradação
da mulher [...] foi aos poucos embelezado e dissimulado, assumiu por vezes
formas mais brandas, mas não foi absolutamente eliminado.[66]”
[63] MEW, v. 21, p. 75.
[64] Friedrich Nietzsche,
Genealogia della morale (Milão, Orsa Maggiore, 1993), v. 3, p. 18 [ed.
bras.: Genealogia da moral, trad. Mario Ferreira dos Santos, São Paulo,
Vozes, 2009].
[65] Idem, Al di là
del bene e del male (Roma, Newton Compton, 2011), p. 239 [ed. bras.: Além
do bem e mal, trad. Renato Zwick, Porto Alegre, L&PM, 2008].
[66] MEW, v. 21, p. 68 e
61.
“É evidente
que nos Estados Unidos da escravidão negra e da white supremacy o
destino dos afro-americanos está marcado em primeiro lugar pelo pertencer à
“raça”. Nessas circunstâncias, levantar a questão “racial” (ou nacional) não
significa de modo nenhum remover o conflito social, mas, ao contrário, enfrentá-lo
nos termos concretos e peculiares em que ele se manifesta.”
“A
tradição liberal leu a luta de classes em termos reducionistas e vulgarmente
economicistas, forçando a dupla conceitual liberdade/igualdade, atribuiu a si
mesma o amor ciumento e desinteressado para a liberdade e rotulou seus
adversários como almas vulgares e invejosas, movidas apenas por interesses
materiais e pela perseguição da igualdade econômica. É uma tradição de
pensamento que resulta em Hannah Arendt[6],
segundo a qual Marx seria o teórico da “abdicação da liberdade perante o
imperativo da necessidade” e o campeão da tese de que “o escopo da revolução”
não seria a “liberdade”, mas somente a “abundância” material. O empenho
concreto pela emancipação da mulher e das nações oprimidas, a disponibilidade
(no tempo da Guerra de Secessão) para aguentar os mais duros sacrifícios
materiais para contribuir a rebentar os grilhões impostos aos afro-americanos,
a determinação a abolir junto com a escravidão propriamente dita também a
“escravidão moderna” e assalariada, a luta cotidiana contra o “despotismo” dos
patrões na fábrica e a legislação tirânica de Bismarck, tudo isso é esquecido
por uma interpretação que se distingue mais pela paixão política e ideológica
(estamos nos anos da Guerra Fria) do que pelo rigor filológico e filosófico.”
[6] Hannah Arendt, Sulla
rivoluzione (Milão, Comunità, 1983), p. 62 e 65 [ed. bras.: Sobre a
revolução, trad. Denise Bottmann, São Paulo, Companhia das Letras, 2011].
““O tempo é o espaço do
desenvolvimento humano. Um homem que não dispõe de nenhum tempo livre, cuja
vida, à parte as interrupções puramente físicas do sono, das refeições etc., é
tomado por seu trabalho para o capitalista, é menos que uma besta de carga. Ele
é uma simples máquina para a produção de riqueza alheia, é fisicamente
destroçado e espiritualmente animalizado.[41]
Estamos
diante de um sistema – preme O capital – que não hesita em sacrificar
vidas humanas em formação e incapazes de qualquer defesa: eis o “grande roubo
das crianças que o capital, à maneira de Herodes, cometeu nos inícios do sistema
fabril nos abrigos de pobres e de órfãos [...] material humano miserável que
assim haviam obtido”[42]. São terríveis os
custos humanos do capitalismo. Basta pensar na formação da indústria têxtil na
Inglaterra: procura-se a matéria-prima necessária cercando e destinando à
pastagem as terras comunais que antes asseguravam a subsistência de grande
parte da população que, expropriada, é condenada à fome e ao desespero, de modo
que, citando a expressão de Thomas
More retomada por Marx, “as ovelhas devoram os homens”[43].
Não
se trata de um capítulo de história já concluído, que diz respeito apenas ao
processo de formação do capitalismo. Mesmo em sua forma madura, esse sistema é
marcado por uma busca pelo lucro que comporta um “‘desperdício’ de vida humana,
digno de Timur-Tamerlão”[44]. Sim, “com todo o
cercear”, a produção capitalista é “em geral muito pródiga de material
humano”, é “dilapidadora de homens”, é caraterizada pela “dissipação
da vida e da saúde dos operários”[45]. Em
síntese, o capitalismo estabelece o “domínio da coisa sobre o homem”[46], implica a transformação dos operários em
“máquinas de força-trabalho”, a transformação até mesmo das crianças, “de homens
que ainda não alcançaram a maioridade, a simples máquinas para a produção de
mais-valor”, sem se preocupar de modo algum com a “atrofia moral” e a “aridez
intelectual” que tudo isso origina. A sociedade burguesa ama celebrar a si
mesma como “um verdadeiro Éden dos direitos inatos do homem”, quando, na
realidade, em seu seio o “trabalho humano”, aliás, “o homem comum
desempenha, ao contrário, um papel muito miserável”[47].
Assim que passamos da esfera da circulação à da produção percebemos que, longe
de ser reconhecido em sua dignidade de homem, o operário assalariado leva “sua
própria pele ao mercado e, agora, não tem mais nada a esperar além da...
despela”[48]. Se ao escrever A situação da
classe operária na Inglaterra Engels denuncia, como vimos, o “comércio
indireto de carne humana” pelo qual são responsáveis os capitalistas, O
capital chama atenção para o “regateio de carne humana”, parecido ao
que se desenvolveu para os escravos negros, que continua a desenvolver-se na
Inglaterra, no país modelo, naquele momento, do desenvolvimento capitalista e
da tradição liberal[49].
A crítica dos processos de desumanização ínsitos no capitalismo ressoa com uma força ainda maior quando fala do destino reservado aos povos coloniais: com “a aurora da era da produção capitalista” a África se transforma em uma “reserva para a caça comercial de peles-negras”[50]. Mudemos agora para a Ásia e para o império colonial holandês: eis em ação “o sistema de roubo de pessoas, aplicado nas ilhas Celebes para obter escravos para Java”, com “ladrões de pessoas” propositalmente “treinados para esse objetivo”[51]. Ainda em meados do século XIX, observamos que nos Estados Unidos o escravo negro é tão desumanizado pelos seus patrões que assume a forma de simples “propriedade”, como as outras, a forma de “gado humano”, isto é, de “bem móvel de cor preta” (black chattel)[52]. A redução a mercadoria é tão acabada que alguns estados se especializam na “criação de negros” (Negerzucht)[53], isto é – um conceito que Marx reafirma também em inglês –, no “breeding of slaves”[54]; abrindo mão dos tradicionais “artigos de exportação”, esses estados “criam escravos” como mercadorias de “exportação”[55]. Mais do que isso, a lei sobre a restituição dos escravos fugitivos sanciona a transformação dos próprios cidadãos do Norte em “caçadores de escravos”[56]. O doméstico “gado humano” transformou-se, assim, em caça, com ulterior escalada do processo de desumanização.
Como
se percebe, também nos escritos da maturidade é recorrente em Marx a crítica
que acusa a sociedade burguesa de reduzir a esmagadora maioria da humanidade a
“máquinas”, a “instrumentos de trabalho”, a “mercadoria” que pode ser
tranquilamente “desperdiçada”, a “artigos de comércio” e “de exportação”, a
“bem móvel”, a gado de criação ou, ainda, a caça ou a pele que se deve caçar ou
destinar ao curtume.
A
partir daqui, a realização de uma nova ordem é sentida como um “imperativo
categórico”, tanto nos escritos da juventude como nos da maturidade. Se as
Teses sobre Feuerbach se concluem com uma crítica aos filósofos que se revelam
incapazes de “transformar” um mundo em que o homem é esmagado e humilhado, O
capital constitui uma “crítica da economia política” – como reza o
subtítulo – inclusive no plano moral: o “economista político” é criticado não
só por seus erros teóricos, como também por sua “imperturbabilidade estoica”,
isto é, por sua incapacidade de indignação moral diante das tragédias
provocadas pela sociedade burguesa[57]. Nesse
mesmo contexto deve ser colocada a denúncia dos “fariseus da ‘economia política’”.
Em breve, é difícil imaginar um texto mais cheio de indignação moral que o
primeiro livro de O capital! A continuidade na evolução de Marx é
evidente, e o que Althusser
descreve como ruptura epistemológica é apenas a passagem para um discurso
no âmbito em que a condenação moral dos processos de reificação ínsitos na
sociedade burguesa e de seu anti-humanismo se expressa de forma mais sintética
e mais elíptica.
É
verdade, o filósofo francês admite que possa existir até um “humanismo
revolucionário”[58], embora hesite bastante
nesse ponto; e por isso impede a si mesmo a compreensão das lutas de classes
enquanto lutas pelo reconhecimento; sim, luta pelo
reconhecimento é a luta de classes travada pelos escravos (e pelos povos
coloniais ou de origem colonial) que constituem o sujeito social exposto à
desumanização mais explícita e mais radical; luta pelo reconhecimento é também
a luta de classes que tem como protagonistas os proletários da metrópole
capitalista, eles mesmos por longo tempo assimilados pela ideologia dominante a
instrumentos de trabalho ou a “máquinas bípedes”; e luta pelo reconhecimento é
também a luta de classes que vê as mulheres empenhadas a pôr em discussão, a
minar ou a liquidar a escravidão doméstica que a família patriarcal lhe impõe.
[41] MEW, v. 16, p. 144.
[42] Ibidem, v. 23, p.
425 n. 144 4 [ed. bras.: Karl Marx, O capital, Livro I, trad. Rubens
Enderle, São Paulo, Boitempo, 2013, p. 476, n. 144].
[43] Ibidem, v. 23, p.
747, n. 193 [ed. bras.: ibidem, p. 791, n. 193].
[44] Ibidem, v. 23, p.
279, n. 103.
[45] Ibidem, v. 25, p.
97, 99 e 102.
[46] MEGA-2 II/4.1, p.
64.
[47] MEW, v. 23, p. 189 e
59 [ed. bras.: ibidem, p. 37 e 112].
[48] Ibidem, v. 23, p.
191 [ed. bras.: ibidem, p. 251].
[49] Ibidem, v. 23, p.
283 [ed. bras.: ibidem, p. 340].
[50] Ibidem, v. 23, p.
779 [ed. bras.: ibidem, p. 821].
[51] Ibidem, v. 23, p.
780 [ed. bras.: ibidem, p. 822].
[52] Ibidem, v. 15, p.
333, 23, 282, 30 e 290.
[53] Ibidem, v. 23, p.
467 [ed. bras.: ibidem, p. 516].
[54] Ibidem, v. 30, p.
290.
[55] Ibidem, v. 15, p.
336.
[56] Ibidem, v. 15, p.
333.
[57] Ibidem, v. 23, p.
756 [ed. bras.: ibidem, p. 799].
[58] Louis Althusser e
Étienne Balibar, Leggere “Il capitale” (Milão, Feltrinelli, 1968), p.
150 [ed. bras.: Ler “O capital”, trad. Nathanael C. Caixeiro, Rio de
Janeiro, Zahar, 1979, 2 v.].
“Em uma intervenção no dia 14 de junho de 1920, Lenin sintetiza assim a
atitude que deve nortear o desenvolvimento da luta de classes revolucionária:
ela deve ser dirigida pela “análise concreta da situação concreta, que é a
própria essência, a alma viva do marxismo”[31].”
[31] LO, v. 31, p. 135.
“Podemos compreender claramente, então, o significado do Terceiro Reich.
Em 1935, a Internacional Comunista demonstra já tê-lo compreendido: o fascismo
(do Terceiro Reich e do Império do Sol Nascente) tem como objetivo a
“escravização dos povos fracos”, a “guerra imperialista de pilhagem” contra a
União Soviética, a “escravização da China”[77].
Observou-se justamente em nossos dias que “a guerra de Hitler para o Lebensraum
foi a maior guerra colonial da história[78]; é uma
guerra cuja finalidade é a redução de povos inteiros a uma massa de escravos ou
semiescravos a serviço da presumida raça dos senhores. Em 27 de janeiro de
1932, dirigindo-se aos industriais de Düsseldorf (e da Alemanha) e ganhando
definitivamente apoio para a ascensão ao poder, Hitler[79]
esclarece sua visão da história e da política. Durante todo o século XIX, “os
povos brancos” conquistaram uma posição de incontestado domínio, em conclusão
de um processo iniciado com a conquista da América e desenvolvido em nome do
“absoluto e inato sentimento senhoril da raça branca”. Colocando em discussão o
sistema colonial e provocando ou agravando a “confusão do pensamento branco
europeu”, o bolchevismo põe em risco a civilização. Para enfrentar essa ameaça,
é necessário reafirmar a “convicção da superioridade e, portanto, do [superior]
direito da raça branca”, é necessário defender “a posição de domínio da raça
branca em relação ao resto do mundo”. É claramente enunciado aqui um programa
de contrarrevolução colonialista e escravista. Para reafirmar o domínio
planetário da raça branca, é necessário aprender com a lição da história do
expansionismo colonial do Ocidente: não se deve hesitar em recorrer à “mais
brutal falta de escrúpulos”, impõe-se “o exercício de um direito senhoril (Herrenrecht)
extremamente brutal”. O que é este “direito senhoril extremamente brutal”,
senão uma substancial escravidão? Em julho de 1942, Hitler emana essa diretiva
para a colonização da União Soviética e da Europa oriental.
Os eslavos devem trabalhar para nós. Se não
precisarmos mais deles, que morram [...]. A instrução é perigosa. É suficiente
que eles saibam contar até cem. Só é permitida a instrução que nos fornece útil
mão de obra [...]. Nós somos os donos.[80]
Em
seus discursos reservados e não destinados ao público, Himmler[81]
fala explicitamente de escravidão: há absoluta necessidade de “escravos de raça
estrangeira”, perante os quais a “raça dos senhores” jamais deve perder sua
“aura senhoril” e com os quais ela não deve de nenhuma maneira misturar-se ou
confundir-se. “Se não preenchermos nossos campos de trabalhos com escravos –
neste quarto posso definir as coisas de maneira clara e definida –, com
operários escravos para construir nossas cidades, nossas aldeias, nossas
fazendas, sem nos preocuparmos com as perdas”, o programa de colonização e
germanização dos territórios conquistados na Europa oriental não poderá ser
realizado. O Terceiro Reich torna-se, assim, o protagonista de um tráfico de
escravos atuado em tempos muito mais curtos – e, portanto, com modalidades mais
brutais – que o tráfico de escravos propriamente dito[82].
O
novo poder soviético é chamado a enfrentar esse projeto, que implica a redução
em condições de escravidão ou semiescravidão não só do proletariado, mas de
nações inteiras. Perfila-se no horizonte a “grande guerra patriótica” que tem
seu momento mais crucial e épico em Stalingrado. A luta de um povo inteiro para
fugir do destino de escravização a que tem sido condenado não pode ser definida
como luta de classes; mas se trata de uma luta de classes que assume a forma de
guerra de resistência nacional e anticolonial.
Isso
vale também para um país como a Polônia. Como a União Soviética, nesse caso
também o Terceiro Reich propõe-se a liquidar em bloco a intelectualidade, as
camadas sociais suscetíveis de organizar a vida social e política, de manter ativa
a consciência nacional e a continuidade histórica da nação; de tal maneira os
países submetidos, as novas colônias, poderão distribuir força-trabalho servil
em grande quantidade, sem que ninguém trave tal processo. Elementos
constitutivos da intelectualidade que deve ser aniquilada na União Soviética
são os comunistas, ao passo que na Polônia o clero católico desenvolve um
importante papel; elemento comum aos dois países, os judeus, aos olhos de
Hitler, são inveterados intelectuais subversivos e para eles a única solução
pode ser a “final”. Essas são as condições para edificar na Europa
centro-oriental as Índias alemãs, chamadas a ser um reservatório inesgotável de
terra, matérias-primas e escravos a serviço da raça dos senhores: a luta contra
esse império, fundado numa divisão internacional do trabalho que prevê o
retorno da escravidão de forma mascarada, a luta contra essa contrarrevolução
colonialista e escravista, é uma luta de classes por excelência.”
[77] Georgi Dimitrov,
“Die offensive des Faschismus und die Aufgabe der Kommunistschen Internationale
im Kampf für die Einheit der Arbeiterklasse gegen den Faschismus” (Informe ao
VII Congresso da Internacional Comunista, 2 de agosto de 1935), em Georgi
Dimitrov, Ausgewälte Schriften (Colônia, Rote Fahne, 1976), p. 96 e 144.
[78]
David Olusoga e Casper W. Erichsen, The Kaiser’s Holocaust. Germany’s
Forgotten Genocide (Londres, Faber & Faber, 2001), p. 327.
[79]
Adolf Hitler, Reden und Proklamtionen 1932-1945 (org. M. Domarus, 1. ed.
1962-1963, Munique, Süddeutscher, 1965), p. 75-7.
[80]
Ernst Piper, Alfred Rosenberg Hitlers Chefideologie (Munique, Blessing,
2005), p. 259.
[81]
Heinrich Himmler, Geheimreden 1933 bis 1945 (orgs. B. F. Smith e A. F.
Peterson, Berlim, Propyläen, 1974), p. 156 e 159.
[82] Mark
Mazower, Hitler-s Empire. How the Nazis Ruled Europe (Londres, Penguin,
2009), p. 309 e 299.
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