sábado, 30 de janeiro de 2021

A luta de classes: uma história política e filosófica (Parte I), de Domenico Losurdo

Editora: Boitempo

ISBN: 978-85-7559-438-4

Tradução: Silvia de Bernardinis

Opinião: ★★★☆☆

Páginas: 400

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Sinopse: Nesse livro, Domenico Losurdo analisa o presente e o passado da luta de classes e se fixa numa expressão intrigante usada no Manifesto Comunista, de Marx e Engels, ou seja, ‘lutas de classes’. Para o filósofo, esse plural é pleno de significado e consequências, que nem sempre foram percebidos, no desenvolvimento da luta política ao longo da história.

Losurdo entende que o tema de sua obra não se restringe apenas ao conflito entre as classes proprietárias e os trabalhadores. É também ‘a exploração de uma nação por outra’, como denunciou Karl Marx, e a opressão ‘do sexo feminino pelo masculino’, como Friedrich Engels escreveu.

A proclamação do ocaso da teoria marxista por intelectuais e políticos na década de 1950 no Velho Continente, aliás, é criticada pelo autor. Ele afirma que se tratou de um erro duplo, tanto por disfarçar a realidade do capitalismo, sugerindo um nivelamento das diferenças sociais que nunca existiu, como por ignorar as ásperas lutas de classes que se desenvolviam, como a revolução anticolonial no Vietnã, em Cuba e no ‘Terceiro Mundo’ – e  também a luta dos negros nos Estados Unidos para pôr fim ao sistema de segregação, discriminação e opressão.

Losurdo defende que, diante das diferentes formas de luta de classes, urge a mudança da divisão do trabalho e das relações de exploração e opressão que existem tanto no espectro global, entre Estados, como no interior de um país e até mesmo na instituição familiar.

As colossais mudanças que marcaram a transição entre os séculos XX e XXI fazem da luta de classes fundamental para nosso tempo. ‘É claro para muitos que hoje a sociedade brasileira está imersa em uma intensificação ‘das lutas de classes’ que nem sempre é de fácil leitura. Para os ativistas sociais, o conhecimento do método de análise e das informações fornecidas por Domenico Losurdo pode ser de grande utilidade para a construção de programas de lutas eficazes’, conclui José Luiz Del Roio no texto de orelha.


 

“Além da “exploração do trabalho”, que no âmbito de um único país condena o trabalhador à “escravidão moderna”, Miséria da filosofia, o Manifesto Comunista e outros textos coevos denunciam a “exploração de uma nação sobre a outra”, isto é, a “exploração  entre os povos”[29]. No que concerne à Irlanda, é preciso considerar que “a exploração do país” constitui “uma das principais fontes da riqueza material” da Inglaterra[30]. Mas é apenas a exploração que ocorre no contexto de um único país o que provoca a luta de classes? No mesmo ano em que escreve o Manifesto Comunista, Marx adverte peremptoriamente: os que “não conseguem entender como um país pode enriquecer à custa dos outros” menos ainda conseguirão entender “de que modo, no interior de um país singular, uma classe pode enriquecer à custa de outra”[31]. Longe de ter pouca relevância do ponto de vista da luta de classes, a exploração e a opressão que se desenvolvem em âmbito internacional são uma precondição, pelo menos no plano metodológico, para a compreensão do conflito social e da luta de classes em âmbito nacional.”

[29] Karl Marx e Friedrich Engels, Marx-Engels Werke (MEW), v. 4, p. 164, 84, 479 e 416 [ed. bras.: Karl Marx e Friedrich Engels, Manifesto Comunista, cit, p. 56].

[30] Ibidem, v. 32, p. 667.

[31] Ibidem, v. 4, p. 457.

 

 

“O gênero das lutas de classes emancipadoras conta com uma terceira espécie, além das duas já observadas. Sim, existe outro grupo social bastante numeroso, aliás, tão numeroso que constitui (ou supera) metade da população total, um grupo social que sofre a “autocracia” e que aguarda a “libertação” – trata-se das mulheres, sobre as quais pesa a opressão exercida pelo homem entre as quatro paredes[47]. Estou citando um texto (A origem da família, da propriedade privada e do Estado) que Engels publicou em 1884. É verdade, Marx havia morrido fazia um ano, mas já entre 1845 e 1846 A ideologia alemã, texto ao qual Engels explicitamente faz referência, observa que na família patriarcal “a mulher e os filhos são os escravos do homem”[48]. Por sua vez, o Manifesto, que não se cansa de acusar a burguesia por reduzir o proletariado a máquina e a instrumento de trabalho, chama atenção para o fato de que “para o burguês, a mulher nada mais é do que um instrumento de produção”; ora, “se trata precisamente de arrancar a mulher de seu papel de simples instrumento de produção”[49]. A categoria usada para definir a condição do operário na fábrica capitalista vale também para definir a condição da mulher no âmbito da família patriarcal.

Em geral, o sistema capitalista se apresenta como um conjunto de relações mais ou menos servis impostas por um povo sobre outro no âmbito internacional, por uma classe sobre outra no âmbito de um país singular e pelo homem sobre a mulher no âmbito de uma mesma classe. Compreende-se, então, a tese que Engels formula ligando-se a François-Marie-Charles Fourier, apreciada também por Marx, tese pela qual a emancipação feminina constitui “a medida da emancipação universal”[50]. No bem e no mal, a relação homem/mulher é uma espécie de microcosmo que reflete a ordem social global: na Rússia amplamente pré-moderna, submetida a uma impiedosa opressão por parte de seus senhores, os camponeses – observa Marx – aplicam, por sua vez, “horríveis espancamentos até a morte de suas mulheres”[51]. Ou tomemos como exemplo a fábrica capitalista: se é verdade que o poder despótico do patrão pesa sobre todos os trabalhadores, é sobre as mulheres – ressalta Engels – que se percebe de forma particularmente humilhante. “A sua fábrica é ao mesmo tempo o seu harém”[52].”

[47] MEW, v. 21, p. 158.

[48] Ibidem, v. 3, p. 32.

[49] Ibidem, v. 4, p. 478-9 [ed. bras.: Karl Marx e Friedrich Engels, Manifesto Comunista, cit., p. 55-6].

[50] Ibidem, v. 20, p. 242, 32 e 583.

[51] Ibidem, v. 32, p. 437.

[52] Ibidem, v. 2, p. 373.

 

 

“A “jacobina inglesa”, que constitui uma genial exceção, parece de alguma maneira antecipar Marx e Engels, os quais instituem um nexo entre divisão do trabalho no âmbito da família e divisão do trabalho no âmbito da sociedade. O segundo, em particular, formula a tese pela qual “a moderna família nuclear é fundada na escravidão doméstica, aberta ou dissimulada, da mulher”; de qualquer maneira, “o homem é o burguês, ao passo que a mulher representa o proletariado”[63].

Entre os contemporâneos de Marx e Engels, Nietzsche, mais do que John Stuart Mill, desenvolve uma análise que poderia se aproximar à deles, embora com um juízo de valor oposto. O crítico implacável da revolução enquanto tal, inclusive da revolução feminista, compara a condição da mulher à dos “miseráveis das classes inferiores”, dos “escravos do trabalho ou dos presos”[64] e indiretamente aproxima movimento feminista, movimento operário e movimento abolicionista: os três estão desalentadamente em busca das diferentes “formas de escravidão e servidão” – para denunciá-las indignados – como se sua constatação não fosse a confirmação de que a escravidão é “o fundamento de toda civilização superior”[65].

Obviamente, a razão do nexo entre subjugação da mulher e opressão social como um todo é desenvolvida de maneira mais ampla e orgânica por Engels, sempre retomando A ideologia alemã, que escreveu junto com Marx e que ficou inédita por muito tempo: “A primeira opressão de classe coincide com a opressão do sexo feminino pelo masculino”. É um assunto que carrega uma longa história e que ainda não chegou à conclusão.

A derrubada do matriarcado marcou a derrota histórica do sexo feminino em todo o mundo. O homem assumiu também o comando da casa; a mulher foi degradada e reduzida à servidão; tornou-se escrava da lascívia e mero instrumento para a produção dos filhos. Esse estado de degradação da mulher [...] foi aos poucos embelezado e dissimulado, assumiu por vezes formas mais brandas, mas não foi absolutamente eliminado.[66]

[63] MEW, v. 21, p. 75.

[64] Friedrich Nietzsche, Genealogia della morale (Milão, Orsa Maggiore, 1993), v. 3, p. 18 [ed. bras.: Genealogia da moral, trad. Mario Ferreira dos Santos, São Paulo, Vozes, 2009].

[65] Idem, Al di là del bene e del male (Roma, Newton Compton, 2011), p. 239 [ed. bras.: Além do bem e mal, trad. Renato Zwick, Porto Alegre, L&PM, 2008].

[66] MEW, v. 21, p. 68 e 61.

 

 

“É evidente que nos Estados Unidos da escravidão negra e da white supremacy o destino dos afro-americanos está marcado em primeiro lugar pelo pertencer à “raça”. Nessas circunstâncias, levantar a questão “racial” (ou nacional) não significa de modo nenhum remover o conflito social, mas, ao contrário, enfrentá-lo nos termos concretos e peculiares em que ele se manifesta.”

 

 

“A tradição liberal leu a luta de classes em termos reducionistas e vulgarmente economicistas, forçando a dupla conceitual liberdade/igualdade, atribuiu a si mesma o amor ciumento e desinteressado para a liberdade e rotulou seus adversários como almas vulgares e invejosas, movidas apenas por interesses materiais e pela perseguição da igualdade econômica. É uma tradição de pensamento que resulta em Hannah Arendt[6], segundo a qual Marx seria o teórico da “abdicação da liberdade perante o imperativo da necessidade” e o campeão da tese de que “o escopo da revolução” não seria a “liberdade”, mas somente a “abundância” material. O empenho concreto pela emancipação da mulher e das nações oprimidas, a disponibilidade (no tempo da Guerra de Secessão) para aguentar os mais duros sacrifícios materiais para contribuir a rebentar os grilhões impostos aos afro-americanos, a determinação a abolir junto com a escravidão propriamente dita também a “escravidão moderna” e assalariada, a luta cotidiana contra o “despotismo” dos patrões na fábrica e a legislação tirânica de Bismarck, tudo isso é esquecido por uma interpretação que se distingue mais pela paixão política e ideológica (estamos nos anos da Guerra Fria) do que pelo rigor filológico e filosófico.”

[6] Hannah Arendt, Sulla rivoluzione (Milão, Comunità, 1983), p. 62 e 65 [ed. bras.: Sobre a revolução, trad. Denise Bottmann, São Paulo, Companhia das Letras, 2011].

 

 

““O tempo é o espaço do desenvolvimento humano. Um homem que não dispõe de nenhum tempo livre, cuja vida, à parte as interrupções puramente físicas do sono, das refeições etc., é tomado por seu trabalho para o capitalista, é menos que uma besta de carga. Ele é uma simples máquina para a produção de riqueza alheia, é fisicamente destroçado e espiritualmente animalizado.[41]

Estamos diante de um sistema – preme O capital – que não hesita em sacrificar vidas humanas em formação e incapazes de qualquer defesa: eis o “grande roubo das crianças que o capital, à maneira de Herodes, cometeu nos inícios do sistema fabril nos abrigos de pobres e de órfãos [...] material humano miserável que assim haviam obtido”[42]. São terríveis os custos humanos do capitalismo. Basta pensar na formação da indústria têxtil na Inglaterra: procura-se a matéria-prima necessária cercando e destinando à pastagem as terras comunais que antes asseguravam a subsistência de grande parte da população que, expropriada, é condenada à fome e ao desespero, de modo que, citando a expressão de Thomas More retomada por Marx, “as ovelhas devoram os homens[43].

Não se trata de um capítulo de história já concluído, que diz respeito apenas ao processo de formação do capitalismo. Mesmo em sua forma madura, esse sistema é marcado por uma busca pelo lucro que comporta um “‘desperdício’ de vida humana, digno de Timur-Tamerlão”[44]. Sim, “com todo o cercear”, a produção capitalista é “em geral muito pródiga de material humano”, é “dilapidadora de homens”, é caraterizada pela “dissipação da vida e da saúde dos operários”[45]. Em síntese, o capitalismo estabelece o “domínio da coisa sobre o homem[46], implica a transformação dos operários em “máquinas de força-trabalho”, a transformação até mesmo das crianças, “de homens que ainda não alcançaram a maioridade, a simples máquinas para a produção de mais-valor”, sem se preocupar de modo algum com a “atrofia moral” e a “aridez intelectual” que tudo isso origina. A sociedade burguesa ama celebrar a si mesma como “um verdadeiro Éden dos direitos inatos do homem”, quando, na realidade, em seu seio o “trabalho humano”, aliás, “o homem comum desempenha, ao contrário, um papel muito miserável”[47]. Assim que passamos da esfera da circulação à da produção percebemos que, longe de ser reconhecido em sua dignidade de homem, o operário assalariado leva “sua própria pele ao mercado e, agora, não tem mais nada a esperar além da... despela”[48]. Se ao escrever A situação da classe operária na Inglaterra Engels denuncia, como vimos, o “comércio indireto de carne humana” pelo qual são responsáveis os capitalistas, O capital chama atenção para o “regateio de carne humana”, parecido ao que se desenvolveu para os escravos negros, que continua a desenvolver-se na Inglaterra, no país modelo, naquele momento, do desenvolvimento capitalista e da tradição liberal[49].

A crítica dos processos de desumanização ínsitos no capitalismo ressoa com uma força ainda maior quando fala do destino reservado aos povos coloniais: com “a aurora da era da produção capitalista” a África se transforma em uma “reserva para a caça comercial de peles-negras[50]. Mudemos agora para a Ásia e para o império colonial holandês: eis em ação “o sistema de roubo de pessoas, aplicado nas ilhas Celebes para obter escravos para Java”, com “ladrões de pessoas” propositalmente “treinados para esse objetivo”[51]. Ainda em meados do século XIX, observamos que nos Estados Unidos o escravo negro é tão desumanizado pelos seus patrões que assume a forma de simples “propriedade”, como as outras, a forma de “gado humano”, isto é, de “bem móvel de cor preta” (black chattel)[52]. A redução a mercadoria é tão acabada que alguns estados se especializam na “criação de negros” (Negerzucht)[53], isto é – um conceito que Marx reafirma também em inglês –, no “breeding of slaves[54]; abrindo mão dos tradicionais “artigos de exportação”, esses estados “criam escravos” como mercadorias de “exportação”[55]. Mais do que isso, a lei sobre a restituição dos escravos fugitivos sanciona a transformação dos próprios cidadãos do Norte em “caçadores de escravos”[56]. O doméstico “gado humano” transformou-se, assim, em caça, com ulterior escalada do processo de desumanização.

Como se percebe, também nos escritos da maturidade é recorrente em Marx a crítica que acusa a sociedade burguesa de reduzir a esmagadora maioria da humanidade a “máquinas”, a “instrumentos de trabalho”, a “mercadoria” que pode ser tranquilamente “desperdiçada”, a “artigos de comércio” e “de exportação”, a “bem móvel”, a gado de criação ou, ainda, a caça ou a pele que se deve caçar ou destinar ao curtume.

A denúncia do anti-humanismo do sistema capitalista não desaparece por completo e não pode desaparecer porque ocupa o centro do pensamento de Marx – a comparação, tão importante para ele, entre escravidão moderna e escravidão antiga, escravidão assalariada e escravidão colonial, significa a permanência no âmbito do capitalismo daquele processo de reificação que se manifesta em toda sua crueza em relação ao escravo propriamente dito, de modo que a análise científica e a condenação moral resultam estreitamente entrelaçadas, e somente esse entrelaçamento pode explicar o chamado à revolução. Por mais fiel e impiedosa que seja a descrição da sociedade existente, não pode por si só estimular a ação para a sua derrubada se não houver a mediação da condenação moral; e tal condenação moral ressoa tanto mais forte pelo fato de que a ordem político-social analisada e posta no banco dos réus resulta responsável não só e nem tanto pelas singulares injustiças, mas pelo desconhecimento da dignidade humana por toda uma classe social e para os povos coloniais em geral, em última análise para a grande maioria da humanidade.

A partir daqui, a realização de uma nova ordem é sentida como um “imperativo categórico”, tanto nos escritos da juventude como nos da maturidade. Se as Teses sobre Feuerbach se concluem com uma crítica aos filósofos que se revelam incapazes de “transformar” um mundo em que o homem é esmagado e humilhado, O capital constitui uma “crítica da economia política” – como reza o subtítulo – inclusive no plano moral: o “economista político” é criticado não só por seus erros teóricos, como também por sua “imperturbabilidade estoica”, isto é, por sua incapacidade de indignação moral diante das tragédias provocadas pela sociedade burguesa[57]. Nesse mesmo contexto deve ser colocada a denúncia dos “fariseus da ‘economia política’”. Em breve, é difícil imaginar um texto mais cheio de indignação moral que o primeiro livro de O capital! A continuidade na evolução de Marx é evidente, e o que Althusser descreve como ruptura epistemológica é apenas a passagem para um discurso no âmbito em que a condenação moral dos processos de reificação ínsitos na sociedade burguesa e de seu anti-humanismo se expressa de forma mais sintética e mais elíptica.

É verdade, o filósofo francês admite que possa existir até um “humanismo revolucionário”[58], embora hesite bastante nesse ponto; e por isso impede a si mesmo a compreensão das lutas de classes enquanto lutas pelo reconhecimento; sim, luta pelo reconhecimento é a luta de classes travada pelos escravos (e pelos povos coloniais ou de origem colonial) que constituem o sujeito social exposto à desumanização mais explícita e mais radical; luta pelo reconhecimento é também a luta de classes que tem como protagonistas os proletários da metrópole capitalista, eles mesmos por longo tempo assimilados pela ideologia dominante a instrumentos de trabalho ou a “máquinas bípedes”; e luta pelo reconhecimento é também a luta de classes que vê as mulheres empenhadas a pôr em discussão, a minar ou a liquidar a escravidão doméstica que a família patriarcal lhe impõe.

Desde já, fica evidente o caráter inadequado e equivocado da leitura meramente economicista da teoria marxiana do conflito. O que está em jogo na luta de classes? Os povos submetidos, o proletariado e as classes subalternas, as mulheres submetidas à escravidão doméstica, esses sujeitos tão diferentes entre si podem apresentar as mais diversas reivindicações: a libertação nacional; a abolição da escravidão propriamente dita e a conquista das formas mais elementares de liberdade; melhores condições de vida e de trabalho; a transformação das relações de propriedade e de produção; o fim da segregação doméstica. Os sujeitos são diferentes, e igualmente diferentes são os conteúdos da luta de classes; todavia podemos identificar o denominador mínimo comum: no plano econômico-político, ele é constituído pelo objetivo da modificação da divisão do trabalho (no plano internacional, no âmbito da fábrica ou no da família); no plano político-moral, pelo objetivo da superação dos processos de desumanização e reificação que caracterizam a sociedade capitalista, pelo objetivo da obtenção do reconhecimento.”

[41] MEW, v. 16, p. 144.

[42] Ibidem, v. 23, p. 425 n. 144 4 [ed. bras.: Karl Marx, O capital, Livro I, trad. Rubens Enderle, São Paulo, Boitempo, 2013, p. 476, n. 144].

[43] Ibidem, v. 23, p. 747, n. 193 [ed. bras.: ibidem, p. 791, n. 193].

[44] Ibidem, v. 23, p. 279, n. 103.

[45] Ibidem, v. 25, p. 97, 99 e 102.

[46] MEGA-2 II/4.1, p. 64.

[47] MEW, v. 23, p. 189 e 59 [ed. bras.: ibidem, p. 37 e 112].

[48] Ibidem, v. 23, p. 191 [ed. bras.: ibidem, p. 251].

[49] Ibidem, v. 23, p. 283 [ed. bras.: ibidem, p. 340].

[50] Ibidem, v. 23, p. 779 [ed. bras.: ibidem, p. 821].

[51] Ibidem, v. 23, p. 780 [ed. bras.: ibidem, p. 822].

[52] Ibidem, v. 15, p. 333, 23, 282, 30 e 290.

[53] Ibidem, v. 23, p. 467 [ed. bras.: ibidem, p. 516].

[54] Ibidem, v. 30, p. 290.

[55] Ibidem, v. 15, p. 336.

[56] Ibidem, v. 15, p. 333.

[57] Ibidem, v. 23, p. 756 [ed. bras.: ibidem, p. 799].

[58] Louis Althusser e Étienne Balibar, Leggere “Il capitale” (Milão, Feltrinelli, 1968), p. 150 [ed. bras.: Ler “O capital”, trad. Nathanael C. Caixeiro, Rio de Janeiro, Zahar, 1979, 2 v.].

 

 

Em uma intervenção no dia 14 de junho de 1920, Lenin sintetiza assim a atitude que deve nortear o desenvolvimento da luta de classes revolucionária: ela deve ser dirigida pela “análise concreta da situação concreta, que é a própria essência, a alma viva do marxismo”[31].”

[31] LO, v. 31, p. 135.

 

 

Podemos compreender claramente, então, o significado do Terceiro Reich. Em 1935, a Internacional Comunista demonstra já tê-lo compreendido: o fascismo (do Terceiro Reich e do Império do Sol Nascente) tem como objetivo a “escravização dos povos fracos”, a “guerra imperialista de pilhagem” contra a União Soviética, a “escravização da China”[77]. Observou-se justamente em nossos dias que “a guerra de Hitler para o Lebensraum foi a maior guerra colonial da história[78]; é uma guerra cuja finalidade é a redução de povos inteiros a uma massa de escravos ou semiescravos a serviço da presumida raça dos senhores. Em 27 de janeiro de 1932, dirigindo-se aos industriais de Düsseldorf (e da Alemanha) e ganhando definitivamente apoio para a ascensão ao poder, Hitler[79] esclarece sua visão da história e da política. Durante todo o século XIX, “os povos brancos” conquistaram uma posição de incontestado domínio, em conclusão de um processo iniciado com a conquista da América e desenvolvido em nome do “absoluto e inato sentimento senhoril da raça branca”. Colocando em discussão o sistema colonial e provocando ou agravando a “confusão do pensamento branco europeu”, o bolchevismo põe em risco a civilização. Para enfrentar essa ameaça, é necessário reafirmar a “convicção da superioridade e, portanto, do [superior] direito da raça branca”, é necessário defender “a posição de domínio da raça branca em relação ao resto do mundo”. É claramente enunciado aqui um programa de contrarrevolução colonialista e escravista. Para reafirmar o domínio planetário da raça branca, é necessário aprender com a lição da história do expansionismo colonial do Ocidente: não se deve hesitar em recorrer à “mais brutal falta de escrúpulos”, impõe-se “o exercício de um direito senhoril (Herrenrecht) extremamente brutal”. O que é este “direito senhoril extremamente brutal”, senão uma substancial escravidão? Em julho de 1942, Hitler emana essa diretiva para a colonização da União Soviética e da Europa oriental.

Os eslavos devem trabalhar para nós. Se não precisarmos mais deles, que morram [...]. A instrução é perigosa. É suficiente que eles saibam contar até cem. Só é permitida a instrução que nos fornece útil mão de obra [...]. Nós somos os donos.[80]

Em seus discursos reservados e não destinados ao público, Himmler[81] fala explicitamente de escravidão: há absoluta necessidade de “escravos de raça estrangeira”, perante os quais a “raça dos senhores” jamais deve perder sua “aura senhoril” e com os quais ela não deve de nenhuma maneira misturar-se ou confundir-se. “Se não preenchermos nossos campos de trabalhos com escravos – neste quarto posso definir as coisas de maneira clara e definida –, com operários escravos para construir nossas cidades, nossas aldeias, nossas fazendas, sem nos preocuparmos com as perdas”, o programa de colonização e germanização dos territórios conquistados na Europa oriental não poderá ser realizado. O Terceiro Reich torna-se, assim, o protagonista de um tráfico de escravos atuado em tempos muito mais curtos – e, portanto, com modalidades mais brutais – que o tráfico de escravos propriamente dito[82].

O novo poder soviético é chamado a enfrentar esse projeto, que implica a redução em condições de escravidão ou semiescravidão não só do proletariado, mas de nações inteiras. Perfila-se no horizonte a “grande guerra patriótica” que tem seu momento mais crucial e épico em Stalingrado. A luta de um povo inteiro para fugir do destino de escravização a que tem sido condenado não pode ser definida como luta de classes; mas se trata de uma luta de classes que assume a forma de guerra de resistência nacional e anticolonial.

Isso vale também para um país como a Polônia. Como a União Soviética, nesse caso também o Terceiro Reich propõe-se a liquidar em bloco a intelectualidade, as camadas sociais suscetíveis de organizar a vida social e política, de manter ativa a consciência nacional e a continuidade histórica da nação; de tal maneira os países submetidos, as novas colônias, poderão distribuir força-trabalho servil em grande quantidade, sem que ninguém trave tal processo. Elementos constitutivos da intelectualidade que deve ser aniquilada na União Soviética são os comunistas, ao passo que na Polônia o clero católico desenvolve um importante papel; elemento comum aos dois países, os judeus, aos olhos de Hitler, são inveterados intelectuais subversivos e para eles a única solução pode ser a “final”. Essas são as condições para edificar na Europa centro-oriental as Índias alemãs, chamadas a ser um reservatório inesgotável de terra, matérias-primas e escravos a serviço da raça dos senhores: a luta contra esse império, fundado numa divisão internacional do trabalho que prevê o retorno da escravidão de forma mascarada, a luta contra essa contrarrevolução colonialista e escravista, é uma luta de classes por excelência.”

[77] Georgi Dimitrov, “Die offensive des Faschismus und die Aufgabe der Kommunistschen Internationale im Kampf für die Einheit der Arbeiterklasse gegen den Faschismus” (Informe ao VII Congresso da Internacional Comunista, 2 de agosto de 1935), em Georgi Dimitrov, Ausgewälte Schriften (Colônia, Rote Fahne, 1976), p. 96 e 144.

[78] David Olusoga e Casper W. Erichsen, The Kaiser’s Holocaust. Germany’s Forgotten Genocide (Londres, Faber & Faber, 2001), p. 327.

[79] Adolf Hitler, Reden und Proklamtionen 1932-1945 (org. M. Domarus, 1. ed. 1962-1963, Munique, Süddeutscher, 1965), p. 75-7.

[80] Ernst Piper, Alfred Rosenberg Hitlers Chefideologie (Munique, Blessing, 2005), p. 259.

[81] Heinrich Himmler, Geheimreden 1933 bis 1945 (orgs. B. F. Smith e A. F. Peterson, Berlim, Propyläen, 1974), p. 156 e 159.

[82] Mark Mazower, Hitler-s Empire. How the Nazis Ruled Europe (Londres, Penguin, 2009), p. 309 e 299.

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