sábado, 2 de janeiro de 2021

Manuscritos econômico-filosóficos (Parte II), de Karl Marx

Editora: Boitempo

ISBN: 978-85-7559-002-7

Tradução: Jesus Rainieri

Opinião: ★★★☆☆

Páginas: 176

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Sinopse: Ver Parte I


“No trabalhador existe pois, subjetivamente, o fato de que o capital é o homem totalmente perdido de si, assim como existe, no capital, objetivamente, o fato de que o trabalho é o homem totalmente perdido de si. Mas o trabalhador tem a infelicidade de ser um capital vivo e, portanto, carente, que, a cada momento em que não trabalha, perde seus juros e, com isso, sua existência. Como capital, o valor do trabalhador aumenta no sentido da procura e da oferta e, também fisicamente, a sua existência, a sua vida, se torna e é sabida como oferta de mercadoria, tal como qualquer outra mercadoria. O trabalhador produz o capital; o capital produz o trabalhador. O trabalhador produz, portanto, a si mesmo, e o homem enquanto trabalhador, enquanto mercadoria, é o produto do movimento total. O homem nada mais é do que trabalhador e, como trabalhador, suas propriedades humanas o são apenas na medida em que o são para o capital, que lhe é estranho. Mas porque ambos, capital e trabalho, são estranhos entre si e estão, por conseguinte, em uma relação indiferente, exterior e acidental, esta estranheza tem de aparecer como algo efetivo. Tão logo aconteça ao capital – ocorrência necessária ou arbitrária – não mais existir para o trabalhador, o trabalhador mesmo não é mais para si; ele não tem nenhum trabalho e, por causa disto, nenhum salário. E, aí, ele tem existência não enquanto homem, mas enquanto trabalhador, podendo deixar-se enterrar, morrer de fome etc. O trabalhador só é, enquanto trabalhador, assim que é para si como capital, e só é, como capital, assim que um capital é para ele. A existência do capital é sua existência, sua vida, tal como determina o conteúdo da sua vida de um modo indiferente a ele. A economia nacional não conhece, por conseguinte, o trabalhador desocupado, o homem que trabalha, na medida em que ele se encontra fora da relação de trabalho. O homem que trabalha o ladrão, o vigarista, o mendigo, o desempregado, o faminto, o miserável e o criminoso, são figuras que não existem para ela, mas só para outros olhos, para os do médico, do juiz, do coveiro, do administrador da miséria, fantasmas situados fora de seu domínio. As carências do trabalhador são assim, para ela, apenas a necessidade de conservá-lo durante o trabalho, a fim de que a raça dos trabalhadores não desapareça. O salário possui, por conseguinte, exatamente o mesmo significado de conservação na manutenção de qualquer outro instrumento produtivo, tal qual o consumo do capital em geral, de modo a poder reproduzir-se com juros. Como o óleo que se põe na roda para mantê-la em movimento. O salário pertence, pois, aos custos obrigatórios do capital e do capitalista e não deve ultrapassar a necessidade desta obrigação. Foi, portanto, absolutamente consequente quando donos de fábricas ingleses, antes da Amendment bill de 1834, deduziram do salário do trabalhador, como parte integrante do mesmo, as esmolas públicas que este recebia mediante taxas de assistência.

A produção produz o homem não somente como uma mercadoria, a mercadoria humana, o homem na determinação da mercadoria; ela o produz, nesta determinação respectiva, precisamente como um ser desumanizado tanto espiritual quanto corporalmente – imoralidade: deformação, embrutecimento de trabalhadores e capitalistas.”

 

 

“A relação da propriedade privada contém latente em si a relação da propriedade privada como trabalho, assim como a relação dela mesma como capital e a conexão destas duas expressões uma com a outra. Por um lado, trata-se da produção da atividade humana enquanto trabalho, ou seja, enquanto uma atividade totalmente estranha a si, ao homem e à natureza e, por conseguinte, a consciência e a manifestação de vida também como atividade estranha; a existência abstrata do homem como um puro homem que trabalha e que, por isso, pode precipitar-se diariamente de seu pleno nada no nada absoluto e, portanto, na sua efetiva não-existência. Por outro, trata-se da produção do objeto da atividade humana como capital, no qual toda determinidade natural e social do objeto está extinta, em que a propriedade privada perdeu sua qualidade natural e social (ou seja, perdeu todas as ilusões políticas e gregárias, sem se mesclar com relação aparentemente humana alguma) – no qual também o mesmo capital permanece o mesmo na mais diversificada existência natural e social, e completamente indiferente ao seu conteúdo efetivo. Esta oposição levada ao seu extremo é necessariamente o auge, a culminância e o declínio de toda a relação.”

 

 

“O comunismo na condição de suprassunção (Aufhebung) positiva da propriedade privada, enquanto estranhamento-de-si humano, e por isso enquanto apropriação efetiva da essência humana pelo e para o homem. Por isso, trata-se do retorno pleno, tornado consciente e interior a toda riqueza do desenvolvimento até aqui realizado, retorno do homem para si enquanto homem social, isto é, humano. Este comunismo é, enquanto naturalismo consumado= humanismo, e enquanto humanismo consumado= naturalismo. Ele é a verdadeira dissolução do antagonismo do homem com a natureza e com o homem; a verdadeira resolução do conflito entre existência e essência, entre objetivação e autoconfirmação, entre liberdade e necessidade, entre indivíduo e gênero. É o enigma resolvido da história e se sabe como esta solução.

O movimento total da história é, por isso, assim como o seu do comunismo ato efetivo de geração – o ato de nascimento da sua existência empírica – também, para a sua consciência pensante, o movimento concebido e sabido do seu vir a ser, enquanto aquele comunismo ainda incompleto procura para si uma prova histórica a partir de figuras históricas singulares que se contrapõem à propriedade privada, uma prova no existente, ao mesmo tempo que arranca do movimento momentos singulares (um cavalo em que montam particularmente Cabet, Villegardelle etc.) e os fixa como provas de sua pureza histórica de sangue, com o que precisamente evidencia que a parte desproporcionalmente maior deste movimento contradiz as suas afirmações e que, se ele uma vez foi algo existente, precisamente seu ser passado desmente a pretensão de essência.

Que no movimento da propriedade privada, precisamente da Economia, o movimento revolucionário inteiro encontra tanto a sua base empírica quanto teórica, disso é fácil reconhecer a necessidade.

A propriedade privada material, imediatamente sensível, é a expressão material-sensível da vida humana estranhada. Seu movimento – a produção e o consumo – é a manifestação sensível do movimento de toda produção até aqui, isto é, realização ou efetividade do homem. Religião, família, Estado, direito, moral, ciência, arte etc., são apenas formas particulares da produção e caem sob a sua lei geral. A suprassunção positiva da propriedade privada, enquanto apropriação da vida humana é, por conseguinte, a suprassunção positiva de todo estranhamento, portanto o retorno do homem da religião, família, Estado etc., à sua existência humana, isto é, social. O estranhamento religioso enquanto tal somente se manifesta na região da consciência, do interior humano, mas o estranhamento econômico é o da vida efetiva – sua suprassunção abrange, por isso, ambos os lados. Compreende-se que entre os diferentes povos o movimento tome o seu primeiro começo conforme a verdadeira vida reconhecida do povo se processa mais na consciência ou no mundo exterior, seja mais a vida ideal ou real. O comunismo começa de imediato com o ateísmo, mas o ateísmo está, primeiramente, ainda muito longe de ser comunismo, assim como esse ateísmo é ainda uma abstração. A filantropia do ateísmo é, por conseguinte, primeiramente apenas uma filantropia filosófica abstrata, a do comunismo de imediato é real e imediatamente distendida ao efeito.

Vimos como, sob o pressuposto da propriedade privada positivamente suprassumida, o homem produz o homem, a si mesmo e ao outro homem; assim como produz o objeto, que é o acionamento imediato da sua individualidade e ao mesmo tempo a sua própria existência para o outro homem, para a existência deste, e a existência deste para ele. Igualmente, tanto o material de trabalho quanto o homem enquanto sujeito são tanto resultado quanto ponto de partida do movimento (e no fato de eles terem de ser este ponto de partida reside, precisamente, a necessidade histórica da propriedade privada). Portanto, o caráter social é o caráter universal de todo o movimento; assim como a sociedade mesma produz o homem enquanto homem, assim ela é produzida por meio dele. A atividade e a fruição, assim como o seu conteúdo, são também os modos de existência segundo a atividade social e a fruição social. A essência humana da natureza está, em primeiro lugar, para o homem social; pois é primeiro aqui que ela existe para ele na condição de elo com o homem, na condição de existência sua para o outro e do outro para ele; é primeiro aqui que ela existe como fundamento da sua própria existência humana, assim como também na condição de elemento vital da efetividade humana. É primeiro aqui que a sua existência natural se lhe tornou a sua existência humana e a natureza se tornou para ele o homem. Portanto, a sociedade é a unidade essencial completada do homem com a natureza, a verdadeira ressurreição da natureza, o naturalismo realizado do homem e o humanismo da natureza levado a efeito.

A prostituição é somente uma expressão particular da prostituição universal do trabalhador e, posto que a prostituição é uma relação na qual entra não só o prostituído, mas também o prostituidor – cuja infâmia é ainda maior – assim cai também o capitalista etc., nessa categoria.

A atividade social e a fruição social de modo algum existem unicamente na forma de uma atividade imediatamente comunitária e de uma fruição imediatamente comunitária, ainda que a atividade comunitária e a fruição comunitária, isto é, a atividade e a fruição que imediatamente, em sociedade efetiva com outros homens, se externam e confirmam, efetuar-se-ão em toda parte onde aquela expressão imediata da sociabilidade se fundamente na essência do seu conteúdo e esteja conforme à sua natureza.

Posto que também sou cientificamente ativo etc., uma atividade que raramente posso realizar em comunidade imediata com outros, então sou ativo socialmente porque o sou enquanto homem. Não apenas o material da minha atividade – como a própria língua na qual o pensador é ativo – me é dado como produto social, a minha própria existência é atividade social; por isso, o que faço a partir de mim, faço a partir de mim para a sociedade, e com a consciência de mim como um ser social.

Minha consciência universal é apenas a figura teórica daquilo de que a coletividade real, o ser social, é a figura viva, ao passo que hoje em dia a consciência universal é uma abstração da vida efetiva e como tal se defronta hostilmente a ela. Por isso, também a atividade da minha consciência universal – enquanto uma tal atividade – é minha existência teórica enquanto ser social.

Acima de tudo é preciso evitar fixar mais uma vez a “sociedade” como abstração frente ao indivíduo. O indivíduo é o ser social. Sua manifestação de vida – mesmo que ela também não apareça na forma imediata de uma manifestação comunitária de vida, realizada simultaneamente com outros – é, por isso, uma externação e confirmação da vida social. A vida individual e a vida genérica do homem não são diversas, por mais que também – e isto necessariamente – o modo de existência da vida individual seja um modo mais particular ou mais universal da vida genérica, ou quanto mais a vida genérica seja uma vida individual mais particular ou universal.

Como consciência genérica o homem confirma sua vida social real e apenas repete no pensar a sua existência efetiva, tal como, inversamente, o ser genérico se confirma na consciência genérica, e é, em sua universalidade como ser pensante, para si.

O homem – por mais que seja, por isso, um indivíduo particular, e precisamente sua particularidade faz dele um indivíduo e uma coletividade efetivo-individual é, do mesmo modo, tanto a totalidade, a totalidade ideal, a existência subjetiva da sociedade pensada e sentida para si, assim como ele também é na efetividade, tanto como intuição e fruição efetiva da existência social, quanto como uma totalidade de externação humana de vida. Pensar e ser são, portanto, certamente diferentes, mas estão ao mesmo tempo em unidade mútua.”

 

 

“Assim como a propriedade privada é apenas a expressão sensível de que o homem se torna simultaneamente objetivo para si e simultaneamente se torna antes um objeto estranho e não humano, que sua externação de vida é sua exteriorização de vida, sua efetivação a negação da efetivação, uma efetividade estranha, assim a suprasunção positiva da propriedade privada, ou seja, a apropriação sensível da essência e da vida humanas, do ser humano objetivo, da obra humana para e pelo homem, não pode ser apreendida apenas no sentido da fruição imediata, unilateral, não somente no sentido da posse, no sentido do ter. O homem se apropria da sua essência omnilateral de uma maneira omnilateral, portanto como um homem total. Cada uma das suas relações humanas com o mundo, ver, ouvir, cheirar, degustar, sentir, pensar, intuir, perceber, querer, ser ativo, amar, enfim todos os órgãos da sua individualidade, assim como os órgãos que são imediatamente em sua forma como órgãos comunitários, são no seu comportamento objetivo ou no seu comportamento para com o objeto a apropriação do mesmo, a apropriação da efetividade humana; seu comportamento para com o objeto é o acionamento da efetividade humana (por isso ela é precisamente tão multíplice quanto multíplices são as determinações essenciais e atividades humanas), eficiência humana e sofrimento humano, pois o sofrimento, humanamente apreendido, é uma autofruição do ser humano.

A propriedade privada nos fez tão cretinos e unilaterais que um objeto somente é o nosso objeto se o temos, portanto, quando existe para nós como capital ou é por nós imediatamente possuído, comido, bebido, trazido em nosso corpo, habitado por nós etc., enfim, usado. Embora a propriedade privada apreenda todas estas efetivações imediatas da própria posse novamente apenas como meios de vida, e a vida, à qual servem de meio, é a vida da propriedade privada: trabalho e capitalização.

O lugar de todos os sentidos físicos e espirituais passou a ser ocupado, portanto, pelo simples estranhamento de todos esses sentidos, pelo sentido do ter. A esta absoluta miséria tinha de ser reduzida a essência humana, para com isso trazer para fora de si sua riqueza interior. (Sobre a categoria do ter, vide Hess nas “Vinte e uma páginas de impressão”.)1

A suprassunção da propriedade privada é, por conseguinte, a emancipação completa de todas as qualidades e sentidos humanos; mas ela é esta emancipação justamente pelo fato desses sentidos e propriedades terem se tornado humanos, tanto subjetiva quanto objetivamente. O olho se tornou olho humano, da mesma forma como o seu objeto se tornou um objeto social, humano, proveniente do homem para o homem. Por isso, imediatamente em sua práxis, os sentidos se tornaram teoréticos. Relacionam-se com a coisa por querer a coisa, mas a coisa mesma é um comportamento humano objetivo consigo própria e com o homem, e vice-versa. Eu só posso, em termos práticos, relacionar-me humanamente com a coisa se a coisa se relaciona humanamente com o homem. A carência ou a fruição perderam, assim, a sua natureza egoísta e a natureza a sua mera utilidade, na medida em que a utilidade se tornou utilidade humana.

Da mesma maneira, os sentidos e o espírito do outro homem se tornaram a minha própria apropriação. Além destes órgãos imediatos formam-se, por isso, órgãos sociais, na forma da sociedade, logo, por exemplo, a atividade em imediata sociedade com outros etc., tornou-se um órgão da minha externação de vida e um modo da apropriação da vida humana.

Compreende-se que o olho humano frui de forma diversa da que o olho rude, não humano frui; o ouvido humano diferentemente da do ouvido rude etc.

Nós vimos. O homem só não se perde em seu objeto se este lhe vem a ser como objeto humano ou homem objetivo. Isto só é possível na medida em que ele vem a ser objeto social para ele, em que ele próprio se torna ser social, assim como a sociedade se torna ser para ele neste objeto.

Consequentemente, quando, por um lado, para o homem em sociedade a efetividade objetiva se torna em toda parte efetividade das forças essenciais humanas enquanto efetividade humana e, por isso, efetividade de suas próprias forças essenciais, todos os objetos tornam-se a objetivação de si mesmo para ele, objetos que realizam e confirmam sua individualidade enquanto objetos seus, isto é, ele mesmo torna-se objeto. Como se tornam seus para ele, depende da natureza do objeto e da natureza da força essencial que corresponde a ela, pois precisamente a determinidade desta relação forma o modo particular e efetivo da afirmação. Ao olho um objeto se torna diferente do que ao ouvido, e o objeto do olho é um outro que o do ouvido. A peculiaridade de cada força essencial é precisamente a sua essência peculiar, portanto também o modo peculiar da sua objetivação, do seu ser vivo objetivo-efetivo. Não só no pensar, portanto, mas com todos os sentidos o homem é afirmado no mundo objetivo.

Por outro lado, subjetivamente apreendido: assim como a música desperta primeiramente o sentido musical do homem, assim como para o ouvido não musical a mais bela música não tem nenhum sentido, é nenhum objeto, porque o meu objeto só pode ser a confirmação de uma das minhas forças essenciais, portanto só pode ser para mim da maneira como a minha força essencial é para si como capacidade subjetiva, porque o sentido de um objeto para mim (só tem sentido para um sentido que lhe corresponda) vai precisamente tão longe quanto vai o meu sentido, por causa disso é que os sentidos do homem social são sentidos outros que não os do não social; (é apenas pela riqueza objetivamente desdobrada da essência humana que a riqueza da sensibilidade humana subjetiva, que um ouvido musical, um olho para a beleza da forma, em suma as fruições humanas todas se tornam sentidos capazes, sentidos que se confirmam como forças essenciais humanas, em parte recém cultivados, em parte recém engendrados. Pois não só os cinco sentidos, mas também os assim chamados sentidos espirituais, os sentidos práticos (vontade, amor etc.), numa palavra o sentido humano, a humanidade dos sentidos, vem a ser primeiramente pela existência do seu objeto, pela natureza humanizada.

A formação dos cinco sentidos é um trabalho de toda a história do mundo até aqui. O sentido constrangido à carência prática rude também tem apenas um sentido tacanho. Para o homem faminto não existe a forma humana da comida, mas somente a sua existência abstrata como alimento; poderia ela justamente existir muito bem na forma mais rudimentar, e não há como dizer em que esta atividade de se alimentar se distingue da atividade animal de alimentar-se. O homem carente, cheio de preocupações, não tem nenhum sentido para o mais belo espetáculo; o comerciante de minerais vê apenas o valor mercantil, mas não a beleza e a natureza peculiar do mineral; ele não tem sentido mineralógico algum; portanto, a objetivação da essência humana, tanto do ponto de vista teórico quanto prático, é necessária tanto para fazer humanos os sentidos do homem quanto para criar sentido humano correspondente à riqueza inteira do ser humano e natural.

Assim como pelo movimento da propriedade privada e da sua riqueza, assim como da sua miséria – ou da riqueza e miséria materiais e espirituais – a sociedade que vem a ser encontra todo o material para esta formação, assim também a sociedade que veio a ser produz o homem nesta total riqueza da sua essência, o homem plenamente rico e profundo enquanto sua permanente efetividade.

Vê-se como subjetivismo e objetivismo, espiritualismo e materialismo, atividade e sofrimento perdem a sua oposição apenas quando no estado social e, por causa disso, a sua existência enquanto tais oposições; vê-se como a própria resolução das oposições teóricas só é possível de um modo prático, só pela energia prática do homem e, por isso, a sua solução de maneira alguma é apenas uma tarefa do conhecimento, mas uma efetiva tarefa vital que a filosofia não pôde resolver, precisamente porque a tomou apenas como tarefa teórica.”

1 A respeito, cf. Hess, Moses. “Philosophie der That”. ln: Einundzwanzig Bogen aus der Schweiz, editado por Georg Herwegh, Zürich, Winterthur, 1843, primeira parte, p. 329. “A propriedade material é o ser para si do espírito tornado ideia fixa. Porque ele concebe o trabalho, a elaboração ou manifestação ativa de seu si não como seu ato livre, como sua própria vida espiritual, mas o compreende como um outro material, está também obrigado a conservar-se para si mesmo, não se perder na infinitude, chegar ao seu ser para si. Mas a propriedade termina, aquela que enclausura o espírito que deve ser, a saber, seu ser para si, quando a ação não está na criação, mas no resultado, o universo enquanto ser para si do espírito – a ilusão, a apresentação do espírito enquanto seu conceito, efêmero, compreende seu ser-outro enquanto seu ser para si e, com ambas as mãos, é conservado. Isto é, precisamente, a mania do ser, ou seja, o sentido que subsiste enquanto individualidade determinada, enquanto eu delimitado, enquanto essência finita – que conduz à mania do ter. Isto é, novamente, a negação de toda determinidade, do eu abstrato e do comunismo abstrato, o resultado da insignificante ‘coisa em si’, do criticismo e da revolução, do insatisfeito dever, que levou ao ser e ao ter. Que se transformou, de verbo auxiliar, em substantivo.

 

 

“Cada homem especula sobre como criar no outro uma nova carência, a fim de forçá-lo a um novo sacrifício, colocá-lo em nova sujeição e induzi-lo a um novo modo de fruição e, por isso, de ruína econômica. Cada qual procura criar uma força essencial estranha sobre o outro, para encontrar aí a satisfação de sua própria carência egoísta. Com a massa dos objetos cresce, por isso, o império do ser estranho ao qual o homem está submetido e cada novo produto é uma nova potência da recíproca fraude e da recíproca pilhagem. O homem se torna cada vez mais pobre enquanto homem, carece cada vez mais de dinheiro para se apoderar do ser hostil, e o poder de seu dinheiro cai precisamente na relação inversa da massa de produção, ou seja, cresce sua penúria à medida que aumenta o poder do dinheiro. (...)

Subjetivamente mesmo isto aparece, em parte, porque a expansão dos produtos e das carências o torna escravo inventivo e continuamente calculista de desejos não humanos, requintados, não naturais e pretensiosos – a propriedade privada não sabe fazer da carência rude uma carência humana; seu idealismo é a ilusão, a arbitrariedade, o capricho e não há eunuco que adule mais infamemente o seu déspota e procure exasperar por nenhum meio mais infame a sua embotada aptidão para o prazer, de forma a obter ilicitamente um favor, do que o eunuco da indústria, o produtor, para captar fraudulentamente para si centavos em prata, atrair para fora dos bolsos do vizinho cristãmente amado os pássaros de ouro (cada produto é uma isca com a qual se quer atrair para junto de si a essência do outro, o seu dinheiro; cada carência efetiva ou possível é uma fraqueza que apresentará a armadilha à mosca – exploração universal da essência humana comunitária, tal como cada imperfeição do ser humano é um vínculo com o céu, um lado pelo qual seu coração é acessível ao padre; cada falta é uma ocasião para, sob a aparência mais gentil, dirigir-se ao vizinho e lhe dizer: dileto amigo, dou-te aquilo de que precisas, mas tu conheces a conditio sine qua non; sabes com qual tinta tens de enganar-te ao escrever para mim; trapaceio-te na mesma medida em que te proporciono uma fruição1), sujeita-se às suas ideias mais vis, joga de alcoviteiro entre ele e sua carência, causa nele apetites patológicos, espreita nele cada fraqueza, para então exigir o adiantamento em dinheiro desta obra de caridade.

Em parte, este estranhamento se mostra na medida em que produz, por um lado, o refinamento das carências e dos seus meios; por outro, a degradação brutal, a completa simplicidade rude abstrata da carência; ou melhor, apenas produziu-se novamente a si na sua significação contrária. Mesmo a carência de ar livre deixa de ser, para o trabalhador, carência; o homem retorna à caverna, que está agora, porém, infectada pelo mefítico ar pestilento da civilização, e que ele apenas habita muito precariamente, como um poder estranho que diariamente se lhe subtrai, do qual ele pode ser diariamente expulso, se não pagar. Tem de pagar esta casa mortuária. A habitação-luz que Prometeu, em Ésquilo2, denota como uma das maiores dádivas pelas quais ele fez do selvagem um homem, cessa de existir para o trabalhador. Luz, ar etc., a mais elementar limpeza animal cessam de ser, para o homem, uma carência. A imundície, esta corrupção, apodrecimento do homem, o fluxo de esgoto (isto compreendido à risca) da civilização torna-se para ele um elemento vital. O completo abandono não natural, a natureza apodrecida, tornam-se seu elemento vital. Nenhum de seus sentidos existe mais, não apenas em seu modo humano, mas também não num modo não humano, por isto mesmo nem sequer num modo animal.”

1 Goethe, Johann Wolfgang. Fausto, primeira parte.

2 Ésquilo. Prometeu, vinctus V, p. 450-453.

 

 

“O economista nacional calcula a vida (existência) mais escassa possível como norma e, precisamente, como norma universal: universal porque vigente para a massa dos homens; ele faz do trabalhador um ser insensível e sem carências, assim como faz de sua atividade uma pura abstração de toda atividade; cada luxo do trabalhador aparece a ele, portanto, como reprovável e tudo o que ultrapassa a mais abstrata de todas as carências – seja como fruição ou externação de atividade – aparece a ele como luxo. A economia nacional, esta ciência da riqueza é, por isso, ao mesmo tempo, ciência do renunciar, da indigência, da poupança e ela chega efetivamente a poupar ao homem a carência de ar puro ou de movimento físico. Esta ciência da indústria maravilhosa é, simultaneamente, a ciência da ascese e seu verdadeiro ideal é o avarento ascético, mas usurário, e o escravo ascético, mas producente. O seu ideal moral é o trabalhador que leva uma parte de seu salário à caixa econômica, e ela encontrou mesmo para esta sua ideia predileta uma arte servil. Levou-se o sentimentalismo para o teatro. Por isso, ela é – apesar de seu aspecto mundano e voluptuoso – uma ciência efetivamente moral, a mais moral de todas as ciências. A autorrenúncia, a renúncia à vida, a todas as carências humanas, é a sua tese principal. Quanto menos comeres, beberes, comprares livros, fores ao teatro, ao baile, ao restaurante, pensares, amares, teorizares, cantares, pintares, esgrimires etc., tanto mais tu poupas, tanto maior se tornará o teu tesouro, que nem as traças nem o roubo corroem4, teu capital. Quanto menos tu fores, quanto menos externares a tua vida, tanto mais tens, tanto maior é a tua vida exteriorizada, tanto mais acumulas da tua essência estranhada. Tudo o que o economista nacional te arranca de vida e de humanidade, ele te supre em dinheiro e riqueza. E tudo aquilo que tu não podes, pode o teu dinheiro: ele pode comer, beber, ir ao baile, ao teatro, sabe de arte, de erudição, de raridades históricas, de poder político, pode viajar, pode apropriar-se disso tudo para ti; pode comprar tudo isso; ele é a verdadeira capacidade. Mas ele, que é tudo isso, não deseja senão criar-se a si próprio, comprar a si próprio, pois tudo o mais é, sim, seu servo, e se eu tenho o senhor, tenho o servo e não necessito do seu servo. Todas as paixões e toda atividade têm, portanto, de naufragar na cobiça. Ao trabalhador só é permitido ter tanto para que queira viver, e só é permitido querer viver para ter.

Sem dúvida, eleva-se agora no terreno da economia nacional uma controvérsia. Um dos lados (Lauderdale, Malthus etc.) recomenda o luxo e amaldiçoa a poupança; o outro (Say, Ricardo etc.) recomenda a poupança e amaldiçoa o luxo. Mas aquele admite que quer o luxo para produzir o trabalho, isto é, a poupança absoluta; o outro lado admite que recomenda a poupança para produzir a riqueza, isto é, o luxo. O primeiro lado tem a romântica ilusão de que não unicamente a cobiça deveria determinar o consumo do rico, e contradiz suas próprias leis quando faz o desperdício passar imediatamente por um meio de enriquecimento. E, por outro lado, é-lhe demonstrado, assim, muito diligente e circunstanciadamente, que eu, pelo desperdício, reduzo meus bens, e não aumento; o outro lado comete a hipocrisia de não reconhecer que precisamente o capricho e a divagação determinam a produção; ele esquece as “necessidades refinadas”, esquece que, sem consumo, nada seria produzido, ele esquece que a produção, mediante a concorrência, só tem de se tornar mais omnilateral, mais luxuosa; ele esquece que o uso lhe determina o valor das coisas e que a moda determina o uso, ele deseja ver produzido só o “útil”, mas esquece que a produção de demasiado útil produz população demasiado inútil. Ambos os lados esquecem que desperdício e poupança, luxo e privação, riqueza e pobreza são iguais.

E tu tens de poupar não somente teus sentidos imediatos, como comer etc., tu tens de poupar também na colaboração com interesses universais, na compaixão, na confiança, se tu queres ser econômico, se não queres te arruinar com ilusões.

Tu tens de fazer venal, ou seja, útil, tudo o que é teu.”

4 Trata-se do Novo Testamento, O evangelho de Mateus 6, 19-20.

 

 

“E assim como a indústria especula com o refinamento das carências, especula da mesma forma com sua crueza, mas sobre a sua crueza artificialmente gerada, cuja verdadeira fruição é, por isso, a autonarcose, esta aparente satisfação da carência, esta civilização no interior da crua barbárie da carência.”

 

 

“Dissemos acima que o homem retorna à caverna etc., mas regressa a ela sob uma figura estranhada, hostil. O selvagem na sua caverna – esse pitoresco elemento natural oferecendo-se para fruição e abrigo – não se sente estranho, ou sente-se, antes, como em casa, como o peixe na água. Mas o porão dos pobres é uma habitação hostil, “que a ele resiste como potência estranha, que apenas se lhe entrega na medida mesma em que ele entrega a ela seu suor de sangue”9, que ele não pode considerar como seu lar – onde ele pudesse finalmente dizer: aqui estou em casa –, onde ele se encontra, antes, como estando na casa de um outro, numa casa estranha, que diariamente está à espreita e o expulsa, se não pagar o aluguel. Do mesmo modo, ele sabe a qualidade de sua habitação em oposição com a habitação humana residente no outro lado, no céu da riqueza.

O estranhamento aparece tanto no fato de meu meio de vida ser de um outro, no fato de aquilo que é meu desejo ser a posse inacessível de um outro, quanto no fato de que cada coisa mesma é um outro enquanto si mesma, quanto também no fato de que minha atividade é um outro, quanto finalmente – e isto vale também para os capitalistas – no fato de que, em geral, o poder não humano domina.”

9 Não foi possível encontrar na Marx-Engels Gesamtausgabe (MEGA) qualquer menção dos editores a esta citação. (N.T.)

 

 

“A procura existe certamente também para aquele que não tem dinheiro algum, mas a sua procura (demande) é um puro ser da representação, que não tem nenhum efeito, nenhuma existência sobre mim, sobre o terceiro, sobre o outro, que, portanto, permanece para mim mesmo não efetivo, sem objeto. A diferença da demande efetiva, baseada no dinheiro, e da carente de efeito, baseada na minha carência, minha paixão, meu desejo etc., é a diferença entre ser e pensar, entre a pura representação existindo em mim e a representação tal como ela é para mim enquanto objeto efetivo fora de mim.

Eu, se não tenho dinheiro para viajar, não tenho necessidade alguma, isto é, nenhuma necessidade efetiva e efetivando-se de viajar. Eu, se tenho vocação para estudar, mas não tenho dinheiro algum para isso, não tenho nenhuma vocação para estudar, isto é, nenhuma vocação efetiva, verdadeira. Se eu, ao contrário, não tenho realmente nenhuma vocação para estudar, mas tenho a vontade e o dinheiro, tenho para isso uma vocação efetiva. O dinheiro – enquanto exterior, não oriundo do homem enquanto homem, nem da sociedade humana enquanto sociedade –, meio e capacidade universais, faz da representação efetividade e da efetividade uma pura representação, transforma igualmente as forças essenciais humanas efetivas e naturais em puras representações abstratas e, por isso, em imperfeições, angustiantes fantasias, assim como, por outro lado, transforma as efetivas imperfeições e fantasias, as suas forças essenciais realmente impotentes que só existem na imaginação do indivíduo, em forças essenciais efetivas e efetiva capacidade. Já segundo esta determinação o dinheiro é, portanto, a inversão universal das individualidades, que ele converte no seu contrário e que acrescenta aos seus atributos atributos contraditórios.

Enquanto tal poder inversor, o dinheiro se apresenta também contra o indivíduo e contra os vínculos sociais etc., que pretendem ser, para si, essência. Ele transforma a fidelidade em infidelidade, o amor em ódio, o ódio em amor, a virtude em vício, o vício em virtude, o servo em senhor, o senhor em servo, a estupidez em entendimento, o entendimento em estupidez.

Como o dinheiro, enquanto conceito existente e atuante do valor, confunde e troca todas as coisas, ele é então a confusão e a troca universal de todas as coisas, portanto, o mundo invertido, a confusão e a troca de todas as qualidades naturais e humanas.

Quem pode comprar a valentia é valente, ainda que seja covarde. Como o dinheiro não se permuta por uma qualidade determinada, por uma coisa determinada, por forças essenciais humanas, mas sim pela totalidade do mundo objetivo humano e natural, ele permuta, portanto – considerado do ponto de vista do seu possuidor –, cada qualidade por outra – inclusive atributo e objeto contraditórios para ele; ele é a confraternização das impossibilidades, obriga os contraditórios a se beijarem.”

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