Editora: Boitempo
ISBN: 978-85-7559-002-7
Tradução: Jesus Rainieri
Opinião: ★★★☆☆
Páginas: 176
Link para compra: Clique aqui
Sinopse: Ver Parte
I
“No trabalhador existe pois, subjetivamente, o
fato de que o capital é o homem totalmente perdido de si, assim como existe, no
capital, objetivamente, o fato de que o trabalho é o homem totalmente perdido de
si. Mas o trabalhador tem a infelicidade de ser um capital vivo e,
portanto, carente, que, a cada momento em que não trabalha, perde seus
juros e, com isso, sua existência. Como capital, o valor do trabalhador
aumenta no sentido da procura e da oferta e, também fisicamente, a sua existência,
a sua vida, se torna e é sabida como oferta de mercadoria,
tal como qualquer outra mercadoria. O trabalhador produz o capital; o
capital produz o trabalhador. O trabalhador produz, portanto, a si mesmo, e o
homem enquanto trabalhador, enquanto mercadoria, é o produto
do movimento total. O homem nada mais é do que trabalhador e, como
trabalhador, suas propriedades humanas o são apenas na medida em que o são para
o capital, que lhe é estranho. Mas porque ambos, capital e trabalho, são
estranhos entre si e estão, por conseguinte, em uma relação indiferente,
exterior e acidental, esta estranheza tem de aparecer como algo efetivo.
Tão logo aconteça ao capital – ocorrência necessária ou arbitrária – não mais
existir para o trabalhador, o trabalhador mesmo não é mais para si; ele não tem
nenhum trabalho e, por causa disto, nenhum salário. E, aí, ele
tem existência não enquanto homem, mas enquanto trabalhador, podendo
deixar-se enterrar, morrer de fome etc. O trabalhador só é, enquanto trabalhador,
assim que é para si como capital, e só é, como capital, assim que um capital
é para ele. A existência do capital é sua existência, sua vida,
tal como determina o conteúdo da sua vida de um modo indiferente a ele. A
economia nacional não conhece, por conseguinte, o trabalhador desocupado, o
homem que trabalha, na medida em que ele se encontra fora da relação de
trabalho. O homem que trabalha o ladrão, o vigarista, o mendigo, o desempregado,
o faminto, o miserável e o criminoso, são figuras que não existem para
ela, mas só para outros olhos, para os do médico, do juiz, do coveiro, do
administrador da miséria, fantasmas situados fora de seu domínio. As carências
do trabalhador são assim, para ela, apenas a necessidade de conservá-lo durante
o trabalho, a fim de que a raça dos trabalhadores não desapareça.
O salário possui, por conseguinte, exatamente o mesmo significado de conservação
na manutenção de qualquer outro instrumento produtivo, tal qual o consumo
do capital em geral, de modo a poder reproduzir-se com juros. Como o óleo
que se põe na roda para mantê-la em movimento. O salário pertence, pois, aos custos
obrigatórios do capital e do capitalista e não deve ultrapassar a
necessidade desta obrigação. Foi, portanto, absolutamente consequente quando donos
de fábricas ingleses, antes da Amendment bill de 1834, deduziram do salário do
trabalhador, como parte integrante do mesmo, as esmolas públicas que este
recebia mediante taxas de assistência.
A produção produz o homem não somente como
uma mercadoria, a mercadoria humana, o homem na determinação da mercadoria;
ela o produz, nesta determinação respectiva, precisamente como um ser desumanizado
tanto espiritual quanto corporalmente – imoralidade: deformação,
embrutecimento de trabalhadores e capitalistas.”
“A relação da
propriedade privada contém latente em si a relação da propriedade privada como trabalho,
assim como a relação dela mesma como capital e a conexão destas
duas expressões uma com a outra. Por um lado, trata-se da produção da atividade
humana enquanto trabalho, ou seja, enquanto uma atividade totalmente
estranha a si, ao homem e à natureza e, por conseguinte, a consciência e a
manifestação de vida também como atividade estranha; a existência abstrata do
homem como um puro homem que trabalha e que, por isso, pode precipitar-se
diariamente de seu pleno nada no nada absoluto e, portanto, na sua efetiva não-existência.
Por outro, trata-se da produção do objeto da atividade humana como capital,
no qual toda determinidade natural e social do objeto está extinta, em
que a propriedade privada perdeu sua qualidade natural e social (ou seja,
perdeu todas as ilusões políticas e gregárias, sem se mesclar com relação aparentemente
humana alguma) – no qual também o mesmo capital permanece o mesmo
na mais diversificada existência natural e social, e completamente indiferente
ao seu conteúdo efetivo. Esta oposição levada ao seu extremo é
necessariamente o auge, a culminância e o declínio de toda a relação.”
“O comunismo na condição de suprassunção
(Aufhebung) positiva da propriedade privada, enquanto estranhamento-de-si
humano, e por isso enquanto apropriação efetiva da essência humana
pelo e para o homem. Por isso, trata-se do retorno pleno, tornado consciente
e interior a toda riqueza do desenvolvimento até aqui realizado, retorno do homem
para si enquanto homem social, isto é, humano. Este comunismo é,
enquanto naturalismo consumado= humanismo, e enquanto humanismo consumado= naturalismo.
Ele é a verdadeira dissolução do antagonismo do homem com a natureza e
com o homem; a verdadeira resolução do conflito entre existência e essência,
entre objetivação e autoconfirmação, entre liberdade e necessidade, entre
indivíduo e gênero. É o enigma resolvido da história e se sabe como esta
solução.
O movimento total da história é, por isso,
assim como o seu do comunismo ato efetivo de geração – o ato de
nascimento da sua existência empírica – também, para a sua consciência
pensante, o movimento concebido e sabido do seu vir a ser, enquanto
aquele comunismo ainda incompleto procura para si uma prova histórica a
partir de figuras históricas singulares que se contrapõem à propriedade privada,
uma prova no existente, ao mesmo tempo que arranca do movimento momentos
singulares (um cavalo em que montam particularmente Cabet, Villegardelle etc.)
e os fixa como provas de sua pureza histórica de sangue, com o que precisamente
evidencia que a parte desproporcionalmente maior deste movimento contradiz as
suas afirmações e que, se ele uma vez foi algo existente, precisamente seu ser passado
desmente a pretensão de essência.
Que no movimento da propriedade privada, precisamente
da Economia, o movimento revolucionário inteiro encontra tanto a sua base
empírica quanto teórica, disso é fácil reconhecer a necessidade.
A propriedade privada material, imediatamente
sensível, é a expressão material-sensível da vida humana
estranhada. Seu movimento – a produção e o consumo – é a manifestação sensível
do movimento de toda produção até aqui, isto é, realização ou efetividade do
homem. Religião, família, Estado, direito, moral, ciência, arte etc., são apenas
formas particulares da produção e caem sob a sua lei geral. A suprassunção
positiva da propriedade privada, enquanto apropriação da vida humana é,
por conseguinte, a suprassunção positiva de todo estranhamento, portanto
o retorno do homem da religião, família, Estado etc., à sua existência humana,
isto é, social. O estranhamento religioso enquanto tal
somente se manifesta na região da consciência, do interior humano, mas o
estranhamento econômico é o da vida efetiva – sua suprassunção abrange,
por isso, ambos os lados. Compreende-se que entre os diferentes povos o
movimento tome o seu primeiro começo conforme a verdadeira vida reconhecida
do povo se processa mais na consciência ou no mundo exterior, seja mais a
vida ideal ou real. O comunismo começa de imediato com o ateísmo, mas o ateísmo
está, primeiramente, ainda muito longe de ser comunismo, assim como
esse ateísmo é ainda uma abstração. A filantropia do ateísmo é, por
conseguinte, primeiramente apenas uma filantropia filosófica abstrata, a
do comunismo de imediato é real e imediatamente distendida ao efeito.
Vimos como, sob o pressuposto da propriedade
privada positivamente suprassumida, o homem produz o homem, a si mesmo e ao
outro homem; assim como produz o objeto, que é o acionamento imediato da sua
individualidade e ao mesmo tempo a sua própria existência para o outro homem, para
a existência deste, e a existência deste para ele. Igualmente, tanto o material
de trabalho quanto o homem enquanto sujeito são tanto resultado quanto ponto de
partida do movimento (e no fato de eles terem de ser este ponto de partida reside,
precisamente, a necessidade histórica da propriedade privada). Portanto,
o caráter social é o caráter universal de todo o movimento; assim
como a sociedade mesma produz o homem enquanto homem, assim ela
é produzida por meio dele. A atividade e a fruição, assim como o seu
conteúdo, são também os modos de existência segundo a atividade social
e a fruição social. A essência humana da natureza está, em primeiro
lugar, para o homem social; pois é primeiro aqui que ela existe para ele
na condição de elo com o homem, na condição de existência sua
para o outro e do outro para ele; é primeiro aqui que ela existe como fundamento
da sua própria existência humana, assim como também na
condição de elemento vital da efetividade humana. É primeiro aqui que a sua
existência natural se lhe tornou a sua existência humana e a
natureza se tornou para ele o homem. Portanto, a sociedade é a unidade
essencial completada do homem com a natureza, a verdadeira ressurreição da
natureza, o naturalismo realizado do homem e o humanismo da natureza levado a
efeito.
A prostituição é somente uma expressão particular
da prostituição universal do trabalhador e, posto que a prostituição
é uma relação na qual entra não só o prostituído, mas também o prostituidor – cuja
infâmia é ainda maior – assim cai também o capitalista etc., nessa categoria.
A atividade social e a fruição social de modo
algum existem unicamente na forma de uma atividade imediatamente comunitária
e de uma fruição imediatamente comunitária, ainda que a atividade
comunitária e a fruição comunitária, isto é, a atividade e
a fruição que imediatamente, em sociedade efetiva com outros homens, se
externam e confirmam, efetuar-se-ão em toda parte onde aquela expressão imediata
da sociabilidade se fundamente na essência do seu conteúdo e esteja conforme
à sua natureza.
Posto que também sou cientificamente ativo
etc., uma atividade que raramente posso realizar em comunidade imediata com
outros, então sou ativo socialmente porque o sou enquanto homem.
Não apenas o material da minha atividade – como a própria língua na qual o
pensador é ativo – me é dado como produto social, a minha própria existência
é atividade social; por isso, o que faço a partir de mim, faço a partir
de mim para a sociedade, e com a consciência de mim como um ser social.
Minha consciência universal é apenas a
figura teórica daquilo de que a coletividade real, o ser social,
é a figura viva, ao passo que hoje em dia a consciência universal é
uma abstração da vida efetiva e como tal se defronta hostilmente a ela. Por
isso, também a atividade da minha consciência universal – enquanto uma
tal atividade – é minha existência teórica enquanto ser social.
Acima de tudo é preciso evitar fixar mais uma
vez a “sociedade” como abstração frente ao indivíduo. O indivíduo é o ser
social. Sua manifestação de vida – mesmo que ela também não apareça
na forma imediata de uma manifestação comunitária de vida, realizada
simultaneamente com outros – é, por isso, uma externação e confirmação
da vida social. A vida individual e a vida genérica do homem não
são diversas, por mais que também – e isto necessariamente – o modo
de existência da vida individual seja um modo mais particular ou mais universal
da vida genérica, ou quanto mais a vida genérica seja uma vida individual
mais particular ou universal.
Como consciência genérica o homem
confirma sua vida social real e apenas repete no pensar a sua existência
efetiva, tal como, inversamente, o ser genérico se confirma na consciência genérica,
e é, em sua universalidade como ser pensante, para si.
O homem – por mais que seja, por isso, um
indivíduo particular, e precisamente sua particularidade faz dele um
indivíduo e uma coletividade efetivo-individual – é, do mesmo
modo, tanto a totalidade, a totalidade ideal, a existência subjetiva da
sociedade pensada e sentida para si, assim como ele também é na efetividade,
tanto como intuição e fruição efetiva da existência social, quanto como uma
totalidade de externação humana de vida. Pensar e ser são, portanto, certamente
diferentes, mas estão ao mesmo tempo em unidade mútua.”
“Assim como a propriedade privada é
apenas a expressão sensível de que o homem se torna simultaneamente objetivo
para si e simultaneamente se torna antes um objeto estranho e não humano, que
sua externação de vida é sua exteriorização de vida, sua efetivação a negação da
efetivação, uma efetividade estranha, assim a suprasunção positiva
da propriedade privada, ou seja, a apropriação sensível da essência e da
vida humanas, do ser humano objetivo, da obra humana para e pelo homem,
não pode ser apreendida apenas no sentido da fruição imediata, unilateral,
não somente no sentido da posse, no sentido do ter. O
homem se apropria da sua essência omnilateral de uma maneira omnilateral, portanto
como um homem total. Cada uma das suas relações humanas
com o mundo, ver, ouvir, cheirar, degustar, sentir, pensar, intuir,
perceber, querer, ser ativo, amar, enfim todos os órgãos da sua individualidade, assim como os órgãos que são
imediatamente em sua forma como órgãos comunitários, são no seu comportamento objetivo
ou no seu comportamento para com o objeto a apropriação do mesmo, a
apropriação da efetividade humana; seu comportamento para com o objeto
é o acionamento da efetividade humana (por isso ela é precisamente tão
multíplice quanto multíplices são as determinações essenciais e atividades
humanas), eficiência humana e sofrimento humano, pois o
sofrimento, humanamente apreendido, é uma autofruição do ser humano.
A propriedade privada nos fez tão cretinos e
unilaterais que um objeto somente é o nosso objeto se o temos, portanto,
quando existe para nós como capital ou é por nós imediatamente possuído,
comido, bebido, trazido em nosso corpo, habitado por nós etc., enfim, usado.
Embora a propriedade privada apreenda todas estas efetivações imediatas da
própria posse novamente apenas como meios de vida, e a vida, à qual
servem de meio, é a vida da propriedade privada: trabalho
e capitalização.
O lugar de todos os sentidos físicos e
espirituais passou a ser ocupado, portanto, pelo simples estranhamento de todos
esses sentidos, pelo sentido do ter. A esta absoluta miséria tinha de
ser reduzida a essência humana, para com isso trazer para fora de si sua
riqueza interior. (Sobre a categoria do ter, vide Hess nas “Vinte
e uma páginas de impressão”.)1
A suprassunção da propriedade privada é, por
conseguinte, a emancipação completa de todas as qualidades e sentidos humanos;
mas ela é esta emancipação justamente pelo fato desses sentidos e propriedades
terem se tornado humanos, tanto subjetiva quanto objetivamente. O olho
se tornou olho humano, da mesma forma como o seu objeto se tornou
um objeto social, humano, proveniente do homem para o homem. Por isso,
imediatamente em sua práxis, os sentidos se tornaram teoréticos.
Relacionam-se com a coisa por querer a coisa, mas a coisa mesma é um
comportamento humano objetivo consigo própria e com o homem, e
vice-versa. Eu só posso, em termos práticos, relacionar-me humanamente com a
coisa se a coisa se relaciona humanamente com o homem. A carência ou a fruição
perderam, assim, a sua natureza egoísta e a natureza a sua mera utilidade,
na medida em que a utilidade se tornou utilidade humana.
Da mesma maneira, os sentidos e o espírito do
outro homem se tornaram a minha própria apropriação. Além destes órgãos
imediatos formam-se, por isso, órgãos sociais, na forma da
sociedade, logo, por exemplo, a atividade em imediata sociedade com outros
etc., tornou-se um órgão da minha externação de vida e um modo da
apropriação da vida humana.
Compreende-se que o olho humano frui
de forma diversa da que o olho rude, não humano frui; o ouvido humano
diferentemente da do ouvido rude etc.
Nós vimos. O homem só não se perde em seu
objeto se este lhe vem a ser como objeto humano ou homem objetivo. Isto
só é possível na medida em que ele vem a ser objeto social para ele, em
que ele próprio se torna ser social, assim como a sociedade se torna ser para ele
neste objeto.
Consequentemente, quando, por um lado, para o
homem em sociedade a efetividade objetiva se torna em toda parte efetividade
das forças essenciais humanas enquanto efetividade humana e, por isso, efetividade
de suas próprias forças essenciais, todos os objetos tornam-se a objetivação
de si mesmo para ele, objetos que realizam e confirmam sua individualidade
enquanto objetos seus, isto é, ele mesmo torna-se objeto. Como
se tornam seus para ele, depende da natureza do objeto e da natureza
da força essencial que corresponde a ela, pois precisamente a determinidade
desta relação forma o modo particular e efetivo da afirmação. Ao olho
um objeto se torna diferente do que ao ouvido, e o objeto do olho
é um outro que o do ouvido. A peculiaridade de cada força
essencial é precisamente a sua essência peculiar, portanto também
o modo peculiar da sua objetivação, do seu ser vivo objetivo-efetivo.
Não só no pensar, portanto, mas com todos os sentidos o homem é
afirmado no mundo objetivo.
Por outro lado, subjetivamente apreendido:
assim como a música desperta primeiramente o sentido musical do homem, assim
como para o ouvido não musical a mais bela música não tem nenhum sentido,
é nenhum objeto, porque o meu objeto só pode ser a confirmação de uma das
minhas forças essenciais, portanto só pode ser para mim da maneira como a minha
força essencial é para si como capacidade subjetiva, porque o sentido de um objeto
para mim (só tem sentido para um sentido que lhe corresponda) vai precisamente
tão longe quanto vai o meu sentido, por causa disso é que os sentidos
do homem social são sentidos outros que não os do não social; (é
apenas pela riqueza objetivamente desdobrada da essência humana que a riqueza
da sensibilidade humana subjetiva, que um ouvido musical, um olho para a
beleza da forma, em suma as fruições humanas todas se tornam sentidos capazes,
sentidos que se confirmam como forças essenciais humanas, em parte
recém cultivados, em parte recém engendrados. Pois não só os cinco sentidos,
mas também os assim chamados sentidos espirituais, os sentidos práticos
(vontade, amor etc.), numa palavra o sentido humano, a humanidade dos
sentidos, vem a ser primeiramente pela existência do seu objeto, pela
natureza humanizada.
A formação dos cinco sentidos é um
trabalho de toda a história do mundo até aqui. O sentido constrangido à carência
prática rude também tem apenas um sentido tacanho. Para o homem faminto
não existe a forma humana da comida, mas somente a sua existência abstrata como
alimento; poderia ela justamente existir muito bem na forma mais rudimentar, e
não há como dizer em que esta atividade de se alimentar se distingue da
atividade animal de alimentar-se. O homem carente, cheio de
preocupações, não tem nenhum sentido para o mais belo espetáculo; o
comerciante de minerais vê apenas o valor mercantil, mas não a beleza e a
natureza peculiar do mineral; ele não tem sentido mineralógico algum; portanto,
a objetivação da essência humana, tanto do ponto de vista teórico quanto
prático, é necessária tanto para fazer humanos os sentidos do
homem quanto para criar sentido humano correspondente à riqueza inteira
do ser humano e natural.
Assim como pelo movimento da propriedade
privada e da sua riqueza, assim como da sua miséria – ou da riqueza e
miséria materiais e espirituais – a sociedade que vem a ser encontra todo o
material para esta formação, assim também a sociedade que veio a ser produz
o homem nesta total riqueza da sua essência, o homem plenamente rico e profundo
enquanto sua permanente efetividade.
Vê-se como subjetivismo e objetivismo,
espiritualismo e materialismo, atividade e sofrimento perdem a sua oposição
apenas quando no estado social e, por causa disso, a sua existência enquanto
tais oposições; vê-se como a própria resolução das oposições teóricas só é
possível de um modo prático, só pela energia prática do homem e, por isso,
a sua solução de maneira alguma é apenas uma tarefa do conhecimento, mas uma efetiva
tarefa vital que a filosofia não pôde resolver, precisamente porque
a tomou apenas como tarefa teórica.”
1 A respeito, cf. Hess, Moses. “Philosophie der That”. ln: Einundzwanzig
Bogen aus der Schweiz, editado por Georg Herwegh, Zürich, Winterthur, 1843,
primeira parte, p. 329. “A propriedade material é o
ser para si do espírito tornado ideia fixa. Porque ele
concebe o trabalho, a elaboração ou manifestação ativa de seu si não como seu
ato livre, como sua própria vida espiritual, mas o compreende como um outro
material, está também obrigado a conservar-se para si mesmo, não se perder na
infinitude, chegar ao seu ser para si. Mas a propriedade termina, aquela que
enclausura o espírito que deve ser, a saber, seu ser para si, quando a ação não
está na criação, mas no resultado, o universo enquanto ser para si do espírito
– a ilusão, a apresentação do espírito enquanto seu conceito,
efêmero, compreende seu ser-outro enquanto seu ser para si e, com ambas as
mãos, é conservado. Isto é, precisamente, a mania do ser, ou
seja, o sentido que subsiste enquanto individualidade determinada, enquanto eu
delimitado, enquanto essência finita – que conduz à mania do ter. Isto
é, novamente, a negação de toda determinidade, do eu abstrato e do comunismo
abstrato, o resultado da insignificante ‘coisa em si’, do criticismo e
da revolução, do insatisfeito dever, que levou ao ser e ao
ter. Que se transformou, de verbo auxiliar, em substantivo.
“Cada homem especula sobre como criar no
outro uma nova carência, a fim de forçá-lo a um novo sacrifício, colocá-lo
em nova sujeição e induzi-lo a um novo modo de fruição e, por isso, de ruína
econômica. Cada qual procura criar uma força essencial estranha sobre o
outro, para encontrar aí a satisfação de sua própria carência egoísta. Com a massa
dos objetos cresce, por isso, o império do ser estranho ao qual o homem está
submetido e cada novo produto é uma nova potência da recíproca fraude e
da recíproca pilhagem. O homem se torna cada vez mais pobre enquanto homem,
carece cada vez mais de dinheiro para se apoderar do ser hostil, e o
poder de seu dinheiro cai precisamente na relação inversa da massa de
produção, ou seja, cresce sua penúria à medida que aumenta o poder do
dinheiro. (...)
Subjetivamente mesmo isto aparece, em parte,
porque a expansão dos produtos e das carências o torna escravo inventivo e
continuamente calculista de desejos não humanos, requintados, não
naturais e pretensiosos – a propriedade privada não sabe fazer da
carência rude uma carência humana; seu idealismo é a ilusão,
a arbitrariedade, o capricho e não há eunuco que adule mais infamemente
o seu déspota e procure exasperar por nenhum meio mais infame a sua embotada
aptidão para o prazer, de forma a obter ilicitamente um favor, do que o eunuco
da indústria, o produtor, para captar fraudulentamente para si centavos em
prata, atrair para fora dos bolsos do vizinho cristãmente amado os pássaros de
ouro (cada produto é uma isca com a qual se quer atrair para junto de si a
essência do outro, o seu dinheiro; cada carência efetiva ou possível é uma
fraqueza que apresentará a armadilha à mosca – exploração universal da essência
humana comunitária, tal como cada imperfeição do ser humano é um vínculo com o
céu, um lado pelo qual seu coração é acessível ao padre; cada falta é uma
ocasião para, sob a aparência mais gentil, dirigir-se ao vizinho e lhe dizer:
dileto amigo, dou-te aquilo de que precisas, mas tu conheces a conditio sine
qua non; sabes com qual tinta tens de enganar-te ao escrever para mim;
trapaceio-te na mesma medida em que te proporciono uma fruição1), sujeita-se
às suas ideias mais vis, joga de alcoviteiro entre ele e sua carência, causa
nele apetites patológicos, espreita nele cada fraqueza, para então exigir o
adiantamento em dinheiro desta obra de caridade.
Em parte, este estranhamento se mostra na
medida em que produz, por um lado, o refinamento das carências e dos seus meios;
por outro, a degradação brutal, a completa simplicidade rude abstrata da
carência; ou melhor, apenas produziu-se novamente a si na sua significação
contrária. Mesmo a carência de ar livre deixa de ser, para o trabalhador,
carência; o homem retorna à caverna, que está agora, porém, infectada pelo
mefítico ar pestilento da civilização, e que ele apenas habita muito precariamente,
como um poder estranho que diariamente se lhe subtrai, do qual ele pode ser
diariamente expulso, se não pagar. Tem de pagar esta casa mortuária. A
habitação-luz que Prometeu, em Ésquilo2, denota como uma das
maiores dádivas pelas quais ele fez do selvagem um homem, cessa de existir para
o trabalhador. Luz, ar etc., a mais elementar limpeza animal cessam de
ser, para o homem, uma carência. A imundície, esta corrupção,
apodrecimento do homem, o fluxo de esgoto (isto compreendido à risca) da
civilização torna-se para ele um elemento vital. O completo abandono não
natural, a natureza apodrecida, tornam-se seu elemento vital.
Nenhum de seus sentidos existe mais, não apenas em seu modo humano, mas também
não num modo não humano, por isto mesmo nem sequer num modo animal.”
1 Goethe, Johann Wolfgang. Fausto, primeira
parte.
2 Ésquilo. Prometeu, vinctus V, p. 450-453.
“O economista nacional calcula a vida
(existência) mais escassa possível como norma e, precisamente, como norma
universal: universal porque vigente para a massa dos homens; ele faz do
trabalhador um ser insensível e sem carências, assim como faz de sua atividade
uma pura abstração de toda atividade; cada luxo do trabalhador aparece a
ele, portanto, como reprovável e tudo o que ultrapassa a mais abstrata de todas
as carências – seja como fruição ou externação de atividade – aparece a ele
como luxo. A economia nacional, esta ciência da riqueza é, por isso, ao
mesmo tempo, ciência do renunciar, da indigência, da poupança e ela chega
efetivamente a poupar ao homem a carência de ar puro ou de movimento
físico. Esta ciência da indústria maravilhosa é, simultaneamente, a ciência
da ascese e seu verdadeiro ideal é o avarento ascético, mas usurário,
e o escravo ascético, mas producente. O seu ideal moral é
o trabalhador que leva uma parte de seu salário à caixa econômica, e ela
encontrou mesmo para esta sua ideia predileta uma arte servil. Levou-se
o sentimentalismo para o teatro. Por isso, ela é – apesar de seu aspecto mundano
e voluptuoso – uma ciência efetivamente moral, a mais moral de todas as ciências.
A autorrenúncia, a renúncia à vida, a todas as carências humanas, é a sua tese
principal. Quanto menos comeres, beberes, comprares livros, fores ao teatro, ao
baile, ao restaurante, pensares, amares, teorizares, cantares, pintares, esgrimires
etc., tanto mais tu poupas, tanto maior se tornará o teu tesouro,
que nem as traças nem o roubo corroem4, teu capital. Quanto
menos tu fores, quanto menos externares a tua vida, tanto mais tens,
tanto maior é a tua vida exteriorizada, tanto mais acumulas da tua
essência estranhada. Tudo o que o economista nacional te arranca de vida e de
humanidade, ele te supre em dinheiro e riqueza. E tudo aquilo que
tu não podes, pode o teu dinheiro: ele pode comer, beber, ir ao baile, ao teatro,
sabe de arte, de erudição, de raridades históricas, de poder político, pode
viajar, pode apropriar-se disso tudo para ti; pode comprar tudo isso;
ele é a verdadeira capacidade. Mas ele, que é tudo isso, não deseja
senão criar-se a si próprio, comprar a si próprio, pois tudo o mais é, sim,
seu servo, e se eu tenho o senhor, tenho o servo e não necessito do seu servo.
Todas as paixões e toda atividade têm, portanto, de naufragar na cobiça.
Ao trabalhador só é permitido ter tanto para que queira viver, e só é permitido
querer viver para ter.
Sem dúvida, eleva-se agora no terreno da
economia nacional uma controvérsia. Um dos lados (Lauderdale, Malthus etc.)
recomenda o luxo e amaldiçoa a poupança; o outro (Say, Ricardo etc.)
recomenda a poupança e amaldiçoa o luxo. Mas aquele admite que quer o luxo para
produzir o trabalho, isto é, a poupança absoluta; o outro lado admite que recomenda
a poupança para produzir a riqueza, isto é, o luxo. O primeiro lado tem
a romântica ilusão de que não unicamente a cobiça deveria determinar o
consumo do rico, e contradiz suas próprias leis quando faz o desperdício passar
imediatamente por um meio de enriquecimento. E, por outro lado, é-lhe
demonstrado, assim, muito diligente e circunstanciadamente, que eu, pelo desperdício,
reduzo meus bens, e não aumento; o outro lado comete a hipocrisia de não
reconhecer que precisamente o capricho e a divagação determinam a produção; ele
esquece as “necessidades refinadas”, esquece que, sem consumo, nada seria produzido,
ele esquece que a produção, mediante a concorrência, só tem de se tornar mais
omnilateral, mais luxuosa; ele esquece que o uso lhe determina o valor das
coisas e que a moda determina o uso, ele deseja ver produzido só o “útil”, mas
esquece que a produção de demasiado útil produz população demasiado inútil.
Ambos os lados esquecem que desperdício e poupança, luxo e privação, riqueza e pobreza
são iguais.
E tu tens de poupar não somente teus sentidos
imediatos, como comer etc., tu tens de poupar também na colaboração com
interesses universais, na compaixão, na confiança, se tu queres ser econômico,
se não queres te arruinar com ilusões.
Tu tens de fazer venal, ou seja, útil,
tudo o que é teu.”
4 Trata-se do Novo Testamento, O
evangelho de Mateus 6, 19-20.
“E assim como a indústria especula com o
refinamento das carências, especula da mesma forma com sua crueza, mas
sobre a sua crueza artificialmente gerada, cuja verdadeira fruição é, por isso,
a autonarcose, esta aparente satisfação da carência, esta
civilização no interior da crua barbárie da carência.”
“Dissemos acima que o homem retorna à caverna
etc., mas regressa a ela sob uma figura estranhada, hostil. O selvagem na
sua caverna – esse pitoresco elemento natural oferecendo-se para fruição e
abrigo – não se sente estranho, ou sente-se, antes, como em casa, como o peixe
na água. Mas o porão dos pobres é uma habitação hostil, “que a ele resiste
como potência estranha, que apenas se lhe entrega na medida mesma em que ele
entrega a ela seu suor de sangue”9, que ele não pode considerar como
seu lar – onde ele pudesse finalmente dizer: aqui estou em casa –, onde ele se
encontra, antes, como estando na casa de um outro, numa casa estranha,
que diariamente está à espreita e o expulsa, se não pagar o aluguel. Do mesmo
modo, ele sabe a qualidade de sua habitação em oposição com a habitação humana
residente no outro lado, no céu da riqueza.
O estranhamento aparece tanto no fato de meu
meio de vida ser de um outro, no fato de aquilo que é meu desejo
ser a posse inacessível de um outro, quanto no fato de que cada coisa
mesma é um outro enquanto si mesma, quanto também no fato de que minha
atividade é um outro, quanto finalmente – e isto vale também para os capitalistas
– no fato de que, em geral, o poder não humano domina.”
9 Não foi possível
encontrar na Marx-Engels Gesamtausgabe (MEGA) qualquer menção dos
editores a esta citação. (N.T.)
“A procura existe certamente também para
aquele que não tem dinheiro algum, mas a sua procura (demande) é um puro
ser da representação, que não tem nenhum efeito, nenhuma existência sobre mim,
sobre o terceiro, sobre o outro, que, portanto, permanece para mim mesmo não
efetivo, sem objeto. A diferença da demande efetiva, baseada no dinheiro, e
da carente de efeito, baseada na minha carência, minha paixão, meu desejo etc.,
é a diferença entre ser e pensar, entre a pura representação existindo
em mim e a representação tal como ela é para mim enquanto objeto efetivo
fora de mim.
Eu, se não tenho dinheiro para viajar, não
tenho necessidade alguma, isto é, nenhuma necessidade efetiva e
efetivando-se de viajar. Eu, se tenho vocação para estudar, mas não
tenho dinheiro algum para isso, não tenho nenhuma vocação para estudar,
isto é, nenhuma vocação efetiva, verdadeira. Se eu, ao contrário, não
tenho realmente nenhuma vocação para estudar, mas tenho a vontade e o
dinheiro, tenho para isso uma vocação efetiva. O dinheiro – enquanto exterior,
não oriundo do homem enquanto homem, nem da sociedade humana enquanto sociedade
–, meio e capacidade universais, faz da representação efetividade
e da efetividade uma pura representação, transforma igualmente as forças
essenciais humanas efetivas e naturais em puras representações abstratas
e, por isso, em imperfeições, angustiantes fantasias, assim como, por
outro lado, transforma as efetivas imperfeições e fantasias, as suas
forças essenciais realmente impotentes que só existem na imaginação do
indivíduo, em forças essenciais efetivas e efetiva capacidade. Já
segundo esta determinação o dinheiro é, portanto, a inversão universal das
individualidades, que ele converte no seu contrário e que acrescenta aos seus
atributos atributos contraditórios.
Enquanto tal poder inversor, o
dinheiro se apresenta também contra o indivíduo e contra os vínculos sociais
etc., que pretendem ser, para si, essência. Ele transforma a fidelidade
em infidelidade, o amor em ódio, o ódio em amor, a virtude em vício, o vício em
virtude, o servo em senhor, o senhor em servo, a estupidez em entendimento, o
entendimento em estupidez.
Como o dinheiro, enquanto conceito existente
e atuante do valor, confunde e troca todas as coisas, ele é então a confusão
e a troca universal de todas as coisas, portanto, o mundo invertido,
a confusão e a troca de todas as qualidades naturais e humanas.
Quem pode comprar a valentia é valente, ainda
que seja covarde. Como o dinheiro não se permuta por uma qualidade determinada,
por uma coisa determinada, por forças essenciais humanas, mas sim pela totalidade
do mundo objetivo humano e natural, ele permuta, portanto – considerado do ponto
de vista do seu possuidor –, cada qualidade por outra – inclusive atributo e
objeto contraditórios para ele; ele é a confraternização das impossibilidades, obriga
os contraditórios a se beijarem.”
Nenhum comentário:
Postar um comentário