Editora: Boitempo
ISBN: 978-85-7559-358-5
Opinião: ★★★☆☆
Páginas: 592
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Sinopse: Ver Parte
I
“A
luta em relação a quem deve suportar o ônus da carga da desvalorização, da
depreciação e da destruição do capital provavelmente será amarga e intensa. O
rompimento dos vínculos fraternais dentro da classe capitalista tem suas
reverberações com respeito às parcelas distributivas quando os proprietários de
terra, os financistas, os capitalistas industriais e mercantis, e os interesses
do Estado competem para preservar suas respectivas parcelas de mais-valor. Mas
o que acontece aqui não é simplesmente um reflexo do poder faccional. A
existência do capital excedente na forma de dinheiro – que, lembre-se, é “a
forma mais adequada de capital” – significa que, invariavelmente, “o interesse
do capital monetário é se enriquecer à custa do capital industrial durante a
crise”[30]. A própria estrutura e a maneira com que as crises
ocorrem ditam alguns efeitos distributivos distintos.
E o
mesmo acontece na relação entre o capital e o trabalho. Tirando os
trabalhadores do trabalho, os capitalistas na verdade descartam o capital
variável e, desse modo, transformam o problema endêmico da crise para o
exército industrial de reserva em uma condição de desajuste crônico e colapso
social. Os trabalhadores suficientemente afortunados para preservar seus
empregos quase certamente sofrerão uma diminuição nos salários que recebem, o
que significa pelo menos uma depreciação temporária no valor da força de
trabalho que pode, nas circunstâncias certas, ser traduzida em uma redução
permanente nesse valor. A competição entre os trabalhos será exacerbada, assim
como o antagonismo geral entre o trabalho e o capital.
Entretanto,
as perdas são distribuídas e, qualquer que seja a luta de poder que as
acompanhe, a exigência geral para retornar o sistema a algum tipo de ponto de
equilíbrio é a destruição do valor de certa porção do capital em circulação de
modo a equilibrar o capital circulante total com a capacidade potencial para produzir
e realizar mais-valor nas relações de produção capitalistas. Uma vez realizada
a necessária desvalorização, a superacumulação é eliminada e a acumulação pode
renovar o seu curso, com frequência em uma nova base social e tecnológica. E
assim o ciclo vai percorrer mais uma vez o seu destino[31].
[30] Karl Marx, Theories of Surplus Value, cit., parte 2, p. 496.
[31]
Idem, Capital, Livro III, cit., p. 255.
“Uma
mercadoria, podemos recordar, é uma coisa material que incorpora tanto um valor
de uso quanto um valor de troca. Essa dualidade é a fonte da qual fluem todas
as contradições dentro da forma do dinheiro. Considere como essa dualidade de
valor de uso e de valor de troca é expressa na troca. A forma relativa
do valor surge porque o valor de troca de uma mercadoria não pode ser medido em
seus próprios termos, devendo sempre ser expresso em outros termos (a ideia de
que 20 metros de linho = 20 metros de linho não nos diz nada, mas 20 metros de
linho = 1 casaco nos diz muito). A troca de duas mercadorias também pressupõe
uma relação de equivalência entre elas e indica a existência de uma forma
equivalente de valor que Marx atribui ao tempo de trabalho socialmente
necessário ou ao próprio valor. Essa forma equivalente de valor tem de
encontrar um material representativo “concebível” para a troca dos valores de
uso se tornar geral. A proliferação da troca garante que uma mercadoria se
torne o equivalente universal, a encarnação socialmente reconhecida do
trabalho humano no abstrato. Essa mercadoria é chamada de mercadoria-dinheiro.
Os valores relativos de todas as outras mercadorias podem então ser
representados pelos preços, as taxas de acordo com as quais eles trocam
essa mercadoria-dinheiro. Mas podemos imediatamente localizar uma contradição –
o trabalho, no sentido abstrato, está sendo representado por uma mercadoria
produzida em condições específicas de trabalho humano concreto. Essa
contradição sempre estará conosco no que se segue, embora, como veremos, ela
usualmente assuma formas mais mistificadas.
A
mercadoria-dinheiro, como qualquer outra mercadoria, tem um valor, um valor de
uso e um valor de troca. Seu valor é fixado pelo tempo de trabalho socialmente
necessário nela incorporado (embora mediante o trabalho concreto). Como o
equivalente universal, o dinheiro funciona como uma medida de valores e
proporciona um padrão de preço contra o qual o valor de todas as outras
mercadorias pode ser avaliado. Mas a realização desses preços depende de um
processo de troca e, por isso, envolve valores de troca. A intervenção da troca
converte uma relação necessária entre as proporções de valor em “relação de
troca entre uma mercadoria e a mercadoria-dinheiro existente fora dela”. Como
resultado, os preços do mercado se desviam dos valores. “Isso não é nenhum
defeito dessa forma”, insiste Marx, porque o “desregramento” da produção e da
troca de mercadorias, as eternas oscilações entre a demanda e a oferta,
possivelmente não podem ser equilibradas exceto permitindo que os preços
flutuem em torno dos valores[4].
O
valor de uso da mercadoria-dinheiro é o fato de ele facilitar a circulação das
mercadorias. Por isso, funciona como um meio de circulação. O valor da
mercadoria-dinheiro é, nesse caso, fixado como um reflexo das trocas que ela
ajuda a produzir – “basta ler de trás para frente as cotações numa lista de
preços para encontrar a grandeza de valor do dinheiro, expressa em todas as
mercadorias possíveis”[5]. Desse ponto de vista,
o dinheiro assume a forma relativa de valor. O antagonismo entre as formas
relativa e equivalente de valor é preservado dentro da própria forma do
dinheiro porque a mercadoria-dinheiro agora incorpora duas medidas de valor: o
tempo de trabalho socialmente necessário que ela incorpora, e o tempo de
trabalho socialmente necessário pelo qual ela pode, em média, ser trocada. É
claro que em um mundo perfeito as duas representações de valor devem coincidir.
Mas o “desregramento” da produção e da troca de mercadorias sempre
impossibilita o alcance dessa perfeição.”
[4] Karl Marx, O
capital, Livro I, cit., p. 176-7.
[5] Ibidem, p. 170.
“O dinheiro creditício é, em outros aspectos, um tanto peculiar. Não
importa a que distância uma letra de câmbio privadamente negociada possa
circular, ela deve sempre voltar ao seu local de origem para ser resgatada. As
outras formas de dinheiro não circulam dessa maneira. Uma barra de ouro pode
passar de mão e mão e sempre permanece em circulação, sem jamais retornar ao
seu ponto de origem. Essas formas de dinheiro são sociais desde os seus
primórdios, apesar de utilizadas para o uso privado. O dinheiro creditício, em
contraste, é o dinheiro privadamente criado que pode servir a um propósito
social quando colocado em circulação. Quando a dívida original é saldada, no
entanto, o dinheiro creditício desaparece da circulação. O dinheiro creditício
está sendo perpetuamente criado e destruído através das atividades de
indivíduos privados. Essa é uma concepção de vital importância. Por um lado, ela
depende da capacidade dos indivíduos privados e de instituições (como bancos)
para ajustar instantaneamente a quantidade de dinheiro ao volume das transações
de mercadorias – o dinheiro creditício (diferentemente do ouro) pode ser
expandido e contraído à vontade. Por outro lado, aqueles que emitem o crédito
devem estar sujeitos a alguma disciplina, e a qualidade do dinheiro
creditício deve ser garantida para que este último circule com segurança.
No
primeiro momento, o dinheiro creditício está vinculado a um conjunto particular
de transações de mercadorias empregadas por indivíduos particulares. Se as
transações de mercadoria não forem completadas ao preço acordado, ou se os
indivíduos falharem, a “destruição” do dinheiro creditício assume uma feição
mais sinistra. O dinheiro creditício é diretamente “desvalorizado” ou
“depreciado” porque a dívida não pode ser paga. O dinheiro creditício não pode
ser convertido em outras formas de dinheiro (exceto, talvez, com um grande
desconto por alguém disposto a correr o risco de comprar o que pode ser uma
letra de câmbio sem valor). A destruição “normal” do dinheiro creditício é aqui
expressa como uma anormalidade, característica das crises comerciais e
monetárias. Entretanto, a “desvalorização” do dinheiro creditício é uma questão
privada que pode ter consequências sociais. A “desvalorização” dos
papéis-moedas emitidos pelo Estado (mediante mudanças na convertibilidade ou
simplesmente acompanhando as impressões de prorrogação) é uma questão
fundamentalmente social (com consequências privadas e redistributivas
distintas).”
“Em
virtude do seu controle sobre os meios de produção, os capitalistas também
podem apropriar o poder social inerente ao dinheiro e colocá-lo para trabalhar
como capital monetário, e assim produzir mais-valor mediante a produção.
A lógica da circulação geral do capital os obriga a criar novos instrumentos
financeiros e um sistema de crédito sofisticado que impulsiona o dinheiro e o
capital que rende juros para um papel proeminente em relação à acumulação. Mas
o poder coercivo da competição obriga os capitalistas, como agentes econômicos
individuais, a abusar desse sistema e desse modo corroer o poder social do
próprio dinheiro: a moeda pode ser desvalorizada, ocorre inflação crônica,
crises monetárias são criadas etc. Constata-se que o seu uso do dinheiro como
um meio de circulação através da ação do sistema de crédito solapa a utilidade
do dinheiro como uma medida e uma reserva de valor. Então devem ser tomadas
medidas para preservar a qualidade do dinheiro. Tornam-se necessários controles
monetários rígidos e severos. Esses controles surgem no decorrer de uma crise
quando os capitalistas se apressam em segurar a mercadoria-dinheiro (o ouro,
por exemplo) como a única representação legítima do valor, ou então são
impostos como parte de uma política consciente por parte de uma autoridade
monetária poderosa que opera como um braço do Estado. Nas últimas circunstâncias,
a política da estratégia monetária, como é seguida pelo Estado, torna-se
crucial para o entendimento da dinâmica da acumulação do capital[29].
Entretanto, sejam quais forem as circunstâncias, a tendência para o excesso no
reino das finanças é fundamentalmente assinalada por um retorno às eternas
verdades da base monetária.”
[29] Ver Suzanne De
Brunhoff, Marx on Money, cit., para uma discussão das relações entre o
Estado, as finanças e a acumulação.
“Marx
se concentrou no papel dos bancos em vez de em outros tipos de intermediários
financeiros precisamente porque eles combinavam tanto funções monetárias quanto
funções financeiras. Como conclui corretamente De Brunhoff, “o sistema bancário
é o setor estratégico do sistema de crédito” porque os bancos são “as únicas
instituições que combinam tanto o manejo dos meios de pagamento quanto o
capital monetário”[82]. Esses dois papéis gerenciais complementam
primorosamente um ao outro, ao passo que o progresso da acumulação requer a
criação de valores fictícios na forma de dinheiro antes de qualquer produção
real. Mas já observamos (ver p. 330-3) que a capacidade dos bancos de criar
dinheiros de crédito sem restrição cria uma eterna ameaça à qualidade do
dinheiro como uma medida de valor. Essa ameaça é duplicada e triplicada quando
a criação dos valores fictícios se torna uma necessidade, em vez de apenas uma
tentação constante.
A
potencialidade para a superespeculação em tais circunstâncias é enorme. Os
valores fictícios (dinheiros de crédito) são lançados em circulação como
capital e convertidos em formas fictícias de capital. Como resultado, “a maior
parte do capital do banqueiro é puramente fictícia e consiste de obrigações (letras
de câmbio), títulos do governo (que representam o capital gasto) e ações
(saques sobre receita futura)”[83]. Marx passa páginas citando com
júbilo exemplos de como a “altura da distorção” ocorre dentro do setor bancário
do sistema de crédito. A gravidade da ameaça à qualidade do dinheiro é óbvia.
A
resposta, como vimos na seção 1, é criar uma hierarquia de instituições com o
propósito expresso de proteger a qualidade do dinheiro. Dentro de qualquer
país, um banco central tipicamente se coloca no ápice dessa hierarquia (nós no
momento deixamos de lado os aspectos internacionais do problema). Se o banco
central for bem-sucedido em sua tarefa, ele deve impedir que os valores
fictícios saiam muito do limite dos valores reais da mercadoria. Ele não pode
impor uma identidade rígida – mesmo supondo que tivesse o poder para fazê-lo –
porque isso negaria a produção de capital monetário livre para impor novas
formas de acumulação. Também não pode deixar que a criação de dinheiros de crédito
corra solta. Aí está o que até mesmo os economistas burgueses admitem que seja
a “arte”, mais que a “ciência”, do banco central[84].
Entretanto,
o resultado é que “o banco central é o eixo do sistema de crédito” e “a reserva
de metal, por sua vez, é o eixo do banco”[85]. Despojado do seu vínculo direto
com uma mercadoria-dinheiro indicada pela expressão “reserva de metal”, isso
significa que o banco central necessariamente regula o fluxo de crédito
procurando preservar a qualidade do dinheiro. Então, existe uma tensão entre a
necessidade de manter a acumulação por meio da criação de crédito e a
necessidade de preservar a qualidade do dinheiro. Se a primeira for inibida,
terminamos com uma superacumulação de mercadorias e uma desvalorização
específica. Se for permitido que a qualidade do dinheiro se destrua,
generalizamos a desvalorização mediante uma inflação crônica. Assim são
apresentados impecavelmente os dilemas dos tempos modernos.
Os
sistemas monetário e financeiro estão unidos dentro do sistema bancário e,
dentro do Estado-nação, o banco central se torna o supremo poder regulatório.
Na verdade, o que ocorre é o seguinte: o sistema de crédito proporciona um meio
para disciplinar os capitalistas individuais e até facções inteiras do capital
para as exigências de classe. Mas alguém tem de regular os reguladores. O banco
central se esforça para desempenhar essa função. Entretanto, na medida em que esses
poderes reguladores estão nas mãos de uma facção específica do capital, eles
são quase obrigados a ser pervertidos e destruídos. Isso nos leva diretamente a
toda a questão do envolvimento do Estado nas questões monetárias e financeiras.
[82] Suzanne De Brunhoff, The State,
Capital and Economic Policy, cit., p. 78.
[83] Karl Marx, Capital, Livro III,
cit., p. 469.
[84] Ver Jürg Niehans, The Theory of
Money, cit., cap. 12.
[85] Karl Marx, Capital, Livro III, cit., p. 572.
“A luta de classes muda de maneira dramática com a inflação. Os cortes
salariais são difíceis de serem impostos diretamente e, caracteristicamente,
provocam uma reação direta e concreta por parte da classe trabalhadora. Com a
inflação generalizada, os empregadores podem conceder aumentos aos salários
monetários nominais e, desse modo, reduzir a intensidade da oposição direta do
trabalhador. O que acontece com os salários reais depende inteiramente da taxa
de inflação, que os capitalistas individuais podem declarar não ser de sua
responsabilidade pessoal. A desvalorização da força de trabalho é então
atingida por meio da inflação. Se essa estratégia for bem-sucedida, ela vai permitir
que os problemas da superacumulação sejam enfrentados mediante uma taxa de exploração
crescente atingida através de uma diminuição dos salários reais. Os mecanismos
do ajuste salarial que Marx descreve na “lei geral da acumulação capitalista”
(ver capítulo 6) são fundamentalmente alterados. Pode até ser possível
administrar os ajustes salariais por meio da inflação, sem a ajuda de um
exército industrial de reserva maciço. A importância da chamada “Curva de
Phillips” – que descrevia uma permuta entre a inflação e o desemprego – era o
fato de ela parecer oferecer aos formuladores de políticas um alvo imediato
para a política fiscal e monetária[58].
A
luta com relação ao salário nominal é, como resultado, gradualmente convertida
em uma luta com relação ao salário real. Os trabalhadores então se veem lutando
em duas frentes. Eles buscam cláusulas rígidas do custo de vida nos contratos
salariais para impedir que os custos da desvalorização lhes sejam impostos via
inflação. Daí deriva uma teoria da inflação impulsionada pelo salário, que
responsabiliza os sindicatos insaciáveis pela elevação dos preços. Essa teoria
é correta, no contexto teórico que estamos aqui considerando, apenas no sentido
de que os trabalhadores impedem que a superacumulação seja curada mediante uma
desvalorização maciça da força de trabalho devida à inflação. Mas os trabalhadores
também têm de enfrentar as políticas fiscais e monetárias que permitem, em
primeiro lugar, que a desvalorização seja transformada em inflação. A atenção da
luta de classes pode se deslocar da confrontação direta entre o capital e o
trabalho para a confrontação entre os trabalhadores e o Estado. Este último
torna-se um escudo de proteção para os interesses da classe capitalista. Pode
até parecer, com uma ajuda não tão sutil da propaganda burguesa, que a inflação
tem suas origens no governo ineficiente e ineficaz, em políticas fiscais e
monetárias equivocadas. Essa atribuição é correta com respeito à causa
imediata. O que ela ignora é a estrutura fundamental das relações de classe que
geram, antes de qualquer coisa, crises de superacumulação e desvalorização.
A
conversão da desvalorização em inflação parece ter efeitos tanto positivos
quanto negativos do ponto de vista do capital. Por um lado, ela pode facilitar
a pressão de formas diretas de conflito com relação aos salários e até reduzir
o tamanho do exército industrial de reserva necessário para equilibrar a taxa
salarial. Também socializa os custos da desvalorização para todas as classes
por trás do escudo da política fiscal e monetária realizada pelo Estado. Por
outro lado, ela estimula a formação de alianças de classe direcionadas para
assumir o poder estatal. A inflação neutraliza o conflito ampliando-o e
reconcentrando-o no Estado.
Mas a
inflação não pode curar a tendência de superacumulação. Ela até exacerba o
problema, atenuando e adiando os impactos. As políticas estatais permitem que
uma enorme pressão inflacionária seja exercida, a ponto de se tornar
potencialmente explosiva. O peso morto do capital fictício improdutivo é cada
vez mais sentido, a posição cambial do banco central progressivamente se
enfraquece (provocando a desvalorização da moeda nacional em relação ao
dinheiro mundial) e as estruturas de preço tornam-se tão instáveis que perdem
sua coerência como um poder coordenador. A racionalização da produção, que é a
única solução para a superacumulação, não pode ser adequadamente acionada. Em
resumo, o problema da superacumulação não pode ser eliminado pela socialização
da desvalorização por meio da inflação.
Nessa
visão, é interessante examinar a série de curas propostas para a inflação, as
quais apelam para algum tipo de mudança básica no envolvimento do Estado.
Em
primeiro lugar, o Estado pode reconstituir uma base monetária rígida para a
economia. Embora essa necessidade não esteja ligada a uma mercadoria monetária,
ela implica políticas monetárias muito restritivas (que forçam a elevação das
taxas de juros), intervendo na estimulação da demanda efetiva por parte do
governo e permitindo que as forças brutas do mercado que desvalorizam as
mercadorias e a força de trabalho tomem conta da situação. Uma depressão
convencional, administrada pelo Estado, realiza o seu trabalho de
reestruturação do aparato produtivo, de eliminação dos capitais fictícios
excessivos, de disciplina da mão de obra e assim por diante.
Em
segundo lugar, o Estado pode ou impor controles salariais e dos preços ou
buscar amainar a inflação mediante algum tipo de política de rendas, um
“contrato social” com o trabalhador (que em geral significa algum tipo de
desvalorização negociada da força de trabalho) e uma estratégia de investimento
para a indústria. As intervenções desse tipo, para terem chances de funcionar,
devem ser acompanhadas de restrição monetária e fiscal. Os monetaristas
argumentam que políticas como esta apenas distorcem os sinais de preço e,
assim, destroem qualquer base apropriada para a retomada da acumulação. A
teoria marxiana concorda com esse julgamento, exceto na improvável
circunstância de que a estrutura de preço seja imperativa e que as estratégias
de investimento criadas estabilizem a composição de valor do capital. Isso
envolveria uma desvalorização paulatina e organizada do capital e da força de
trabalho através da ação das políticas estatais.
Em
terceiro lugar, o Estado, unido ao capital, pode procurar acelerar o
desenvolvimento das forças produtivas e, desse modo, esperar baixar os preços
para compensar a onda inflacionária. Às vezes argumenta-se que o fracasso em
aumentar a produtividade está na raiz da inflação. A teoria que adotamos aqui
indica que, antes de tudo, é o desenvolvimento descontrolado e desequilibrado
das forças produtivas no contexto das relações de classe do capitalismo que
provoca a superacumulação. Na medida em que a inflação é uma transformação da
desvalorização, ela não pode ser sanada por um programa indiscriminado de aumento
da produtividade. O Estado pode tentar mudar a combinação tecnológica (fusões
compulsórias, incentivos de impostos especiais para alguns setores, patrocínios
à pesquisa e ao desenvolvimento). Mas, para sanar o problema da
superacumulação, ele não pode escapar de investigar os custos da desvalorização
para alguns segmentos do capital e do trabalho. E soluções desse tipo, na
medida em que envolvem a administração direta ou indireta do aparato produtivo
por parte do Estado, embora não sejam socialistas, também dificilmente
pressagiam um bom futuro para o capitalismo.
Ainda
que seja verdade que a desvalorização das mercadorias (incluindo a força do
trabalho) possa ser evitada pela inflação no curto prazo, é igualmente verdade
que seus problemas não podem ser sanados sem a desvalorização das mercadorias.
A teoria marxiana nos diz que, em resposta à superacumulação, o capital pode
desvalorizar o dinheiro ou as mercadorias (ou alguma combinação de ambos). Mas
só a desvalorização das mercadorias, incluindo a força de trabalho, pode forçar
a reestruturação que vai permitir a retomada da acumulação equilibrada.
Talvez
não haja melhor testemunho para a irracionalidade básica e fundamental do
capitalismo do que aquele de que as escolhas econômicas existentes dentro dos confins
de suas relações de classe dominantes são de uma variedade muito restrita e
deplorável. A maior e mais ampla escolha é entre preservar essas relações de
classes ou eliminá-las, com as contradições às quais elas dão origem.”
[58] A “Curva de
Phillips” se refere à observação empírica de que, durante pelo menos alguns
anos, existiu um relacionamento inverso entre os aumentos da taxa salarial e o
nível de desemprego. Este foi então explorado na proposição teórica geral de
que há um acordo entre o nível de desemprego e a inflação. As circunstâncias da
década de 1970, quando o desemprego e a inflação aumentaram juntos,
questionaram todo o argumento, ver Ben Fine, “World Economic Crisis and
Inflation”, cit.
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