Editora: InterSaberes
ISBN: 978-85-443-0283-5
Opinião: ★★★★☆
Páginas: 332
Sinopse: Com o
intuito de proporcionar ao leitor uma ampla compreensão acerca da filosofia
política, esta obra apresenta as contribuições de vários autores do pensamento
político. Ao longo de seis capítulos, o autor localiza historicamente a
filosofia, tratando do ensino da virtude e da função do Estado, e faz
considerações sobre o nascimento do cristianismo e sobre a teoria política,
entre outros assuntos.
“Diógenes Laércio, na obra Vidas e doutrinas dos filósofos ilustres,
conta as seguintes narrativas: perguntaram a Aristóteles “se havia muita
diferença entre uma pessoa educada e outra sem educação; a resposta foi: ‘tanto
quanto os vivos diferem dos mortos’. Ele costumava afirmar que a educação é um
ornamento na prosperidade e um refúgio na adversidade”. Também perguntaram a
Aristóteles que vantagem ele tirava da filosofia; a resposta foi “a de fazer
sem que me ordenem o que alguns fazem por medo das leis”.”
“Para Aristóteles (A política, 2002), a definição de homem corresponde à de animal
político. Essa definição foi, até o período medieval, a tônica da política, ou
seja, quase sempre os teóricos da política partiram desse itinerário para
pensar a política e sua relação no cotidiano dos indivíduos. Mas o que
significa dizer animal político? Essa
é uma boa questão para que você possa compreender o debate circunscrito em
torno da filosofia política: existe uma natureza humana política? Segundo
Aristóteles, homem nenhum pode viver isolado, pois é de sua natureza
relacionar-se com o outro, viver com o outro; do contrário, esse sujeito é
qualquer outra coisa, exceto homem.”
“Patrística:
pais da fé (séc. I ao séc. VII)
É sabido que a patrística, no seu primeiro
momento, fez uso da filosofia como instrumento de clarificação da fé. Mas veja
que esse não é o objetivo dessa escola, pois a fé não carece de filosofia — pelo
contrário, ela deve bastar a si mesma. Reale e Antiseri (História da filosofia, 1990a, p. 427) fazem uma referência direta a
Tertuliano, que, segundo esses historiadores, havia feito uma fratura entre
filosofia e teologia. Mais precisamente, na obra Testemunho da alma, o pensador cartaginês faz a seguinte
observação: “para se chegar a Deus, basta uma alma simples. Mas não me refiro
aquela alma que se formou na Academia e no Pórtico da Grécia e agora dá os seus
arrotos culturais”.
Observe que, de acordo com essa assertiva,
existe um movimento dentro da patrística que não aceita o uso da filosofia como
justificação da fé, pois, segundo essa corrente filosófica, Deus se fez homem
e, de forma simples, habitou entre os pobres, anunciou a boa nova para os
cativos e se revelou entre os mais humildes. Nesse sentido, não é preciso
filosofia para se chegar a Deus, pelo contrário, nas palavras de Tertuliano,
segundo os historiadores Reale e Antiseri, é preciso “uma alma simples que não
tem outra coisa, se não, Deus”.
Entretanto, em razão da conversão de
filósofos, bem como de não filósofos, a Igreja, por meio dos primeiros padres,
precisava acomodar os espíritos inquietos, isto é, fornecer respostas que
pudessem, em algum momento, satisfazer a inquietação que resulta de um
procedimento filosófico. Por isso, segundo Gilson (A filosofia na Idade Média, 2007), com João Evangelista e Paulo
apóstolo, a filosofia se esmerou no corpo teológico e funcionou como
instrumento de justificação da fé.
No entanto, antes de adentrarmos nessa
discussão, vale discutirmos o caráter político do cristianismo em nascença. Com
a morte de Cristo, formaram-se comunidades cristãs que, entre outras ações,
realizavam batismos, ordenavam sacerdotes e pregavam a palavra de Cristo.
Repare que, no Novo Testamento, no Livro de Atos dos Apóstolos (2:46), é
pronunciado que todos os dias os homens se reuniam, partiam o pão e celebravam
ao Senhor. Essa ação, ou seja, a formação da primeira comunidade, é justamente
a ação política, pois podemos dizer que assim começou a construção do
cristianismo e, mais ainda, que nas primeiras comunidades havia a comunhão, a
aceitação de não cristãos (de diferentes), a partilha dos bens e a distribuição
das atividades. Desse modo, o cristianismo teve, no seu começo, uma compreensão
política da vida pública, e mais ainda, de uma vida pública que se pautava na
distribuição dos bens, na formação da igualdade entre os homens e na divisão
social do trabalho.”
“O povo é o conjunto de seres racionais
associados pela concorde comunidade de objetos amados.” (Santo Agostinho)
“A história não pode se configurar como uma
sucessão ordenada de fatos. Tendo isso em mente e considerando as palavras de
Max Weber, a história é fruto da observação e da ordenação com base nas lentes
do observador. Em outras palavras, é uma sucessão descontínua de fatos, cabendo
ao pesquisador lhes dar sentido.”
“Voltando à questão da leitura e do
apontamento de Marx ao texto de Hegel, C. Frederico (na obra O jovem Marx: 1843-1844) escreve: “os
manuscritos de Kreuznach formam um momento único na história da filosofia,
momento em que um pensador ainda imaturo enfrentou, num combate decisivo, a
obra de um filósofo consagrado, no seu momento de mais extremado
conservadorismo”. É importante destacarmos a ousadia de Marx, apresentado na
citação, que se coloca numa posição de crítico da filosofia hegeliana e o faz
de forma singular, isto é, estabelece um diálogo com o texto hegeliano e
apresenta o que ele, Karl Marx, aponta como fragilidade teórica no que
corresponde à compreensão de uma filosofia do direito.
Com base na leitura do texto hegeliano, Marx
passa a denominar o Estado de instrumento
da burguesia, isto é, o instrumento que assegura os privilégios de uma
classe social, a burguesia, ou seja, o Estado, como afirma Bobbio em O filósofo e a política, deixa de ser o
reino da razão, como queria Hegel, e torna-se, na perspectiva de Marx, o reino
da força.
Perceba que, nesse momento, Marx afirma que o
Estado, mediante seu aparato jurídico, protege a propriedade privada e assegura
direitos para a classe burguesa por meio da força. Por isso, contrariamente ao
que pensou Hegel, o Estado é o organizador da barbárie, do privatismo e dos
interesses particulares da sociedade civil. Sendo assim, Marx chega à conclusão
de que não é o Estado que organiza a sociedade civil, mas é esta que organiza o
Estado, com base em seus próprios interesses.
Entenda que é justamente nesse momento que
Marx passa a compreender e reconhecer o Estado como o instrumento jurídico da
burguesia e, mais precisamente, a organização da sociedade civil em razão da
defesa e do asseguramento dos seus privilégios burgueses.”
“Na obra Filosofia
da práxis, Adolfo Sánchez Vázquez (2011, p. 117) dedica um capítulo à
compreensão do que é denominado práxis na filosofia marxiana e chega à seguinte
conclusão: “a filosofia, por si mesma como crítica do real, não muda a
realidade. Para mudá-la, a filosofia tem de realizar-se”. Assim, esse autor nos
chama atenção para os seguintes aspectos: primeiro, não basta que a filosofia
seja crítica, pois isso os jovens hegelianos também tinham como prática;
segundo, a filosofia carece realizar-se, isto é, efetivar um projeto de
transformação, levar teoria e prática a se imbricarem num projeto de
compreensão e também de transformação.”
“Em Direita
e Esquerda: razões e significados de uma distinção política (1994),
Norberto Bobbio faz um amplo debate bibliográfico no sentido de não só
distinguir a dicotomia, mas com o intuito de deixar claro, politicamente, como
se constituiu e ainda se constitui a diferença entre direita e esquerda no que
concerne aos seus conceitos. Dentre as inúmeras diferenças apresentadas por
esse autor, podemos destacar: “o homem de direita é aquele que se preocupa,
acima de tudo, em salvaguardar a tradição, o homem de esquerda, ao contrário, é
aquele que pretende, acima de qualquer outra coisa, libertar seus semelhantes
das cadeias a eles impostas pelos privilégios de raça, casta, classe etc.” (p.
97).”
“Para Ortega y Gasset (A rebelião das massas, 1987), a
razão, tomada em sentido instrumental, não emancipa o homem. Afinal, somente
uma combinação entre vida e razão, isto é, raciovitalismo*, pode promover a
emancipação do homem no viés de retirá-lo da condição de massa e torná-lo
homem-especial. O raciovitalismo pode ser pensado, no entendimento orteguiano,
na vida como aventura, singularidade; e a razão, como escolha, discernimento e
auxílio para que o homem viva autenticamente. Essa razão vital é o elemento de
uma nova filosofia política, capaz de superar, conforme dito por Marías (História da filosofia, 2004), a
dicotomia entre realismo e idealismo. Por essa perspectiva, mesmo partindo de
um expediente kantiano, o filósofo espanhol potencializa a vida como razão,
instrumento para o drama da vida – vida como realidade radical.
Tal diferenciação, com relação ao pensamento
kantiano, exige da razão um projeto vital. O homem é um ser condicionado à
liberdade e, por meio de suas escolhas, assume resultados e consequências.
Diante disso, a razão como fundamento de um projeto vital é a definição da vida
como um ato biográfico, ou seja, segundo Marías (2004, p. 509):
como a vida não está feita, mas tem de ser feita, o homem tem de determinar
previamente o que vai ser. A vida — diz Ortega — é faina poética, porque o
homem tem de inventar o que vai ser. Eu sou um programa vital, um projeto ou
esquema que pretendo realizar e que tive de imaginar em vista das
circunstâncias.
Considerando o ponto de vista da citação, há
uma relação de aproximação com o filósofo Kant; ocorre essa dimensão da vida
como construção, isto é, o homem vai se fazendo na vida, construindo-se com
base nas possibilidades e nas próprias escolhas. Esse projeto vital é um
projeto moral, ou seja, uma lida cotidiana na acepção de fazer do mundo um
lugar melhor; mas esse lugar começa com o homem — homem no mundo construindo e
reconstruindo prévia e posteriormente o que deseja mediante o que pode ser.
Esse ato de construção é a vida biográfica que precede a vida biológica. E vida
biográfica é vida que se faz vivendo, sofrendo, aprendendo e reaprendendo.”
* A vida como razão última. Viver significa
desafiar os problemas cotidianos e construir possibilidades de melhoramento da
vida humana. Não se trata de um receituário para viver bem, mas de uma
compreensão dinâmica em que a vida é a representação do trágico e do cómico, ou
seja, a vida é um drama, e viver é correr riscos a cada instante. José Maurício
de Carvalho (2002, p. 50-51) adverte que: “Três são as formas pelas quais se
manifestam o vitalismo no universo filosófico: subordinando a teoria do
conhecimento a leis que regem o mundo orgânico, como ocorre no empirismo
crítico de Richard Avenarius (1843-1896); diminuindo o papel da razão na
interpretação da realidade em favor de uma intuição fundamental, conforme
proclamou Henri Bérgson (1859-1941); e situando a vida no centro da
investigação. Apenas nesse terceiro sentido, pode-se dizer que a metafísica
orteguiana possuiu uma dimensão vitalista”. Entretanto, para Ortega y Gasset
(1987), o vitalismo é expressão última da vida como razão fundamental para o
desenvolvimento da pessoa.
“É certo que a discussão de circunstância é
problemática e deixa margem para diversas interpretações. Assim, eis uma
assertiva de Ortega y Gasset (1987, p. 93): “em princípio somos aquilo que
nosso mundo nos convida a ser, e as partes fundamentais de nossa alma são
imprimidas nela de acordo com o perfil de seu contorno, como se fosse um molde.
Naturalmente: viver não é mais do que lidar com o mundo”.
Essa passagem abre espaço para uma série de
interpretações; primeiramente, para uma espécie de destino, ou seja, o homem é
condicionado pelo mundo e não consegue dele se desprender. Dessa forma, numa
leitura rápida, é possível configurarmos Ortega y Gasset como um autor
fatalista; em outras palavras, defensor de uma ordem que se reproduz de forma
espontânea e que se determina de fora para dentro. Por essa razão, apresentamos
a seguinte asseveração orteguiana: “somos aquilo que o nosso mundo nos convida
a ser” (Ortega y Gasset, 1987, p. 93). Sendo assim, faz-se premente levar em
consideração a defesa feita por Amoedo (José
Ortega Y Gasset: a aventura filosófica da educação, 2002) de que o conceito
de circunstância tem um lugar de relevo na filosofia orteguiana.
De volta à afirmação de Ortega y Gasset, uma
leitura mais precisa e abastecida com o espírito do existencialismo filosófico,
podemos chegar, com relação à citação orteguiana supramencionada, a outras
conclusões: “Viver não é mais do que lidar com o mundo” (Ortega y Gasset, 1987,
p. 93). Esse é o mundo circunstancial que compreende desde a existência
singular até o seu entorno, que engloba as possibilidades e as perspectivas
disponíveis para essa existência singular na qual cada sujeito se encontra.
Assim, lidar com o mundo é uma tarefa pessoal
e dramática. Para Ortega y Gasset (Adão
no paraíso e outros ensaios de estética, 2002, p. 34), a vida é esse drama
humano: “Adão no paraíso é a vida simples e pura, é o débil suporte do problema
infinito da vida”. Não podemos atribuir fatalismo e destino ao pensamento
orteguiano, pois essa é uma questão filosófica e, por isso, reclama do leitor
uma compreensão dinâmica e acurada dos conceitos que se relacionam entre si na
formulação de um expediente sociofilosófico, ou seja, na formulação de um novo
existencialismo.
Consoante à discussão, Adão, que representa
cada homem em sua singularidade, vive com o mundo, o seu mundo. Por
conseguinte, o indivíduo precisa lidar com isso, fazer escolhas e seguir a
brevidade da vida, no sentido de acolher os resultados de suas decisões. Numa
perspectiva orteguiana, esse Adão é o novo homem existencialista, o ser no
mundo com um mundo pessoal, intransferível, e a função dessa existência é viver
nesse mundo, lidar com ele — uma espécie de relação cotidiana entre existência
e circunstância. Para Ortega y Gasset (1987, p. 78, grifo do original),
pioneiro de um novo existencialismo circunstancial, “viver é sentir-se fatalmente forçado a exercer a
liberdade, a decidir o que vamos ser neste mundo. Não há um momento de descanso
para nossa atividade de decisão. Inclusive quando, desesperados, nos
abandonamos à sorte, decidimos não decidir”.
De acordo com esse existencialismo
circunstancial de Ortega y Gasset, o homem é um sujeito de ação, de decisão, e
não deixa de ser responsável direto pela sua condição existencial. Entretanto,
a circunstância, lugar de possibilidades e perspectivas, pressiona o indivíduo
cotidianamente a fazer dessa existência uma biografia; em outras palavras,
homem e circunstância vivem e se desenvolvem simultaneamente. Por isso, a
condição de ser homem é atrelada diretamente à condição circunstancial. Dessa
maneira, mesmo havendo a liberdade do ser existente, o homem limita-se às
perspectivas e possibilidades de seu entorno. Nesse sentido, Ortega y Gasset
(1987, p. 150) assegura: “a rigor, a rebelião do arcanjo lúcifer não teria sido
menos grave se em vez de procurar ser Deus — o que não era seu destino —
tivesse procurado ser o mais insignificante dos anjos, que tampouco era”.
Conforme a citação apresentada, é possível
compreendermos a palavra destino*
como vocação, isto é, como escolha mediante possibilidades e perspectivas.
Assim sendo, o homem é um ser nobre, um novo Adão, mas que, diante da
circunstância, escolhe ou não essa dimensão de nobreza, pois é de sua natureza
a liberdade, ou, como queira, o direito de fazer escolhas e tomar decisões.
Entretanto, segundo Ortega y Gasset (1987, p. 150): “Lúcifer não conhecia as
suas possibilidades e perspectivas, pois aventurou-se em algo que fugia de seu
entorno, de sua condição real e existente. Ele, o anjo de luz, arriscou-se numa
luta inglória e por isso fracassou”. Disso podemos depreender que, no
pensamento orteguiano, compete ao homem conhecer sua circunstância, reconhecer
sua vocação e vivê-la radicalmente, ou seja, arriscar-se no que existe como
possibilidade e perspectiva para realizar-se como ser existencial.
Nesse sentido, para Ortega y Gasset, essa
relação entre existência e seu entorno passa a vigorar como noção de
perspectiva política, isto é, do eu que é independente da realidade, mas que
não vive sem uma relação direta com a circunstância-mundo. E circunstância é pensada e comparada com habitação, isto é, morada, realidade em
que se encontra o sujeito. Por consequência, a circunstância não é sujeito em
si, mas algo fora dele, ligado a ele, que pode, dependendo das escolhas,
determinar ou ser determinada. Nas palavras de Ortega y Gasset (1987, p. 77):
a vida, que é antes de tudo o que podemos ser, vida possível, também é,
por esse mesmo fato, decidir entre as possibilidades o que de fato vamos ser.
Circunstância e decisão são dois elementos essenciais de que se compõe a vida.
A circunstância — as possibilidades é o que nos é dado e imposto em nossa vida.”
* A palavra destino é bastante recorrente no texto orteguiano e usada no viés
de que existem condições nas quais a natureza humana encontra-se condenada, ou
seja, ninguém muda a família, o país em que nasceu, pois esse é o seu destino,
ou seja, sua condição definida enquanto destino. Destino também é um termo usado como “vocação”, isto é, o que se
deseja, o que se busca e o que se define como aquilo que deve ser. Por isso,
essa palavra é tomada aqui em sentido filosófico.
“Sobre isso, Adorno e Horkheimer, na obra Dialética do esclarecimento (1996, p. 16),
afirmam: “completamente iluminada, a terra resplandece sob o signo do
infortúnio triunfal”. Ambos os autores fazem uma crítica ao modelo de
racionalidade proposto pelo esclarecimento, com ênfase ao modelo kantiano de
esclarecimento. Ainda segundo os autores de Dialética
do esclarecimento, o programa do Iluminismo era livrar o mundo dos “mitos”,
ou seja, da ignorância. O esclarecimento, proposta iluminista, não
condicionava, principalmente no campo educacional, alternativa política contra
a barbárie e, tampouco, como uma via sólida nos termos de uma racionalidade
emancipatória. Nas palavras de Thomson (Compreender
Adorno, 2010, p. 135-136):
como já vimos Adorno argumentar, o homem acredita que a razão o separa
dos animais. Como isto serve para justificar sua exploração pelo homem, e,
portanto, a contínua participação do homem na violência e anarquia da natureza,
a razão revela ser não o motor da libertação do homem, mas apenas um meio
adicional de sua escravização.
Para Thomson, Adorno e Horkheimer fazem
críticas incisivas contra o programa kantiano de Iluminismo em razão da
instrumentalidade, especialmente para com a natureza. Nesse contexto, a
racionalidade, que deveria ser emancipatória, torna-se escravizadora. É certo
que, ainda segundo a assertiva, há doses de pessimismo na obra de Adorno,
principalmente com relação ao programa iluminista de racionalidade. Por isso,
as críticas adornianas são parte constitutiva de uma filosofia política em
movimento.
A severidade da crítica de Adorno e
Horkheimer na obra Dialética do
esclarecimento recoloca o problema que assola a sociedade contemporânea – com a racionalidade instrumental adveio a
barbárie1. Essa foi a tônica do momento histórico em que se
encontrava a Escola de Frankfurt, ou seja, colocar o Instituto de Pesquisa
Social a serviço da compreensão histórica e crítica da realidade política alemã
e, consequentemente, da Europa. Esse instituto deu origem à Escola de
Frankfurt, pois com ele começou-se a desenvolver estudos em torno dessa teoria
crítica no interior da sociedade alemã.
Adorno (Educação
e emancipação, 2011) contribui para a formalização conceitual de
emancipação política. No entendimento desse autor, é fundamental compreender a
educação como elemento de formação política, ou seja, formação para o cidadão
crítico, político e participativo da vida pública. Conforme aludido
anteriormente, o autor é um filósofo pessimista, no entanto, as observações e
ponderações políticas podem apontar para uma realidade diferente,
desbarbarizada, pois, nas palavras de Adorno (p. 155): “a tese que gostaria de
discutir é a de que desbarbarizar tornou-se a questão mais urgente da educação
hoje em dia”.
Na citação apresentada, percebemos um autor
preocupado com os destinos da humanidade e, de forma especial, da Alemanha. Tal
preocupação se faz em razão da cultura política que solapou a sociedade daquele
tempo e que poderia, segundo ele, repetir-se em sociedades futuras,
considerando que o elemento da barbárie nesse contexto não é pensado e atacado
em sua raiz; pelo contrário, é desconsiderado como elemento capital e, por
conseguinte, se traduz de forma normal, admissível e tolerável nas mais
significativas instituições, sejam elas políticas, sociais ou educacionais.
Ainda que não exista um projeto
político-pedagógico formal definido em termos de universalização, Adorno requer
da educação um caráter político, ou melhor, uma formação política. Exige-se da
educação a antecipação contra o barbarismo contemporâneo: “a exigência que Auschwitz
não se repita é a primeira de todas para a educação” (p. 119). Assim, cabe
levantarmos uma questão: como é possível evitar a barbárie? Ou, dito de outro
modo, em que consiste emancipar?
Essa é a primeira de outras tantas questões
que carecem de respostas. Para Adorno, o primeiro passo é a conscientização2.
Todavia, o filósofo admite que é desesperador o fato de uma conscientização
para uma ação que em si é danosa, ou seja, perigosa, violenta e desumana, isto
é, não cabe falar de conscientização para não praticar a barbárie, pois, no seu
entendimento, essa é a regressão ao primitivismo e anula qualquer sinal de
humanidade. Por isso, conforme Adorno (2011, p. 155):
entendo por barbárie algo muito simples, ou seja, que, estando na
civilização do mais alto desenvolvimento tecnológico, as pessoas se encontrem
atrasadas de um modo peculiarmente disforme em relação a sua própria civilização
— e não apenas por não terem em sua arrasadora maioria experimentado a formação
nos termos correspondentes ao conceito de civilização, mas também por se
encontrarem tomadas por uma agressividade primitiva, um ódio primitivo ou, na
terminologia culta, um impulso de destruição, que contribui para aumentar ainda
mais o perigo de que toda esta civilização venha explodir, aliás uma tendência
imanente que a caracteriza.
A citação adorniana alerta para o que deve
ser a educação: evitar a barbárie. No entanto, ainda de acordo com esse autor,
essa função não parece ser cumprida pela educação, uma vez que, segundo o
filósofo, esta não consegue acompanhar a civilização no sentido de avanço, como
aconteceu com a tecnologia, e, por isso, ainda em consonância com o excerto, há
uma força primitiva que impulsiona esse homem civilizado à barbárie. Isto é, há
uma deformidade com relação à formação desse homem que consegue ser um
civilizado do ponto de vista do avanço tecnológico, mas um bárbaro do ponto de
vista da ação para com o outro, o diferente.
Desse modo é que, para Adorno (2011), a
educação precisa ressignificar sua prática pedagógica na acepção de assegurar
ao educando a conscientização. Essa educação deve assumir como tarefa
principal, por meio de seus agentes, a formação crítica e de rompimento com a
cultura do barbarismo cotidiano3. A construção dessa alternativa
política nasce do próprio cotidiano, ou seja, a escola precisa enfrentar o que
parece banal, mas que, no fundo, conforme o pensador alemão, é a semente do
barbarismo a vida como ela é. Essa conscientização se traduz como compreensão
da vida e seu dilema no entorno do que se denomina civilização.
A referida conscientização advinda dos textos
adornianos deve provocar um olhar acurado para a vida que se traduz nos
escombros de uma sociedade desumanizada; em outros termos, de uma sociedade
capitalista que propicia, na ordem do dia, o individualismo no sentido de ser o
que não se pode ser. O ser aqui deve ser pensado como algo externo e que se faz
no mundo, ou melhor, que se constrói com a mercadoria4 e se torna
por meio dela e com ela. Essa formação do homem de consciência deve provocar,
nos escritos adornianos, as fissuras na sociedade capitalista e promover uma
nova forma de viver no mundo, ou seja, de ser nele. (...)
O conceito de virtude, no entendimento
adorniano, ganha força e sentido, considerando que passa a ser denominado emancipação. De acordo com Adorno
(2011), emancipar corresponde a
conscientizar, ou seja, fazer o sujeito observar o mundo por meio do próprio
mundo, mas sem a maquiagem da cultura de massa e da semicultura5,
desenvolvidas na sociedade contemporânea.
Por conta disso, segundo Adorno, a escola
deve promover essa formação crítica criar condições para a emancipação com base
na conscientização dos agentes que povoam a escola. Conscientização é um
recurso quase retórico, pois é bastante recorrente o uso desse termo para
designar ação política, compreensão e, em determinados momentos, lucidez,
sensatez.”
1: Há um quadro de Paul Klee chamado Angelus novus que representa um anjo que
parece querer afastar-se de algo que encara fixamente. Seus olhos estão
escancarados, sua boca, dilatada, suas asas, abertas. O anjo da história deve
ter esse aspecto. Seu rosto está dirigido para o passado, no qual vemos uma
cadeia de acontecimentos. Ele vê uma catástrofe única, que acumula
incansavelmente ruína sobre ruína e as dispersa a nossos pés. Ele gostaria de
deter-se para acordar os mortos e juntar os fragmentos. Mas uma tempestade
sopra do paraíso e prende-se em suas asas com tanta força que ele não pode mais
fechá-las. Essa tempestade o impele irresistivelmente para o futuro, ao qual
ele vira as costas, enquanto o amontoado de ruínas cresce até o céu. Essa
tempestade é o que Benjamin (2005) chama de progresso,
a figura que corresponde à dialética entre o progresso e a barbárie.
2: De acordo com Adorno (2011, p. 120): “a
reflexão a respeito de como evitar a repetição de Auschwitz é obscurecida pelo
fato de precisarmos nos conscientizar desse elemento desesperador, se não
quisermos cair presas da retórica idealista”.
3: Para Adorno, esse barbarismo sempre é
cometido contra os mais fracos e, em alguma medida, os mais felizes. Segundo o
filósofo (2011, p. 122): “um esquema sempre confirmado na história das
perseguições é o de que a violência contra os fracos se dirige principalmente
contra os que são considerados socialmente fracos e ao mesmo tempo — seja isto
verdade ou não — felizes”. Não só com relação às grandes perseguições, mas é
muito comum nos dias atuais que, no cotidiano do homem simples, a violência
opere de forma diretiva e concentrada, seja pela força de uma polícia
impregnada pelo preconceito social, seja pela falta de ação do poder público,
seja pela limitação das oportunidades e pela falta de asseguramento de
direitos. Por tudo isso, é comum que a barbárie seja mais do que um fantasma
que atormentava o filósofo Adorno; barbárie é a realidade que acomete a vida do
homem simples. De acordo com José de Souza Martins (A sociabilidade do homem simples, 2011, p. 10), “nessa adversidade,
a questão é saber como a história irrompe na vida de todo dia. Como, no tempo
miúdo da vida cotidiana, travamos o embate, sem certeza nem clareza, pelas
conquistas fundamentais do gênero humano; por aquilo que liberta o homem das
múltiplas misérias que o fazem pobre de tudo: de condições adequadas de vida,
de tempo para si e para os seus, de liberdade, de imaginação, de prazer no
trabalho, de criatividade, de alegria e de festa, de compreensão ativa de seu
lugar na construção social da realidade”.
4: Mercadoria,
segundo Karl Marx (2011, O
18 de Brumário de Luís Bonaparte, p. 57): “é, antes de mais nada, um objeto
externo, uma coisa que, por suas propriedades humanas, seja qual for a
natureza, a origem delas, provenham do estômago ou da fantasia”. Essa
mercadoria, exterior ao homem, provoca nele o sentimento de ser mediante a
mercadoria, isto é, o ser se completa e se faz em nome desse objeto externo.
5: A noção de semicultura advém da
compreensão de que o homem da sociedade contemporânea recebe uma formação
distorcida da realidade, isto é, não consegue, com base na racionalidade
instrumental, compreender o mundo e participar deste de forma consciente e
emancipada. Por isso, por meio dessa semicultura, ou visão parcial da
realidade, que é a forma distorcida, é que o homem tem de pensar a
circunstância em que se encontra.
“Adorno (2011) reconhece as limitações do
conceito de adaptação e, por isso, adverte para uma compreensão mais ampla do
termo, posto que ele se refere a muito mais do que meramente aceitar uma
realidade e acatá-la como única e intransferível. Adaptar-se é sentir-se
forçado a viver num mundo1 que, dentre outras coisas, é palco de
contradições, conflitos e tragédias. Por essa via, adaptar-se nele é viver com
ele, suportá-lo sob o viés de viver para transformá-lo quando assim for possível.”
1: A noção de mundo aqui é tomada no sentido
trabalhado pelo filósofo Maquiavel: o mundo como um lugar de perigo, de
contradições, de lutas e disputas cotidianamente.
“Esse sentimento de pessimismo e
desencantamento é compartilhado com ênfase por Adorno na obra Educação e emancipação (2011), pois,
segundo o autor; a sociedade contemporânea, especialmente em lugares de
tradição educacional, permite que barbáries como as de Auschwitz aconteçam e se
desenvolvam. Nesse tocante, o autor aludido faz referência, na obra indicada, a
países como a Alemanha, que não só por meio de seus intelectuais tutelou a
barbárie, mas a justificou. Para Adorno, parece existir um problema na lógica
dessa humanidade que não só tutela tamanha barbárie, como também a justifica em
nome de um pretenso progresso. Por esse motivo, adverte o pensador alemão (p.
15):
Como pode um mundo tão desenvolvido cientificamente apresentar tanta
miséria? Este é o problema central: o confronto com as formas sociais que se
sobrepõem às soluções racionais [...] Assim como o desenvolvimento à científico
não conduz necessariamente à emancipação, por encontrar-se vinculado a uma
determinada formação social, também acontece com o desenvolvimento no plano
educacional. Como pôde um país tão culto e educado como a Alemanha de Goethe
desembocar na barbárie nazista de Hitler?
O desencantamento para com a educação se faz,
no pensamento adorniano, em razão do distanciamento existente entre educação e
sociedade, sendo esta no sentido de civilização1, tendo em vista que
um país que dispõe de avanço nas áreas cientifica, tecnológica, e mesmo
educacional, permite que, paralelo a tudo isso, sobrevenha o barbarismo contra
os diferentes. Assim, questiona Adorno, como pôde se desenvolver e tomar corpo,
na Alemanha de Goethe, o nazismo de Hitler? A pergunta não carece de resposta,
pois se trata de uma provação crítica com relação à dicotomia que existe entre
escola e sociedade — ou ainda, educação e progresso.”
1: De acordo com Freud, na obra O mal-estar na civilização e outros
trabalhos (2006. p 27), “ficou sendo então tarefa dos deuses nivelar os
defeitos e os males da civilização, assistir os sofrimentos que os homens
infligem uns aos outros em sua vida em conjunto e vigiar o cumprimento dos
preceitos da civilização, a que OS homens Obedecem de modo tão imperfeito”. A
assertiva remete a uma quase impossibilidade de rompimento com a barbárie,
pois, conforme Freud, fica assegurada aos deuses tamanha função.
“A discussão é apresentada com vistas ao
homem-massa, senhor da sociedade contemporânea, que recebe o mundo pronto, mas
não sabe lidar com ele e, por isso, passa a vê-lo por meio de sua imagem e
semelhança. Dessa maneira, o que não estiver de acordo com sua imagem e
semelhança deve ser destruído, desprezado e violentado. Por essa razão, de
acordo com Ortega y Gasset (A rebelião das massas, 1987), a
responsabilidade dos problemas que advêm desse tipo genérico de homem é mais do
que da escola, mas de toda sociedade; dito de outra maneira, do conjunto de
instituições que compõem o Estado contemporâneo. Certamente, a escola tem papel
preponderante na formação desse sujeito ou dessa realidade, mas não pode ser a
única responsável por esse império brutal da barbárie. Ortega y Gasset (p. 133)
declara: “insisto, portanto, com sincero pesar, em fazer ver que esse homem
cheio de tendências incivis, que esse novo bárbaro é um produto automático da
civilização moderna, especialmente da forma que esta civilização adotou no
século XIX”,
Conforme explanado, a responsabilidade faz
parte do conjunto das instituições que compõem a sociedade moderna, sobretudo
no século XIX; isso porque, de acordo com o autor espanhol, esse momento da
história é de grandes transformações, descobertas e, também, criações. A tudo
isso se chama progresso mas um progresso externo, ou seja, que acontece na
sociedade, porém, que não afeta diretamente a vida cotidiana. Para Ortega y
Gasset, a vida no século XIX criou falsas perspectivas para o homem cotidiano,
na medida em que ele fez uso extremado do progresso, agarrou-se em demasia ao
excesso e cercou-se de instrumentos prodigiosos. Todavia, em nenhum momento
essa sociedade foi suficientemente capaz de promover uma consciência de que
essa perspectiva de vida, reduzida ao consumo, é impraticável. Nas palavras de
Ortega y Gasset (p. 133-134), o homem compreendido nessa sociedade:
encontra-se cercado de instrumentos prodigiosos, de remédios benéficos,
de Estados previdentes, de direitos cômodos. Em troca, ignora a dificuldade
para se inventarem esses remédios e instrumentos e assegurar produção para o
futuro; não percebe que organização do Estado é instável, e quase não sente
obrigações dentro de si.
A sociedade contemporânea, especialmente
durante o século XIX, não notou um problema que parecia urgente, mas que passou
despercebido, a angústia. Esse termo deve ser tomado em sentido filosófico,
pois requer uma compreensão dinâmica, isto é, inquietação para com a
substância, a vida; e vida, nesse contexto, como drama, complexidade e
finitude. Por isso, despossuído desse elemento filosófico, o homem
contemporâneo converteu-se no homem-massa, ou seja, no menino mimado1.”
1: Esta é uma expressão bastante recorrente
nos textos orteguianos. O menino mimado é a representação perfeita do
homem-massa, segundo Ortega y Gasset (1987). Também pode ser conhecido como o
senhorzinho satisfeito. Essa caricatura é para demonstrar a falta de angústia,
compromisso e responsabilidade, pois, semelhante ao menino mimado, o
homem-massa deseja, mas não se preocupa com as consequências, e por isso
simplesmente deseja; “o senhorzinho pensa que pode se comportar em qualquer
lugar como em sua casa, pensa que nada é fatal, irremediável e irrevogável” (p.
134).
“Desse modo, com base em Adorno, bem como em
Ortega y Gasset, a emancipação política dos indivíduos é condição capital para
a realização da existência humana no viés filosófico. Em outros termos, por
meio da emancipação é possível promover uma sociedade desbarbarizada — no
sentido aristotélico, é vida que se realiza na política.
Todavia, os autores Ortega y Gasset e Adorno
não são entusiastas da realização existencial no sentido aristotélico, isto é,
não acreditam que, naturalmente, os homens tendem para um fim político; pelo
contrário, estes estão, na sociedade contemporânea, inclinados à barbárie. Para
os autores, desenvolveu-se, na sociedade contemporânea, um tipo específico de
homem que é promotor da barbárie, o homem-massa de consciência coisificada. No
entanto, é possível, ainda conforme os autores apresentados, a remota formação
do homem-especial, ou seja, do homem-singular, que, por meio da emancipação
política, realiza-se como sujeito especial, o nobre da vida pública.
Dessa remota possibilidade nasce, ainda que
de forma tímida, a esperança de uma sociedade desbarbarizada e desmassificada.
Esperança que salta às circunstâncias adorniana e orteguiana, mas que penetra
nos corações mais animados de um segmento político: o dos professores. Ao denominarmos segmento
político, a definição é no sentido adorniano, isto é, o professor é um
agente político e pode, com base em uma lógica humanística, atinar contra a
barbárie, pois, conforme assevera Adorno (2011, p. 210); “a educação tem
sentido unicamente como educação dirigida a uma autorreflexão crítica”.
Essa autorreflexão é uma ação política que
deve nascer de uma intervenção pedagógica, a qual acontece, conforme
salientados nos corações de homens e mulheres que depositam seus esforços e
crenças em crianças, adolescentes, jovens e idosos, com base em uma prática
educacional, ou seja, em uma rotinização em sala de aula, em que cada aula
representa um brado contra a barbárie, um grito contra as injustiças, uma
alternativa de fazer do mundo, por meio de cada sujeito-aluno, um lugar melhor,
um espaço de realização existencial.
É notável que esse segmento político, na sua
grande maioria, corrobora com os sentimentos adorniano e orteguiano, com
relação à dificuldade de efetivar uma sociedade desbarbarizada; isso porque,
quase sempre, a escola não funciona como se espera. Esse papel da escola,
espaço de produção de saber, formação para cidadania e para a singularidade,
perde-se no formalismo pedagógico, na reprodução de ideologias ultrapassadas e
na confecção de realidades desconexas. Esse lugar da escola é deslocado do
mundo que realmente é e reduz-se ao mundo fantasioso que se restringe às quatro
paredes — sala de aula. Em outros termos, a ação autorreflexiva adorniana
perde-se no que se denomina sala de aula
e desprende-se do mundo, da vida e da complexidade circunstancial.
Por essa via, homens e mulheres minimizam a
ação autorreflexiva e executam a política do realismo pedagógico, ou seja, do
que se pode fazer com base no que se tem. Não podemos negar que se trata de um
fato autêntico — a realidade como tem que ser, Esse positivismo reduz a
esperança, mortifica as perspectivas e debela as utopias1. Contudo,
mesmo que esse segmento político tenha perdido a esperança, a utopia e; principalmente,
as forças para operar numa outra lógica, existem, ainda que ínfimos, homens e
mulheres que não são visibilizados pela indústria da cultura de massa,
professores que fazem da sala de aula um campo político, e nestes reside a
esperança orteguiana e adorniana de emancipação, pois emancipar-se é tornar-se
virtuoso, político e cidadão.
As implicações pedagógicas configuram-se na
medida em que pressupostos filosóficos são imbricados à realidade política da
escola, ou melhor, desse espaço de formação plural — chão da escola,
implicações que podem provocar angústia com relação à vida social, política e
educacional, pois dessa relação nasce o homem no sentido de cidadão.”
1: O conceito de utopia deve ser tomado no
viés positivo. Há um debate em torno do termo e quase sempre se usa no sentido
negativo ou ideológico. Entretanto, a questão aqui deve ser guardada na acepção
de esperança, ou seja, afirmação de luta, e não necessariamente como algo
distante e irrealizável.
“Émile Durkheim (1858-1917) é responsável
pela construção da sociologia como ciência, isto é, o pensador construiu um método
para as ciências sociais (o funcionalismo) e estabeleceu um objeto, o fato
social.
O fato social, objeto clarificado da
sociologia, corresponde à sistematização e limitação do poder científico da
nova ciência de Durkheim, ganha um objeto, fato social, definido como coisa,
isto é, segundo o autor, todo fato social é um evento que precisa de um
desvelamento científico. Nas palavras do autor (As regras do método sociológico, 1978, p. 378): “É coisa todo objeto
de conhecimento que não é naturalmente compenetrável pela inteligência, tudo
aquilo de que não podemos ter uma noção adequada por um simples procedimento de
análise mental, tudo o que o espírito só consegue compreender na condição de se
extroverter por meio de observações e de experimentações, passando
progressivamente dos caracteres mais externos e mais imediatamente acessíveis
aos menos visíveis e ao mais profundo”. Dessa maneira, a sociologia se
configura como ciência na medida em que tem um objeto de investigação e o chama
de coisa, isto é, passível de
compreensão por meio das seguintes proposições: coercitividade, exterioridade e
generalidade. A primeira, a coerção social, é a força que os fatos exercem
sobre os indivíduos, resulta da sanção legal (leis) ou espontânea (moral). A
segunda é a exterioridade ao indivíduo, a regra que se encontra fora do
indivíduo e que existe independentemente do nascimento do indivíduo. E a
terceira é a generalidade, todo fato que é geral e se repete todos os
indivíduos na maioria deles (Almeida et. al, Reflexões sociológicas, 2014).”
“Visto que a autoridade sempre exige
obediência, ela é comumente confundida com alguma forma de poder ou violência.
Contudo, a autoridade exclui a utilização de meios externos de coerção; onde a
força é usada, a autoridade em si mesma fracassou.” (Hannah Arendt, Entre o passado e o futuro, 2009, p.
129).
“O filósofo húngaro István Mészáros, nascido
em 1930, estudioso do marxismo e herdeiro da filosofia de Lukács (1885-1971),
com quem trabalhou como assistente, foi escritor de diversas Obras, das quais
destacamos A educação para além do
capital (2004),
Nessa obra, o autor reflete sobre o modelo
capitalista e adverte que a educação é refém do referido modelo, no qual
patrocina a exploração e a alienação do sujeito por meio da adequação da escola
ao modelo da fábrica. À vista disso, segundo Mészáros, não podemos pensar o ato
de educar como condição de adaptação, adequação e conversão à lógica do
capital, ou seja, a escola é muito mais do que a formalização de sujeitos
polivalentes, de indivíduos para o interior das fábricas e da própria dinâmica
da economia mercantil.
Emir Sader, nascido em 1943, pensador
brasileiro, também de formação marxista, professor, filósofo e cientista
político, no prefácio à obra A educação
para além do capital, adverte que (2004, p. 15):
a educação, que poderia ser uma alavanca essencial para a mudança,
tornou-se instrumento daqueles estigmas da sociedade capitalista: fornecer os
conhecimentos e o pessoal necessário à maquinaria produtiva em expansão e do
sistema capitalista, mas também gerar e transmitir um quadro de valores que
legitima os interesses dominantes. Em outras palavras, tornou-se uma peça de
processo de acumulação de capital e de estabelecimento de um consenso que torna
possível a reprodução do injusto sistema de classes.”
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