Editora: domínio público
Tradução: Herrera Filho
Opinião: ★☆☆☆☆
Páginas: 304
Sinopse: Ortega Y
Gasset avalia o homem médio quanto a sua capacidade para continuar a
civilização moderna e quanto à sua adesão à cultura. Tentando responder a
questões como quem manda no mundo? Ele discute a atitude do homem médio ante a
civilização e a cultura.
A rebelião das massas é um ensaio filosófico brilhante,
um dos livros mais importantes do século XX. A esta altura, 85 anos depois do
seu lançamento, o livro já foi reeditado e traduzido inúmeras vezes e para
dezenas de línguas.
O autor coloca em questão os conceitos de homem-massa,
razão histórica e governo mundial. Para o público brasileiro, o ensaio de
Ortega y Gasset, acidentalmente político, mas essencialmente filosófico, talvez
tenha mais a dizer hoje do que em qualquer outro período da história nacional.
“No final das contas, o engano vem a ser um
humilde parasita da ingenuidade.”
“A forma de pressão social que é o poder público
funciona em toda sociedade, inclusive naquelas primitivas em que não existe
ainda um organismo especial encarregado de manejá-lo. Se a esse órgão
diferenciado a quem se entrega o exercício do poder público se quer chamar
Estado, diga-se que em certas sociedades não há Estado, mas não se diga que
nelas não há poder público. Onde há opinião pública, como poderá faltar um
poder público se este não é mais que a violência coletiva suscitada por aquela
opinião? Ora bem, que há séculos e com intensidade crescente existe uma opinião
pública europeia e até uma técnica para influir nela – é incômodo negá-lo.”
“Rotas e sem vigência quase todas as normas
com que a sociedade presta uma continência ao indivíduo, não podia este
constituir-se uma dignidade se não a extraía do fundo de si mesmo. Mal pode
fazer-se isso sem alguma exageração, ainda que seja somente para se defender do
abandono orgiástico em que vivia seu contorno.”
“Veja-se, por exemplo, o que há mais de
oitenta anos escrevia Stuart Mill: ‘À parte as doutrinas particulares de
pensadores individuais, existe no mundo uma forte e crescente inclinação a
estender em forma extrema o poder da sociedade sobre o indivíduo, tanto por
meio da força da opinião como pela legislativa. Ora bem, como todas as mudanças
que se operam no mundo têm por efeito o aumento da força social e a diminuição
do poder individual, este desbordamento não é um mal que tenda a desaparecer
espontaneamente, mas, ao contrário, tende a fazer-se cada vez mais formidável.
A disposição dos homens, seja como soberanos, seja como concidadãos, a impor
aos demais como regra de conduta sua opinião e seus gostos, se acha tão
energicamente sustentada por alguns dos melhores e alguns dos piores
sentimentos inerentes à natureza humana, que quase nunca se reprime senão
quando lhe falta poder. E como o poder não parece achar-se em via de declinar,
mas de crescer, devemos esperar, a menos que uma forte barreira de convicção
moral não se eleve contra o mal, devemos esperar, digo, que nas condições
presentes do mundo esta disposição nada fará senão aumentar’.”
“Nas revoluções tenta a abstração sublevar-se
contra o concreto; por isso é consubstancial às revoluções o fracasso.”
“As revoluções tão incontinentes em sua
pressa, hipocritamente generosa, de proclamar direitos, violaram sempre,
espezinhado e esfarrapado, o direito fundamental do homem, tão fundamental que
é a definição mesma de sua substância: o direito à continuidade.”
“Surpreender-se, estranhar, é começar a
entender. E o esporte e o luxo específico do intelectual. Por isso sua atitude
gremial consiste em olhar o mundo com os olhos dilatados pela estranheza. Tudo
no mundo é estranho e é maravilhoso para umas pupilas bem abertas. Isso,
maravilhar-se, é a delícia vedada ao futebolista e que, ao contrário, leva o
intelectual pelo mundo em perpétua embriaguez de visionário. Seu atributo são
os olhos em pasmo. Por isso, os antigos deram a Minerva a coruja, o pássaro com
os olhos sempre deslumbrados.”
“O homem seleto não é o petulante que se
supõe superior aos demais, mas o que exige mais de si que os demais, embora não
consiga cumprir em sua pessoa essas exigências superiores. E é indubitável que
a divisão mais radical que cabe fazer na humanidade, é esta em duas classes de
criaturas: as que exigem muito de si e acumulam sobre si mesmas dificuldades e
deveres, e as que não exigem de si nada especial, mas que para elas viver é ser
em cada instante o que já são, sem esforço de perfeição em si mesmas, boias que
vão à deriva.”
“É notório que sustento uma interpretação da
história radicalmente aristocrática.”
“Qual é, em resumo, a altura de nosso tempo?
Não é plenitude dos tempos, e entretanto,
sente-se sobre todos os tempos sidos e por cima de todas as conhecidas
plenitudes. Não é fácil formular a impressão que de si mesma tem nossa época:
crê ser mais que as demais, e ao mesmo tempo sente-se como um começo, sem estar
segura de não ser agonia. Que expressão escolheremos? Talvez esta: mais que os
demais tempos e inferior a si mesma. Fortíssima e ao mesmo tempo insegura de
seu destino. Orgulhosa de suas forças e ao mesmo tempo temendo-as. (...)
Vivemos em um tempo que se sente
fabulosamente capaz para realizar, mas que não sabe o que realizar. Domina
todas as coisas, mas não é dono de si mesmo. Sente-se perdido em sua própria
abundância. Com mais meios, mais saber, mais técnicas que nunca, o mundo atual
vai como o mais infeliz que tenha havido: puramente ao acaso.”
“Acontece-lhe como se dizia do Regente
durante a infância de Luiz XV – tinha todos os talentos, menos o talento para
usar deles.”
“A vida, que é, antes de tudo, o que podemos
ser, vida possível, é também, e por isso mesmo, decidir entre as possibilidades
o que em efeito vamos ser. Circunstâncias e decisão são os dois elementos
radicais de que se compõe a vida. A circunstância – as possibilidades – é o que
de nossa vida nos é dado e imposto. Isso constitui o que chamamos o mundo. A
vida não elege seu mundo, mas viver é encontrar-se, imediatamente, em um mundo
determinado e insubstituível: neste de agora. Nosso mundo é a dimensão de
fatalidade que integra nossa vida. Mas esta fatalidade vital não se parece à
mecânica. Não somos arremessados para a existência como a bala de um fuzil,
cuja trajetória está absolutamente predeterminada. A fatalidade em que caímos
ao cair neste mundo – o mundo é sempre este, este de agora – consiste em todo o
contrário. Em vez de impor-nos uma trajetória, impõe-nos várias e,
consequentemente, nos força... a eleger. Surpreendente condição a de nossa vida!
Viver é sentir-se fatalmente forçado a exercitar a liberdade, a decidir o que
vamos ser neste mundo. Nem um só instante se deixa descansar nossa atividade de
decisão. Inclusive quando desesperados nos abandonamos ao que queira vir,
decidimos não decidir.
É, pois, falso dizer que na vida “decidem as
circunstâncias”. Pelo contrário: as circunstâncias são o dilema, sempre novo,
ante o qual temos de nos decidir. Mas quem decide é o nosso caráter.”
“O vaidoso necessita dos demais, busca neles
a confirmação da ideia que quer ter de si mesmo.”
“O tolo é vitalício e impermeável. Por isso
dizia Anatole France que o néscio é muito mais funesto que o malvado. Porque o
malvado descansa algumas vezes; o néscio, jamais.”
“O viajante que chega a um país bárbaro, sabe
que naquele território não regem princípios aos quais possa recorrer. Não há
normas bárbaras propriamente ditas, a barbárie é ausência de norma e de
possível apelação.”
“Desde já, uma atitude anti-algo parece
posterior a este algo, posto que signifique uma reação contra ele e supõe sua
prévia existência. Mas a inovação que o anti representa se desvanece no vazio
ademane negador e deixa só como conteúdo positivo uma “antigualha”. Quem se
declara anti-Pedro não faz, traduzindo sua atitude à linguagem positiva, senão
declarar-se partidário de um mundo onde Pedro não existe. Mas isso é
precisamente o que acontecia ao mundo quando ainda não havia nascido Pedro. O
antipedrista, em vez de colocar-se depois de Pedro, coloca-se antes e retrocede
toda a película à situação passada, ao cabo da qual está inexoravelmente o
reaparecimento de Pedro. Acontece, pois, com todos estes anti o que, segundo a
lenda, aconteceu a Confúcio. O qual nasceu, naturalmente, depois de seu pai;
mas, diabo!, nasceu já com oitenta anos enquanto seu progenitor não tinha mais
que trinta. Todo anti não é mais que um simples e vazio não.
Seria tudo muito fácil se com um não puro e
simples aniquilássemos o passado. Mas o passado é pura essência revenant.
Se o mandamos embora, volta, volta irremediavelmente. Por isso sua única
autêntica superação é não mandá-lo embora. Contar com ele. Comportar-se à sua
vista para sorteá-lo, evitá-lo. Em suma, “a altura dos tempos”, com
hiperestésica consciência da conjuntura histórica.
O passado tem razão, a sua. Se não se lhe dá
essa que tem, voltará a reclamá-la, e de passagem a impor a que não tem.”
“Este personagem, que agora anda por toda a
parte e onde quer impor sua barbárie íntima, é, com efeito, o garoto mimado da
história humana. O garoto mimado é o herdeiro que se comporta exclusivamente
como herdeiro. Agora a herança é a civilização – as comodidades, a segurança;
em suma, as vantagens da civilização. Como vimos, só dentro da folga social que
esta fabricou no mundo, pode surgir um homem constituído por aquele repertório
de feições, inspirado por tal caráter. É uma de tantas deformações como o luxo
produz na matéria humana. Tenderíamos ilusoriamente a crer que uma vida nascida
em um mundo abastado seria melhor, mais vida e de superior qualidade à que
consiste, precisamente, em lutar com a escassez. Mas não é verdade. Por razões
muito rigorosas e arquifundamentais que agora não é oportuno enunciar. Agora,
em vez dessas razões, basta recordar o fato sempre repetido que constitui a
tragédia de toda a aristocracia hereditária. O aristocrata herda, quer dizer,
encontra atribuídas a sua pessoa umas condições de vida que ele não criou,
portanto, que não se produzem organicamente unidas a sua vida pessoal e
própria. Acha-se ao nascer instalado, de repente e sem saber como, em meio de
sua riqueza e de suas prerrogativas. Ele não tem, intimamente, nada que ver com
elas, porque não vêm dele. São a carapaça gigantesca de outra pessoa, de outro
ser vivente, seu antepassado. E tem de viver como herdeiro, isto é, tem de usar
a carapaça de outra vida. Em que ficamos? Que vida vai viver o “aristocrata” de
herança, a sua ou a do prócer inicial? Nem uma nem outra. Está condenado a
representar o outro, portanto, a não ser nem o outro nem ele mesmo. Sua vida
perde inexoravelmente autenticidade, e converte-se em pura representação ou
ficção de outra vida. A abundância de meios que está obrigado a manejar não o
deixa viver seu próprio e pessoal destino, atrofia sua vida. Toda vida é luta,
esforço por ser ela mesma. As dificuldades com que tropeço para realizar minha
vida são, precisamente, o que desperta e mobiliza minhas atividades, minhas
capacidades. Se meu corpo não me pesasse eu não poderia andar. Se a atmosfera
não me oprimisse, sentiria meu corpo como uma coisa vaga, fofa, fantasmática.
Assim, no “aristocrata” herdeiro toda a sua pessoa vai se desvanecendo, por
falta de uso e esforço vital. O resultado é essa específica parvoíce das velhas
nobrezas, que não se assemelha a nada e que, a rigor, ninguém descreveu ainda
em seu interno e trágico mecanismo – o interno e trágico mecanismo que conduz
toda a aristocracia hereditária à sua irremediável degeneração.”
“Envilecimento, acanalhamento, não é outra
coisa senão o modo de vida que resta a quem se negou a ser o que tem que ser.
Este seu autêntico ser não morre por isso, mas converte-se em sombra acusadora,
em fantasma, que lhe faz sentir constantemente a inferioridade da existência
que leva a respeito da que tinha que levar. O envilecido é o suicida
sobrevivente.”
“Mas o destino – o que vitalmente se tem que
ser ou não se tem que ser – não se discute, mas sim aceita-se ou não. Se o
aceitamos, somos autênticos; se não o aceitamos, somos a negação, a
falsificação de nós mesmos. O destino não consiste naquilo que temos vontade de
fazer; mas melhormente se reconhece e mostra seu claro, rigoroso perfil na
consciência de ter que fazer o que não está na nossa vontade.”
“A isso conduz o intervencionismo do Estado:
o povo se converte em carne e massa que alimenta o mero artefato e máquina que
é o Estado. O esqueleto come a carne que o rodeia. O andaime se torna
proprietário e inquilino da casa.”
“A verdade é que não se manda com os
janízaros. Assim, Talleyrand a Napoleão: “Com as baionetas, Sire, pode-se fazer
tudo, menos uma coisa: sentar-se sobre elas.” E mandar não é atitude de
arrebatar o poder, mas tranquilo exercício dele. Em suma, mandar é sentar-se.”
“O essencialmente confuso, intricado, é a
realidade vital concreta, que é sempre única. Quem seja capaz de orientar-se
com precisão nela; aquele que vislumbre sob o caos que apresenta toda situação
vital a anatomia secreta do instante; em suma, quem não se perca na vida, esse
é de verdade uma mente lúcida. Observai os que vos rodeiam e vereis como
avançam perdidos em sua vida; vão como sonâmbulos, dentro de sua boa ou má
sorte, sem ter a mais leve suspeita do que lhes acontece. Ouvi-los-eis falar em
fórmulas taxativas sobre si mesmos e sobre seu contorno, o que indicaria que
possuem ideias sobre tudo isso. Porém, se analisais superficialmente essas
ideias, notareis que não refletem muito nem pouco a realidade a que parecem
referir-se, e se aprofundais na análise achareis que nem sequer pretendem
ajustar-se a tal realidade. Pelo contrário: o indivíduo trata com elas de
interceptar sua própria visão do real, de sua vida mesma. Porque a vida é
inteiramente um caos onde a criatura está perdida. O homem o suspeita; mas
aterra-o encontrar-se cara a cara com essa terrível realidade, e procura
ocultá-la com um véu fantasmagórico onde tudo está muito claro. Não lhe
interessa que suas “ideias” não sejam verdadeiras; emprega-as como trincheiras
para defender-se de sua vida, como espantalhos para afugentar a realidade.”
“Homem de mente lúcida é aquele que se
liberta dessas “ideias” fantasmagóricas e olha de frente a vida, e se convence
de que tudo nela é problemático, e se sente perdido. Como isso é a pura verdade
– a saber, que viver é sentir-se perdido –, quem o aceita já começou a
encontrar-se, já começou a descobrir sua autêntica realidade, já está no firme.
Instintivamente, como o náufrago, buscará algo para se agarrar, e esse olhar
trágico, peremptório, absolutamente veraz porque se trata de salvar-se, lhe
facultará pôr ordem no caos de sua vida. Estas são as únicas ideias
verdadeiras; as ideias dos náufragos. O resto é retórica, postura, íntima
farsa. Quem não se sente de verdade perdido perde-se inexoravelmente; é dizer,
não se encontra jamais, não topa nunca com a própria realidade.”
“Quem descobre uma nova verdade científica
teve antes que triturar quase tudo que havia aprendido e chega a essa nova
verdade com as mãos sangrentas por haver jugulado inumeráveis lugares comuns.”
“A realidade que chamamos Estado não é a
espontânea convivência de homens que a consanguinidade uniu. O Estado começa
quando se obriga a conviver a grupos nativamente separados. Esta obrigação não
é desnuda violência, mas que supõe um processo incitativo, uma tarefa comum que
se propõe aos grupos dispersos. Antes que nada é o Estado projeto de um fazer e
programa de colaboração. Chama-se às pessoas para que juntas façam algo. O
Estado não é consanguinidade, nem unidade linguística, nem unidade territorial,
nem contiguidade de habitação. Não é nada material, inerte, dado e limitado. É
um puro dinamismo – a vontade do fazer algo em comum –, e mercê a isso a ideia
estatal não está por nenhum termo físico.”
“Nada tem sentido para o homem, senão em
função do porvir.”
“Não se sabe para que centro de gravitação
vão ponderar em um futuro próximo as coisas humanas, e por isso a vida do mundo
entrega-se a uma escandalosa interinidade. Tudo, tudo que hoje se faz em
público e na vida privada – até no íntimo –, sem mais exceção que algumas
partes de algumas ciências, é provisional. Acertará quem não se fie de quanto
hoje se apregoa, se ostenta, se ensaia e se encomia. Tudo isso irá com mais
celeridade do que veio. Tudo, desde a mania do esporte físico (a mania, não o
esporte em si) até a violência em política; desde a “arte nova” até os banhos
de sol nas ridículas praias da moda. Nada disso tem raízes, porque tudo isso é
pura invenção, no mau sentido da palavra, que a faz equivaler a capricho
leviano. Não é criação do fundo substancial da vida; não é afã nem mister
autêntico. Em suma: tudo isso é vitalmente falso. Dá-se o caso contraditório de
um estilo de vida que cultiva a sinceridade e ao mesmo tempo é uma
falsificação. Só há verdade na existência quando sentimos seus atos como
irrevogavelmente necessários. Não há hoje nenhum político que sinta a inevitabilidade
de sua política, e quanto mais extremo é seu gesto, tanto mais frívolo, menos
exigido pelo destino. Não há mais vida com raízes próprias, não há mais vida
autóctone que a que se compõe de cenas iniludíveis. O resto, o que está em
nossa mão pegar ou largar ou substituir, é precisamente falsificação da vida.
A atual é fruto de interregno, de um vazio
entre duas organizações do mundo histórico: a que foi, a que vai ser. Por isso
é essencialmente provisória. E nem os homens sabem bem a que instituições de verdade
servir, nem as mulheres que tipo de homens preferem realmente.”
“Todo o mundo percebe a urgência de um novo
princípio de vida. Mas – como sempre acontece em crises parelhas – alguns
ensaiam salvar o momento por uma intensificação extremada e artificial,
precisamente do princípio caduco. Este é o sentido da erupção “nacionalista”
nos anos que correm. E sempre – repito – aconteceu assim. A última chama, a
mais extensa. O derradeiro suspiro, o mais profundo. A véspera de desaparecer,
as fronteiras se hiperestesiam – as fronteiras militares e as econômicas.
Mas todos estes nacionalismos são becos sem
saída. Tente-se projetá-los para o futuro e sentir-se-á o choque. Por aí não se
sai para lado nenhum. O nacionalismo é sempre um impulso de direção oposta ao
princípio nacionalizador. É exclusivista, enquanto este é inclusivista. Em
época de consolidação tem, por sua vez, um valor positivo e é uma alta norma.
Mas na Europa tudo está de sobra consolidado, e o nacionalismo não é mais que
uma mania, o pretexto que se oferece para iludir o dever de invenção e de
grandes empresas. A simplicidade de meios com que opera e a categoria dos
homens que exalta revelam de sobra que é o contrário de uma criação histórica.”
“O reconhecimento de um erro é por si mesmo
uma nova verdade é como uma luz que dentro deste se acende.
Contra o que acreditem os jeremias, todo erro
é uma propriedade que acresce nosso haver. Em vez de chorar sobre ele convém
apressar-se a explorá-lo. Para isso é preciso que nos resolvamos a estudá-lo a
fundo, a descobrir sem piedade suas raízes e a construir energicamente a nova
concepção das coisas que isto nos proporciona.”
“Costumamos, sem mais reflexão, maldizer da
escravidão, não advertindo o maravilhoso progresso que representou quando foi
inventada. Porque antes o que se fazia era matar os vencidos. Foi um gênio
benfeitor da humanidade o primeiro que ideou, em vez de matar os prisioneiros,
conservar-lhes a vida e aproveitar seu labor. Augusto Comte, que tinha um
grande sentido humano, quer dizer, histórico, viu já deste modo a instituição
da escravidão – libertando-se das tolices que Rousseau disse sobre ela – e a
nós nos corresponde generalizar sua advertência, aprendendo a olhar todas as
coisas humanas sob essa dupla perspectiva, a saber: o aspecto que têm ao chegar
e o aspecto que têm ao ir.”
“É imoral pretender que uma coisa desejada se
realize magicamente, simplesmente porque a desejamos. Só é moral o desejo que é
acompanhado da severa vontade de aprontar os meios de sua execução.”
“A sociedade é convivência sob instâncias.”
“O dinheiro não manda mais senão quando não
há outro princípio que mande.”
“Todo gesto vital, ou é um gesto de domínio
ou um gesto de servidão.”
“A juventude rende a maior delícia ao ser
olhada, a madureza, ao ser ouvida.”
“Que vão fazer aos quarenta os europeus
futebolistas? Porque o mundo é certamente uma bola, mas tendo dentro de si mais
do que simples ar.”
“Em todas as épocas desejou-se a mulher, mas
não em todas foi estimada.”
“De tudo aquilo que é um impulso coletivo e
propele a vida histórica inteira em uma ou outra direção, não nos apercebemos
nunca, como não nos apercebemos do movimento estelar de nosso planeta, nem a
faina química em que se ocupam nossas células. Cada qual crê viver por sua
conta, em virtude de razões que supõe personalíssimas. Mas o fato é que sob
essa superfície de nossa consciência atuam as grandes forças anônimas, os
poderosos alísios da história, sopros gigantescos que nos mobilizam a seu
capricho.”
Um comentário:
Gostei do trecho: "Homem de mente lúcida é aquele que se liberta dessas “ideias” fantasmagóricas e olha de frente a vida, e se convence de que tudo nela é problemático, e se sente perdido. Como isso é a pura verdade – a saber, que viver é sentir-se perdido –, quem o aceita já começou a encontrar-se, já começou a descobrir sua autêntica realidade, já esta no firme. Instintivamente, como o náufrago, buscará algo para se agarrar, e esse olhar trágico, peremptório, absolutamente veraz porque se trata de salvar-se, lhe facultará pôr ordem no caos de sua vida. Estas são as únicas ideias verdadeiras; as ideias dos náufragos. O resto é retórica, postura, íntima farsa. Quem não se sente de verdade perdido perde-se inexoravelmente; é dizer, não se encontra jamais, não topa nunca com a própria realidade."
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