Editora: InterSaberes
ISBN: 978-85-5972-308-3
Opinião: ★★★☆☆
Páginas: 230
Sinopse: Mergulhar
nas reflexões propostas pela filosofia da religião nos instiga a pensar sobre
nossa própria existência, nossos propósitos de vida e a amplitude do universo.
O tema nos conduz à busca do conhecimento sobre a espiritualidade e as conexões
que estabelecemos com a vida e com o que nos cerca. A investigação realizada
nesta obra é fundamental para estudarmos o fenômeno religioso e seus contextos
histórico, social e cultural, a fim de compreendermos as influências da
religião na vida do ser humano e das sociedades.
“Tentar responder aos questionamentos mais
profundos do ser humano — sua origem, sua missão e seu destino bem como compreender
as condições circunstanciais que o limitam — como a dor, o sofrimento, a
alegria, a angústia, o bem e o mal — ajuda-nos a discernir a origem do fenômeno
religioso, pois ele transcende o espaço físico e temporal, visto que por meio
dele se transfere à esfera da divindade e do misticismo aquilo que está além do
entendimento humano. Essa transferência gera dúvida e, consequentemente,
pesquisa, tentativas de respostas, enfim, conhecimento.
Em decorrência dessa reflexão especulativa,
começam a surgir tentativas de respostas, que vão sendo transmitidas às novas
gerações, primeiramente de forma incipiente, oral e, aos poucos, dando origem a
um corpo doutrinal que vai sendo ordenado, sistematizado e purificado.
O estudo do fenômeno religioso, em função de
sua especificidade, tem papel fundamental na compreensão da dimensão religiosa
de um povo, pois sempre está em sintonia com a cultura e os costumes de uma
determinada população. Como vimos, tal fenômeno se manifesta em rituais,
celebrações, doutrina e devocionário próprios. Convém lembrarmos que o meio no
qual o indivíduo está inserido condiciona seu ser religioso e, na maioria das vezes, determina sua filiação a um
credo específico. Geralmente, os indivíduos são livres para fizer suas próprias
escolhas, porém, quando no ambiente de algumas denominações fundamentalistas, a
tentativa de mudança implica enfrentamento familiar, social e cultural e é
vista como uma traição. Portanto, o fenômeno religioso deve ser compreendido
sempre de um ponto de vista macro, que envolve os aspectos culturais, sociais e
a dimensão humana como um todo e com todas as suas implicações.
Assim, compreender o fenômeno religioso é
entender como um determinado grupo vivencia o ethos e as implicações de tal comportamento em sua relação com a
sociedade como um todo — tanto do indivíduo com seus pares quanto com o
diferente. A filosofia da religião nos ajuda a compreender melhor esse universo
misterioso do fenômeno religioso e a emergência da alteridade.”
“Segundo J. Ferrater Mora (Dicionário de filosofía, 1964, p. 731,
tradução nossa), o subjetivismo se caracteriza pela “redução de qualquer juízo
ao sujeito que julga; é o mesmo que dizer da limitação da validez ao sujeito
que julga”. O subjetivismo é a tendência a só se levar em conta os dados
subjetivos, ou seja, do sujeito envolvido. Como também afirmam La Brosse, Henri
e Rouillard (Dicionário de termos da fé,
[S.d.], p 739), subjetivismo é o sistema segundo o qual o homem não conhece as
coisas em si mesmas, mas tais como são para ele, como se lhe apresentam. Duas
divisões: sistema que afirma que só existe o sujeito que pensa e que representa
as coisas (idealismo absoluto) ou sistema em que representações exteriores não
têm substância (fenomenismo).
Com a corrente filosófica subjetivista, a
crise do saber, a ausência dos valores fundamentais e universais e,
particularmente, a crise generalizada que atinge todas as instâncias da
sociedade, sobretudo os campos da educação e da cultura, há a tendência de se
cair no relativismo sistêmico. Segundo J. B. Libânio (Seminário sobre pastoral urbana, 1995), a desconfiança atinge os
sistemas de verdade, de bem e de valores criados pela razão. As crises das
verdades e dos valores perenes, das grandes teorias explicativas da realidade e
da história e das instâncias decisórias sociais abrem espaço para as
particularidades em todos os níveis. Surgem as “pequenas verdades”, as morais
provisórias, os interesses pessoais que geram o individualismo. (...)
Libânio nos fala da pretensão da modernidade
de remeter a religião ao mundo privado e, se fosse possível, de aboli-la
totalmente:
Entronizou-se a razão crítica como a normadora fundamental da sociedade.
O malogro desse projeto revela-se pelo fato de a razão fracassar na tarefa de
criar uma sociedade humana, igual, fraterna, livre. Além do mais, ao desalojar
a religião da função estruturante e normativa da sociedade e entregá-la à
subjetividade das pessoas, terminou por provocar um fenomenal surto de
denominações e grupos religiosos. Em vez de uma grande religião, de um único
universo simbólico tradicional ou de uma razão com pretensões religiosas,
assistimos ao emergir de infinitas manifestações religiosas, novos movimentos
religiosos, autônomos, independes, flexíveis, criativos, em numero sempre maior.”
“A filosofia da religião, como expressão
crítica da reflexão humana sobre o fenômeno religioso, norteia-se por um
conjunto de pressupostos. Identificar adequadamente esses pressupostos é
fundamental para que seu discurso não se confunda com o discurso religioso em
si, aquele que é feito pelo fiel — a quem estamos chamando de Homo religiosus. Sem pretender
apresentar uma lista exaustiva de pressupostos para a reflexão filosófica
acerca do fenômeno religioso, passamos à exposição de alguns que julgamos
fundamentais:
• A filosofia da religião ou o estudo filosófico da
religião baseia-se na pressuposição de que a religião e as ideias religiosas,
pertencentes primariamente à esfera do sentimento e à experiência prática,
podem ser também objetos da interpretação científica ou racional.
• O estudo filosófico da religião pressupõe também que,
embora a religião e filosofia estudem os mesmos assuntos, a atitude humana para
com eles é diferente em cada caso. Na religião, esses assuntos se apresentam
como realidades imediatas e objeto de devoção e gozo espiritual; ao passo que,
na filosofia, esses mesmos assuntos se apresentam como objeto de reflexão,
apreensão intelectual e mesmo pesquisa especulativa.”
(U. Zilles, Filosofia
da religião, 2010, p. 17-19).
“Para Alves e Redyson (Religare, 2010) ocorreu na Grécia uma passagem da teogonia para a cosmogonia e, na sequência, para a cosmologia. Teogonia (Θεογονία) que
tem origem grega e, etimologicamente, é uma palavra composta pelos termos theos (deus) e gonia (nascimento) — pode ser tomada pelo sentido de narrativa
sobre a origem dos deuses, dos homens e das coisas.
Já cosmogonia (κοσμογονία) — que também vem do grego e é composta pelos termos κοσμοç (universo) e yoviα (nascimento) — pode ser tomada pelo sentido de narrativa
sobre o nascimento e a organização do mundo por meio de forças geradoras —
narrativa ainda ligada aos mitos.
Por sua vez, a cosmologia surgiu como o
estudo da origem do universo e do mundo com base na natureza (physis). O período pré-socrático
cosmológico é considerado por Marilena Chaui (Introdução à história da filosofia, 2002) o primeiro período da
história da filosofia.
Reale e Antiseri (História da filosofia, v.1, 2007, p. 7) observam que para os gregos
também foi muito importante Hesíodo com sua Teogonia, que relata
o nascimento de todos os deuses. E, como muitos deuses coincidem com
partes do universo e com fenômeno do cosmo, a teogonia torna-se também
cosmogonia, ou seja, explicação mítico-poética e fantástica da gênese do
universo e dos fenômenos cósmicos, a partir do Caos original, que foi o
primeiro a se gerar. Esse poema abriu o caminho para a posterior cosmologia
filosófica, que, ao invés de usar a fantasia, buscaria com a razão o “princípio
primeiro” do qual tudo se gerou.
Nesse período da história da filosofia, os
pensadores buscavam superar as explicações sobre a origem e a transformação do
mundo e das coisas por meio de mitos sobre divindades e forças sobrenaturais,
substituindo-as por explicações racionais embasadas na observação da natureza e
pela formulação de teorias lógicas.”
“As questões filosóficas e religiosas não
podem ser evitadas: “Como a religião era parte desta vida concreta, os
filósofos não podiam deixar de formular a questão da verdade da religião, de
sua significação para a vida humana e a questão filosófica sobre Deus” (Zilles,
2010, p. 8). Os questionamentos acerca da realidade do mundo e de Deus estão
aí, ao alcance de qualquer pessoa que se aventure a pensar. Transcrevemos a
seguir o que Reale e Antiseri (História
da filosofia, v.3, 2005b) apresentam no preâmbulo de seus estudos sobre a
história da filosofia e o argumento da razão. Essas indagações são as mesmas
que os primeiros pensadores fizeram, que nós fazemos e que outros farão por
todo o sempre, pois tratam da essência do ser, da relação com a divindade e com
o cosmos:
Deus existe, ou existiríamos apenas nós, perdidos neste imenso universo?
O mundo é um cosmo ou um caos? A história humana tem sentido? E se tem, qual é?
Ou, então, tudo — a glória e a miséria, as grandes conquistas e os sofrimentos
inocentes, vítimas e carnífices — tudo acabará no absurdo, desprovido de
qualquer sentido? E o homem: é livre e responsável, ou é um simples fragmento
insignificante do universo, determinado em suas ações por rígidas leis
naturais? A ciência pode nos dar certezas? O que é a verdade? Quais são as
relações entre razão científica e fé religiosa? Quando podemos dizer que um
Estado é democrático? E quais são os fundamentos da democracia? É possível
obter uma justificação racional dos valores mais elevados? E quando é que somos
racionais? (Reale; Antiseri, 2005b, p.3)”
“Segundo La Brosse, Henri e Rouillard [S.d.],
o sagrado tem sua origem latina no vocábulo sacer,
santo, e pode ser compreendido por três enfoques distintos. O primeiro é da história das religiões, que entende que
ele “qualifica uma coisa, uma disposição ou um costume considerados intocáveis,
exceto por algumas pessoas”. Nessa categoria, podemos citar os ritos e cerimônias
e, até mesmos os objetos utilizados para o ritual. O segundo enfoque é o da filosofia da religião, que entende o
sagrado como “aquilo pelo qual se experimenta um contato com o divino, que
suscita simultaneamente admiração e atração, terror e afastamento”, portanto,
envolve o indivíduo, provocando nele um estado de espírito e uma mudança comportamental.
O terceiro enfoque é o da sociologia da
religião, que reconhece como sagrado o domínio das coisas segregadas e
reservadas ao culto”.”
“Para as três grandes religiões monoteístas,
o cristianismo, o judaísmo e o islamismo, o sagrado é tudo aquilo que tem uma
proximidade com Deus ou a ele é consagrado por um ritual específico: espaços
celebrativos ou de significação especial, objetos de devoção ou próprios de
rituais celebrativos, situações e datas específicas, pessoas consagradas ou
outros elementos próprios de cada denominação.
Nas religiões tradicionais, animistas e
politeístas, o conceito de sagrado se expande conforme as divindades cultuadas,
que muitas vezes representam as forças da natureza ou estão associadas a ela.
Nesse sentido, o sagrado está presente em muitos ambientes, como a mata, a
água, o fogo, o vento, a montanha e assim por diante. Gaarder, Hellern e
Notaker (O Livro das Religiões, 2001,
p. 18) nos ajudam a compreender essa dimensão do sagrado afirmando que “Alguém
que adora uma pedra não está prestando homenagem à pedra em si. Venera a pedra
porque esta é um hierofani, ou seja,
ela aponta o caminho para algo que é mais do que uma simples pedra: é o sagrado”.
Portanto, cada religião tem seu universo sagrado, que vai desde um símbolo, um
lugar de culto, objetos e forças da natureza até pessoas e divindades. O
objeto, a pessoa ou o lugar sagrados servem de sinais para apontar o divinos
como imagens simbólicas que transcendem o visível e o palpável e apontam para o
infinito ou o universo religioso.”
““De que modo, então, não entender a natureza
como sagrada, uma mediação para se chegar à divindade? Segundo M. Eliade (O Tratado e o Profano, 1992, p. 59),
para o homem religioso, a natureza tem origem divina, pois nasceu por obra das
mãos da divindade, portanto “o mundo fica impregnado de sacralidade”. Muitas
religiões, principalmente as primitivas, de origem tribal, entendem a natureza
como manifestação do sagrado. Religiões atuais, contudo, também consideram a
natureza como espaço sagrado por exemplo, as de matriz africana e indígena,
como veremos adiante.
O estudioso romeno, especialista do sagrado,
afirma:
Não se trata somente de urna sacralidade comunicada pelos deuses, como é
o caso, por exemplo, de um lugar ou um objeto consagrado por uma presença
divina. Os deuses fizeram mais: manifestaram as diferentes modalidades do
sagrado na própria estrutura do Mundo e dos fenômenos cósmicos. (Eliade, 1992, p. 59)
Na concepção indígena, por exemplo, ninguém
pode ser dono da terra, pois é um elemento religioso sagrado que pertence a
todos e assegura a vida e a sobrevivência da coletividade. A Mãe Terra é a casa
desses povos, acolhe e alimenta os filhos com os seus frutos. Há um
relacionamento de proximidade e de afeto do indígena com esse elemento sagrado,
a terra e tudo o que nela existe. Assim sendo, Deus, segundo a tradição
indígena, o Grande Espírito, é o protetor da natureza e determina o seu
cuidado. Segundo G. Schwikart (Dicionário
ilustrado das religiões, 2001, p. 96), muitas são as religiões indígenas
que “cultuam uma força misteriosa que os assiste e protege. É chamada por
alguns ‘Wakan Tanka’ ou ‘Grande Espírito’”.
Segundo a Assintec (Tradições religiosas indígenas e afro-brasileiras, 2007, p. 21),
para as religiões de matriz africana, tudo está impregnado de axé, ou seja, da
força vital que a tudo e a todos sustenta:
as raízes, o leito dos rios, as pedras, e outros elementos, também
possuem Axé. Receber o Axé significa incorporar os elementos simbólicos que
representam os princípios vitais de tudo o que existe no mundo visível (Àiyé) e
no mundo invisível (Òrun), num processo de expansão permanente.
A concepção da natureza como espaço sagrado
traz implicações muito importantes e impactantes para o mundo atual. Apenas
como um desdobramento do tema — e com parcialidade —, se a natureza fosse
compreendida em sua real sacralidade, isto é, o templo onde habitam o homem e a
mulher, criaturas divinas, e o local para o pleno desenvolvimento de suas
potencialidades, a natureza não seria tão desprezada, espezinhada e destruída.
A religião, nesse caso, seria um excelente fator de proteção.
Notem a incongruência: a natureza, com a sua
força inexplicável e poderosa, deu origem às mais profundas inquietações
humanas, que resultaram na filosofia e na religião. Essa mesma natureza,
maculada pela ganância dos mesmos homens, pode dar origem ao seu extermínio. O
ponto de convergência das religiões é a busca do equilíbrio do ser humano com
os outros seres, a natureza e a divindade. A ruptura significa morte, o
contrário de religião, que, em uma de suas definições, é reatar ou religar.”
“Para Gaarder, Hellern e Notaker (2001, p.
38-39),
A principal característica das religiões universais surgidas no Oriente
Médio é o monoteísmo: elas têm um só Deus. Dá-se grande peso à relação do
indivíduo com Deus e à sua salvação. O papel do sacrifício é bem menos
proeminente nelas do que nas religiões nacionais, ao passo que o da oração e da
meditação é mais importante. As religiões universais foram criadas por profetas
fundadores cujos nomes são conhecidos: Moisés, Buda, Lao-Tse, Jesus, Maomé. (...)
As religiões de origem oriental apresentam
alguns aspectos comuns, entre eles podemos destacar a visão cíclica da
história, que vai se repetindo sempre, em um ciclo eterno e assim “o mundo dura
de eternidade em eternidade [...]. O divino está presente em tudo. Ele se
manifesta em muitas divindades (politeísmo), ou como uma força impessoal que
permeia tudo e a todos (panteísmo)” (Gaarder; Hellern; Notaker, 2001, p. 40). A
união com a divindade pode ser conseguida por meio do conhecimento ou de uma
experiência de iluminação interior. (...)
Para as religiões orientais, a salvação
acontece com a libertação do ciclo das constantes reencarnações até a plena purificação e, para que isso
aconteça, o fiel necessita fazer penitência e crescer no conhecimento místico.
Essas religiões pregam a fuga do mundo e a pacificidade, entendida como
vivência de paz, por esse motivo, florescem entre elas a vida monástica de
recolhimento e de oração. Em seus cultos, rituais e celebrações, prevalecem a
oração, os mantras, o incenso, os sacrifícios e os exercícios de meditação.
(...)
O hinduísmo,
religião principal da Índia, não é homogêneo. Existem variantes nas crenças e
nas formas de celebrar o culto. Nos vários segmentos do hinduísmo, as castas, a
compreensão da vaca como animal sagrado e a ideia do carma (soma das boas e más
ações da pessoa, que podem resultar na reencarnação) são elementos comuns.
Convém recordar que esse país possui a estratificação em castas: os sacerdotes
ou brâmanes; os guerreiros; os agricultores, os comerciantes, os artesãos e, a
última, os servos. A vaca é considerada sagrada porque é o símbolo da
fecundidade e da fertilidade, concepção herdada dos antigos e consta nos hinos
vedas. A palavra veda significa
conhecimento e marca um período da história que se inicia em 1500 a.C. e se
prolonga até 500 a.C. No que se refere ao carma, segundo Gaarder, Hellern e
Notaker (2001, p. 46), “um hinduísta acredita que, depois da morte de um
indivíduo, sua alma renasce numa nova criatura vivente. Pode renascer numa
casta mais alta ou mais baixa, ou pode passar a habitar um animal”. Segundo o
pensamento hinduísta, a alma não morre e nem envelhece, e todas as ações podem
reaparecer após a morte.
Há uma ordem inexorável nesse ciclo que vai de uma existência a outra. O
impulso por trás dela, ou que a mantém sempre em movimento, é o karma do homem,
palavra sânscrita que significa “ato”. Porém, nesse caso, ato se refere a
pensamentos, palavras e sentimentos, não apenas a ações físicas. (Gaarder; Hellern; Notaker, 2001, p. 46)
Convém recordar que o hinduísmo é uma
religião politeísta cujos principais deuses são: Vishnu, Rama, Krishna, Shiva e
Brahma. Existem, igualmente, nessa religião a presença de deusas como Kali, a
Deusa Mãe ou a Rainha no Universo. A divindade Oficial da Índia é a Mãe Índia
ou Bhárata Mata. Existem, também, muitas outras divindades secundárias.
Quanto ao budismo, seu fundador foi Sidarta Gautama (560 a.C.-480 a.C.). De
família nobre, depois de esbanjar sua vida em vaidades, acabou assumindo um
estado ascético, isto é, de esforço e de sacrifício, em busca da iluminação, o
que conseguiu aos 35 anos de idade, sentado sob uma figueira às margens de um
afluente do Ganges. Ali se tornou um buda, ou seja, um iluminado. Alguns
definem esse estado como nirvana,
isto é, verdade suprema. Essa verdade era uma resposta a alguns aspectos
negativos ou estados de alma: “Tudo o que existe no mundo é (a) sem autonomia,
(b) transitório, e, em consequência, (c) pleno de sofrimento. Assim, ele [Buda]
não via esperança enquanto o homem estivesse preso nesse ciclo” (Gaarder;
Hellern; Notaker, 2001, p. 64). A doutrina budista ensina que
existe algo eterno, algo fora do sofrimento. O budista chama a isso de
NIRVANA. Essa palavra significa, na verdade, “apagar”. O desejo “se extingue”
quando se atinge o nirvana. A imagem representa o desejo como chama que se
apaga quando o combustível termina — o combustível é a luxúria humana, o ódio e
a ilusão. (Gaarder; Hellern; Notaker, 2001), p. 64,
grifo do original) (...)
Em um breve olhar sobre o confucionismo, vemos que é um misto de
filosofia de vida e de religião; um conjunto de pensamentos, regras e rituais
sociais desenvolvidos pelo filósofo Confúcio. O confucionismo era uma religião
praticada pela elite e pelas classes dominantes até o final do império chinês,
em 1911. Essa religião não se expandiu em meio à população.
O taoísmo,
segundo os pesquisadores da religião Gaarder, Hellern e Notaker (2001, p. 86), “se
baseia num livro chamado Tao Te Ching, O
livro do Tao e do Te. Tao (ordem do mundo) e te (força vital) são antigos
conceitos chineses aos quais Confúcio deu uma interpretação um pouco diferente”.
O tao, portanto, representa a suprema ordem do universo. O taoísmo encontrou
maior ressonância e difundiu-se mais entre a população em virtude de suas
características de magia.
O xintoísmo
é conhecido como a antiga religião oficial do Japão, porém, a partir do ano 500
d.C., sofreu grandes impactos do budismo, resultando em uma mútua influência.
Segundo os pesquisadores citados, no Japão não existe uma filiação religiosa
rígida: as pessoas transitam livremente entre várias religiões, participando de
seus cultos e rituais. O xintoísmo entra na categoria de uma religião nacional,
não tem um fundador e adota costumes e características de várias outras
denominações religiosas.
O tenri-kyo
é uma religião recente, surgida no século XIX, com origens no taoísmo. Fundada
por uma mulher chamada Miki Nakayama, que recebeu revelações do deus Oya-gami.
Segundo sua doutrina, é uma religião monoteísta e a divindade é considerada
como o único deus verdadeiro criador de tudo. Seu objetivo é levar o bem-estar
a todas as pessoas por meio da bênção do rito cultual. Sua ideologia é de
caráter missionário e busca expansão na Ásia e nas Américas.
Embora essas religiosidades e ideologias
tenham como sua origem o Oriente e o Extremo Oriente, elas possuem um elevado
grau de penetração nas sociedades ocidentais, dado o caráter místico e muitas
vezes mágico de seus cultos. Em nossos estudos de filosofia da religião,
podemos perceber o fascínio que essas religiões exercem principalmente sobre os
jovens.”
“As religiões denominadas afro-brasileiras são muitas e têm suas
raízes no continente africano; porém são brasileiras por sua estruturação e
surgiram em vários pontos do país, como o candomblé na Bahia, no Rio de Janeiro
e em outros estados; o batuque nos estados do Sul, principalmente no Rio Grande
do Sul; o tambor de mina no Maranhão e no Pará; o xangó em Recife; xambá e
catimbó no Nordeste; e, mais tarde, a umbanda, iniciada em 1908, em Niterói (RJ)
— religião de características africanas com um profundo sincretismo com o
espiritismo e catolicismo. Essas formas de crer provenientes da África
Ocidental chegaram ao Brasil junto com os negros escravizados no período colonial,
nos séculos XVIII e XIX.
Segundo o teólogo e pesquisador Hans Küng (Religiões do mundo, 2004), essas
manifestações religiosas primitivas deram origem a todas as religiões e têm sua
gênese em grupos específicos africanos, aos quais denomina de “religiões
tribais que, praticamente sem dispor de quaisquer textos escritos constituem de
certa forma o terreno onde todas as religiões estão enraizadas, e que, ao mesmo
tempo, continuam a existir nas várias regiões do mundo”.
O animismo
é uma característica própria das religiões primitivas e tribais e é aplicado
também para as religiões nativas presentes em nosso continente. Segundo
Schlesinger e Porto (Dicionário
enciclopédico das religiões, 1995, p. 184), o animismo é
a expressão religiosa do homem primitivo que se caracteriza pela
adoração de espíritos que residem em árvores, montanhas, poços e fontes
sagradas ou mesmo em pedras de formas especiais. Precedem o mosaísmo, mas antes
se deu lugar aos deuses antropomórficos. Penetrou na tradição judaica, que no Antigo
Testamento procede de ideias animistas, pois concebe o espírito como sujeito
individual de índole pessoal que se apossa do homem e o torna capaz de realizar
ações que requerem força especial. (...)
As religiões de matriz africana
consolidaram-se no Brasil por meio de um profundo sincretismo entre as crenças
africanas, o catolicismo tradicional, as tradições nativas brasileiras, o
islamismo em alguns grupos e, mais tarde, o espiritismo. Não há uma pureza de
raiz africana, mas sim, uma forma de crer envolvendo diversas matrizes
religiosas. Em um olhar mais apurado, poderíamos até arriscar dizer que essas
denominações representam o rosto do Brasil.
A religião, caminho encontrado pelos negros
escravizados para garantirem sua identidade cultural e aliviarem seus
sofrimentos e saudades, desempenhou um papel importante no contexto social
desses indivíduos. As reuniões celebrativas nos terreiros, com suas orações e
cantos, eram uma forma de prestar devoções aos Orixás, que são as forças da
natureza, auxiliares de Olorum, o Ser Supremo, criador de todas as coisas.
Serviam também para manter vivas as suas raízes e representaram uma forma de
resistência contra os portugueses colonizadores. Segundo Küng (2004, p. 41),
entre as religiões tribais da África Negra existe uma ampla faixa
espíritos. Bons e maus, previsíveis e imprevisíveis. Espíritos ancestrais
(vadzimu), que agora se manifestam como espíritos protetores da família,
sobretudo as crianças. Espíritos errantes (mashavi), que, não tendo sido
corretamente sepultados em terras estranhas, não querem ficar esquecidos.
Espíritos tribais (mhondoro) que se preocupam com o bem da tribo e de seu
chefe. Não é, como muitas vezes se ouve, que as religiões tribais sejam
marcadas inteiramente pelo medo dos demônios.
Entre as denominações de matriz africana
destaca-se o candomblé, que
significa cantar e dançar em louvor e, segundo A. Schultz (O protestantismo e as estruturas teológicas do imaginário religioso
brasileiro, 2005), é a religião dos ancestrais africanos, portanto, no
parecer de seus seguidores, guarda a pureza de sua origem. Contudo, o candomblé
apresenta em sua estrutura sinais claros de outras tradições religiosas, em uma
profunda simbiose. “Na verdade, o candomblé não é uma religião africana, mas
que surge do contato das religiões africanas trazidas pelos escravizados com o
contexto brasileiro. As diversas tradições africanas se misturaram no Brasil, e
estas com o catolicismo e com a matriz indígena” (Schultz, 2005, p. 55).
Um elemento comum presente nas religiões de
matriz africana, no candomblé, na umbanda e nos outros grupos religiosos, é a
energia vital, por elas denominada de axé. Segundo a Assintec (2007, p. 21),
a palavra Axé pode ser traduzida como “aquilo que deve ser realizado”.
Segundo as tradições religiosas africanas essa força é contida e transmitida
por meio de elementos materiais e de certas substâncias, mantendo e renovando
neles sua capacidade de realização. Nas manifestações religiosas, o sangue
portador do Axé pertence ao Ser Superior, Criador de todas as coisas, e é
oferecido a Ele em primeiro lugar. O sangue pode ser de origem animal, vegetal
ou mineral. O coração, o fígado, os pulmões e os órgãos genitais são partes do
corpo consideradas plenas de Axé. As raízes, as folhas, o leito dos rios, as
pedras, e outros elementos, também possuem Axé. Receber o Axé significa
incorporar os elementos simbólicos que representam os princípios vitais de tudo
o que existe no mundo visível (Àiyé) e no mundo invisível (Òrun), num processo
de expansão permanente.
Além do candomblé, destacamos em nosso estudo
a umbanda. Sua estrutura é
tipicamente brasileira e surgiu da fusão de vários elementos dos cultos afro,
da devoção popular católica, da doutrina espírita e do relacionamento com o
mundo dos espíritos e os costumes dos pajés indígenas. Além desses elementos,
aparecem também traços esotéricos, principalmente em sua simbologia. A palavra umbanda, segundo a Assintec (2007), tem
dois significados, o primeiro significa a arte de curar, e deriva do kimbundo,
um dos idiomas africanos; e o segundo diz que a palavra umbanda se traduz como a Lei Maior ou Lei Suprema do Bem.
Destacamos em nosso estudo alguns aspectos
que são considerados essenciais na cultura e na tradição religiosa
afro-brasileira: a oralidade, o símbolo e o diálogo. Segundo os apontamentos da
Assintec (2007, p. 21), “o sistema comunicativo da oralidade prevê a
identificação, a expressão e a conservação da bagagem etnocultural. O símbolo é
fundamental para a expressão da crença”. A dimensão dialógica tem um espaço
crucial nessas denominações religiosas, pois é por meio dela que os mitos e as
tradições culturais são transmitidos às novas gerações. Lugar de destaque nesse
processo tem o ancião, pois ele é o
mestre da palavra e, como na cultura tribal africana, tem o papel de
autoridade: nas religiões de matriz africana, são denominados de pai de santo ou mãe de santo e são a
referência do grupo religioso.
Não existe nas religiões de matriz africana
um corpo doutrinário sistematizado e, por esse motivo, é comum perceber
crianças de famílias pertencentes a cultos africanos frequentarem catequese
católica para adquirirem um conteúdo doutrinário que lhes ajude na assimilação
de valores religiosos.
É interessante notar em nosso estudo sobre a
filosofia da religião como as religiões de matriz africana influenciaram e
marcaram o tecido cultural, social e religioso brasileiro. Essa profunda
simbiose; um misto de culturas, crenças, rituais, símbolos e magia, despertou
no imaginário das pessoas uma espécie de sedução e a possibilidade de responder
a algumas das inquietações mais profundas da existência e a solução para
problemas concretos do dia a dia. Exemplos concretos são os trabalhos encomendados
para se conseguir atingir a determinados objetivos, a comunicação com os
espíritos e, consequentemente, com os mortos, que exerce um fascínio sobre
muitas pessoas. Todos esses fatores levam-nos a compreender por que essas
religiões transcenderam o universo racial negro e atraíram um número
significativo de pessoas brancas e de outras etnias. É comum perceber que a
umbanda, por exemplo, não parece ser uma religião de rosto negro.”
“Tanto as religiões africanas quanto as
indígenas brasileiras, bem como as da América como um todo e de outras partes
do planeta com características tribais, entram na classificação de religiões
primais, definidas como
São aquelas que os estudiosos costumavam chamar de “religiões primitivas”
e que se encontram, ou se encontravam, em culturas ágrafas, entre os povos
tribais da África, Ásia, América do Norte e do Sul e Polinésia. A marca mais
característica dessas religiões é a crença numa miríade de forças, deuses e
espíritos que controlam a vida cotidiana. O culto aos antepassados e os ritos
de passagem desempenham um papel importante. A comunidade religiosa não se
separa da vida social, e o sacerdócio normalmente é sinônimo de liderança
política da tribo. (Gaarder; Hellern; Notaker, 2001, p.38)
Por conta da opressão que pesou sobre as
nações indígenas no território brasileiro nesses pouco mais de quinhentos anos
de colonização, com a consequente dizimação de incontáveis culturas, sobrevivem
no Brasil pouco mais de 200 povos diferentes e 170 línguas distintas das mais
de mil nações indígenas que existiam. Cada uma delas com sua herança cultural,
suas tradições; seus mitos e suas crenças específicas.
Nesse universo da diversidade cultural
indígena, os pesquisadores constataram que as tradições religiosas são
diferentes, pois
há uma diversidade de povos e culturas que se distinguem no tipo
biológico, línguas, costumes, ritos, organização social, etc. Suas religiões
são profundamente marcadas por rituais nos quais os mitos são revividos com
intensidade de modo que em algumas comunidades os participantes no ato
ritualístico sentem-se parte da divindade.(Assintec,
2007 p. 5)
Os ritos celebrativos são de grande riqueza,
envolvem expressões corporais com dança, cantos, com uma variedade de
entonações vocais e a beleza dos instrumentos musicais, além da prática de
rituais de defumação e o uso de bebidas produzidas com plantas nativas que
provocam transe e evocam incorporações.
Uma das características dessas religiões
tribais indígenas é a sua estruturação. Comum a todas elas é a busca do
equilíbrio entre o humano e o mundo exterior — a natureza, por exemplos
denominada de Mãe Terra. Essa
harmonização é a garantia da sobrevivência da nação, pois a natureza recebe a
caracterização do sagrado, Homem e natureza estão intimamente ligados. A essa
característica denominamos de animismo,
como vimos nas religiões de matriz africana com as mesmas características
tribais. Portanto, destruir a natureza e tudo o que ela contém representa um
rompimento com a divindade. Tudo na vida de uma aldeia gira em torno dessa
dimensão sagrada e o seu dia a dia está impregnado do sentimento religioso.
Portanto, a terra intocada é condição da sobrevivência da cultura indígena.
Outro aspecto importante na compreensão da
religiosidade indígena é a sua visão do mundo, tudo está em perfeita harmonia.
Para essas culturas, os elementos da natureza, a água, o vento, a terra, o
fogo, o sol. a lua e os demais astros foram criados e dispostos no mundo de
forma orgânica e em perfeita harmonia. Em sua origem, o indígena vivia essa
perfeita simbiose com os elementos da natureza e a característica principal de
sua forma de vida era a partilha e a solidariedade em uma vida comum. Esse
equilíbrio foi destruído com a chegada dos colonizadores e muitos desses
valores desapareceram em virtude da luta pela sobrevivência. À medida que a
natureza desaparece, também desaparecem os povos indígenas.
Para muitas das religiões nativas, a figura
do Grande Espírito, ou do transcendente, é compreendida como sendo a de um ser
dotado de bondade e que se preocupa com todas as pessoas e está em harmonia com
elas. Também há crenças em divindades menores que auxiliam o Grande Espírito e
em espíritos que povoam o mundo, como os dos ancestrais, os espíritos das
florestas ou outras forças de cura, como é o caso das ervas medicinais
utilizadas pelos pajés em cuidados de saúde. Segundo a Assintec (2007, p. 5), “os
espíritos maus devem ser apaziguados e os bons devem ser convencidos a
ajudá-los. Os nomes dados à divindade superior e aos espíritos variam de uma
nação para outra: Maira, Itukoóviti (aquele que criou todas as coisas),
Nhyanderú, Nhyanderuvusú, Nhyanderupapá, etc.”.
Outra característica dos povos indígenas é a
crença nos mitos, sempre com alguma conexão com a religião e a proteção da
floresta. Eles povoam o universo cultural indígena e surgem nos mais variados
contextos, sempre estão integrados ao cotidiano da vida das comunidades. Os
mitos tratam de temas, como o surgimento do mundo e a vida da aldeia e dos
outros povos. Os mitos surgiram para explicar o desconhecido, principalmente os
fenômenos naturais e as situações que afetam a vida dos membros da tribo, como
o nascimento, a puberdade, a doença e a morte. Neles estão contidos muitos dos
seus textos sagrados e daquilo que é considerado sagrado por essas etnias, bem
como de seus ritos, celebrações e festas. Entre os incontáveis mitos,
destacamos alguns: o da chegada do fogo, o da origem do mundo, o do surgimento
de alguns alimentos e bebidas (como o milho, a mandioca e o guaraná), o da lua,
o do sol, o da Iara (Mãe d’água), o do Anhangá (protetor dos animais), o
Curupira (protetor das matas), o das Amazonas, o do boto, o da vitória-régia, o
do boitatá, o da caipora e o da cuca.
Esse rico conjunto de povos indígenas, com
suas crenças, ritos e mitos, compôs o berço sobre o qual nasceu a nação
brasileira, com seu rosto plurifacetado, marcado com os traços de todas as
raças do planeta. Muitos desses mitos, herdados das civilizações indígenas e
transmitidos oralmente, entraram no universo cultural do povo brasileiro,
fazendo parte do seu dia a dia.”
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