Editora: Civilização Brasileira
Opinião: ★★★☆☆
Páginas: 220
Sinopse: Nesta obra, em que o materialismo dialético
é definido em seus conceitos e categorias, bem como em suas leis e em sua
evolução histórica, o leitor encontra reunido em um só volume, extenso material
disseminado por inumerável bibliografia nem sempre ao alcance do estudioso ou
do interessado no desenvolvimento da dialética, da contribuição de Hegel às categorias
estabelecidas por Marx.
Este livro é um compilado dos
escritos dos seguintes autores: V. Afanasiev — Fundamentos de Filosofia /
F. Engels — Anti-Dühring / F. Engels — Dialéctica de la Naturaleza / F. Engels — Ludwig
Feuerbach y el Fin de la Filosofia Clasica Alemana / R. Garaudy — Karl Marx
/ F. V. Konstantinov — Los Fundamentos de la Filosofia Marxista / V. I. Lênin
— Cuadernos Filosoficos / V. I. Lênin — Marx-Engels-Marxismo / V.
I. Lênin — Materialismo y Empiriocriticismo / V. I. Lênin — Obras, 4ª
edição, 35 vols., Moscou / Karl Marx — Oeuvres Complêtes. Le Capital, 14
vol. / K. Marx e F. Engels — Obras Escolhidas / G. Plékhanov — Les Questions
Fondamentales du Marxisme / G. Plékhanov — Essais sur Histoire du Matérialisme
/ M. Rosental — Les Problême de la Dialectique dans Le Capital de Marx / M. Rosental
e G. M. Straks — Categorias del Materialismo Dialéctico / G. Shajnazarov
e outros — Los Hombres, la Ciencia, Sociedad / O. Yajor — Que es el Materialismo
Dialéctico.
“A experiência que
o homem pôde tirar da vida, mais o desenvolvimento da ciência e da prática, foram,
paulatinamente, convencendo-o de que, por mais distintos que fossem os objetos e
fenômenos, por mais diferentes que fossem suas propriedades, eram todos materiais,
existiam fora e independentemente de sua consciência. Dessa maneira, as ciências
naturais demostraram irrefutavelmente que a terra já existia milhões de anos antes
que o homem e os seres vivos em geral aparecessem sobre ela. Isso significava que
a matéria e a natureza são objetivas, não dependem do homem ou de sua consciência
e que a própria consciência não é mais que um produto do desenvolvimento prolongado
do mundo material. A propriedade comum a todos os objetos e fenômenos — de serem
realidade objetiva, existirem fora de nossa consciência e serem refletidos por ela
— expressa precisamente o conceito ou categoria filosófica de matéria.
A categoria de matéria
é um conceito amplo: não se restringe a um objeto ou processo isolado, nem a um
grupo de objetos ou fenômenos mas, ao contrário, abarca toda a realidade objetiva.
Abstraindo-se das particularidades, propriedades e aspectos conhecidos dos objetos,
de seus nexos e inter-relações concretas, expressa o comum, o principal
de todos esses objetos: a objetividade, ou seja, sua existência independente
da consciência do homem. O conceito de matéria dá não só uma ideia das propriedades
comuns do mundo objetivo como tal mas, também, uma importantíssima categoria
do conhecimento. Ao reconhecer no homem sua capacidade para conhecer o mundo
e indicar a fonte de nossos conhecimentos, constitui, ainda assim, a base para resolver
as questões mais importantes da teoria do conhecimento do materialismo dialético.
O reconhecimento da objetividade do mundo circundante e a atitude do entendimento
humano para conhecê-lo, constituem os princípios básicos da concepção materialista
dialética do mundo. Isso significa que o conceito de matéria — reflexo desses
princípios importantíssimos — é, precisamente a categoria central, a mais
importante — do materialismo dialético.
O alcance do conceito
de matéria é grande, também, para outras ciências, particularmente para as naturais.
Qualquer ciência acabaria por se converter em jogo sem estrutura do gênio humano,
caso não estudasse todos os aspectos da realidade objetiva. Lênin deu uma definição
autenticamente científica e completa da matéria, no livro Materialismo e Crítica
Empírica. Escreveu: “A matéria é uma categoria filosófica que serve para designar
a realidade objetiva que é dada ao homem em suas sensações, que é copiada, fotografada,
refletida por nossas sensações e que existe independente delas”. É difícil subestimar
a importância da definição leninista da matéria. Ao generalizar a experiência multissecular da humanidade, atingiu os
homens pela compreensão acertada do mundo circundante. Ensina-lhes, tanto na prática
como na cognição, a partir da realidade e das condições materiais objetivas, e não
das ideias subjetivas. Ao afirmar a cognoscibilidade do mundo, oferece ao entendimento
humano perspectivas ilimitadas, desperta o pensamento, ajuda o homem a penetrar
os profundos enigmas do mundo. A definição leninista de matéria reflete a contradição
radical entre o materialismo dialético e o idealismo ou o agnoticismo.” (Afanasiev:
Filosofia. págs. 57-59).
“As ciências naturais
estudam o mundo real e objetivo, seus seres multiformes, sua estrutura e propriedades,
suas relações mútuas e sua sujeição a leis. A ciência não poderia existir se não
se reconhecesse que o mundo que nos rodeia possui realidade objetiva. O conceito
de matéria reflete essa realidade objetiva.” (Konstantinov: Fundamentos,
págs. 120-126)
“Movimento e mudança
Estudando os multiformes
fenômenos naturais, é fácil advertir que todos eles estão em movimento, que são
objeto de incessantes mutações. Procurem encontrar um objeto que esteja absolutamente
imóvel. Pode-se dizer, com toda segurança, que tal propósito fracassará. É certo
que os corpos podem encontrar-se em estado de quietude, mas a imobilidade
é sempre relativa; os corpos só podem estar imóveis em relação a qualquer
sistema de coordenadas aceito condicionalmente como imóvel. Uma pedra no caminho,
por exemplo, está imóvel em relação à Terra; mas, junto com esta, gira, diariamente,
em torno do eixo terrestre e, anualmente, ao redor do Sol. O sol se move na galáxia
e esta descreve, por sua vez, uma trajetória complicada entre outros sistemas estelares.
Atendo-nos inclusive, à forma mecânica mais simples de movimento, é impossível encontrar
objetos absolutamente imóveis, pois, nos corpos, operam-se também mudanças mais
complexas, físicas e químicas: movimentos de átomos, de moléculas e de partículas
elementares. Mais complexo ainda é o movimento na natureza viva e na sociedade.
Nos organismos de pessoas e animais, operam-se complicados processos fisiológicos.
No desenvolvimento da natureza viva, umas espécies são substituídas por outras.
Na história da humanidade existe um desenvolvimento e renovação constante de todos
os aspectos da vida social: econômico, político e cultural. Nem um só dia se estanca
a atividade cognoscitiva dos homens. Com o desenvolvimento das relações sociais,
muda também o próprio homem: suas concepções, ideais, condição moral e conduta.
O mundo material nos
oferece como que um quadro grandioso do movimento e mudanças universais, em que
não existe nada estático, imutável, dado de uma vez e para sempre. Heráclito, filósofo
da antiga Grécia, dizia mundo, tudo flui, tudo muda. O próprio fato da universalidade
do mundo nos faz pensar que a matéria e o movimento estão indissoluvelmente relacionados,
que são inseparáveis. E assim é, na realidade, pois a ciência contemporânea estabeleceu
irrevogavelmente que a matéria só pode existir em movimento. Se, por casualidade,
sucedesse o impossível e todos os processos se detivessem durante certo tempo isto
equivaleria ao desaparecimento completo do próprio mundo, da realidade objetiva,
da matéria. Em verdade, assim é. Que representa o núcleo do átomo? Um conjunto de
partículas elementares, núcleons, retidos em um todo pelas forças nucleares surgidas
no processo de seu movimento. A cessação desse movimento provocaria a desintegração
do núcleo, o átomo deixaria de subsistir. Sem movimento é, também, inconcebível
o campo eletromagnético e a luz, que é um fluxo de partículas, os fótons, que existem
só em movimento. Quaisquer que? sejam os objetos e fenômenos materiais que estudemos,
chegaremos a esta inelutável conclusão: ser, existir, significa encontrar-se em
movimento. O movimento, entendido como mudança em geral, como eterno processo
de renovação e é parte inalienável, propriedade cardeal da matéria, forma universal
(modo) de sua existência.” (SHAJNAZAROV: Ciência, págs. 13-14).
“Jamais existiu, nem
pode existir, matéria sem movimento. A matéria é inseparável do movimento. Ou, com
outras palavras: o movimento é o modo eterno de existência da matéria.
Para o materialismo dialético, o movimento não se reduz simplesmente ao deslocamento
mecânico dos corpos no espaço, mas se entende por ele toda mudança em geral. Por
esse motivo, escreve Engels: “O movimento, no sentido mais amplo da palavra, concebido
como modo de existência da matéria, como atributo a ela inerente, compreende mudanças
e processos que se operam no universo, da simples mudança de lugar ao pensamento”.
À grande diversidade e variedade de fenômenos da natureza corresponde, também, a
existência de uma multidão de formas diversas do movimento da matéria.” (Konstantinov:
Fundamentos, págs. 126-129).
“O papel de Hegel
Apesar de sua significação
histórica progressista, que já explicamos, o materialismo dos séculos XVII e XVIII
padecia o defeito de considerar os fenômenos da natureza do ponto de vista metafísico.
Nos fins do século XVIII e começos do XIX, os representantes mais avançados das
ciências naturais, da Filosofia e do pensamento social começaram a superar, em maior
ou menor medida, a maneira metafísica de pensar. Foi abrindo caminho cada vez mais,
a ideia do desenvolvimento da natureza e da sociedade. À crítica das concepções
metafísicas e à preparação teórica do método dialético contribuíram consideravelmente
os representantes da Filosofia clássica alemã, Kant, Fichte, Schelling e, em particular,
Hegel. Os acontecimentos histórico-sociais daquele tempo, especialmente a revolução
industrial da Inglaterra e a grande revolução burguesa de 1789 a 1794 na França,
deixaram claro que a sociedade não é algo imutável, mas que se acha sujeita a um
processo de progressivo desenvolvimento. A revolução francesa exerceu poderosa influência
no espírito dos homens daquele tempo e sobre o desenvolvimento do pensamento filosófico.
A Filosofia clássica alemã, de Kant até Hegel, desenvolveu-se tanto ao influxo da
vida social da Alemanha como sob a ação da revolução francesa e dos acontecimentos
que a provocaram. (...)
Cada nova descoberta
alcançada na prática das investigações científicas revelava mais e mais a limitação
e a unilateralidade da interpretação metafísica da natureza. As matemáticas, enriquecidas
pelas grandes descobertas de Descartes, Leibnitz, Newton, Euler e muitos outros
eminentes sábios dos séculos XVII e XVIII, foram a primeira ciência especial que
se aproximou espontaneamente da dialética. Assim compreendeu já Hegel, que se aplicou
tenazmente ao estudo da ciência matemática e nela se apoiou para elaborar a sua
dialética. (...) Os filósofos idealistas alemães, em oposição a seus sistemas especulativos,
submeteram à crítica o método metafísico do pensamento, enriqueceram a Filosofia
com a ideia do desenvolvimento dialético, criaram o método dialético (sob sua forma
idealista), e trouxeram, com isto, valiosa contribuição à história do pensamento
filosófico mais avançado. (...)
A dialética, sob sua
forma idealista, alcança seu grau mais alto de desenvolvimento na Filosofia de George
Wilhelm Friederich Hegel (1770-1831). Hegel é o representante da filosofia do idealismo
objetivo. Suas obras principais são a Fenomenologia
do Espírito (1806), a Ciência da Lógica (1812-1816), a Enciclopédia
das Ciências Filosóficas (1817), que consta de três partes — a Lógica,
a Filosofia da Natureza e a Filosofia do Espírito — a Filosofia
do Direito (1821), as Lições da História da Filosofia (1833-1836), a
Filosofia da História (1838) e as Lições de Estética (1836-1838).
Em relação ao sistema idealista hegeliano, todos os fenômenos da natureza e da sociedade
têm seu fundamento no Espírito universal. Hegel chama a esse “Espírito universal”
a Ideia absoluta, o Espírito absoluto e, às vezes, Deus.
O traço característico
essencial da filosofia idealista de Hegel consiste em que esse pensador considera
a ideia absoluta, o espírito absoluto, em movimento, em um processo de desenvolvimento
dialético. Sua teoria do “devenir” (Werden), a ideia de desenvolvimento,
forma a medula da dialética idealista hegeliana e se orienta integralmente contra
a metafísica. No modo dialético de Hegel, revestem especial importância os três
princípios do desenvolvimento por ele considerados e que interpreta idealisticamente
como o movimento do próprio conceito, a saber: a mudança da quantidade em qualidade,
a contradição como fonte de desenvolvimento e a negação da negação. Nestes três
princípios, Hegel descobre e formula, ainda que sob forma idealista, as verdadeiras
leis universais do desenvolvimento. Pela primeira vez na história da Filosofia,
ensina-se que a fonte, o motor do desenvolvimento é a contradição interna inerente
aos fenômenos. Este pensamento hegeliano, o pensamento da natureza contraditória,
implícita no desenvolvimento, representa valiosíssima aquisição, inapreciável, da
Filosofia. (...) Hegel enriqueceu, pois, a Filosofia, com a elaboração do método
dialético. Em sua dialética idealista se encerrava um profundo conteúdo racional.
Seu exame dos conceitos fundamentais da Filosofia e das ciências naturais levou-o,
até certo ponto, a uma interpretação dialética da natureza, ainda que seu sistema
negasse o desenvolvimento desta no tempo. (...)
A filosofia hegeliana
encerra uma contradição entre o caráter metafísico do sistema e a natureza dialética
do método. O sistema metafísico de Hegel nega, como vimos, o desenvolvimento na
natureza. Seu método dialético, em troca, reconhece o desenvolvimento, a mudança
de uns conceitos em outros, sua ação mútua e seu movimento, que vai do simples ao
complexo. Hegel só vê o desenvolvimento da vida social no passado. Considerava a
monarquia constitucional prussiana por estamentos como o cimo da história da sociedade
e seu próprio sistema do idealismo objetivo como coroamento de toda a história da
Filosofia. Daí porque, em Hegel, o sistema acaba triunfando, em resultado final,
sobre o método. Na teoria idealista hegeliana da sociedade, em sua Filosofia
do Espírito, entretanto, encontram-se muitas valiosas ideias dialéticas sobre
o desenvolvimento da vida social. Hegel formula o pensamento da sujeição a leis
do processo histórico. A sociedade civil, o Estado, as ideias jurídicas, estéticas,
religiosas e filosóficas percorreram, segundo a dialética hegeliana, longo caminho
de desenvolvimento histórico. “A Filosofia alemã — diz Engels — encontrou seu remate
no sistema de Hegel, em que, pela primeira vez e esse é o seu grande mérito — concebe-se
o mundo todo da natureza, da história e do espírito como um processo, quer dizer,
como um mundo sujeito a constante alteração, a mudanças, transformações e desenvolvimento
constante, intentando, ademais, pôr em relevo a íntima conexão que preside esse
processo de desenvolvimento e mudança. Contemplada desse ponto de vista, a história
da humanidade já não aparecia como um caos árido de violências absurdas, todas igualmente
condenadas ante o foro da razão filosófica madura e boas para serem esquecidas quanto
antes, mas como o processo de desenvolvimento da própria humanidade, que cabia ao
pensamento seguir, em suas etapas graduais e através de todos os extravios, até
descobrir as leis internas por que se regia tudo aquilo que, à primeira vista, se
pudesse crer obra do cego azar. Não importa que o sistema de Hegel não resolvesse
esse problema. Seu mérito, que marca época, consistiu em tê-lo colocado”.” (Konstantinov:
Fundamentos, págs. 72-78)
“A consciência, portanto,
não é simplesmente uma propriedade do cérebro, mas uma qualidade do cérebro que
colabora com o mundo material. A consciência é a capacidade da matéria altamente
organizada para refletir o mundo exterior em imagens ideais. Graças a ela, o
homem conhece o mundo circundante e suas leis, organizando seu trabalho prático.”
(Shajnazarov: Ciências, págs. 25-26).
“Os pensamentos, as
sensações, as noções, a vontade, são a consciência. Possui-as, antes de tudo, o
homem. Se não há um ser que sinta, não haverá sensações; se não há quem deseje,
quer dizer, o homem, não haverá desejos. Não há vontade onde não existe um ser que
deva manifestar essa vontade. A margem do homem, fora dele, não há nem vontade,
nem sensações, nem desejos, nem nenhuma outra manifestação de consciência, de psique,
de pensamento. Vocês sabem que a natureza, a matéria existia já antes que aparecessem
o homem e sua consciência, sua psique. Isto mostra claramente que a natureza, a
matéria, é o primário, e que a consciência, o pensamento, é o secundário. Mas pode
surgir uma pergunta: tinham os seres vivos consciência de que existiam antes que
o homem? Sim, os animais também possuem alguns germes de consciência. A sensação
da cor e do cheiro e certa inteligência lhes são inerentes, por exemplo. Mas, inclusive
estes germes de consciência apareceram faz pouco, relativamente: ao surgirem os
animais. Do dito se deduz que a natureza existiu não só antes que o homem,
mas, em geral, antes que os seres vivos e, por consequência, independentemente
da consciência. É o primário. Mas a consciência não pôde existir antes da natureza.
É o secundário. Encontramo-nos diante de uma das demonstrações mais importantes
da solução materialista do problema principal da Filosofia. Mas não é a única. Vocês
conhecem algumas delas, através da experiência cotidiana. (...)” (Yajot: Materialismo,
págs. 70-72).
“Ainda que nossos sentidos
não percebam diretamente a consciência mesma dos demais homens, percebem-se seus
atos reais, sua conduta, assim como a linguagem com que expressam suas mútuas relações
e seus nexos com o mundo circundante. A atividade do indivíduo, o caráter de suas
relações mútuas com os demais homens e de sua conexão com o meio que o rodeia colocam
em relevo os traços essenciais da consciência desse indivíduo. Não é em vão que
se costuma dizer: “Para conhecer alguém, olha o que ele faz”. O exame escrupuloso
da atividade prática dos homens, de sua interdependência e de seus vínculos com
o meio ambiente — natural e social — (e tudo isso se pode estudar com métodos objetivos),
resulta muito mais fecundo para a consciência, do ponto de vista de seu estudo,
do que a auto-observação do que nela acontece.” (Konstantinov: Fundamentos,
págs. 155-159)
“A consciência como
reflexo
A consciência é, portanto,
produto da atividade cerebral, mas só surge e se forma no cérebro em virtude dos
nexos materiais que ligam este ao mundo exterior. Graças aos órgãos sensoriais periféricos
— os olhos, o ouvido, as mucosas nasais, as papilas da língua, as terminações nervosas
da pele, etc. — o cérebro pode vincular-se ao mundo exterior. Só quando a excitação
nervosa, provocada pela ação estimulante de certos agentes materiais sobre os órgãos
dos sentidos, chega ao cérebro, surgem nele as sensações. Assim, por exemplo, as
sensações auditivas são suscitadas pelas ondas sonoras que atuam sobre o ouvido;
as olfativas são originadas pela ação das partículas materiais sobre as cédulas
olfativas, situadas nas cavidades nasais do nariz, etc. A fonte das sensações é,
por conseguinte, o mundo exterior, a matéria, o meio material, os fenômenos e objetos
que o compõem. As sensações constituem a forma elementar da consciência, sobre cuja
base surgem todos os demais fenômenos, mais complexos, dela. Sem as sensações, o
conhecimento seria impossível. Só mediante as sensações, adquire a consciência seu
conteúdo integral e toda a sua riqueza. Quanto mais amplos e diversos sejam os vínculos
que a unem ao mundo circundante, tanto mais impregnada estará de conteúdo. (...)
As sensações e percepções
não concordam com os objetos exteriores, da maneira como os sinais ou signos convencionais
com as coisas a que se referem, mas como as cópias que correspondem a determinados
objetos. As sensações e percepções são cópias, fotografias ou imagens dos objetos
materiais. Esta tese constitui um dos pilares da teoria dialético-materialista do
conhecimento. Sua veracidade foi comprovada de modo irrefutável pelas ciências naturais.
(...)
O homem não é só um
ser biológico, mas também social. Seus órgãos sensoriais não somente são fruto da
evolução biológica, também o são do desenvolvimento da sociedade. Ao atuar sobre
a natureza, o homem se transforma a si mesmo e transforma, ao mesmo tempo, seus
órgãos dos sentidos. O olho da águia vê mais longe que o débil olho humano: a águia
não vê nas coisas, no entanto, a centésima parte do que o homem pode ver. Assim
como o ouvido, o tato e o olfato, a vista é fruto do desenvolvimento histórico humano.
Todos os homens têm sensações e percepções, mas o pintor pode distinguir mais matizes
cromáticos que os demais. Muitos animais captam um sussurro apenas audível, mas
o homem cultivado musicalmente pode escutar mais sons que o finíssimo ouvido de
um animal como o cachorro. A percepção do mundo pelo homem não é passiva, contemplativa,
como um espelho inerte, mas uma percepção ativa. No processo de sua atividade transformadora
social, o homem percebe os objetos e fenômenos do mundo circundante. Isso lhe permite
conhecer mais a fundo o mundo. Nesse processo de percepção do mundo que o rodeia,
desempenham função muito importante não só os objetos percebidos e os órgãos sensoriais,
mas toda a experiência histórica acumulada pelo homem e a humanidade. (...)
Nosso cérebro possui
a faculdade de formar representações, quer dizer, imagens dos objetos que,
em dado momento, não provocam sensações em nós. Ainda que essas imagens pareçam
produto da auto-atividade arbitrária da consciência, não é assim na realidade. Só
podemos representar-nos os objetos que alguma vez provocaram, efetivamente, sensações
em nós, deixando suas marcas gravadas em nosso cérebro. As representações, como
as sensações e percepções que lhes servem de base, são reflexos, imagens do mundo
material. (...) Posto que as representações não dependem da existência das sensações
em um momento dado, desfrutam de relativa autonomia e podem ser combinadas de modo
arbitrário em nossa mente. A imaginação humana pode associar elementos de representações
muito diversas, formadas à base dos fenômenos sensoriais e perceptivos que se deram
em alguma ocasião; mas, em última instância, todos esses elementos refletem a realidade
objetiva. Até a fantasia mais desenfreada tem que ver com o material apresentado
pelas sensações, daí que reflete também o mundo exterior. (...) Diferentemente das
sensações e percepções, as representações não refletem os objetivos e fenômenos
do mundo exterior com toda a diversidade de seus traços singulares, mas prescindem
de alguns detalhes. Certos traços gerais, típicos, dos objetos e fenômenos
semelhantes situam-se em primeiro plano. O pensamento que opera com conceitos
é também reflexo do mundo exterior. Sem as sensações, não seria possível este modo
de refletir a realidade. Mas o pensamento não tem um caráter concreto-sensível,
como as sensações, percepções e representações; reflete não só as coisas e fenômenos
singulares, mas, antes de tudo, o que há de geral nisso, sua essência interna,
seus nexos próprios e as leis que os regem. O pensamento alcança esse reflexo generalizado
da realidade mediante os conceitos.” (Konstantinov: Fundamentos, págs. 162-168).
“A tese de que a consciência
reflete o mundo material constitui o próprio fundamento da teoria materialista do
conhecimento. Se a consciência reflete o mundo exterior, tem, então, caráter derivado,
em relação a ele; o mundo, ao contrário, tem existência objetiva e independente
da consciência, já que a imagem reflexa não pode existir sem o refletido, enquanto
que o que se reflete existe independentemente de seu próprio reflexo. Admitir isto
significa repudiar o ponto de vista do idealismo e adotar o da filosofia materialista.
(...)” (Konstantinov: Fundamentos, págs. 175-182).
“A falha das velhas
escolas materialistas estava em que sua maneira de pensar era predominantemente
metafísica; não se achava armadas com um método acertado, dialético, de conhecimento.
Chama-se método metafísico ao modo de abordar o estudo das coisas e dos fenômenos
da natureza sem considerá-los em suas mútuas relações orgânicas, vendo neles algo
substancialmente imutável e carente de contradições internas. Este método reflete,
unilateralmente, alguns traços da realidade, registra a estabilidade relativa das
coisas e faz caso omisso de seu desenvolvimento; destaca os elementos soltos e perde
de vista o todo de que fazem parte.
O método de conhecimento
oposto ao metafísico chama-se dialético. É o método que considera as coisas,
os fenômenos e seus reflexos mentais, os conceitos, em suas mútuas relações e em
movimento, em seu nascimento, desenvolvimento contraditório e desaparecimento. (...)
Marx superou as limitações do velho materialismo. Enriqueceu o materialismo com
a dialética, a doutrina mais multifacética e profunda a respeito do desenvolvimento.”
(Konstantinov: Fundamentos, págs. 25-26)
“Marx não se deteve,
porém, no materialismo do século XVIII, levou a Filosofia mais adiante. Enriqueceu-a
com as aquisições da Filosofia clássica alemã, sobretudo do sistema de Hegel, que
havia conduzido, a seu turno, ao materialismo de Feuerbach. A principal dessas aquisições
é a dialética, quer dizer, a teoria da evolução em seu aspecto mais completo, mais
profundo e mais isento de estreiteza, teoria da relatividade do conhecimento do
homem, que reflete a matéria em perpétuo desenvolvimento. As recentes descobertas
das ciências naturais — o rádio, os elétrons, a transformação dos elementos — confirmaram
admiravelmente o materialismo dialético de Marx, a despeito das doutrinas dos filósofos
burgueses e de seus “novos” retornos ao antigo idealismo apodrecido.
Aprofundando e desenvolvendo
o materialismo filosófico, Marx levou-o a seu termo lógico, e estendeu-o do conhecimento
da natureza ao conhecimento da sociedade humana. O materialismo histórico
de Marx foi a maior conquista do pensamento científico. Ao caos e ao arbitrário
que reinavam, até então, nas concepções da História e da política, sucedeu uma teoria
científica marcadamente coerente e harmoniosa, que mostra como, de uma organização
social, surge e se desenvolve, em consequência do crescimento das forças produtivas,
outra forma, mais elevada — como, por exemplo, o capitalismo nasce do feudalismo.
Assim como a consciência do homem reflete a natureza que existe independentemente
dele, quer dizer, a matéria em via de desenvolvimento, a consciência social
do homem (quer dizer, diferentes opiniões e doutrinas filosóficas, religiosas, políticas,
etc.) reflete o regime econômico da sociedade. As instituições políticas
erigem-se em superestrutura sobre uma base econômica.” (Lênin: Marxisme,
págs. 72-73).
“Nossa doutrina — dizia
Engels, por si mesmo e pelo seu célebre amigo — não é um dogma, mas um guia para
a ação.” (Lênin: Marxisme, págs. 295-300).
““A grande ideia fundamental”,
escreve Engels, “segundo a qual o mundo não deve ser considerado como um complexo
de coisas acabadas, mas como um complexo de processos em que as coisas, estáveis
na aparência, tanto quanto seus reflexos intelectuais em nosso cérebro, os conceitos,
passam por mudança ininterrupta de aparecimento e desaparecimento... esta grande
ideia fundamental penetrou, sobretudo depois de Hegel, tão profundamente na consciência
comum que não encontra, sob essa forma genérica, quase mais contradição. Mas reconhecê-la
em palavras e aplicá-la na realidade, em detalhe, em cada domínio submetido à investigação,
são duas coisas diferentes”. “Nada subsiste de definitivo, de absoluto, de sagrado
diante dela (a filosofia dialética); ela mostra a caducidade de todas as coisas
e em todas as coisas, e nada subsiste diante dela senão o ininterrupto processo
de aparecimento e desaparecimento, da ascensão sem fim do inferior ao superior,
de que ela própria não é senão o reflexo no cérebro pensante”. Segundo Marx, leis
gerais do movimento, tanto do mundo exterior como do pensamento humano”. (...)
Em nossa época, a ideia
do desenvolvimento, da evolução, penetrou quase inteiramente a consciência social,
mas por outras vias que a Filosofia de Hegel. Esta ideia, tal como a formularam
Marx e Engels, apoiando-se em Hegel, é muito mais vasta e mais rica de conteúdo
que a ideia corrente de evolução. Uma evolução que parece reproduzir estágios já
conhecidos, mas sob outra forma, em grau mais elevado (“negação da negação”); uma
evolução por assim dizer em espiral e não em linha reta; uma evolução por saltos,
catástrofes, revoluções, “por soluções de continuidade”; a transformação da quantidade
em qualidade; os impulsos internos do desenvolvimento, provocados pela contradição,
o choque das forças e tendências diversas agindo sobre um corpo dado, no quadro
de um fenômeno dado ou no seio de uma sociedade dada; a interdependência e a ligação
estreita, indissolúvel, de todos os aspectos de cada fenômeno (e tais aspectos
a História os faz aparecer, sem cessar, de novo), ligação que determina o processo
universal do movimento , processo único, regido por leis, tais são certos dos traços
da dialética, enquanto doutrina da evolução mais rica de conteúdo que a doutrina
usual.” (Lênin: Marxismo, págs. 16-18)
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