Editora: Alfa-Omega
ISBN: 978-85-2950-042-3
Tradução: Leda Rita Cintra Ferraz
Opinião: ★★★☆☆
Páginas: 360
Sinopse: Ver Parte I
“Mas foi Marx quem apresentou, com uma base
materialista e científica consequente, leis da formação e do conhecimento da
essência, aplicadas à formação capitalista.
Como podemos ver, a ordem da elaboração das
categorias na história da Filosofia corresponde, em seu conjunto, à relação
entre as categorias enquanto graus do desenvolvimento do conhecimento social.
4. AS CATEGORIAS ENQUANTO GRAUS DO
DESENVOLVIMENTO DA PRÁTICA SOCIAL
O conhecimento das formas universais do ser
dá-se no decorrer da atividade prática, no processo da transformação, orientada
em direção a uma meta e à realidade. As ligações e as propriedades universais
colocadas em evidência exprimem-se não apenas nas imagens e conceitos ideais
surgidos no decorrer do desenvolvimento do conhecimento, mas igualmente pelos
meios de trabalho criados pelos homens e pelas formas de sua atividade humana.
É por isso que, no curso da formação dessa ou daquela categoria, reflete-se não
somente a especificidade do estágio correspondente ao desenvolvimento do
conhecimento, mas também as particularidades de formas da atividade dos homens,
formas de relacionamentos existentes entre eles, assim como as existentes entre
eles e a natureza, que são dominantes no período considerado como sendo o do
desenvolvimento histórico da sociedade. Por exemplo, a correlação, a interação
e a modificação (movimento), concebidos pelo homem como formas universais do
ser, nos primeiros graus do desenvolvimento do conhecimento, são momentos
necessários e universais do trabalho, da transformação racional dos objetos da
natureza em meios de existência.
Com efeito, a atividade laboriosa tem por
meta transformar esse ou aquele objeto ou fenômeno da natureza, por meio da
ação de outro objeto (ferramenta) sobre ele, isto é, criar entre esses objetos
uma certa ligação. No processo do trabalho, colocando os objetos em uma outra
ligação que não aquela encontrada em seu estado natural e fazendo-os agir uns
sobre os outros, o homem conseguiu sua transformação no sentido que lhe
convinha. Observando milhares de vezes esse fenômeno, ele concluiu, inevitavelmente,
que tudo na realidade ambiente encontra-se em correlação, em interação e que
tudo leva a modificações e transformações de um no outro. Ainda mais, é
precisamente essa convicção de que os objetos do mundo exterior se encontram em
correlação, agindo uns sobre os outros, e, em decorrência, a convicção de que
eles podem transformar-se, que foi uma das condições necessárias para a
organização consciente e o desenvolvimento ulterior da produção. Se o homem não
soubesse ou não tivesse certeza de que os objetos que o rodeiam pudessem
transformar-se, ele não teria começado a agir sobre eles, não teria igualmente
organizado a produção. Na Antiguidade, o próprio funcionamento e o
desenvolvimento da produção provaram não apenas que o homem conhecia a
capacidade dos objetos do mundo exterior de se transformar, em decorrência de
sua interação, mas também que ele utilizava com sucesso esse conhecimento em
sua atividade laboriosa.
A história do desenvolvimento da técnica
testemunha a utilização da interação e das transformações que esta última
implica, na atividade prática e, mais exatamente, no começo do desenvolvimento
do conhecimento. Por exemplo, as primeiras formas de obtenção do fogo
baseiam-se no friccionamento de dois objetos, assim como as primeiras máquinas
elétricas basearam-se na interação, e assim por diante.
A influência da atividade prática — e, em
particular, das formas de ligação que se estabelecem na sociedade entre os
homens, das formas de suas relações — sobre a formação das categorias, é
expressa, por exemplo, pela maneira como se estabelece o fundamento da ligação
e do movimento universais dados por Heráclito e que se baseiam na unidade
(comunidade) da natureza primeira de tudo o que existe. Para provar que todos
os fenômenos do mundo estão ligados e que passam uns pelos outros, a partir do
fato de que eles têm uma natureza comum — o fogo —, Heráclito compara o papel
desempenhado pelo fogo no mundo das coisas ao papel do ouro nas relações
comerciais da sociedade humana. Esse filósofo dizia que tudo pode ser trocado
pelo fogo e o fogo pode ser trocado por qualquer coisa, assim como toda
mercadoria pode ser trocada pelo ouro e o ouro por qualquer mercadoria.
A ligação da teoria de Aristóteles sobre os
quatro tipos de causas — final, normal, material, produtiva — na prática, é
bastante evidente. Aristóteles expõe a base de sua teoria da causalidade,
tomando, como exemplo, a construção de uma casa.
Esse exemplo e o próprio fato de que
Aristóteles tenha apresentado quatro tipos de causas mostram que ele procurava
explicar o aparecimento das coisas na realidade ambiente por analogia com a
criação no processo da atividade laboriosa dos homens.
A dependência da formação das categorias da
dialética, com relação à atividade prática, e o reflexo por elas desses ou
daqueles aspectos e formas surgem igualmente na elaboração da concepção
mecanicista da causalidade na filosofia pré-marxista. Segundo essa concepção,
as causas são forças exteriores que são aplicadas aos corpos para provocar o
movimento. Essa representação da causa tem suas raízes na atividade laboriosa,
exatamente na forma que ela possuía quando se realizava essencialmente pela
ação do organismo humano sobre o mundo exterior, assim como no mecanismo
terrestre baseado na dualidade da relação de causa e efeito: um aspecto sendo
ativo e o outro passivo. Mostrando o caráter limitado da noção pré-marxista da
causa como uma força agindo sobre o corpo, Engels escreveu: “(...) A ideia de
força, pelo próprio fato de que tem sua origem na ação do organismo humano sobre
o mundo exterior e também no mecanismo terrestre, implica que apenas uma parte
é ativa e operante, enquanto a outra é passiva, receptiva...
A ideia de dependência frente a frente com a
prática e com as relações sociais foi aplicada por Marx e Engels a outras
categorias da dialética e, em particular, às categorias do singular e do geral.
Mostrando a ligação dessas teorias com as formas de vida e de atividade dos
homens, Marx escreveu que: “O que diria, então old (o velho) Hegel se viesse a saber no outro mundo que o Allgemeine (o geral) em alemão e em
nórdico, nada mais significa do que o Gemeinland
(os bens comuns), e o Sundre, Besondere (o particular), nada mais é do
que a parcela particular desligada dos bens comuns? Assim, portanto, as
categorias lógicas resultam simplesmente de nossas relações humanas”8.
O resultado disso é que as categorias não são
apenas graus do desenvolvimento da consciência, mas também graus do
desenvolvimento da prática social dos homens, de suas relações entre eles e
deles com a natureza.
Desempenhando o papel de graus do
desenvolvimento do conhecimento social e da prática, as categorias refletem não
apenas as formas universais do ser, as propriedades e as ligações universais da
realidade e suas leis universais, mas também as leis do movimento do
conhecimento do inferior ao superior, as leis do funcionamento e do
desenvolvimento do pensamento.
“(...) As categorias do pensamento, escrevia
Lenin, não são um formulário do homem, mas a expressão das leis que são
obedecidas tanto pela natureza como pelos homens”9. E, em outro
ponto, ele escreve, citando a expressão de Hegel: “O movimento da consciência, ‘assim
como o desenvolvimento de toda vida natural e espiritual’, baseia-se na ‘natureza
das essencialidades puras que formam o conteúdo da lógica’”; além disso ele
salienta que: “A inverter: a lógica e a teoria do conhecimento devem ser
deduzidas do ‘desenvolvimento de toda vida natural e espiritual’”10.
As categorias, formando-se em uma certa ordem
no curso do desenvolvimento do conhecimento social, estabelecem, entre elas,
ligações e relações necessárias e assim formam a estrutura da atividade do
pensamento dos homens, que se manifesta sob a forma de uma ordem lógica do
conhecimento, sob formas universais do movimento do pensamento. No decorrer do
conhecimento do objeto, o sujeito o concebe pelo prisma das categorias, que se
criou em sua consciência e, realizando uma síntese categorial, coloca em
evidência as propriedades e as ligações próprias a esse objeto e, em seguida,
as formas específicas de sua manifestação em um domínio concreto da realidade.
Ao mesmo tempo, o sujeito também coloca em evidência as características
qualitativas e quantitativas do objeto estudado, das ligações de causa e efeito
que lhe são próprias e as leis de seu funcionamento e de seu desenvolvimento.
À luz de tudo isso, a estrutura categorial
que assegura o movimento do pensamento em direção à verdade é verificada em
cada ação cognitiva e prática, em cada operação do pensamento e, em virtude de
milhares de repetições e de confirmações, na prática, adquire um caráter de
universalidade e de verdade. (...)
Assim, sendo um produto da atividade
cognitiva, as categorias refletem as particularidades dos estágios do
conhecimento no próprio momento em que elas se formam e, por meio de relações
necessárias surgidas entre elas — as leis do movimento do conhecimento do
inferior ao superior, as leis do funcionamento e do desenvolvimento do
pensamento; estando ligadas à prática, que coloca em evidência as formas
universais do ser, as propriedades e as relações universais das coisas e as
materializa nos meios de trabalho criados e nas formas de atividade — as
categorias refletem, de uma maneira ou de outra, as leis do funcionamento e do
desenvolvimento da atividade prática.”
7 F. Engels, La dialectique de la nature, p. 87.
8 K. Marx e F.
Engels, Correspondance, Moscou, Ed.
Progresso, 1971, p. 202.
9 V. Lenin, Oeuvres, t. 38, p. 89.
10 Lenin, op. cit., p. 86.
“Dentre todos os países contemporâneos, é
apenas nos países socialistas que é aplicado o seguinte princípio: ‘De cada um
segundo suas capacidades, a cada um segundo seu trabalho’.”
“Uma definição científica do movimento foi
dada, pela primeira vez, pelos fundadores do materialismo dialético e, em
particular, por Engels que escreveu que: “o movimento, aplicado à matéria, é a
modificação em geral”10. Ele “inclui todas as mudanças e todos os
processos que se produzem no universo, da simples mudança de lugar até o
pensamento”11.
O movimento é um atributo da matéria, sua propriedade
fundamental. É por isso que ele está indissoluvelmente ligado a ela. Não houve,
não há e não pode haver matéria sem movimento, nem movimento sem matéria. (...)
Sendo uma realidade objetiva, existindo fora
e independentemente da consciência humana, a matéria não pode desaparecer total
ou parcialmente, nem se transformar em qualquer coisa de imaterial. Ela existe
eternamente, passando continuamente de um estado ou aspecto qualitativo a
outro. E o mesmo acontece com o movimento. Estando organicamente ligado à matéria,
ele não pode desaparecer ou se transformar em nenhuma outra coisa que não seja
o movimento, porque sua quantidade permanece sempre a mesma. Salientando a
eternidade da matéria e do movimento, assim como sua ligação orgânica, Engels
escreveu que: “A matéria sem o movimento é tão inconcebível quanto o movimento
sem a matéria. O movimento é, portanto, tão impossível de ser criado e
destruído quanto a própria matéria...”.
10 F. Engels, Dialectique de la nature cit., p. 252.
11 F. Engels, La dialectique de la nature cit., p. 75.
“O materialismo dialético reconhece tanto o
movimento em círculo, como o retorno para trás (regressão), mas não considera
essas como tendências dominantes. A tendência dominante, no mundo material, é o
movimento progressivo, as transformações que conduzem à passagem do inferior ao
superior, do simples ao complexo, isto é, o desenvolvimento.”
“Certos autores utilizam os conceitos de
evolução e de revolução em um sentido um pouco diferente9. Por
revolução eles entendem um salto-ruptura e não toda modificação em cujo curso
produz-se a destruição radical do fundamento qualitativo da coisa, e por
evolução, eles entendem um salto que se realiza por acumulação gradual dos
elementos da nova qualidade e do enfraquecimento gradual dos elementos da
antiga qualidade.
A identificação da revolução com o
salto-ruptura e da evolução com a passagem de um estado qualitativo a outro,
por acumulação dos elementos da nova qualidade e o enfraquecimento dos
elementos da antiga qualidade, não nos parece justificada. A revolução
distingue-se da evolução não pela forma com que se realiza a passagem de uma
qualidade a uma outra, mas pelo caráter, a profundidade, o grau de
transformação da coisa, se essa passagem é acompanhada da destruição radical da
qualidade existente, da transformação da coisa em uma outra coisa ou
simplesmente de uma modificação de seu aspecto, de um desenvolvimento no quadro
do próprio fundamento qualitativo.
Outros autores10 entendem por
revolução as mudanças qualitativas e por evolução as mudanças quantitativas.
Entretanto, embora a utilização dos conceitos de “revolução” e de “evolução”
nesse sentido esteja profundamente enraizado na literatura filosófica, esta
significação não constitui o conteúdo específico das categorias em questão, não
é sua significação categorial.
O que é fundamental e específico no conteúdo
desses conceitos é que um deles — “revolução” — designa um salto, que supõe a
destruição radical do antigo fundamento qualitativo da formação material
existente e o surgimento de uma nova formação material, enquanto que o outro — “evolução”
— designa um salto que supõe a passagem de uma formação material de um estado
qualitativo a um outro, no quadro de um fundamento qualitativo dado, no quadro
de sua essência. São esses momentos do conteúdo dos conceitos em questão que
lhes conferem a autonomia e o caráter categorial necessários.
Os conceitos de revolução e de evolução são
universais, aplicáveis a todos os domínios da realidade. Entretanto, esses
conceitos adquirem um caráter específico quando são utilizados para exprimir as
leis da passagem de um estado qualitativo a outro, nesse ou naquele domínio
concreto da natureza ou da vida social.
Se na natureza, a revolução é sempre um salto
que provoca a destruição radical do antigo fundamento qualitativo, em alguns
domínios da vida social, nos quais o desenvolvimento está ligado à ação de um
fato subjetivo, a revolução não será absolutamente a passagem de uma qualidade
a uma outra, que é acompanhada pela destruição radical do fundamento
qualitativo presente, mas apenas a passagem que engendra formações mais
perfeitas, isto é, a passagem do inferior ao superior. No que concerne aos
saltos ligados à destruição radical do fundamento qualitativo presente, em
decorrência dos quais opera-se a passagem de uma formação mais aperfeiçoada a
uma formação menos aperfeiçoada, isto é, do superior ao inferior, estes não
representam uma revolução, mas uma contrarrevolução. Uma revolução é, por
exemplo, a passagem do poder político de uma classe historicamente condenada a
uma classe progressista, como o dos senhores feudais para a burguesia, ou o da
burguesia para o proletariado. E a contrarrevolução é o restabelecimento
provisório da dominação econômica e política da classe historicamente condenada
e destruída no curso da revolução.
A evolução aplicada a fenômenos sociais dados
manifesta-se como reforma ligada, como já sabemos, a mudanças qualitativas no
quadro do próprio fundamento qualitativo e mudanças que não colocam em questão
a essência do regime econômico ou político da sociedade.
Tendo indicado a diferença entre as mudanças
reformistas e revolucionárias, Lenin escreveu que: “A ciência histórica nos diz
que o que distingue uma mudança reformista de uma mudança não reformista em um
regime político dado é, em geral, que, no primeiro caso, o poder permanece nas
mãos da antiga classe dominante, e que, no segundo caso, o poder passa das mãos
dessa classe para as de uma nova”11. Mas ao mesmo tempo ele
destacava que: “seria absolutamente falso pensar que, para lutar diretamente a
favor da revolução socialista, possamos ou devamos abandonar a luta pelas
reformas. Não é isso absolutamente. Nós não podemos saber em quanto tempo
alcançaremos o sucesso e em que momento condições objetivas permitirão o
acontecimento dessa revolução. É preciso que sustentemos qualquer melhoria,
toda melhoria real da situação econômica e política das massas”12.
Desde que a passagem de um estado qualitativo
a outro efetua-se por meio de saltos, no que concerne às transformações da
sociedade, assim como às relações sociais, e ainda a qualquer outro problema
concreto, é preciso ser revolucionário, não ter medo de derrubar tudo o que já
está ultrapassado, tudo o que já envelheceu.
Pelo fato de que os saltos, em decorrência
dos quais produz-se a passagem da antiga qualidade à nova qualidade, não têm o
mesmo caráter, nem a mesma forma, é preciso, na prática, que, no momento de uma
ação consciente sobre esse ou aquele processo da transformação de uma qualidade
a outra, estudemos minuciosamente a situação e que escolhamos a melhor forma de
salto, correspondente às condições concretas dadas, porque somente dessa
maneira estaremos livres de erros e poderemos realmente acelerar o curso
objetivo dos acontecimentos.”
9 L. V. Vorobiov,
V. M. Kagarov, A. E. Furman, As
categorias e fundamentais da dialética materialista, Ed. da Universidade
Estatal de Moscou, 1961, p. 220-39. Original em russo.
10 N. I. Borin, A lei de passagem das mudanças quantitativas
às qualitativas, 1960, p. 21. Original em russo.
11 V. Lenin, Oeuvres, t. 18, p. 588.
12 V. Lenin, op. cit., t. 23, p. 174.
“O caráter necessário da correlação da causa
e do efeito não exclui, portanto, a possibilidade da existência objetiva da
contingência, forma universal do ser, assim como a necessidade. Somente que, ao
contrário da necessidade, que se manifesta no domínio da correlação dos
elementos que constituem as causas e no domínio do laço das causas com seus
efeitos, a contingência manifesta-se apenas no domínio das causas, no domínio
da interação das formações materiais (e nas formações materiais), acarretando
as mudanças correspondentes.
A necessidade e a contingência não existem de
forma separada, uma ao lado da outra. Elas encontram-se em ligação orgânica e
em interdependência e pertencem aos mesmos fenômenos. Cada fenômeno, cada
formação material é, ao mesmo tempo, necessário e contingente. Algumas de suas
propriedades e ligações são condicionadas pelas causas internas e traduzem a
natureza de seus elementos formadores, outras são condicionadas por suas causas
externas, por sim interação com o meio ambiente. Por exemplo, cada organismo
vivo, no decorrer de seu desenvolvimento e de sua existência, manifesta uma
série de propriedades que o caracterizam como representante de uma certa
espécie. Essas propriedades são condicionadas por sua natureza, por seus
aspectos e ligações internos e são também programadas neles e constituem o
necessário.
Por outro lado, surgem nesse organismo vivo,
propriedades que são engendradas, pelas condições individuais de sua
existência, por sua interação com outras formações materiais e com o meio
ambiente. Elas formam o contingente. As propriedades necessárias do organismo
vivo existem nele, não ao lado das propriedades contingentes, mas nelas mesmas,
e manifestam-se por meio delas. As propriedades e as ligações contingentes são
uma forma de manifestação das propriedades e das ligações necessárias. A
necessidade cria seu caminho por meio de uma massa de desvios contingentes que,
exprimindo-a como uma tendência, introduzem no processo o fenômeno concreto, e
uma grande quantidade de novos elementos que não decorrem da necessidade, mas
que são condicionados por circunstâncias exteriores. Por exemplo, a dependência
do preço da mercadoria da quantidade de trabalho socialmente necessária, gasta
para produzi-la, existe não ao lado da dependência do preço com relação a
outros fatores e, em particular, com relação à correlação entre a oferta e a
procura existentes no mercado, mas manifesta-se nela, sob a forma de tendência,
mediante uma grande quantidade de desvios nesse ou naquele sentido, que
acompanham as operações de trocas.
Pelo fato de que a necessidade é condicionada
pela natureza da coisa e realiza-se necessariamente, enquanto a contingência é
chamada à vida por circunstâncias exteriores e pode dar-se ou não, na prática,
não devemos orientar-nos pela contingência, mas sim pelas propriedades e
ligações necessárias. Segue-se igualmente que o conhecimento da necessidade é
uma tarefa fundamental da ciência. Mas, como o necessário não existe no estado
puro e se manifesta mediante uma grande quantidade de desvios contingentes, seu
conhecimento só é possível por meio do estudo do contingente e a colocação em evidência,
nele, das tendências necessárias.”
“A necessidade existe sob forma de
propriedades e ligações dos fenômenos. Algumas relações e ligações necessárias
são chamadas de lei. A lei é, portanto, o que se manifesta, necessariamente,
nas condições apropriadas.”
“A correlação entre leis gerais e específicas
decorre das leis universais do desenvolvimento da matéria. No processo do
desenvolvimento realiza-se a negação de algumas formações materiais e o
aparecimento de outras que representam um grau mais elevado. Toda formação
material de um estágio mais elevado de desenvolvimento inclui, sob uma forma
anulada (transformada), o que era próprio à formação de um estágio inferior de
desenvolvimento, isto é, retém tudo o que era positivo, tudo o que foi obtido
pela matéria em sua evolução anterior. Mas, ao lado disso, entre as formações
materiais de um estágio mais elevado de evolução, aparecem novas propriedades
específicas que provêm do aparecimento de novos modos de interação, de ligações
e de relações novas. Por exemplo, quando da passagem do átomo à molécula, esta
última, retendo tudo o que era condicionado pela interação das partículas “elementares”,
que constituem esse átomo, adquire novas propriedades específicas,
condicionadas pelas novas relações, pelo novo modo de interação — interação dos
átomos entre si. Quando da passagem das formas de vida não celular para os
organismos celulares, estes últimos conservam algumas relações e ligações
próprias aos primeiros e, ao mesmo tempo, formam um novo sistema de ligações e
de relações. A mesma coisa acontece quando da passagem, na sociedade, de uma
formação econômica a outra.”
“Definir o conteúdo como fundamento das
coisas significa identificá-lo com a essência, mas estes são coisas diferentes.
A essência é o que é estável, o que permanece na coisa, enquanto o conteúdo é o
que se desloca, o que é instável, em movimento permanente, o que se renova; a
essência representa o geral na coisa, no objeto, o conteúdo representa sempre o
individual e inclui em si mesmo tanto o geral, como o singular; a essência é o
necessário na coisa, o conteúdo é a unidade do necessário e do contingente.”
“Na realidade, toda forma está organicamente
ligada ao conteúdo, é uma forma de ligação dos processos que o constituem. A
forma e o conteúdo estando em correlação orgânica, dependem um do outro, e essa
dependência não é equivalente. O papel determinante nas relações conteúdo-forma
é desempenhado pelo conteúdo. Ele determina a forma e suas mudanças acarretam
mudanças correspondentes da forma. Por sua vez, a forma reage sobre o conteúdo,
contribui para seu desenvolvimento ou o refreia.
Pelo fato de que o conteúdo representa o
conjunto dos processos e das mudanças que ele acarreta, próprias a uma formação
dada, ele está ligado ao movimento absoluto, que é uma característica de toda
formação material. A forma está ligada ao repouso relativo, porque ela é um sistema
relativamente estável de ligações de momentos (elementos) do conteúdo. Estando
ligado a um movimento absoluto, o conteúdo muda constantemente, enquanto que a
forma, que deve seu aparecimento e sua existência a um repouso relativo,
permanece imutável e estável durante um tempo mais ou menos longo.
Inicialmente, as mudanças que se produzem no
conteúdo não influem no sistema relativamente estável das ligações da forma;
elas instalam-se completamente em seu quadro e, por esse fato, o conteúdo
evolui rápida e imperiosamente. Mas há um ponto em que as mudanças no conteúdo
atingem um nível em que os quadros desse sistema de correlação tornam-se muito
estreitos. O sistema relativamente estável começa a entravar o desenvolvimento
do conteúdo, a reprimi-lo. Nesse estágio de desenvolvimento do conteúdo, a
forma deixa de corresponder ao conteúdo, contrariamente ao primeiro estágio, em
que ela lhe correspondia e lhe dava toda possibilidade de desenvolvimento. A
não-correspondência da forma com o novo conteúdo, à medida que esse se
desenvolve, torna-se sempre mais aguda e finalmente um conflito explode entre o
conteúdo e a forma: o novo conteúdo rejeita a antiga forma, destrói o sistema
relativamente estável de movimento e, baseado em um novo sistema relativamente
estável de movimento (isto é, da forma), transforma-se, passando a um outro
nível qualitativo.
Inicialmente, a nova forma corresponde a seu
conteúdo, dá-lhe toda possibilidade de se expandir, então o conteúdo começa a
desenvolver-se impetuosamente. Mas, no curso de seu desenvolvimento, chega a um
estágio em que a forma começa novamente a comprimi-lo, a refrear seu
desenvolvimento, donde o aparecimento de uma discordância entre a forma e o
conteúdo que, em decorrência do desenvolvimento, leva à rejeição da antiga forma,
inserindo-se nessa nova forma que, em decorrência do desenvolvimento, conhece a
mesma sorte. E assim sucessivamente até o infinito.
A matéria desenvolve-se por meio da luta do
conteúdo e da forma, da rejeição da antiga forma e da criação de uma forma
nova.”
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