terça-feira, 24 de setembro de 2019

A Dialética Materialista: Categorias e leis da dialética (Parte III) – Alexandre Cheptulin

Editora: Alfa-Omega
ISBN: 978-85-2950-042-3
Tradução: Leda Rita Cintra Ferraz
Opinião: ★★★☆☆
Páginas: 360
Sinopse: Ver Parte I

“Mas foi Marx quem apresentou, com uma base materialista e científica consequente, leis da formação e do conhecimento da essência, aplicadas à formação capitalista.
Como podemos ver, a ordem da elaboração das categorias na história da Filosofia corresponde, em seu conjunto, à relação entre as categorias enquanto graus do desenvolvimento do conhecimento social.

4. AS CATEGORIAS ENQUANTO GRAUS DO DESENVOLVIMENTO DA PRÁTICA SOCIAL
O conhecimento das formas universais do ser dá-se no decorrer da atividade prática, no processo da transformação, orientada em direção a uma meta e à realidade. As ligações e as propriedades universais colocadas em evidência exprimem-se não apenas nas imagens e conceitos ideais surgidos no decorrer do desenvolvimento do conhecimento, mas igualmente pelos meios de trabalho criados pelos homens e pelas formas de sua atividade humana. É por isso que, no curso da formação dessa ou daquela categoria, reflete-se não somente a especificidade do estágio correspondente ao desenvolvimento do conhecimento, mas também as particularidades de formas da atividade dos homens, formas de relacionamentos existentes entre eles, assim como as existentes entre eles e a natureza, que são dominantes no período considerado como sendo o do desenvolvimento histórico da sociedade. Por exemplo, a correlação, a interação e a modificação (movimento), concebidos pelo homem como formas universais do ser, nos primeiros graus do desenvolvimento do conhecimento, são momentos necessários e universais do trabalho, da transformação racional dos objetos da natureza em meios de existência.
Com efeito, a atividade laboriosa tem por meta transformar esse ou aquele objeto ou fenômeno da natureza, por meio da ação de outro objeto (ferramenta) sobre ele, isto é, criar entre esses objetos uma certa ligação. No processo do trabalho, colocando os objetos em uma outra ligação que não aquela encontrada em seu estado natural e fazendo-os agir uns sobre os outros, o homem conseguiu sua transformação no sentido que lhe convinha. Observando milhares de vezes esse fenômeno, ele concluiu, inevitavelmente, que tudo na realidade ambiente encontra-se em correlação, em interação e que tudo leva a modificações e transformações de um no outro. Ainda mais, é precisamente essa convicção de que os objetos do mundo exterior se encontram em correlação, agindo uns sobre os outros, e, em decorrência, a convicção de que eles podem transformar-se, que foi uma das condições necessárias para a organização consciente e o desenvolvimento ulterior da produção. Se o homem não soubesse ou não tivesse certeza de que os objetos que o rodeiam pudessem transformar-se, ele não teria começado a agir sobre eles, não teria igualmente organizado a produção. Na Antiguidade, o próprio funcionamento e o desenvolvimento da produção provaram não apenas que o homem conhecia a capacidade dos objetos do mundo exterior de se transformar, em decorrência de sua interação, mas também que ele utilizava com sucesso esse conhecimento em sua atividade laboriosa.
A história do desenvolvimento da técnica testemunha a utilização da interação e das transformações que esta última implica, na atividade prática e, mais exatamente, no começo do desenvolvimento do conhecimento. Por exemplo, as primeiras formas de obtenção do fogo baseiam-se no friccionamento de dois objetos, assim como as primeiras máquinas elétricas basearam-se na interação, e assim por diante.
A influência da atividade prática — e, em particular, das formas de ligação que se estabelecem na sociedade entre os homens, das formas de suas relações — sobre a formação das categorias, é expressa, por exemplo, pela maneira como se estabelece o fundamento da ligação e do movimento universais dados por Heráclito e que se baseiam na unidade (comunidade) da natureza primeira de tudo o que existe. Para provar que todos os fenômenos do mundo estão ligados e que passam uns pelos outros, a partir do fato de que eles têm uma natureza comum — o fogo —, Heráclito compara o papel desempenhado pelo fogo no mundo das coisas ao papel do ouro nas relações comerciais da sociedade humana. Esse filósofo dizia que tudo pode ser trocado pelo fogo e o fogo pode ser trocado por qualquer coisa, assim como toda mercadoria pode ser trocada pelo ouro e o ouro por qualquer mercadoria.
A ligação da teoria de Aristóteles sobre os quatro tipos de causas — final, normal, material, produtiva — na prática, é bastante evidente. Aristóteles expõe a base de sua teoria da causalidade, tomando, como exemplo, a construção de uma casa.
Esse exemplo e o próprio fato de que Aristóteles tenha apresentado quatro tipos de causas mostram que ele procurava explicar o aparecimento das coisas na realidade ambiente por analogia com a criação no processo da atividade laboriosa dos homens.
A dependência da formação das categorias da dialética, com relação à atividade prática, e o reflexo por elas desses ou daqueles aspectos e formas surgem igualmente na elaboração da concepção mecanicista da causalidade na filosofia pré-marxista. Segundo essa concepção, as causas são forças exteriores que são aplicadas aos corpos para provocar o movimento. Essa representação da causa tem suas raízes na atividade laboriosa, exatamente na forma que ela possuía quando se realizava essencialmente pela ação do organismo humano sobre o mundo exterior, assim como no mecanismo terrestre baseado na dualidade da relação de causa e efeito: um aspecto sendo ativo e o outro passivo. Mostrando o caráter limitado da noção pré-marxista da causa como uma força agindo sobre o corpo, Engels escreveu: “(...) A ideia de força, pelo próprio fato de que tem sua origem na ação do organismo humano sobre o mundo exterior e também no mecanismo terrestre, implica que apenas uma parte é ativa e operante, enquanto a outra é passiva, receptiva...
A ideia de dependência frente a frente com a prática e com as relações sociais foi aplicada por Marx e Engels a outras categorias da dialética e, em particular, às categorias do singular e do geral. Mostrando a ligação dessas teorias com as formas de vida e de atividade dos homens, Marx escreveu que: “O que diria, então old (o velho) Hegel se viesse a saber no outro mundo que o Allgemeine (o geral) em alemão e em nórdico, nada mais significa do que o Gemeinland (os bens comuns), e o Sundre, Besondere (o particular), nada mais é do que a parcela particular desligada dos bens comuns? Assim, portanto, as categorias lógicas resultam simplesmente de nossas relações humanas”8.
O resultado disso é que as categorias não são apenas graus do desenvolvimento da consciência, mas também graus do desenvolvimento da prática social dos homens, de suas relações entre eles e deles com a natureza.
Desempenhando o papel de graus do desenvolvimento do conhecimento social e da prática, as categorias refletem não apenas as formas universais do ser, as propriedades e as ligações universais da realidade e suas leis universais, mas também as leis do movimento do conhecimento do inferior ao superior, as leis do funcionamento e do desenvolvimento do pensamento.
“(...) As categorias do pensamento, escrevia Lenin, não são um formulário do homem, mas a expressão das leis que são obedecidas tanto pela natureza como pelos homens”9. E, em outro ponto, ele escreve, citando a expressão de Hegel: “O movimento da consciência, ‘assim como o desenvolvimento de toda vida natural e espiritual’, baseia-se na ‘natureza das essencialidades puras que formam o conteúdo da lógica’”; além disso ele salienta que: “A inverter: a lógica e a teoria do conhecimento devem ser deduzidas do ‘desenvolvimento de toda vida natural e espiritual’”10.
As categorias, formando-se em uma certa ordem no curso do desenvolvimento do conhecimento social, estabelecem, entre elas, ligações e relações necessárias e assim formam a estrutura da atividade do pensamento dos homens, que se manifesta sob a forma de uma ordem lógica do conhecimento, sob formas universais do movimento do pensamento. No decorrer do conhecimento do objeto, o sujeito o concebe pelo prisma das categorias, que se criou em sua consciência e, realizando uma síntese categorial, coloca em evidência as propriedades e as ligações próprias a esse objeto e, em seguida, as formas específicas de sua manifestação em um domínio concreto da realidade. Ao mesmo tempo, o sujeito também coloca em evidência as características qualitativas e quantitativas do objeto estudado, das ligações de causa e efeito que lhe são próprias e as leis de seu funcionamento e de seu desenvolvimento.
À luz de tudo isso, a estrutura categorial que assegura o movimento do pensamento em direção à verdade é verificada em cada ação cognitiva e prática, em cada operação do pensamento e, em virtude de milhares de repetições e de confirmações, na prática, adquire um caráter de universalidade e de verdade. (...)
Assim, sendo um produto da atividade cognitiva, as categorias refletem as particularidades dos estágios do conhecimento no próprio momento em que elas se formam e, por meio de relações necessárias surgidas entre elas — as leis do movimento do conhecimento do inferior ao superior, as leis do funcionamento e do desenvolvimento do pensamento; estando ligadas à prática, que coloca em evidência as formas universais do ser, as propriedades e as relações universais das coisas e as materializa nos meios de trabalho criados e nas formas de atividade — as categorias refletem, de uma maneira ou de outra, as leis do funcionamento e do desenvolvimento da atividade prática.”
7 F. Engels, La dialectique de la nature, p. 87.
8 K. Marx e F. Engels, Correspondance, Moscou, Ed. Progresso, 1971, p. 202.
9 V. Lenin, Oeuvres, t. 38, p. 89.
10 Lenin, op. cit., p. 86.


“Dentre todos os países contemporâneos, é apenas nos países socialistas que é aplicado o seguinte princípio: ‘De cada um segundo suas capacidades, a cada um segundo seu trabalho’.”


“Uma definição científica do movimento foi dada, pela primeira vez, pelos fundadores do materialismo dialético e, em particular, por Engels que escreveu que: “o movimento, aplicado à matéria, é a modificação em geral”10. Ele “inclui todas as mudanças e todos os processos que se produzem no universo, da simples mudança de lugar até o pensamento”11.
O movimento é um atributo da matéria, sua propriedade fundamental. É por isso que ele está indissoluvelmente ligado a ela. Não houve, não há e não pode haver matéria sem movimento, nem movimento sem matéria. (...)
Sendo uma realidade objetiva, existindo fora e independentemente da consciência humana, a matéria não pode desaparecer total ou parcialmente, nem se transformar em qualquer coisa de imaterial. Ela existe eternamente, passando continuamente de um estado ou aspecto qualitativo a outro. E o mesmo acontece com o movimento. Estando organicamente ligado à matéria, ele não pode desaparecer ou se transformar em nenhuma outra coisa que não seja o movimento, porque sua quantidade permanece sempre a mesma. Salientando a eternidade da matéria e do movimento, assim como sua ligação orgânica, Engels escreveu que: “A matéria sem o movimento é tão inconcebível quanto o movimento sem a matéria. O movimento é, portanto, tão impossível de ser criado e destruído quanto a própria matéria...”.
10 F. Engels, Dialectique de la nature cit., p. 252.
11 F. Engels, La dialectique de la nature cit., p. 75.


“O materialismo dialético reconhece tanto o movimento em círculo, como o retorno para trás (regressão), mas não considera essas como tendências dominantes. A tendência dominante, no mundo material, é o movimento progressivo, as transformações que conduzem à passagem do inferior ao superior, do simples ao complexo, isto é, o desenvolvimento.”


“Certos autores utilizam os conceitos de evolução e de revolução em um sentido um pouco diferente9. Por revolução eles entendem um salto-ruptura e não toda modificação em cujo curso produz-se a destruição radical do fundamento qualitativo da coisa, e por evolução, eles entendem um salto que se realiza por acumulação gradual dos elementos da nova qualidade e do enfraquecimento gradual dos elementos da antiga qualidade.
A identificação da revolução com o salto-ruptura e da evolução com a passagem de um estado qualitativo a outro, por acumulação dos elementos da nova qualidade e o enfraquecimento dos elementos da antiga qualidade, não nos parece justificada. A revolução distingue-se da evolução não pela forma com que se realiza a passagem de uma qualidade a uma outra, mas pelo caráter, a profundidade, o grau de transformação da coisa, se essa passagem é acompanhada da destruição radical da qualidade existente, da transformação da coisa em uma outra coisa ou simplesmente de uma modificação de seu aspecto, de um desenvolvimento no quadro do próprio fundamento qualitativo.
Outros autores10 entendem por revolução as mudanças qualitativas e por evolução as mudanças quantitativas. Entretanto, embora a utilização dos conceitos de “revolução” e de “evolução” nesse sentido esteja profundamente enraizado na literatura filosófica, esta significação não constitui o conteúdo específico das categorias em questão, não é sua significação categorial.
O que é fundamental e específico no conteúdo desses conceitos é que um deles — “revolução” — designa um salto, que supõe a destruição radical do antigo fundamento qualitativo da formação material existente e o surgimento de uma nova formação material, enquanto que o outro — “evolução” — designa um salto que supõe a passagem de uma formação material de um estado qualitativo a um outro, no quadro de um fundamento qualitativo dado, no quadro de sua essência. São esses momentos do conteúdo dos conceitos em questão que lhes conferem a autonomia e o caráter categorial necessários.
Os conceitos de revolução e de evolução são universais, aplicáveis a todos os domínios da realidade. Entretanto, esses conceitos adquirem um caráter específico quando são utilizados para exprimir as leis da passagem de um estado qualitativo a outro, nesse ou naquele domínio concreto da natureza ou da vida social.
Se na natureza, a revolução é sempre um salto que provoca a destruição radical do antigo fundamento qualitativo, em alguns domínios da vida social, nos quais o desenvolvimento está ligado à ação de um fato subjetivo, a revolução não será absolutamente a passagem de uma qualidade a uma outra, que é acompanhada pela destruição radical do fundamento qualitativo presente, mas apenas a passagem que engendra formações mais perfeitas, isto é, a passagem do inferior ao superior. No que concerne aos saltos ligados à destruição radical do fundamento qualitativo presente, em decorrência dos quais opera-se a passagem de uma formação mais aperfeiçoada a uma formação menos aperfeiçoada, isto é, do superior ao inferior, estes não representam uma revolução, mas uma contrarrevolução. Uma revolução é, por exemplo, a passagem do poder político de uma classe historicamente condenada a uma classe progressista, como o dos senhores feudais para a burguesia, ou o da burguesia para o proletariado. E a contrarrevolução é o restabelecimento provisório da dominação econômica e política da classe historicamente condenada e destruída no curso da revolução.
A evolução aplicada a fenômenos sociais dados manifesta-se como reforma ligada, como já sabemos, a mudanças qualitativas no quadro do próprio fundamento qualitativo e mudanças que não colocam em questão a essência do regime econômico ou político da sociedade.
Tendo indicado a diferença entre as mudanças reformistas e revolucionárias, Lenin escreveu que: “A ciência histórica nos diz que o que distingue uma mudança reformista de uma mudança não reformista em um regime político dado é, em geral, que, no primeiro caso, o poder permanece nas mãos da antiga classe dominante, e que, no segundo caso, o poder passa das mãos dessa classe para as de uma nova”11. Mas ao mesmo tempo ele destacava que: “seria absolutamente falso pensar que, para lutar diretamente a favor da revolução socialista, possamos ou devamos abandonar a luta pelas reformas. Não é isso absolutamente. Nós não podemos saber em quanto tempo alcançaremos o sucesso e em que momento condições objetivas permitirão o acontecimento dessa revolução. É preciso que sustentemos qualquer melhoria, toda melhoria real da situação econômica e política das massas”12.
Desde que a passagem de um estado qualitativo a outro efetua-se por meio de saltos, no que concerne às transformações da sociedade, assim como às relações sociais, e ainda a qualquer outro problema concreto, é preciso ser revolucionário, não ter medo de derrubar tudo o que já está ultrapassado, tudo o que já envelheceu.
Pelo fato de que os saltos, em decorrência dos quais produz-se a passagem da antiga qualidade à nova qualidade, não têm o mesmo caráter, nem a mesma forma, é preciso, na prática, que, no momento de uma ação consciente sobre esse ou aquele processo da transformação de uma qualidade a outra, estudemos minuciosamente a situação e que escolhamos a melhor forma de salto, correspondente às condições concretas dadas, porque somente dessa maneira estaremos livres de erros e poderemos realmente acelerar o curso objetivo dos acontecimentos.”
9 L. V. Vorobiov, V. M. Kagarov, A. E. Furman, As categorias e fundamentais da dialética materialista, Ed. da Universidade Estatal de Moscou, 1961, p. 220-39. Original em russo.
10 N. I. Borin, A lei de passagem das mudanças quantitativas às qualitativas, 1960, p. 21. Original em russo.
11 V. Lenin, Oeuvres, t. 18, p. 588.
12 V. Lenin, op. cit., t. 23, p. 174.


“O caráter necessário da correlação da causa e do efeito não exclui, portanto, a possibilidade da existência objetiva da contingência, forma universal do ser, assim como a necessidade. Somente que, ao contrário da necessidade, que se manifesta no domínio da correlação dos elementos que constituem as causas e no domínio do laço das causas com seus efeitos, a contingência manifesta-se apenas no domínio das causas, no domínio da interação das formações materiais (e nas formações materiais), acarretando as mudanças correspondentes.

A necessidade e a contingência não existem de forma separada, uma ao lado da outra. Elas encontram-se em ligação orgânica e em interdependência e pertencem aos mesmos fenômenos. Cada fenômeno, cada formação material é, ao mesmo tempo, necessário e contingente. Algumas de suas propriedades e ligações são condicionadas pelas causas internas e traduzem a natureza de seus elementos formadores, outras são condicionadas por suas causas externas, por sim interação com o meio ambiente. Por exemplo, cada organismo vivo, no decorrer de seu desenvolvimento e de sua existência, manifesta uma série de propriedades que o caracterizam como representante de uma certa espécie. Essas propriedades são condicionadas por sua natureza, por seus aspectos e ligações internos e são também programadas neles e constituem o necessário.
Por outro lado, surgem nesse organismo vivo, propriedades que são engendradas, pelas condições individuais de sua existência, por sua interação com outras formações materiais e com o meio ambiente. Elas formam o contingente. As propriedades necessárias do organismo vivo existem nele, não ao lado das propriedades contingentes, mas nelas mesmas, e manifestam-se por meio delas. As propriedades e as ligações contingentes são uma forma de manifestação das propriedades e das ligações necessárias. A necessidade cria seu caminho por meio de uma massa de desvios contingentes que, exprimindo-a como uma tendência, introduzem no processo o fenômeno concreto, e uma grande quantidade de novos elementos que não decorrem da necessidade, mas que são condicionados por circunstâncias exteriores. Por exemplo, a dependência do preço da mercadoria da quantidade de trabalho socialmente necessária, gasta para produzi-la, existe não ao lado da dependência do preço com relação a outros fatores e, em particular, com relação à correlação entre a oferta e a procura existentes no mercado, mas manifesta-se nela, sob a forma de tendência, mediante uma grande quantidade de desvios nesse ou naquele sentido, que acompanham as operações de trocas.
Pelo fato de que a necessidade é condicionada pela natureza da coisa e realiza-se necessariamente, enquanto a contingência é chamada à vida por circunstâncias exteriores e pode dar-se ou não, na prática, não devemos orientar-nos pela contingência, mas sim pelas propriedades e ligações necessárias. Segue-se igualmente que o conhecimento da necessidade é uma tarefa fundamental da ciência. Mas, como o necessário não existe no estado puro e se manifesta mediante uma grande quantidade de desvios contingentes, seu conhecimento só é possível por meio do estudo do contingente e a colocação em evidência, nele, das tendências necessárias.”


“A necessidade existe sob forma de propriedades e ligações dos fenômenos. Algumas relações e ligações necessárias são chamadas de lei. A lei é, portanto, o que se manifesta, necessariamente, nas condições apropriadas.”


“A correlação entre leis gerais e específicas decorre das leis universais do desenvolvimento da matéria. No processo do desenvolvimento realiza-se a negação de algumas formações materiais e o aparecimento de outras que representam um grau mais elevado. Toda formação material de um estágio mais elevado de desenvolvimento inclui, sob uma forma anulada (transformada), o que era próprio à formação de um estágio inferior de desenvolvimento, isto é, retém tudo o que era positivo, tudo o que foi obtido pela matéria em sua evolução anterior. Mas, ao lado disso, entre as formações materiais de um estágio mais elevado de evolução, aparecem novas propriedades específicas que provêm do aparecimento de novos modos de interação, de ligações e de relações novas. Por exemplo, quando da passagem do átomo à molécula, esta última, retendo tudo o que era condicionado pela interação das partículas “elementares”, que constituem esse átomo, adquire novas propriedades específicas, condicionadas pelas novas relações, pelo novo modo de interação — interação dos átomos entre si. Quando da passagem das formas de vida não celular para os organismos celulares, estes últimos conservam algumas relações e ligações próprias aos primeiros e, ao mesmo tempo, formam um novo sistema de ligações e de relações. A mesma coisa acontece quando da passagem, na sociedade, de uma formação econômica a outra.”


“Definir o conteúdo como fundamento das coisas significa identificá-lo com a essência, mas estes são coisas diferentes. A essência é o que é estável, o que permanece na coisa, enquanto o conteúdo é o que se desloca, o que é instável, em movimento permanente, o que se renova; a essência representa o geral na coisa, no objeto, o conteúdo representa sempre o individual e inclui em si mesmo tanto o geral, como o singular; a essência é o necessário na coisa, o conteúdo é a unidade do necessário e do contingente.”


“Na realidade, toda forma está organicamente ligada ao conteúdo, é uma forma de ligação dos processos que o constituem. A forma e o conteúdo estando em correlação orgânica, dependem um do outro, e essa dependência não é equivalente. O papel determinante nas relações conteúdo-forma é desempenhado pelo conteúdo. Ele determina a forma e suas mudanças acarretam mudanças correspondentes da forma. Por sua vez, a forma reage sobre o conteúdo, contribui para seu desenvolvimento ou o refreia.
Pelo fato de que o conteúdo representa o conjunto dos processos e das mudanças que ele acarreta, próprias a uma formação dada, ele está ligado ao movimento absoluto, que é uma característica de toda formação material. A forma está ligada ao repouso relativo, porque ela é um sistema relativamente estável de ligações de momentos (elementos) do conteúdo. Estando ligado a um movimento absoluto, o conteúdo muda constantemente, enquanto que a forma, que deve seu aparecimento e sua existência a um repouso relativo, permanece imutável e estável durante um tempo mais ou menos longo.
Inicialmente, as mudanças que se produzem no conteúdo não influem no sistema relativamente estável das ligações da forma; elas instalam-se completamente em seu quadro e, por esse fato, o conteúdo evolui rápida e imperiosamente. Mas há um ponto em que as mudanças no conteúdo atingem um nível em que os quadros desse sistema de correlação tornam-se muito estreitos. O sistema relativamente estável começa a entravar o desenvolvimento do conteúdo, a reprimi-lo. Nesse estágio de desenvolvimento do conteúdo, a forma deixa de corresponder ao conteúdo, contrariamente ao primeiro estágio, em que ela lhe correspondia e lhe dava toda possibilidade de desenvolvimento. A não-correspondência da forma com o novo conteúdo, à medida que esse se desenvolve, torna-se sempre mais aguda e finalmente um conflito explode entre o conteúdo e a forma: o novo conteúdo rejeita a antiga forma, destrói o sistema relativamente estável de movimento e, baseado em um novo sistema relativamente estável de movimento (isto é, da forma), transforma-se, passando a um outro nível qualitativo.
Inicialmente, a nova forma corresponde a seu conteúdo, dá-lhe toda possibilidade de se expandir, então o conteúdo começa a desenvolver-se impetuosamente. Mas, no curso de seu desenvolvimento, chega a um estágio em que a forma começa novamente a comprimi-lo, a refrear seu desenvolvimento, donde o aparecimento de uma discordância entre a forma e o conteúdo que, em decorrência do desenvolvimento, leva à rejeição da antiga forma, inserindo-se nessa nova forma que, em decorrência do desenvolvimento, conhece a mesma sorte. E assim sucessivamente até o infinito.
A matéria desenvolve-se por meio da luta do conteúdo e da forma, da rejeição da antiga forma e da criação de uma forma nova.”

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