Editora: InterSaberes
ISBN: 978-85-5972-585-8
Opinião: ★★★☆☆
Páginas: 270
“Platão defende que
qualquer realização no contexto ético (ethos,
para os gregos, significava “hábito” e considerava a relação intrínseca de
copertença entre o sujeito e a pólis)
precisa ser pautada por um conhecimento fundamentado, objetivo e
necessariamente válido.
O critério de
necessidade que caracteriza um princípio racional nunca havia sido pensado como
parâmetro absoluto para as ações. Pensá-lo não deixa de ser ousado, mas também
controverso.”
“Filosofar é
aprender a morrer.” (Sócrates)
“(O diálogo
platônico Fédon)
faz parte de todo um contexto em que a relação com a palavra é diferente da
nossa, que, muito marcados já pela perspectiva moderna do conhecimento, estamos
acostumados a ver na palavra escrita mais verdade do que na falada, O leitor
pode verificar que, em diversas obras, Platão desconfia da palavra escrita,
chegando a registrar no Fedro que a palavra
é um phármakon: tanto pode ser um
remédio quanto um veneno. Você pode perceber aí mais uma vez o efetivo teor de
diálogo do texto de Platão, em que a filosofia é viva e se constrói no
pensamento ativo dos participantes, perspectiva que coaduna com a ideia mesma
de filosofia daquele que foi o inventor da razão ocidental.”
“Para Platão, as
virtudes não podem ser bem exercidas senão com base em uma perspectiva
racional; por isso, a sabedoria é uma virtude imprescindível. E por ser o
filósofo detentor da virtude mais verdadeira, ele deve ter a certeza de que ao
morrer se unirá aos bem-aventurados.”
“Sócrates, de
forma bastante amável, os tranquiliza, mas não sem antes fazer uma advertência:
Para não ficarmos misólogos, disse, como outros
ficam misantropos. O que de pior pode acontecer a qualquer pessoa é ficar
inimigo da palavra. A misologia e a misantropia têm a mesma origem. O ódio aos
homens nasce do excesso de confiança sem razão de ser, quando consideramos
alguém fiel, sincero e verdadeiro, e logo depois descobrimos que se trata de
pessoa corrupta e desleal, e depois outra mais nas mesmas condições. (Platão, Fédon,
2011a, passo 89-d)
Um pouco adiante,
explica a semelhança afirmada: “A semelhança consiste no seguinte: quando se
admite a exatidão de um argumento, sem ser-se versado na arte da dialética,
pode acontecer que logo depois ele nos pareça falso, às vezes com fundamento,
outras vezes sem nenhum, e depois mais outro e mais outro da mesma natureza”
(Platão, 2011a, passo 90-b).
Sócrates procura,
com isso, assegurar a confiança no modo de proceder da filosofia, o que, em
última instância, delimita aquilo que é válido ou não, como dúvida ou como
afirmação. E em seguida pede que “concedam pouca atenção a Sócrates e muita à
verdade” (Platão, 2011a, passo 91-c).”
“De toda maneira,
a racionalidade inaugurada por Platão é fruto dessa constatação de uma espécie
de conhecimento que ultrapassa a empiria.
E ainda que se corrija todo o excesso que o filósofo comete ao tornar as ideias
entes subsistentes por si próprios, apenas invisíveis, ainda assim permanece
correta a constatação de que há certezas fundamentadas que não se alcançam por
uma soma de dados oriundos dos sentidos.
Podemos desconfiar
de que a resposta platônica é, em certa medida, ingênua, pois considera um
mundo invisível onde estão entidades sem corpo, os quais são denominadas ideias. Contudo, essa resposta tinha sua
razão de ser. Conhecemos as ideias e as esquecemos mesmo antes de nascer, dessa
forma, todo o conhecimento racional, em vida, é uma reminiscência. De que outra
forma, senão por meio de uma imagem como essa, poderia Platão falar da certeza
inerente ao conhecimento racional? A noção de inatismo nasce, portanto, como maneira de sustentar a possibilidade
de um conhecimento que pretende ultrapassar o domínio da experiência subjetiva
e sensorial.
Sobre esse
conceito, é claro, ergueu-se um edifício contestável. As apropriações medievais
da teoria platônica tendem a uma interpretação distante do problema do
conhecimento, que lança a noção de alma imortal em um paradigma exclusivamente
religioso, que não foi o que Platão pensou, ou melhor, não foi o problema
central que levou Platão a escrever o que escreveu.
A filosofia levaria quase dois milênios para
questionar essa maneira de pensar. Apenas nos primórdios da modernidade, ao
lado das profundas transformações do Renascimento, é que se colocou em xeque a
noção de conhecimento inato. Os empiristas modernos são responsáveis por esse questionamento,
defendendo que não há, absolutamente, relações de pensamento com caráter de
necessidade, nem nada mais que justifique a ideia de um conhecimento para além
da experiência. E Kant dá a ela uma nova perspectiva quando propõe que esse “além
da experiência” significa tão somente o que chama deformas puras de nossa
racionalidade, isto é, relações inerentes à nossa própria capacidade cognitiva.”
“É muito
importante que você não se esqueça, portanto, de duas ideias que consideramos
essenciais para seguir o pensamento de Aristóteles, sobretudo para evitar
alguns equívocos interpretativos e para tornar a leitura mais segura, interligando
as questões que surgem a qualquer momento nos estudos com os princípios
fundamentais de seu pensamento.
A primeira é a
ideia de que todo homem é político por
natureza, e isso quer dizer que é natural ao humano buscar a organização
social e a vida em comunidade, não uma mera convenção ou uma circunstância acidental.
É por isso, pois, que o homem é um zoon
politikós. A segunda é que o Estado
ou a pólis, como tudo o que existe na terra, é suscetível à corrupção e ao
perecimento. Toda grande ideia e toda grande virtude, portanto, podem ter
suas versões corrompidas.”
“(Para
Aristóteles) O objetivo da vida política, sob a qual apenas a espécie humana
está organizada, é dedicar todos os esforços para que os cidadãos sejam capazes
de ações nobres cujo benefício extrapola suas vidas individuais.”
“A virtude, nesses
casos, aproxima-se do meio-termo. São os vícios, seja pelo excesso ou pela
escassez, que nos direcionam para uma reação desmedida. Por isso, Aristóteles (Ética a
Nicômaco; Poética, 1991, p. 33) afirma: “senti-los na ocasião
apropriada, com referência a objetos apropriados, pelo motivo e da maneira
conveniente, nisso consistem o meio-termo e a excelência característicos da
virtude”.
Dado que é muito
mais fácil errar do que acertar, “pois os homens são bons de um modo só, e maus
de muitos modos” (Aristóteles, 1991, p. 33), o filósofo formula a ideia de que
a virtude é uma disposição de caráter que se relaciona com as escolhas que os
homens fazem. Cada escolha e decisão, por sua vez, deve visar a mediania, tendo
o próprio homem como referência, isto é, deve ser determinada por um princípio
racional e apresentar-se como uma sabedoria prática. Observe na seguinte
passagem como o filósofo argumenta:
Está, pois, suficientemente esclarecido que a
virtude moral é um meio-termo, e em que sentido devemos entender esta
expressão; e que é um meio-termo entre dois vícios, um dos quais envolve o
excesso e o outro deficiência, e isso porque a sua natureza é visar à mediania
nas paixões e nos atos.
(Aristóteles,1991, p, 37). (...)
Quadro
5.3 – Virtudes morais
Sentimento
ou paixão
|
Gatilho
|
Vício
por excesso
|
Vício
por escassez
|
Virtude ou
justa
medida |
Prazer
|
Tocar, ter, ingerir
|
Libertinagem
|
Insensibilidade
|
Temperança
|
Medo
|
Perigo, dor
|
Covardia
|
Temeridade
|
Coragem
|
Confiança
|
Perigo, dor
|
Temeridade
|
Covardia
|
Coragem
|
Riqueza
|
Dinheiro, bens
|
Prodigalidade
|
Avareza
|
Liberalidade
|
Fama
|
Opinião Alheia
|
Vaidade
|
Humildade
|
Magnificência
|
Honra
|
Opinião alheia
|
Vulgaridade
|
Vileza
|
Respeito próprio
|
Cólera
|
Relação com os outros
|
Irascibilidade
|
Indiferença
|
Gentileza
|
Convívio
|
Relação com os outros
|
Zombaria
|
Grosseria
|
Agudeza de
espírito |
Concessão
de prazer
|
Relação com os próximos
|
Condescendên-
cia |
Tédio
|
Amizade
|
Vergonha
|
Relação de si com os outros
|
Sem-vergonhice
|
Timidez
|
Modéstia
|
Boa
sorte
|
Relação dos outros consigo
|
Inveja
|
Malevolência
|
Justa apreciação
|
Má
sorte
|
Relação dos outros consigo
|
Malevolência
|
Inveja
|
Justa indignação
|
“Visto que a virtude moral
é uma disposição de caráter ligada a uma escolha (desejo deliberado), esta só
pode ser acertada quando é verdadeira e reto é o desejo. A escolha deve,
portanto, buscar o que afirma a razão, pelo menos quando se trata de uma razão
prática. Quando se trata apenas do intelecto, sem produção ou ação, a verdade é
o bastante. A escolha é um raciocínio desejante ou um desejo racional.”
“(Para
Aristóteles) amigo é aquele que deseja e faz o bem para seus amigos, o que
mostra, portanto, que tem interesse em viver na companhia do outro, além de
compartilhar os mesmos valores, gostos, tristezas e alegrias.
Dito isso, não
podemos supor que amizade e benevolência sejam a mesma coisa, pois enquanto a
primeira implica em conhecimento e intimidade, a segunda pode surgir a qualquer
momento. Ambas implicam em uma cooperação, mas apenas a amizade exige
intensidade e desejo. E mesmo que alguém possa apontar a benevolência como um
impulso para a amizade, devemos lembrar que agir com benevolência não é nada além
de um sinal de justiça, e, por isso, não representa qualquer estima por
determinada pessoa.
É mais nobre o
homem que faz algo do que aquele que é passivo diante de uma obra realizada.
Para o primeiro, ela é duradoura; para o segundo, passageira. A lembrança das
coisas nobres é mais agradável do que das coisas úteis. Como o amor é uma
espécie de atividade, todos os homens têm maior amor ao que ganharam como fruto
de seu trabalho. Nesse ponto, você poderia questionar: Se a verdadeira amizade
se assemelha a uma espécie de amor próprio, é recomendável amar mais a si mesmo
do que ao outro?
Para amar o melhor
amigo, é fundamental que esse amor seja igual ao amor que temos por nós mesmos.
Porém, o ególatra, aquele que ama a si mesmo mais que aos demais, costuma agir
apenas em causa própria. Como sair desse paradoxo? A saída encontrada por
Aristóteles é criticar a autofilia e louvar o homem que toma como amor de si o
amor pela razão, e pela moderação: amigo da razão ou filósofo. É por isso que
ele diz que só é possível ser feliz tendo amigos virtuosos. Afinal, ao desejar
o bem a nossos amigos, o fazemos em relação a nós mesmos. Isso engendra uma igualdade
entre os amigos virtuosos, legitimando a colaboração mútua como exigência para
a felicidade. Em outras palavras, só é possível ser feliz entre amigos
verdadeiros e virtuosos.”
“Considerando que
em alguns momentos afirmamos que a felicidade é o bem supremo, almejado pelos
homens, nessa concepção ética de Aristóteles, nada mais adequado do que
imaginar que o filósofo deseja entregar uma definição de felicidade para quem
acompanhou a leitura de sua obra.
Em primeiro lugar,
para o filósofo, a felicidade não deve ser pensada como uma disposição, porque
assim poderia pertencer a quem não se move ou nada faz. Além disso, sabemos que
nada completa a felicidade porque nela não há falta ou escassez, visto que é
autossuficiente. Não seria de bom tom confundi-la com a recreação ou o
entretenimento: a diversão não pode ser o fim último de todo o sofrimento e o
conjunto das ações dos homens, porque para isso elas não precisariam ser
necessariamente virtuosas.
Sem dúvida, o que
podemos dizer é que a felicidade reside nas atividades virtuosas. A natureza da
felicidade é contemplativa e, por isso, seria mais correto dizer que ela é
conforme a virtude do que afirma que seja ela mesma uma atividade virtuosa.
Como as atividades contemplativas são, em geral, autossuficientes, a felicidade
também guarda essa característica e, como tal, não depende de outras atividades
para efetivar-se. Nas palavras do próprio filósofo, “essa atividade parece ser a
única que é amada por si mesma, pois dela nada decorre além da própria
contemplação, ao passo que das atividades práticas sempre tiramos maior ou
menor proveito” (Aristóteles, 1991, p. 188).”
“Aristóteles abre
a Metafísica com a frase: “todos os
homens têm naturalmente o desejo de conhecer”, e isso por si já suscita uma
série de reflexões. Assim como Platão faz em A República, Aristóteles faz da
filosofia um tema central dessa obra. Esta é uma postura bastante específica da
filosofia clássica grega, que é fazer do tema do conhecimento um tema
filosófico pela primeira vez. Elas não buscavam apenas a sabedoria ou as
respostas sobre o universo como fizeram os filósofos pré-socráticos,
interessava a eles também saber o que é a sabedoria e entender como ela pode
ser alcançada, além de diferenciar formas de saber; É importante notar que foi
esse sustentáculo que permitiu à filosofia tornar-se o que é, ou seja, algo à
parte de uma sabedoria religiosa ou cultural, uma proposta de método
estabelecido e embasado na constatação das possibilidades do próprio raciocínio
humano.”
“Dado todo esse
contexto, Aristóteles afirma, então, que a filosofia é o estudo das primeiras
causas e primeiros princípios. E adiciona: porque uma das causas é o bem, a
razão final. Mais adiante, Aristóteles diferencia as causas, e isso nos chega
como uma doutrina das mais bem estabelecidas na filosofia. Entretanto, nesse
ponto, ele elenca apenas uma delas, que é o bem ou a causa final. Ele está se
referindo ao télos, palavra que
significa “concretude de uma realidade”, isto é, a realidade se realiza cumprindo
tal sentido. Assim, o télos do
martelo é martelar; o do homem é realizar-se racionalmente. Aristóteles
pergunta então: Qual é a causa final da realidade como um todo? Disso se trata
a palavra metafísica, que em
Aristóteles não tinha esse nome, mas o de “filosofia primeira”.”
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